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Criando sinergias para repensar o desenvolvimento cultural de Moçambique NATAL/RN 2023
Criando sinergias para repensar o desenvolvimento cultural de Moçambique Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Turismo. Linha de pesquisa: Turismo e desenvolvimento regional. Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo. NATAL/RN 2023
Criando sinergias para repensar o desenvolvimento cultural de Moçambique Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Turismo. Linha de pesquisa: Turismo e desenvolvimento regional. Natal/RN, 12 / 01 /202 3 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Orientador Profa. Dra. Maria Lúcia Bastos Alves Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Examinador Interno Prof. Dr. Mozart Fazito Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Examinador Interno Profa. Dra. Viviane Costa Fonseca de Almeida Instituto Federal do Rio Grande do Norte Examinador Externo Prof. Dr. Ezio Lorenzo Bono Universidade Save - Moçambique Examinador Externo
À minha esposa, Margarida , que um dia, aborrecida pela pouca atenção que eu prestava enquanto falava comigo, justamente porque estava no processo de transformação do projeto de pesquisa no texto que compõe esta tese, ironizou: – “Parece que estás a escrever alguma coisa que vai mudar o país. Tem o que aí de importante que vai mudar o país?” Essa pergunta simples, mas filosoficamente profunda, como o demônio de Laplace, foi capaz atingir o magma mais profundo da minha intelectualidade, interrompeu de forma abrupta a minha inspiração e perseguiu-me durante toda a produção teórica, toda a reflexão e todas as inferências sobre o objeto de pesquisa. Na impossibilidade de fornecer um modelo preditivo capaz de resolver os problemas do meu país, espero ter encontrado um caminho que trace possibilidades de pesquisas, semeie incertezas, instigue a reflexividade e a crítica, questione o status quo e pugne pela autonomia e liberdade como valores essenciais à vida e à ciência.
Continuamos acreditando nas ciências, mas ao invés de encará-las na sua objetividade, sua frieza, sua extraterritorialidade – qualidades que só tiveram um dia devido ao tratamento arbitrário da epistemologia – , iremos olhá-las através daquilo que elas sempre tiveram de mais interessante: sua audácia, sua experimentação, sua incerteza, seu calor, sua estranha mistura de híbridos, sua capacidade louca de recompor laços sociais (Bruno Latour).
Este trabalho resulta de uma pesquisa de Doutorado em Turismo, intitulada “Epistemologia da complexidade e pesquisa interdisciplinar no turismo: criando sinergias para repensar o desenvolvimento cultural de Moçambique”. A pesquisa tinha como objetivo estruturar com densidade o paradigma da complexidade para fazer dialogar as múltiplas abordagens entre turismo, políticas culturais, economia criativa e o processo de desenvolvimento em Moçambique. Os procedimentos metodológicos incluíram a pesquisa bibliográfica; a análise documental de fontes primárias, como legislação, políticas públicas, relatórios, programas de atividades como Plano Estratégico da Cultura 2012 - 2022 e Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo em Moçambique II 2016 - 2025 ; a observação participante; e as entrevistas narrativas com alguns agentes culturais, para compreender as dinâmicas do campo cultural. Os dados da pesquisa confirmaram a tese de que a interação entre o turismo e a economia criativa pode constituir uma possibilidade para o desenvolvimento cultural de Moçambique. Esse fato se verifica a partir dos avanços e das reformas alcançadas na elaboração de um quadro legal para o turismo e a cultura, que pode levar o país a alcançar o desenvolvimento cultural. Todavia, ainda existem alguns desafios que devem ser ultrapassados para ampliar as liberdades substantivas dos agentes culturais que participam do circuito da economia criativa, pois ainda prevalece a tradição de uma política cultural marcada pela hegemonia das dimensões político-administrativa e econômica, que precisa de ser substituída por uma visão sistémico-organizacional que reconhece a complementaridade das diversas dimensões da cultura e, por via disso, promover processos horizontais, como o maior envolvimento das comunidades locais no planejamento e gestão de políticas de turismo e cultura. Dado que os debates sobre economia criativa são emergentes na esfera pública moçambicana, as redes culturais ainda são fracas e é necessário ampliá-las e reforçar o seu poder para ultrapassar as dificuldades de financiamento ou de promoção e integração das atividades culturais no turismo e melhorar a transparência nos processos de gestão dos fundos públicos para cultura. Existem algumas iniciativas na cidade de Maputo que buscam a aproximação entre as escolas e o patrimonio cultural, mas ainda não há uma cultura dos museus. Urge apostar, então, em ações de educação patrimonial nas escolas, promovendo o vasto patrimônio cultural para que seja apreciado, valorizado e consumido pelos cidadãos nacionais e posteriormente integrado na experiência turística. O olhar sistêmico-organizacional das sinergias entre turismo e cultura permitiu compreender as dinâmicas e contradições sociais, as relações de poder e os processos de resistência aos discursos hegemônicos sobre o crescimento econômico, num contexto em que o turismo vai sinalizando para a integração da cultura, a criatividade, a memória, as tradições e as vivências das comunidades locais e periféricas rumo à emancipação social, à solidariedade, à humanização das práticas de turismo e ao desenvolvimento cultural. Palavras-chave: complexidade, turismo, cultura, economia criativa e desenvolvimento cultural.
