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08. Fato típico, Notas de estudo de Direito

Fato típico

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 15/10/2010

fabiana-silva-41
fabiana-silva-41 🇧🇷

4.8

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FATO TÍPICO
____________________________
A primeira característica do crime é ser um fato típico, descrito, como tal, numa
lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato
contido numa norma penal incriminadora, a um tipo.
Para que o operador do Direito possa chegar à conclusão de que determinado
acontecimento da vida é um fato típico, deve debruçar-se sobre ele e, analisando-o,
decompô-lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre o
fato e o tipo existe relação de adequação exata, fiel, perfeita, completa, total e absoluta.
Essa relação é a tipicidade.
Para que determinado fato da vida seja considerado típico, é preciso que todos
os seus componentes, todos os seus elementos estruturais sejam, igualmente, típicos.
Os componentes de um fato típico são a conduta humana, a conseqüência
dessa conduta se ela a produzir (o resultado), a relação de causa e efeito entre aquela
e esta (nexo causal) e, por fim, a tipicidade.
O objetivo, neste capítulo, é estudar cada um desses elementos do fato típico,
inclusive decompondo, cada um deles, em outros caracteres mais simples ainda, e
estes, quando possível, em outros componentes.
8.1 CONDUTA
Ao longo dos anos, os estudiosos do Direito Penal construíram várias teorias,
procurando explicar a ação, em sentido amplo, ou conduta, o primeiro elemento do
fato típico.
O tema é da mais alta importância, pois do conceito de conduta adotado
decorrem profundas e diversas conseqüências para o tratamento de importantes
questões penais práticas.
Não se trata de divergências de natureza meramente acadêmica, sem qualquer
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FATO TÍPICO

____________________________

A primeira característica do crime é ser um fato típico, descrito, como tal, numa lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato contido numa norma penal incriminadora, a um tipo.

Para que o operador do Direito possa chegar à conclusão de que determinado acontecimento da vida é um fato típico, deve debruçar-se sobre ele e, analisando-o, decompô-lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre o fato e o tipo existe relação de adequação exata, fiel, perfeita, completa, total e absoluta. Essa relação é a tipicidade.

Para que determinado fato da vida seja considerado típico, é preciso que todos os seus componentes, todos os seus elementos estruturais sejam, igualmente, típicos.

Os componentes de um fato típico são a conduta humana, a conseqüência dessa conduta se ela a produzir (o resultado), a relação de causa e efeito entre aquela e esta (nexo causal) e, por fim, a tipicidade.

O objetivo, neste capítulo, é estudar cada um desses elementos do fato típico, inclusive decompondo, cada um deles, em outros caracteres mais simples ainda, e estes, quando possível, em outros componentes.

8.1 CONDUTA

Ao longo dos anos, os estudiosos do Direito Penal construíram várias teorias, procurando explicar a ação, em sentido amplo, ou conduta, o primeiro elemento do fato típico.

O tema é da mais alta importância, pois do conceito de conduta adotado decorrem profundas e diversas conseqüências para o tratamento de importantes questões penais práticas.

Não se trata de divergências de natureza meramente acadêmica, sem qualquer

2 – Direito Penal – Ney Moura Teles

reflexo na vida prática, como poderia parecer. Ao contrário, do conceito de conduta adotado decorre a própria orientação do Direito Penal vigente em determinado país, como se verá a seguir.

8.1.1 Teoria causalista

A teoria causalista ou naturalista da ação, de BELING e VON LISZT, incorpora ao conceito de conduta as leis da natureza; daí o seu nome. Os adeptos da teoria causalista ou naturalista – até pouco tempo atrás a que imperava no Brasil, e que, ainda hoje, infelizmente, tem adeptos entre juízes e integrantes de certos tribunais – entendem que a conduta é um puro fator de causalidade.

Segundo eles, a vontade é a causa da conduta e esta é a causa do resultado. Em outras palavras: a conduta é efeito da vontade e causa do resultado. A vontade causa a conduta, que dá causa ao resultado.

Para o causalismo, a conduta é um comportamento humano voluntário que se exterioriza e consiste num movimento ou na abstenção de um movimento corporal. Essa teoria considera imprescindível que a conduta típica seja um comportamento voluntário, impulsionado pela vontade do homem, que se concretiza, torna-se real, material, por meio de uma ação positiva ou negativa.

Existe conduta na atitude de Cláudio que se levanta da cama e vai até o banheiro, para escovar os dentes, tropeça e derruba seu filho que, na queda, fratura o braço. O movimento voluntário das pernas de Cláudio dentro de seu quarto – o andar, tropeçando – causou a fratura do braço de seu filho. A vontade de Cláudio impulsionou seu comportamento, que deu causa ao resultado.

