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01 -FINLEY, Moses-Economia Antiga -Afrontamento-Porto, Notas de estudo de História

Documento RTF -535Kb

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 24/06/2015

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ECOIVOMIA ANTIGA
AFRONTAMENTO/PORTO
1980
Faculdade de Clássicas
da Universidade de Cambridge
Departamento de Clássicas
da Universidade da Califórnia, Berkeley
ECONOMIA ANTIGA
Autor : M. I. Finley
(c) 1973, University of Califórnia Press f (c) 1973,
University of Califórnia Press
/ Edição: Edições Afrontamento
< Rua de Costa Cabral, 859 4200 Porto
N." de edição : 173
Tradução: Luísa Feijó
Capa: João B.
Tiragem : 2 500 exemplares
Composição e impressão: Cooperativa Nova Esperança
Travessa do Regado, 148 4200 Porto
PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA
O título deste volume tem um sentido exacto. Apesar de a mudança e as
variações serem uma preocupação constante., e apesar das muitas
indicações cronológicas, não se trata de uma "história económica".
Conservei a forma e a substância das Conferências Sather que tive a
honra de dar no começo de 1912 na Universidade da Califórnia, em
Berkeley, mas acrescentei as notas e efectuei as consideráveis
modificações e amplificações que foram sugeridas pelo estudo e pela
reflexão posteriores. Para cada nova edição e tradução, inclusivamente
para esta, tenho vindo a introduzir novas modificações e a tentar manter
actualizadas as referências bibliográficas.
É paradoxal que tenha escrito um livro intitulado A Economia Antiga ao
mesmo tempo que afirmo que os próprios gregos e romanos não possuíam
qualquer conceito de "economia". Explico porquê no primeiro capitulo,
onde também justififfo esta tentativa de analisar um objecto que não era
reconhecido como tal, na época, pelos próprios participantes. Aqueles
que recensearam o meu livro, quase todos historiadores ou economistas
dominados pela tradição neo-clássica, parecem ter em grande parte
compreendido mal o sentido, e o objectivo, desse primeiro capítulo.
Viram nele apenas uma concessão à convenção segundo a qual convém
começar por uma "história da matéria", combinada corn uma lexicografia
irrelevante. Mas esse capítulo não é nem uma coisa nem outra. Se o
leitor não se deixar convencer (ou, pelos menos, se não estiver disposto
a admitir a hipótese) de que "economia" e "económico" são, no seu
sentido corrente, termos e conceitos modernos, produtos do capitalismo
moderno que não
podem ser aplicados de maneira automática - como se as atitudes práticas
que implicam fossem inatas no homem a outras formações sociais, então o
resto ao livro não terá nem ponto de partida nem coerência interna.
Escrevi "como se fossem inatas no homem" deliberadamente, dando às
palavras o seu sentido quase literal. Muito do que se escreve no
Ocidente sobre história económica iparte do princípio - às vezes
explícito - de que o homem "naturalmente" regateia, calcula e procura um
lucro pela troca. Assim, um conhecido economista britânico afirmou
recentemente (num livro intitulado Uma Teoria da História Económica) que
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ECOIVOMIA ANTIGA

AFRONTAMENTO/PORTO

Faculdade de Clássicas da Universidade de Cambridge Departamento de Clássicas da Universidade da Califórnia, Berkeley ECONOMIA ANTIGA Autor : M. I. Finley (c) 1973, University of Califórnia Press f (c) 1973, University of Califórnia Press / Edição: Edições Afrontamento < Rua de Costa Cabral, 859 4200 Porto N." de edição : 173 Tradução: Luísa Feijó Capa: João B. Tiragem : 2 500 exemplares Composição e impressão: Cooperativa Nova Esperança Travessa do Regado, 148 4200 Porto

PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA

O título deste volume tem um sentido exacto. Apesar de a mudança e as variações serem uma preocupação constante., e apesar das muitas indicações cronológicas, não se trata de uma "história económica". Conservei a forma e a substância das Conferências Sather que tive a honra de dar no começo de 1912 na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas acrescentei as notas e efectuei as consideráveis modificações e amplificações que foram sugeridas pelo estudo e pela reflexão posteriores. Para cada nova edição e tradução, inclusivamente para esta, tenho vindo a introduzir novas modificações e a tentar manter actualizadas as referências bibliográficas. É paradoxal que tenha escrito um livro intitulado A Economia Antiga ao mesmo tempo que afirmo que os próprios gregos e romanos não possuíam qualquer conceito de "economia". Explico porquê no primeiro capitulo, onde também justififfo esta tentativa de analisar um objecto que não era reconhecido como tal, na época, pelos próprios participantes. Aqueles que recensearam o meu livro, quase todos historiadores ou economistas dominados pela tradição neo-clássica, parecem ter em grande parte compreendido mal o sentido, e o objectivo, desse primeiro capítulo. Viram nele apenas uma concessão à convenção segundo a qual convém começar por uma "história da matéria", combinada corn uma lexicografia irrelevante. Mas esse capítulo não é nem uma coisa nem outra. Se o leitor não se deixar convencer (ou, pelos menos, se não estiver disposto a admitir a hipótese) de que "economia" e "económico" são, no seu sentido corrente, termos e conceitos modernos, produtos do capitalismo moderno que não

podem ser aplicados de maneira automática - como se as atitudes práticas que implicam fossem inatas no homem a outras formações sociais, então o resto ao livro não terá nem ponto de partida nem coerência interna. Escrevi "como se fossem inatas no homem" deliberadamente, dando às palavras o seu sentido quase literal. Muito do que se escreve no Ocidente sobre história económica iparte do princípio - às vezes explícito - de que o homem "naturalmente" regateia, calcula e procura um lucro pela troca. Assim, um conhecido economista britânico afirmou recentemente (num livro intitulado Uma Teoria da História Económica) que