Tabela 1 – Mercado global de bens criativos em 2015.......................................................... 23 Tabela 2 – Mercado do turismo na SADC ............................................................................. 69 Tabela 3 – Mercado do turismo em Moçambique .................................................................7 8 Tabela 4 – Comércio de bens culturais e criativos entre África do Sul e outros países africanos (2 015 a 2017) ....................................................................................................... 188 Tabela 5 – Comércio de bens culturais e criativos em Moçambique (2019) .......................1 93 Tabela 6 – Distribuição percentual de horas de emissão por estatuto, segundo tipo de programas de televisão, Moçambique 2018- 2020 ...............................................................1 95 Tabela 7 – Número de visitantes nos museus da cidade de Maputo (2018-2019) .............2 37
Figura da Capa – indústrias culturais e criativas em Moçambique (cortesia da ÓRevista
AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos AMOCINE – Associação Moçambicana de Cineastas ARPAC - Arquivo do Patrimônio Cultural ATFC (sigla em inglês) – Áreas Transfronteiriças de Conservação COMESA – Mercado Comum da África Oriental e Austral CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa FEIMA – Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia FFLC – Fundação Fernando Leite Couto FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique FUNDAC – Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural INATUR – Instituto Nacional de Turismo INC - Instituto Nacional do Cinema INE – Instituto Nacional de Estatística INICC IP – Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas, IP MICTUR – Ministério da Cultura e Turismo NESAM - Centro Associativo dos Negros de Moçambique ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OMT – Organização Mundial de Turismo PEC – Plano Estratégico da Cultura PEDTM II – Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo em Moçambique II SACU – Southern Africa Customs Union (União Aduaneira da África Austral) SADC – Comunidade de Desenvolvimento da África Austral UCT – Unidade de Coordenação do Turismo UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNTWO – United Nation Tourism World Organization (Organização Mundial do Turismo)
O turismo é um fenômeno social que tem assumido um lugar de destaque nos meios empresarial, governamental e acadêmico. Neste último caso, áreas como administração, economia, geografia, sociologia, comunicação, entre outras, têm refletido sobre o turismo e o seu impacto local, regional, nacional e internacional. A pesquisa que a seguir se apresenta configura uma tese de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Turismo, um programa com caráter interdisciplinar vinculado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), subordinada ao tema Epistemologia da complexidade e pesquisa em turismo: criando sinergias para repensar o desenvolvimento cultural de Moçambique. A motivação cultural sempre esteve presente, desde as primeiras viagens que antecederam o turismo moderno, precisamente no século XVI, quando se iniciaram as viagens particulares, em oposição às viagens oficiais realizadas no âmbito dos grandes descobrimentos (Molina, 2003). Embora as viagens tivessem um caráter iniciático para os jovens da elite inglesa, foi durante o Grand Tour que se registrou o interesse em visitar monumentos expressivos de civilizações antigas, como o Coliseu em Roma e os canais de Vezena (ambos na Itália), o templo de Atenas na Grécia, as pirâmides do Egito e outros lugares históricos no Médio Oriente (Dias, 2013). Após a Revolução Industrial, no início do século XIX, registraram-se alguns avanços tecnológicos que popularizaram o turismo, os quais facilitaram o surgimento de agentes e operadores turísticos, incluindo a provisão de serviços culturais (Ignarra, 2003). Nesse período, destaca-se o interesse em conhecer a história de civilizações antigas, a preocupação em estudar os aspectos culturais durante as viagens e as discussões filosóficas sobre o valor do contato direto com os usos, os costumes, a arte, a religião e a história de outros povos. Entretanto, a massificação do turismo teve um maior alcance no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, e foi acompanhada pela crença do crescimento econômico. Desde que iniciou o processo de globalização, na década de 1970, o paradigma economicista tem ignorado os efeitos dessa exploração nas comunidades locais e, acima de tudo, tem marginalizado as interações humanas, em detrimento