Igualmente, é conduta o comportamento de Jorge, impulsionado por sua vontade, que consiste em atirar, com a mão, uma pedra em direção ao corpo de Mário, ferindo-o.

Os causalistas, ao examinarem a conduta de uma pessoa, não realizam qualquer valoração acerca do fim pretendido pelo agente. Para eles, basta analisar a voluntariedade do comportamento – se o agente queria movimentar-se ou abster-se de um movimento – e se há nexo de causa e efeito entre o comportamento e a conseqüência dele advinda.

Não se importam – quando examinam a conduta – com o conteúdo da vontade do agente. Não perguntam se Cláudio, ao derrubar seu filho, desejava ou não feri-lo, nem se Jorge, ao atirar a pedra, queria ou não atingir e ferir o corpo de Mário.

Para a teoria causal, essas são questões que não se resolvem no âmbito da

4 – Direito Penal – Ney Moura Teles

O inquérito policial é o alicerce sobre o qual se vai construir um conjunto de outros atos procedimentais, reunidos organizadamente naquilo que se chama processo penal, instrumento de busca da verdade, pelo qual, ao final, o julgador decide sobre o que lhe foi colocado: condena ou absolve o acusado da prática do fato definido como crime. Essas noções de processo penal não são objeto deste estudo, por isso só são feitas aqui referências bastante rudimentares, para que o neófito possa entender apenas o necessário para o objetivo aqui proposto.

Como fará o delegado de polícia “causalista” encarregado de instaurar o inquérito policial, diante daqueles três fatos? Em qual artigo do Código Penal indiciará João, Pedro e Antônio?

É indiscutível que ele precisa verificar o que se continha na vontade de cada um dos agentes, para definir em qual tipo legal de crime sua conduta se ajusta. Sem essa análise, é impossível afirmar se como e quando um fato da vida é típico.

Para se dizer que no fato A houve tentativa de homicídio, é necessário que se analise o conteúdo da vontade de João e se conclua que ele desejava matar Márcio, não conseguindo porque, errando, só atingiu a perna, região não letal.

No segundo fato, B, para se afirmar que houve uma lesão corporal dolosa, é indispensável que, analisando-se o conteúdo da vontade de Pedro, se conclua pela certeza de que este queria apenas e tão-somente ferir Paulo.

E no terceiro fato, C, terá havido lesão corporal culposa, quando se chegar à conclusão de que Antônio, ao disparar voluntariamente sua arma, não desejava nem matar, nem ferir Sérgio, mas, apenas, brincar com seu revólver.

O indiciamento dos três agentes em inquérito policial deve ser o mais próximo da realidade. As conseqüências são da mais alta importância, bastando lembrar que os indiciados por lesão corporal simples dolosa (art. 129, caput) ou culposa (art. 129, § 6º) poderão não ser presos em flagrante, mas colocados em liberdade, como manda o art. 69 da Lei nº 9.099/95, que trata do processo por crimes de menor potencial ofensivo:

“A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.” Já os presos em flagrante indiciados por tentativa de homicídio só poderão ser libertados mediante o pagamento de fiança arbitrada pelo juiz, nunca pelo delegado.

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Essa é apenas uma das conseqüências práticas do correto indiciamento, que decorre da exata tipificação de um fato concreto, possível apenas quando se analisa não só a aparência do fato, mas, principalmente, o conteúdo da vontade do agente.

A distinção entre uma lesão corporal intencional, uma lesão corporal causada por negligência e uma tentativa de homicídio em que a vítima sai ferida está no conteúdo da vontade dos três agentes, na finalidade da vontade do agente dos três fatos, posto que o resultado é idêntico nas três hipóteses.

HANS WELZEL, estudando a conduta nas primeiras décadas do século passado, verificou que o elemento diversificador dos fatos típicos não está em seu resultado, mas na ação. A ação do homem que mata outro com vontade de matar é punida mais rigorosamente que a conduta do homem que mata outro sem vontade de matar, apesar de o resultado ser o mesmo nas duas situações (morte de um homem), porque o Direito deseja censurar mais severamente aquele que teve vontade de causar o mal a outrem. Ao Direito importa distinguir entre o que quis um resultado e o que não o quis, mas, por descuido, o causou.

Com base nessas observações, WELZEL estruturou a Teoria Finalista da Ação ou Teoria da Ação Final, que diz ser toda ação uma atividade humana final, ou o exercício da atividade finalista.