"o comércio (a troca de azeite por cereais) dificilmente terá início a menos que exista, no começo, um lucro considerável". Decorre deste ponto de vista que o capitalismo se desenvolve, tal como o carvalho a partir da bolota, a partir do seu embrião na sociedade antiga. E é justamente esta a concepção que pretendo pôr em causa. Aquilo que se conhece da história mundial, e da história antiga, parece-me provar de maneira concludente que o modelo da bolota-que-se-transforma-em-carvalho é um modelo falso. Dito de outra maneira, a história económica da Europa, desde a Baixa Idade Média até aos nossos dias, é uma história única e singela porquanto as restantes formações sociais não evoluíram em direcção ao capitalismo moderno (excepto quando este lhes foi imposto pelos europeus). Isto não quer dizer que essas outras formações fossem estáticas. Significa antes que devemos reconhecer, corn tudo o que isto implica, a existência não apenas de formações não-capitalistas, como também de transformações não-capitalistas. •• • '... • ; -

Na página 19 assinalo que o direito romano classifica o poder do paterfamilias em, três elementos que correspondem à situação numa unidade doméstica camponesa: potestas, ou poder sobre os seus filhos, sobre os filhos de seus filhos, e sobre os seus escravos; m anus, ou poder sobre a sua mulher e sobre as mulheres dos seus filhos; e dominium, ou poder sobre os seus bens. Este entrelaçar inseparável dos elementos e das actividades que nós consideraríamos como "económicos" e "não-económicos" caracteriza todas as sociedades pré-capitalistas, e tem vindo, aliás, a manifestar-se de novo, embora sob formas diferentes, quer no capitalismo contemporâneo, quer nos países socialistas. Num sistema capitalista "perfeito" ou "ideal" a economia é autónoma e encontra-se regulada e controlada pelas forças do mercado. Nas outras formações sociais a economia encontrasse, na expressão de Karl Polanyi, "encravada" (embedded) nas instituições políticas, sociais e culturais. Um estudo sobre a economia antiga é, portanto, uma "história política" e uma "história social" não menos que uma "história económica". Não é possível escrever uma história dos preços ou dos salários ou das "crises" na Antiguidade. Não só não existem os dados, como também

  • e isto é o mais importante -um tal esverdeio, em si, não teria sentido, seria mesmo falso. O preço dos cereais, por exemplo, era sensível não apenas às colheitas, às condições de transporte e à estrutura das rendas, como também a vá-, riáveis mais ou menos independentes tais como o sistema fiscal (especialmente quando os impostos eram cobrados em géneros), as requisições compulsivas para o exército, o grau de absentismo dos proprietários fundiários e de autosuficiência

dos camponeses, e uma multidão de outros factores cuja origem, se encontrava nos valores ou na estrutura política da cidade-estado grega ou ao Império Romano. Pela mesma razão, em grande parte, não considerei que o conceito de "classe" fosse utilizável, do ponto de vista analítico, no domínio da história antiga. Ê evidente que havia gradações sociais nítidas e conflitos agudos, não só entre o escravo, o hilota ou o servo por dívidas e o cidadão livre, como entre ricos e pobres, camponeses e senadores romanos, etc. Como qualquer outra pessoa, não hesitei em falar de "classes superiores" e "classes inferiores". Mas o conceito de "classe social" tem resistido a todas as tentativas, dei lhe conferir rigor suficiente para ser usado como conceito analítico - excepto

sistemas de trabalho" (sublinhado meu) e, numa nota, ele explica: "No âmbito do marxismo, o sentido do conceito de formação social é precisamente o de sublinhar a pluralidade e a heterogeneidade dos modos de produção possíveis no interior de uma totalidade social e histórica determinada (...). As formações sociais (...) são portanto aqui sempre combinações concretas de modos de produção diferentes, organizadas sob a dominância de um deles".

  • Edições Afrontamento, Biblioteca das Ciências do Homem - História/1. 10

"Dominância" pode ser uma noção muito vaga e imprecisa. Clarificar e especificar o seu- sentido exacto e as suas consequências no actual contexto é extremamente difícil. Pelo menos dois sentidos são imediatamente perceptíveis. Em primeiro lugar, as camadas que controlavam e manipulavam as estruturas do poder nos períodos clássicos derivavam a sua riqueza em grande parte da exploração, directa e indirecta, do trabalho escravo. Em segundo lugar, a vida do enorme número de homens livres que não podiam possuir ou explorar escravos foi não obstante influenciada, material e espiritualmente, pela existência da escravidão na sua sooieãade. Mas estes dois sentidos estão longe de esgotar o assunto. Para citar apenas um exemplo, como explicar a distinção, em termos de poder e comportamento, e os conhecidos conflitos, na fase final da República romana, entre a nobreza e o$ equites ricos (igualmente possuidores de escravos) e outros fora do círculo restrito da nobreza? Este tipo de problema parece requerer modos adicionais de análise, e foi por esta razão que citei, no livro, o comentário lapidar de Georg Lukács, "a consciência de status oculta a consciência de classe" - "os factores económicos encontram-se inextricavelmente ligados a factores políticos e religiosos". M. I. F. Cambridge Março de 1877 11

PREFACIO A PRIMEIRA EDIÇÃO

Desde há quase ^0 anos, quando publiquei o meu primeiro artigo sobre um assunto de economia antiga, tenho vindo a acumular grandes dúvidas para corn outros investigaãores, alguns dos guais^são mencionados nas notas deste livro. Limitar-me-ei aqui a agradecer a amigos e colegas que foram de auxílio directo na preparação deste livro: Michael Crawford, Peter Garnsey e, especialmente, Peter Brunt, que leram o manuscrito todo e foram mais que generosos em sugestões e críticas; Jean Andreau, John Crook, Geoffrey de Ste. Croix, Richard Duncan-Jones, Yvon Gaflan, Philip Grierson, Keith Hopkins, Leo Rivet, Ronáld Strouã e Charles Wilson, que leram partes da obra, discutiram comigo problemas espetííi ficos ou me facilitaram trabalhos seus inéditos; Jacqueline Garlan, que me forneceu traduções de artigos em russo; e minha mulher, pela sua permanente paciência e ajuda. Finalmente quero ainda agradecer, em meu nome e no de minha mulher, a calorosa hospitalidade de Berkeley, tão amavelmente oferecida pelo decano do Departamento de Clássicas, W. K, Pritchett, pelos outros membros do Comité 8ather, W, S Anderson, T, G. Rosenmeyer, R. S. Stroud e suas mulheres e por colegas de outros departamentos, e universir daães.