culturas e das tradições como forma de legitimar as comunidades (Mbembe, 2013). Essa dicotomia entre a lógica do crescimento econômico e a lógica da identidade cultural encontra-se expressa na Agenda 2063, “A África que queremos”, na qual os líderes africanos se comprometeram numa agenda comum para o desenvolvimento do continente. O filósofo Uduma Oji Uduma faz referência a essas tensões no contexto africano quando apresenta a lógica da identidade cultural (lógica de enculturação) como a que enfatiza a pluralidade dos contextos históricos e socioculturais em que decorre a cognição humana. Além disso, reconhece que existem experiências africanas peculiares que se opõem ao processo de universalismo ocidental, o qual tenta minimizar e desvalorizar os elementos de cognição e experiências que são supostamente distintivos e únicos para o desenvolvimento sociocultural (Uduma, 2016). Pode-se inferir que a cultura apresenta uma particularidade geográfica específica, pois o lugar é rico de leituras, símbolos e significados, razão pela qual as culturas europeias diferem das culturas africanas, americanas ou asiáticas. Ora, apesar dessa tensão entre o lugar e o global, Uduma (2016) chama a atenção para a necessidade de transcender o jingoísmo, na defesa de uma lógica africana de enculturação, para não cair no repúdio dos processos (lógicos) de pensamento universal, o que apela para o dialogismo entre a valorização da identidade cultural e os processos de globalização. A resolução dessa tensão entre a identidade cultural e a globalização é proposta por outros pensadores africanos contemporâneos, como Dorohty U. Olu- Jakob, para quem à luz da interdependência e intensificação das inter-relações dentro do globo, nenhuma cultura, africana ou não africana, pode permanecer calada em seu casulo ou operar como uma mônada sem janelas, porque a dinâmica globalizante exige complementaridade e enriquecimento (Olu- Jakob, 2016, p. 65). Nesse contexto, a interculturalidade pode possibilitar aos africanos não somente manter um diálogo com o processo de globalização e compreender e interpretar as outras culturas, mas também se apropriar dos conhecimentos e técnicas que outras culturas usaram para se superar. A proposta da interculturalidade não pressupõe a eliminação das culturas locais, mas leva em consideração as diversas formas pelas quais o lugar reage ao
sistema globalizado, de forma criativa. Trata-se de reconhecer a possibilidade de uma resposta local aos problemas globais, apesar da existência de contradições, dissensos e uma certa desordem nos processos locais. O reconhecimento do efeito multiplicador do turismo levou vários governos a reformularem as suas políticas públicas, visando assegurar o desenvolvimento local, o que requer a consideração das características específicas de cada território, a promoção da organização, a participação coletiva da comunidade e a promoção de um diálogo permanente entre cultura e desenvolvimento (Azevedo, 2008). Nesse diapasão, assiste-se a algumas iniciativas em Moçambique que visam promover o desenvolvimento local por meio da articulação entre diversos agentes que atuam no turismo, sejam do setor público, sejam do privado, ainda que se possa questionar sobre a qualidade de participação das comunidades locais e o processo de seleção e/ou inclusão dos atores sociais para garantir um debate mais aberto e democrático. Embora seja pertinente a reformulação de políticas públicas para o desenvolvimento do país, entende-se que esta não pode ocorrer de forma isolada, como responsabilidade unilateral das autoridades governamentais. É necessário envolver diversos atores, articular essas políticas a estudos acadêmicos que apelam para um quadro de referência teórico-conceitual para garantir uma elaboração mais profunda do turismo contemporâneo. As cautelas em relação à formulação de políticas de turismo justificam-se pelas mudanças que o turismo tem conhecido, resultantes das transformações ambientais, políticas e econômicas. Entre os finais da década de 1980 e inícios de 1990, a massificação do turismo estava associada ao aumento dos voos domésticos e internacionais, à diversidade de motivações e interesses dos turistas, ao aumento da procura pelo lazer e à crescente procura pelo turismo cultural em vários destinos (Richards, 2018a; Nóbrega & Araújo, 2015; Marujo, Serra & Borges, 2013). Nesse novo contexto, a capacidade de atração turística virou-se para o patrimônio histórico, paisagístico e cultural. Este último aspecto, ao tomar como base as noções de patrimônio e cultura, abriu novos caminhos ao turismo, deixando de se valorizar apenas o turismo de sol e praia, para começar a realçar, também, a vivência de experiências turísticas fundamentadas na interação cultural. A guinada cultural não passou despercebida nos estudos acadêmicos do turismo. Tradicionalmente acríticos, os estudos do turismo davam particular ênfase ao seu caráter economicista, associado à lógica industrial. Nessa ordem de ideias,