Todo e qualquer comportamento humano é um acontecimento finalista e não puramente causal, pois o homem, enquanto ser consciente das leis naturais, de causa e efeito, pode prever as conseqüências de seu comportamento e tem condições de dirigir sua atividade no sentido da produção de um ou de outro resultado. E, sempre que age, ele o faz com determinada finalidade.

Toda vontade tem um conteúdo, que é o fim. A teoria causal, quando prescinde da análise do conteúdo da vontade, está fraturando o conceito de ação, que é um fenômeno uno. A vontade que impulsiona a conduta tem um conteúdo que não pode ser separado dela.

A diferença, portanto, entre as duas teorias é que, para os causalistas, a ação é um puro processo causal, ao passo que o finalismo demonstrou que a conduta é um processo causal dirigido a determinada finalidade.

Não importa, neste primeiro momento, qual seja a finalidade, mas que ela exista sempre. Em algumas situações, essa finalidade é dirigida à produção de um dano a algum bem jurídico, noutras o fim pode ser a obtenção de um resultado permitido ou não proibido. Mas, sempre, haverá uma finalidade, sempre a vontade humana terá um conteúdo, não importa com qual natureza.

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Engloba o agir como fator sensível da realidade social, com todos os seus aspectos pessoais, finais, causais e normativos.” Dois grandes penalistas, DAMÁSIO E. DE JESUS e FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO formularam severas críticas que, parece, fulminam essa teoria.

Para o primeiro, “ela não deixa de ser causal, merecendo os mesmos reparos que a doutrina faz à teoria mecanicista: não resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e do crime omissivo. Por outro lado, se ação é a causação de um resultado socialmente importante, como se define a conduta nos crimes de mero comportamento? Esta teoria, como a causal propriamente dita, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos dois casos”^2. Já o segundo, acerca do conceito de “relevância social”, ensina que “pela vastidão de sua extensão, se presta para tudo, podendo abarcar até os fenômenos da natureza, pois não se há de negar ‘relevância social’ e jurídica à mudança do curso dos rios, por ‘ação’ da erosão, com repercussão sobre os limites das propriedades; à morte, causada pela ‘ação’ do raio, com a conseqüente abertura da sucessão hereditária; e assim por diante. (...) Isso mostra, a nosso ver, que a relevância social não é um atributo específico do delito, mas antes uma característica genérica de todo fato jurídico, tomado este em seu sentido mais amplo. Sendo assim, se, de um lado, não se pode negar ‘relevância social’ ao crime, de outro, é fora de dúvida que essa é uma qualidade que lhe advém da circunstância de pertencer à família dos fatos jurídicos, estes sim portadores originários de um indefectível aspecto social”3. Incluir, no conceito de crime, a idéia de relevância social em nada ajuda a explicá-lo. Além disso, o finalismo esclarece com suficiência o conceito de ação.

(^1) WESSELS, Johannes. Direito penal: parte geral. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1976. v. 1, p.

(^2) JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 204. (^3) TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 105.

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8.1.4 Teoria jurídico-penal

O mesmo FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, após entender que causalidade e finalismo não esgotam o vasto conteúdo do agir humano – já que na maior parte dos casos o agente atuaria por instinto ou por costume –, propõe abandonar o conceito pré- jurídico, ontológico, proposto por HANS WELZEL, com o regresso a um conceito eminentemente jurídico, que assim formulou:

“Ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico.” Esse conceito em absolutamente nada colide com o conceito finalista de ação. Na verdade, equivale a dizer que ação é o comportamento humano voluntário dirigido a um fim. DAMÁSIO E. DE JESUS formula-o: “Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade.”

O conceito formulado por ASSIS TOLEDO não se distingue do finalista, mas apenas o detalha. Onde o finalista escreve: “ação ou omissão humana consciente”, detalhou: “dominado ou dominável pela vontade”, o que equivale à voluntariedade. Onde o finalismo diz: “dirigido a determinada finalidade”, o novo conceito foi mais pormenorizado: “dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico”. A idéia, confessada por seu formulador, é retornar ao que é jurídico, e explicar, ainda, a conduta culposa. É certo que não há esta necessidade, pois trata-se, em primeiro lugar, de conceituar a conduta, e isto o finalismo fez com propriedade e, sobretudo, simplicidade.

Claro que, no segundo momento, a tarefa do estudioso é verificar a qualidade da conduta, em face dos tipos construídos pelo legislador e, conquanto tenha ele criado tipos dolosos e tipos culposos, toda e qualquer conduta, para ser típica, ou será dolosa, ou será culposa.