M. L F.

Jesus College, Cambridge 20 de Janeiro de 1973

ALGUMAS DATAS PARA ORIENTAÇÃO

a. C. 750 Começo da "colonização" grega do Ocidente 594 Arcontado de Sólon em Atenas 545-510 Tirania de Pisístrato em Atenas 509 Instauração da República Romana 490-479 Guerras Pérsicas 431-404 Guerra do Peloponeso 336-323 Alexandre o Grande 304-283/2 Ptolomeu l no Egipto /C 264-241 Primeira Guerra Púnica : 208-201 Segunda Guerra Púnica (Aníbal) c. 160 Catão, De agricultura 133 Tribunato de Tibério Graco 81-79 Ditadura de Sila 73-71 Revolta de Espártaco 58-51 César na Gália r •" • 37 Varrão, De ré rústica 31 Batalha de Actium d. C. c. 60- c. 61- Columela, De ré rustícô Plínio o Jovem

ALGUNS IMPERADORES ROMANOS

14 v:u t Morte de Augusto 14-37 ?•;>#• Tibério 41-54 "A Cláudio :> 54-68 A Nero 69-79 Vespasiano -n 81-96 Domíciano 98-117 Trajano ,:" 117-138 Adriano (--. ••;-,• 138-161 Antonino Pio ^ < 161-180 ; ; o Marco Aurélio ' !^ 180-192 Cómodo cA 212-217 v Caracola ^c/, 284-305 Diocleciano *vf 306-337 Constantino ú;; 360-363 Juliano -••...?.: 408-450 Teodósio II o;"f 527-565 Justiniano ;í-i^ ÍH

OS ANTIGOS E A SUA ECONOMIA

Em 1742 Francis Hutcheson, Professor de Filosofia na Universidade de Glasgow e mestre de Adam Smith, publicou em latim a sua Breve Introdução à Filosofia Moral. Cinco anos mais tarde foi publicada uma tradução inglesa, visto ter o autor descoberto, corn relutância, "ser impossível impedir uma tradução". O Livro in, intitulado "Os Princípios da Economia e da Política", abre corn três capítulos, respectivamente sobre casamento e divórcio, os deveres de pais e filhos, e de senhores e

necessidade de arranjar um nome específico para o conceito restrito evocado pela nossa palavra "família". O paterfamiKas não era o pai biológico mas a autoridade sobre a casa, uma autoridade que a lei romana dividia em três elementos (a minha formulação é esquemática): f atestas ou poder sobre os filhos (incluindo os adoptados), os filhos dos filhos e os escravos, mamis ou poder sobre a mulher e as mulheres dos seus filhos, e dominium ou poder sobre os seus bens (2). Esta classificação tripartida é um relato fiel de uma casa camponesa; o chefe dirige e controla tanto o pessoal como a propriedade do grupo, sem distinção quanto ao cornportamento económico, pessoal ou social, distinções essas que se podiam fazer ao nível de um exercício intelectual abstracto mas não na prática real. Ê a mesma classificação tripartida sobre a qual se construiu o Oíkonomikos de Xenofonte, embora o seu objecto estivesse muito acima do nível campo^ nês, e que constituiu a base da sociedade europeia até adentro do século XVHI (e mesmo até mais tarde em zonas consideráveis). Não há palavra em inglês para pátria protestas, mas há em alemão, nomeadamente Hausgewalt, O alemão também não dispunha de uma palavra própria para "família" no s^n- 2 Cír. a definição de Aristóteles, Política 1278b37-38: "A arte económica é a direcção dos filhos e da esposa e da casa em geral." Para a recente discussão antropológica sobre a distinção entre "família" e "casa" (household), ver D. R. Bender, "A refinement of the Concept oí Household", American Anthropologist 69 (1967) 493-504. A discussão retiraria benefícios de um alargamento do seu âmbito para incluir sociedades históricas, além do tipo restrito de comunidade que os antropólogos costumam estudar. ... , ., ,", 19

tido restrito, até que FamMie se tornou corrente durante o século XVIII (3). A palavra alemã Wirtschaft tivera uma história semelhante à de "economia", e havia uma literatura correspondente denominada Hausvaterliteratur por um investigador moderno (*). Quando chegamos à Georgica Curiosa oder Adeliges Lcmd- und Feldleben de Wolf Helmhard von Hohenberg, publicada em 1682, que emprega a palavra oeconomia no prefácio, o alcance do assunto a que se refere é muito mais variado e técnico que em Xenofonte, mas a concepção fundamental do seu objecto, o oikos ou família, não se alterou. Estas eram obras práticas, no que diz respeito quer aos seus ensinamentos éticos ou psicológicos quer à instrução agronómica, quer ainda às exortações para que se mantivessem relações correctas corn a divindade. Em Xenofonte, contudo, não há uma única frase que exprima um princípio económico ou proponha uma análise económica, nada sobre eficiência de produção, escolha "racional", ou comercialização das colheitas (5). Os manuais agrícolas romanos (e sem dúvida os seus percursores gregos, hoje perdidos) podem ocasionalmente ocupar-se da comercialização, das condições do solo e de outras coisas do género, mas nunca vão além de observações rudimentares baseadas no senso comum (quando não contêm erros grosseiros ou induzem em erro). O conselho de Varrão (De ré rústica 1.16.3) para que se cultivassem rosas e 3 Ver O. Brunner, "Das 'ganze haus' und die alteuropáische Õkonomik", em Neue Wege der Sozialgeschichte (Gõttingen 1956), págs. 33-61, à pag. 42 (inicialmente publicado em Zeitschrift fur Nationalõkonomik 13 [1950] 114-39). K. Singer, "Oikonomia: An Inquiry into Beginnings of Economic Thought and

Language", Kyklos 11 (1958) 29-54, é um estudo de amador que convém ignorar. 4 Brunner, ibid., e H. L. Stoltenberg, "Zur Geschichte dês Wortes Wirtschaft", Jahrbúcher fur Nationalõkonomik und Statistik 148 (1938) 556-61. 5 As traduções podem facilmente induzir em erro. A melhor é em francês, de P. Chantraine na sua edição do Oikonomikos na colecção Budé (Paris 1949); ver a minha recensão em Classical Philology 46 (1951) 252-3. .,-,.. .,,.., ;<,*(,. ..-,,.. i .;•. 20

violetas se a quinta fosse perto da cidade mas não se a propriedade fosse muito longe de um mercado urbano é uma amostra razoável de born senso (6X. "Quando um leigo diz", insistiu Schumpeter correctamente, "que ricas colheitas estão associadas a baixos preços dos alimentos" trata-se "obviamente de conhecimento pré-científico e é absurdo considerar tais afirmações em escritos antigos como se fossem descobertas". Em economia como noutros domínios, continua ele, "a maioria das afirmações de factos fundamentais adquirem importância somente através das superstruturas a que servem de suporte e são meros lugares-comuns na ausência de tais superstruturas" (7). A Hausvaterliteratur /nunca serviu de suporte a uma superstrutura e, por conseguinte, no que respeita à história da análise ou teoria económicas, não conduziu a parte nenhuma. Não havia qualquer ligação entre a "economia" de Francis Hutcheson e The Weálth of Nations de Adam Smith, publicado vinte e quatro anos mais tarde (8). Do ponto de vista lexicográfico a ligação estabeleceu-se $**"• não através do sentido literal de aikonomia,, mas da sua extensão a qualquer espécie de organização ou gestão. Assim, na r^ geração seguinte à de Xenofonte um político rival ridiculari- l zou Demóstenes como "inútil nas cÀkonomiai, nos negócios-, da / cidade", metáfora repetida dois séculos mais tarde pelo historiador grego Políbio (9). Quando a palavra passou ao latim encontramos Quintiliano a empregá-la ipara designar a organização ou plano de um poema ou de uma obra de retórica (10). 6 Ver G. Mickwitz, "Economic Rationalism in Graeco-Roman Agriculture", English Historical Review 52 (1937) 577-89. 7 History of Economic Analysis, org. E. B. Schumpeter (New York 1954), pp. 9, 54. 8 E. Cannan, A Review of Economic Theory (Londres 1929, reeditado 1964), p. 38. O curto segundo capítulo de Cannan, "The Name of Economic Theory", fornece a documentação essencial para os comentários que se seguem; cfr. o Oxford English Dictionary, s. v. "Economy". 9 Dinarco 1.97 e Políbio 4.26.6, respectivamente. Adiante (4.67.9) Políbio utiliza a palavra no sentido de "disposições militares". 10 Quintiliano 1.8.9; 3.3.9. Um dicionário fornecerá facilmente exemplos desta utilização por escritores gregos posteriores (ou se se quiser, por escritores ingleses). 21

E na data tardia de 1736 François Quesnay intitulava uma obra Essai physique sur 1'écanomie animale - o mesmo Quesnay cujo Tábleau économique de 1758 deve emparceirar corn The Wealth of Nations como uma das traves-mestras da disciplina moderna a que chamamos "economia". Dado que as receitas têm tanta importância nos negócios do estado não é surpreendente que, ocasionalmente, oikonomia fosse também utilizado corn o significado de gestão das receitas públicas. A única tentativa grega

13 Ver o meu "Aristotle and Economic Analysis", Past & Present n.° 47 (1970), 3-25. 14 "Of the Populousness of Ancient Nations", nos seus Essays (Londres, edição "World Classics", 1903), p. 415. 23

cãs (15). Tratava-se apenas de diferenças (ou falhas) de análise ou havia diferenças fundamentais na realidade investigada? Os economistas modernos não chegam a acordo quanto a uma definição precisa da sua disciplina, mas penso que poucos discutiriam, salvo em pormenores, quanto ao seguinte, que fui buscar a Erich Roll: "Se considerarmos, então, o sistema económico como uma enorme conglomeração de mercados interdependentes, o problema central da investigação económica é a explicação do processo de troca ou, mais particularmente, a explicação da formação do preço" (16). (A palavra "mercado" é obviamente empregada no seu sentido abstracto. e não posso deixar de referir que nesse sentido é intraduzível para latim ou grego). Mas que aconteceria se uma sociedade não estivesse organizada para a satisfação das suas necessidades materiais através de uma "enorme conglomeração de mercados interdependentes"? Seria, neste caso, impossível descobrir ou formular leis ("uniformidades estatísticas" se preferirem) do comportamento económico, sem as quais o desenvolvimento dum conceito de "economia" é improvável e a análise económica impossível. "Parece-me ter chegado o momento", escreveu o Conde Pietro Vem no prefácio da edição de 1772 das suas Meãitasioní suWeconomia política, "em que a economia política se está transformando numa ciência; faltava- lhe apenas aquele método e aquele relacionar de teoremas que lhe dariam a forma de uma ciência" (17). Como hipótese de trabalho sugiro que um tal momento nunca surgiu na antiguidade porque a sociedade nunca possuiu um sistema económico que fosse uma 15 "Der 'Sozialismus' in Hellas", em Bilder una Studien aus drei Jahrtausenden - Eberhard Goitein zum siebzigsten Geburtslag (Munique e Leipzig 1923) pp. 15-59, às pp. 52-3. 16 A History of Economic Thought (ed. revista, Londres 1945), p. 373. Roll não introduz na sua definição o elemento de "recursos escassos" que é frequente em outras definições, mas isto em nada afecta o meu argumento. 17 Citado de Cannan, Review, p. 42. 24 ;

enorme conglomeração de mercados interdependentes; que as afirmações de Hume e Salin que escolhi para exemplificar este ponto eram observações sobre um comportamento instittícional, não sobre uma falha intelectual. Não havia ciclos de negócios na antiguidade; nenhuma cidade cujo desenvolvimento possa ser atribuído, mesmo por nós, ao estabelecimento de uma manufactura; nenhum "Tesouro pela via do Comércio Externo", para usar o título da famosa obra de Thomas Mun inspirada pela depressão de 1620-24, cujo sub-título é "o Saldo do nosso Comércio Externo é a Regra do nosso Tesouro" e esta obra pertence à pré-história da análise económica (w). Pode-se objectar que estou arbitrariamente a restringir a "economia" à análise de um sistema capitalista, enquanto as sociedades não-capitalistas ou pré-capitalistas também têm economias corn regras e regularidades e mesmo uma medida de prognosticabilidade, sejam elas conceptualizadas ou não. Concordo, excepto quanto à palavra "arbitrariamente"; e é óbvio que estou de acordo em que temos o direito

de estudar tais economias, de colocar questões sobre essas sociedades que os próprios antigos nunca colocaram. Se ocupei tanto tempo corn esta introdução, até talvez corn um excesso de lexicografia, é porque existe uma questão fundamental de método. A linguagem e os conceitos económicos a que todos nós, mesmo os leigos, estamos acostumados, os "princípios", quer sejam os de Alfred Marshall ou os de Paul Samuelson, os modelos que empregamos, tendem a arrastar-nos para uma falsa perspectiva. Por exemplo as taxas de salários e as taxas de juro no mundo greco-romano foram ambas estáveis a nível local durante longos períodos (se exceptuarmos as flutuações súbitas em momentos de conflito político intenso ou de conquista militar), de modo que quem falar de "mercado do trabalho" ou de "mercado da moeda" falsifica de imediato a 18 Ver o artigo-resenha de M. Blaug, "Economic Theory and Economic History in Great Britain, 1650-1776", Past & Present n.° 28 (1964) 111-16. 25

situação (19). Pela mesma razão, nenhum modelo de investimento moderno se pode aplicar às preferências dos homens que dominaram a sociedade antiga. Entre as taxas de juro que se mantiveram estáveis figuravam as dos empréstimos marítimos, o primeiro tipo de seguro, que remonta pelo menos até ao fim do séc. V a.C.. À volta desta forma de seguro desenvolveu-se um corpo apreciável de doutrina legal, mas nem um só vestígio de um conceito actuarial, o que pode ser tomado como um símbolo razoável da ausência de estatísticas e da nossa dificuldade ao tentarmos quantificar dados económicos antigos - assunto de frequente resmunguice por parte dos historiadores. Mesmo os raros números que um autor antigo nos fornece são suspeitos a >priari: podem ser uma sua conjectura ou podem ser citados por serem excepcionais, e o facto é que nem sempre podemos distinguir. É frustrante tentar analisar a estrutura fundiária de Atenas no período clássico a partir precisamente de cinco números que dizem respeito a propriedades individuais, espalhados por cerca de um século, um dos quais pelo menos depende da difícil interpretação dos contornos da propriedade em causa. A nossa falta de conhecimentos exactos sobre propriedades romanas não é menos frustrante í20). Quando Tucídides (7.27.5) nos diz que mais de 20 000 escravos fugiram da Ática na década final da Guerra do Peloponeso, o que é que, de facto, ficamos a saber? Será que Tucídides tinha uma rede de agentes estacionados ao longo da fronteira entre a Ática e a Beócia durante dez anos, ocupados a contar os fugitivos quando eles passavam? Esta não é 19 Para Roma, onde as informações sobre salários são até mais raras que para a Grécia, o predomínio de um nível convencional, em vez de um nível determinado pelo mercado, é demonstrado por M. H. Crawford, Roman Republican Coinage (2 vols. Cambridge 1974), II, cap. 6. 20 Ver G. E. M. de Ste. Croix, "The Estate of Phaenippus (Ps.- -Dem. xlii)", em Ancient Socieíy and Its Instilutions: Essays for V. Ehrenberg, org. E. Badian (Oxford 1966) pp. 109-14. A falta desesperada de informações quantitativas sobre a propriedade romana é mostrada por Duncan-Jones, Economy, apêndice 1. 26

uma pergunta frívola, dada a solenidade corn a qual a sua afirmação é repetida em livros modernos e utilizada como base para cálculos e conclusões. O contexto mostra que Tucídides considerava o facto como uma dura perda para Atenas. Um historiador moderno teria seguramente

23 A. N. Whitehead, Modes of Thought (Nova Iorque 1938), p. 195, citado no apêndice, "A Note on Statistics and Conservative Historiography", em Barrington Moore, Jr., Social Origins of Dictatorship and Democracy (edição Penguin, 1969), p. 520 n. 15. 24 "E contudo", escreve Nicholas Georgescu-Roegen, um dos pioneiros da moderna economia matemática, "há limites ao que podemos fazer corn números, tal como há limites ao que podemos íazer sem eles": Analytical Economics (Cambridge, Mass. 1966), p. 275. 25 J. Stengers, "L'historien devant Fabondance statistique", Revue de 1'Institut de Sociologie (1970) 427-58, à p. 450. 28

Quanto aos antigos, a sua inocência estatística, assim como a sua falta de análise económica, resiste a uma explicação puramente intelectual. Uma sociedade que produziu a obra de Apolónio de Perge sobre secções cónicas tinha uma matemática mais que suficiente para aquilo a que os ingleses e holandeses do séc. XVTII chamaram "aritmética política", e a que nós chamamos "estatística", definida por Sir Charles Davenant em 1698 no seu Discourse on the PuWia Revenues, como "a arte de raciocinar corn números, a propósito de coisas relacionadas corn o governo" í26). O mundo antigo não estava totalmente desprovido de números sobre coisas relacionadas corn o governo. Quando Tucídides (2.13. 3-8) nos fala do número de hoplitas, cavaleiros e barcos atenienses disponíveis, assim como das reservas de dinheiro no começo da guerra, não se tratava de uma conjectura. Todos os estados antigos mantinham listas das suas forças armadas, pelo menos, e alguns estados, principalmente os autocráticos, faziam censos para fins fiscais e arquivavam outras informações de interesse para as finanças públicas (reais) í27). Contudo, raciocinar corn números é mais do que contar e registar e aí reside a grande linha divisória. Raciocinar corn números implica um conceito de relações e tendências sem o qual as categorias contadas eram muito insuficientes e, o que é igualmente importante, poucos registos eram normalmente conservados uma vez atingido o seu objectivo imediato. Assim não havia nenhuma série temporal na antiguidade, quer no sector público quer no sector privado, salvo raras excepções, e sem séries temporais não pode haver raciocínio corn números, nem estatísticas. Tucídides não podia (ou pelo menos não 26 Citado de H. Westergaard, Contribution to the History of Statistics (Londres 1932) p. 40. 27 Não preciso aproíundar a questão, que de resto não é irrelevante, de saber até que ponto os registos invulgarmente extensos do Egipto ptolomaico não eram na sua maioria expressões de uma fachada burocrática, mais do que um reflexo daquilo que realmente se passava no país; ver P. Vidal-Naquet, Lê bordereau d'ensemencement dans VÊgypte ptolémaique (Bruxelas 1967). ,.-, ,...',. ,:;.,., , .... 29

o fez) fornecer os dados necessários para uma avaliação contínua da situação dos efectivos em homens no decorrer da Guerra do Peloponeso. O que venho a dizer não tem nada de particularmente novo. Já em 1831 Richard Jones protestava que a teoria da renda de Ricardo partia do pressuposto de que aquilo que ele, Jones, chamava a "renda dos lavradores" era a forma de renda universal, pressuposto este que a investigação histórica mostrou ser falsa C28). Mais recentemente a inaplicabilidade ao mundo antigo de uma análise centrada no mercado foi defendida corn vigor por Max Weber e pelo seu discípulo mais importante

entre os historiadores da antiguidade, Johannes Hasebroek; e, nos nossos dias, por Karl Polanyi í28). Mas surtiram pouco efeito (30). A obra actualmente considerada como básica (em inglês) sobre a economia grega não traz no seu índice nem "casa" (household) nem oikos (31). Sir John Hicks propõe um modelo para a "primeira fase da economia mercantil", na cidade-estado, que pressupõe que "o comércio (a troca de azeite por cereais) dificilmente terá início a menos que exista, no começo, um lucro considerável" 28 An Essay on lhe Distribution of Wealth... (Londres 1831); ver Karl Marx, Theorien úber den Mehrwert, na edição das suas Werke publicada pelo Institut fiir Marxismus-Leninismus, vol. 26 (Berlim

  1. pp. 390-3. 29 Ver a minha resenha em Proceedings... Aix, pp. 11-35; E. Will, "Trois quarts de siècle de recherches sur 1'économie grecque antique", Annales 9 (1954) 7-22; E. Lepore, "Economia antica e storiografia moderna (Appunti per un bilancio di generazioni)" em Ricerche... in memória di Corrado Barbagallo, vol. l (Nápoles 1970) pp. 3-33. As publicações relevantes de Polanyi encontram-se convenientemente reunidas em Primitive, Archaic and Modern Economies, org. G. Dalton (Garden City, N. Y., 1968). Cfr. S. C. Humphreys, "History, Economies and Anthropology: the Work of Karl Polanyi", History and Theory 8 (1969) 165-212. 30 É esclarecedora a discussão entre E. Lepore e W. Johannowsky (e outros especialistas sobre os gregos no Ocidente) em Dialoghi di Archeologia (1969) 31-82, 175-212. 31 H. Michell, The Economies of Ancient Greece (2.a ed., Cambridge 1957). Cfr. C. Mossé, The Ancient World at Work, trad. Janet Lloyd (Londres 1969), que é uma versão revista do original francês. 30

(sublinhado meu) (32). Um especialista fala-nos da concorrência entre o "investimento de capital do governo no desenvolvimento rural" e "o investimento de capital no comércio" em Atenas sob a tirania de Pisístrato no séc. VI a.C. (33). Os pressupostos expressos ou implícitos destes autores constituem uma "doutrina química da sociedade" segundo a qual "todas as formas de sociedade podem ser objectivamente analisadas num número finito de elementos imutáveis" (34). Se tais pressupostos não forem válidos para a antiguidade, então tudo o que deles se deduz, quer sobre o comportamento económico quer sobre os valores que o orientam, é necessariamente falso. É preciso procurar conceitos diferentes, e modelos diferentes, que sejam apropriados à economia antiga e não (ou não necessariamente) à nossa. Mas primeiro é tempo de especificar aquilo que entendo por "antigo". No séc. XIX não teria que me preocupar. A divisão da história europeia nos períodos antigo, medieval e moderno, uma concepção que teve as suas raízes na Renascença, era uma convenção universalmente aceite. No nosso século surgiram objecções de vários géneros - epistemológicas, psicológicas, políticas. E no entanto, ao fim e ao cabo, mesmo quando todas as dificuldades e excepções estão devidamente anotadas, quando aceitamos que "o conceito de período histórico depende mais da estipulação do que de inferências a partir de factos comumente aceites" (3S), quando concordamos em abandonar o julgamento de valor implícito numa frase como "a Idade das Trevas", quando reconhecemos que também a China e a índia tiveram uma 32 A Theory of Economic History (Oxford 1969) pp. 42-43. 33 A. French, The Growth of the Athenian Economy (Londres

industrial", assim como o comércio externo (que inclui o comércio entre cidades e não somente corn países estrangeiros), e organizavam a vida económica, militar, política e religiosa da sociedade através de uma única operação de registo, complicada e burocrática, para cuja descrição o único termo que consigo encontrar é a palavra "racionamento" tomada no seu sentido mais amplo. Nada disto é relevante para o imundo greeo- romano até que as conquistas de Alexandre o Grande, e mais tarde dos romanos, incorporaram vastos territórios do Próximo Oriente. Nessa altura teremos que examinar mais de perto esta espécie de sociedade do Próximo Oriente. Mas, quanto ao resto, se eu definisse "antigo" de maneira a englobar os dois mundos, não haveria um único tópico que pudesse discutir sem ter que recorrer a secções desconexas, usando conceitos e modelos diferentes. A exclusão do Próximo Oriente não é, pois, arbitrária, embora a retenção da etiqueta "antigo" seja francamente difícil de defender em bases que não sejam as da tradição e da conveniência. Não quero simplificar demais. Havia no Próximo Oriente terras cuja posse e exploração eram privadas. Havia artí- 38 Ver o meu "Slavery and Freedom"; em termos mais gerais, o sugestivo "diálogo" entre J. Gernet e J.-P. Vernant, "L'évolution dês '^ idées en Chine et en Grèce du VIe au He siècle avant notre ère", Bulletin S^ ^) de VAssociation Guillaume Budé (1964) 308-25, reeditado em J.- P. , vi .í Vernant, Mythe et société en Grèce ancienne, (Paris 1973), pp. 83-102.? '; "•'K'.'.vV 33 Í/I/VC 3 5*?£<?&

fices e vendedores ambulantes "independentes" nas cidades. Os nossos dados não permitem a quantificação, mas não acredito que seja possível considerar esta gente como representando o padrão dominante da economia. O mundo greco-romano, pelo contrário, era essencial e precisamente um mundo de propriedade privada, quer de alguns hectares de terra, quer dos imensos domínios dos senadores e imperadores romanos, um mundo de comércio privado e de indústria privada. Ambos os mundos tinham as suas pessoas secundárias, atípicas, marginais, tais como os nómadas que eram uma ameaça crónica às comunidades estabelecidas nos vales da Mesopotâmia e do Egipto, talvez as cidades fenícias da costa da Síria, e certamente os espartanos na Grécia. Além disso, frígios, medos e persas não eram babilónios nem egípcios, enquanto o governo do Império Romano se tornou tão autocrático e burocrático, em certos aspectos, como tinham sido os Ptolomeus, e antes deles os Faraós, do Egipto. Mas não em todos os aspectos. Devemos concentrar-nos nos tipos dominantes, nos modos característicos de comportamento í39). 39 Tive que declarar a minha posição de maneira breve e dogmática, e citarei apenas A. L. Oppenheim, Ancient Mesopotâmia (Chicago e Londres 1964), cap. 2, e "Trade in the Ancient Near East", uma comunicação preparada para o 5.° Congresso Internacional de História Económica, Leninegrado, 1970, e publicada pelas Edições Nauka (Moscovo 1970). Nem todos os especialistas do Próximo Oriente antigo estão de acordo; ver S. L. Utchenko e I. M. Diakonoff, "Social Stratification of Ancient Society", um trabalho (também publicado pelas Edições Nauka, Moscovo) preparado para o 13.° Congresso Histórico Internacional, Moscovo, 1970, que deve ser lido à luz das actuais discussões, entre Marxistas, a

respeito do "modo de produção asiático", que constituem, que eu saiba, o único tratamento teórico sério do problema de classificação que tenho vindo a considerar. ("Asiático" é um rótulo taxonómico infeliz, historicamente condicionado e impreciso: provavelmente inclui, para além dos grandes vales asiáticos, a Grécia minóica e micénica, os Aztecas e Inças, talvez os Etruscos, mas não os Fenícios.) A bibliografia tornou- se quase impraticável; limito-me a citar dois artigos em alemão de J. Pecirka, em Eirene 3 (1964) 147-69, 6 (1967) 141-74, que resumem e apreciam o debate soviético; G. Sofri, "Sul 'modo di produzione asiático'. Appunti per "l/v" 34

É claro que o mundo greco-romano é uma abstracção; e se tentarmos ancorá-la no tempo e no espaço verificaremos que é uma abstracção bastante fluida. Em termos muito gerais vamos ocupar-nos do período entre 1000 a.C. e 500 d.C. *. No princípio, este "mundo" estava circunscrito a um cantinho dos Balcãs, corn alguns postos avançados na costa turca do mar Egeu. Gradualmente, espasmodicamente, expandiu-se em todas as direcções, até que, à data da morte do imperador Trajano, em 117 a.C, o Império Romano estendia-se por mais de 4800 quilómetros desde o Oceano Atlântico até ao sopé do Cáucaso; e da Bretanha e do Reno no norte até uma linha ao sul que corria mais ou menos ao longo da orla norte do deserto do Saara e daí até ao golfo Pérsico, um eixo norte-sul de cerca de 2 000 quilómetros sem contar a Bretanha. Nesse momento a sua área era de cerca de 2 900 000 quilómetros quadrados, aproximadamente metade da área actual dos Estados Unidos. Estes são números impressionantes, mas para apreciar a escala da actividade humana é preciso analisar corn mais cuidado. Gibbon fez a observação inteligente de que o exér- \j cito romano no auge do Império não era maior do que o /\ de Luís XIV, "cujo reino se confinava a uma única provín- la storia di una controvérsia", Critica storica 5 (1966) 704-810; H. Kreissig e H. Fischer, "Abgaben und Probleme der Wirtschaftsgeschichte dês Altertums in der DDR", Jahrbuch fúr Wirtschaftsgeschichte (1967) I 270-84; I. Hahn, "Die Anfange der antiken Gesellschaftsformation in Griechenland und das Problem der sogenannten asiatischen Produktionsweise", ibid. (1971) II 29-47; Perry Anderson, Lineages of the Absoluíist State (Londres 1974) pp. 462-549. Toda esta discussão parece ser desconhecida a N. Brockmeyer, Arbeitsorganisation und okonomisches Denken in der Guíswirtschaft dês rõmischen Reiches (diss. Bochum 1968), quer na sua resenha da literatura marxista (pp. 33-70), quer na polémica contra as abordagens marxistas que percorre o seu livro. Para ele, tal corno para o seu professor Kiechle, o "marxismo" restringe-se aos historiadores da União Soviética e de outros países da Europa de Leste.

  • Nenhuma destas datas é significativa no sentido de se ter passado qualquer coisa quer em 1000 a.C. quer em 500 d.C.. A data 1000 a.C. é um símbolo para o começo da "Idade das Trevas" na Grécia, que se encontra, na minha opinião, reflectida nos poemas homéricos. 35

cia do Império Romano" í40). O exército não é forçosamente um índice da população como um todo: o próprio Gibbon acrescentou numa nota que deve "ser lembrado que a França ainda se ressente desse extraordinário

Por outro lado, nem a oliveira nem a cultura de sequeiro requerem em geral a complexa organização social que tornou possível as grandes civilizações ao longo dos vales do Nilo, do Tigre e do Eufrates, do Indo e do rio Amarelo. 42 Ver E. C. Semple, The Geography of the Mediterranean Region. Its Relation to Ancient History (Nova Iorque 1931), cap. 5, uma obra ainda válida quanto ao seu material geográfico, ainda que não quanto aos outros aspectos, e, obviamente, a primeira parte de F. Braudel, La Méditerranée et lê monde méditerranéen à 1'époque de Philippe II (2.a ed., 2 vols., Paris 1966). 37

A cultura de irrigação é mais produtiva, mais consistente e conduz mais à instalação de uma população densa. Não é por acaso que o principal centro de cultura de irrigação do Império Romano, o Egipto, tinha no primeiro século uma população de 7 500 000, excluindo Alexandria í43) - um dos raros números sobre a população antiga que é provavelmente exacto. Em compensação os vales dos rios transformaram-se virtualmente em desertos logo que a organização central desapareceu, enquanto as antigas regiões de cultura de sequeiro recuperaram rapidamente dos desastres naturais e da devastação humana. Ê claro que havia zonas habitadas na Grécia, no centro e norte de Itália e na Turquia central que estavam suficientemente distantes do mar para não terem fácil acesso a ele para o escoamento dos seus produtos. Apesar disso, o que foi dito sobre o eixo mediterrânico é válido para os primeiros 800 anos do nosso período de 1500, surgindo em seguida uma mudança significativa, o alastrar do mundo greco-romano para o interior, especialmente para o norte, em escala significativa. Pouco a pouco a França, a Bélgica, a Inglaterra e a Europa central até à bacia do Danúbio foram totalmente incorporadas, corn consequências que não receberam talvez a devida atenção. Dois simples factos devem ser sublinhados: primeiro, estas províncias do norte ficavam fora da região climatérica mediterrânica e os seus solos tendiam a ser mais pesados; em segundo lugar estavam impedidos, pelo custo elevado dos transportes por terra, de partilhar totalmente das vantagens do tráfico mediterrânico, excepto nas zonas situadas nas proximidades de rios navegáveis (desconhecidos na Ásia Menor, Grécia e na maior parte da Itália e da África, corn excepção do Nilo) í44). Não 43 Josefo, História da Guerra dos Judeus 2.385. 44 De entre os investigadores contemporâneos, Lynn White, Jr. tem insistido sobre as implicações dos solos pesados; ver e. g. o seu Medieval Technology and Social Change (Londres 1962), cap. 2. Sobre as consequências a longo prazo do povoamento no interior, ver agora G. W. Fox, History in Geographic Perspective. The Other France Nova Iorque 1971). 38

só as grandes artérias como o Ródano, o Saone, o Reno, o Danúbio e o Pó transportavam um tráfego activo, mas também, particularmente na Gália, muitos rios secundários. Até aqui, ião falar do eixo mediterrânico e da região climatérica mediterrânica minimizei a extensão das variações dentro da área e you agora debruçar-me sobre elas, embora ainda de uma forma preliminar. Não estou pensando nas evidentes variações de fertilidade, na adaptação a colheitas específicas, na presença ou ausência de importantes recursos minerais, mas nas variações da estruturação social, da posse da terra e

do sistema de trabalho. O mundo que os romanos reuniram num único sistema imperial tinha atrás dele não uma única história, mas um número considerável de histórias diferentes, que os romanos não puderam ou não quiseram apagar. A posição excepcional de Roma e da própria Itália, isenta do imposto sobre a terra, é um exemplo óbvio. A manutenção no Egipto e noutras províncias orientais de um sistema camponês que não deixava lugar para as plantações trabalhadas por escravos da Itália e da Sicília é outro. Creio não ser necessário enumerar mais; a situação foi resumida por André Déléage no seu estudo fundamental do sistema fiscal radicalmente novo introduzido por Diocleciano em todo o Império. Este sistema, escreveu Déléage, era "extremamente complexo" porque assumiu "formas diferentes nas diferentes partes do império" í45), não por capricho real mas porque, para ser eficaz, para produzir os rendimentos imperiais requeridos, o sistema fiscal tinha que tomar em conta as diferenças profundas criadas historicamente no sistema fundiário subjacente. Será legítimo então falar de "economia antiga?" Não será preciso desagregá-la ainda mais, procedendo a ulteriores eliminações, da mesma forma que já eliminei as sociedades anteriores do Próximo Oriente? Walbank, seguindo os 45 A. Déléage, La capitation du Bas-Empire [Annales de l'Est, n-° 14 (1945)] p. 254. A diversidade fiscal também prevalecia nos princípios do Império, pela mesma razão, mas não existe qualquer estudo moderno e completo do problema. 39

passos de Rostovtzeff, chamou recentemente ao Império do século primeiro "uma unidade económica" que "estava integrada pela troca intensiva de todas as espécies de mercadorias primárias e artigos manufacturados, incluindo os quatro artigos de comércio fundamentais - cereais, vinho, azeite e escravos" í46). As indústrias da Gália, especifica ele, "tornaram-se rapidamente competitivas no mercado mundial". E os "objectos de metal do Egipto encontraram fácil venda em todo o lado; foram descobertos exemplares mesmo no sul da Rússia e na índia" (47),. Da mesma forma Rostovtzeff afirma que "a troca de produtos manufacturados, não de artigos de luxo mas de uso quotidiano, era extremamente activa" í48). Tudo isto é demasiado vago; tais generalizações exigem um esforço mais sofisticado para se chegar a uma quantificação e a uma estruturação conceptual. Wheeler conta a história admonitória da descoberta, na ilha sueca de Gotland, de 39 fragmentos de cerâmica de terra sigíllata espalhados por uma área de 400 metros quadrados e que se acabou por descobrir serem todos parte do mesmo vaso f49). Cerca do ano 400 o rico bispo Sinésio, de Cirene (na actual Líbia), escreveu de Alexandria ao seu irmão (Epístolas 52) pedindo que lhe comprasse três mantos leves de Verão a um ateniense que Sinésio ouvira dizer tinha chegado a Cirene. fi o homem, acrescentava ele, a quem me compraste uns sapatos o ano passado, e por favor despacha-te antes que ele venda todos os melhores artigos. Aqui estão dois exemplos de "venda fá- 46 F. W. Walbank, The Awful Revolution. The Decline of lhe Roman Empire in the West (Liverpool 1969) pp. 20, 31. Cfr. "Mit der politischen Einheit verband sich die kulturelle und wirtschafliche Einheit": S. Lauffer, "Das Wirtschaftsleben im rõmischen Reich", em Jenseits von Resignation und Illusion, org. H. J. Heydorn e K. Ringshausen (Frankfurt 1971) pp. 135-53, à p. 135. 47 Walbank, Awful Revolution, pp. 28 e 26 respectivamente.