Para conceituar conduta, não é necessário explicar suas duas qualidades que, como se verá adiante, são antagônicas e se repelem; daí a impossibilidade e desnecessidade de se obter um conceito de ação, com a inclusão de suas qualidades típicas, dolosa e culposa. A não ser que tal conceito careça do rigor científico, como, aliás, reconheceu o próprio ASSIS TOLEDO, quando enunciou o seu.

(^4) Op. cit. p. 109. (^5) Direito penal. Op. cit. p. 199.

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8.2 AUSÊNCIA DE CONDUTA

Só existe conduta quando houver vontade do agente. A experiência da vida mostra algumas situações em que o homem, sem vontade, movimenta-se ou abstém-se de movimento, dando causa, com uma dessas atitudes, a alguma lesão a um bem jurídico penalmente protegido.

Um exemplo: em certo hospital, à meia-noite, a enfermeira Sandra deve ministrar, ao paciente Juarez, determinado medicamento, sem o qual o doente, inevitavelmente, morrerá. Suponham que, dez minutos antes, Joaquim, desejando a morte de Juarez, após entrar no hospital, consegue subjugar a enfermeira, conduzindo- a a um quarto, onde a amarra com cordas e a amordaça com fitas adesivas de primeira qualidade, mantendo-a atada a uma das colunas do prédio, de tal modo que lhe é impossível gritar, grunhir, sair, soltar-se, enfim, realizar qualquer movimento com o corpo ou, simplesmente, com a boca.

Aos dez minutos do novo dia, o paciente, sem o medicamento indispensável, morre.

A enfermeira omitiu-se? Deixou de cumprir seu dever de ministrar o medicamento ao paciente? Houve, de sua parte, um comportamento humano, negativo, uma abstenção de um movimento final?

É evidente que não. Só há conduta quando há vontade. No exemplo, a força imprimida contra a enfermeira impedia-lhe de ter vontade de agir. Era-lhe fisicamente impossível agir. Mesmo que desejasse – e é certo que ela assim quis –, com todas as suas forças, soltar-se das amarras, e dirigir-se ao quarto do paciente, para aplicar-lhe o medicamento, não lhe era possível fazê-lo. É claro que ela deixou de cumprir um dever. Aconteceu uma inação, uma omissão, mas essa abstenção do movimento do corpo não foi voluntária, não foi impulsionada pela vontade humana; logo, não constituiu uma conduta.

Ela não teve vontade de omitir-se, não teve vontade de deixar de movimentar- se. Sem vontade, não há conduta.

Situações como essa são chamadas de “ausência de conduta”. Dá-se a ausência de conduta quando ocorre a lesão de um bem jurídico, em conseqüência da atitude do homem – positiva ou negativa – sem, contudo, ter havido, da parte dele, vontade. É uma situação em que ocorre a lesão de um bem jurídico, com a interferência do homem, sem que tenha havido, contudo, conduta, por inexistir a vontade. São três os casos possíveis.

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8.2.1 Coação física absoluta ou força irresistível

Como no exemplo da enfermeira, em algumas situações, incide sobre alguém uma força física externa irresistível, a qual, atuando materialmente sobre ele, não pode ser repelida, de modo a não lhe deixar qualquer opção de movimento corporal.

Trata-se de uma força absoluta, a que não se pode resistir. Nesses casos, o homem deixa de movimentar-se, deixa de realizar um comportamento positivo, de fazer alguma coisa, sem vontade alguma de abster-se, mas em virtude da irresistibilidade da força externa que sobre ele atua. Essa força é tão forte, que elimina, totalmente, a possibilidade de o homem ter vontade. Nem vontade de omitir-se.

A força deve ser física e absoluta, deve atuar materialmente, concretamente, sobre o corpo do homem e não apenas sobre sua mente, e deve ser de tal intensidade, que seja impossível a ele contrapor-se, de modo a, pelo menos, neutralizá-la ou diminuí-la, tornando-a resistível.

Só haverá coação física absoluta sobre aquela enfermeira, se as cordas que a ataram tiverem sido suficientemente fortes, estiverem devidamente ajustadas, pois, se tiver sido amarrada com lacinhos de fita, ou cordas frouxas, a força não seria irresistível.

Havendo a chamada vis absoluta, não há vontade, não há conduta e, de conseqüência, não há fato típico, e por isso o fato não é crime.

8.2.2 Movimentos reflexos

Em movimentos do corpo ditados pelos reflexos naturais, também não se pode falar na existência de vontade.

Imaginem a situação: João, vendo Joana sentada ao lado da parede da sala de aula, e estando por ela apaixonado, resolve abordá-la, dirigindo-se a sua frente, onde pretende declarar seu amor. Ao se aproximar da amada, encosta seu braço à parede que, por um defeito da fiação elétrica interna, emite um choque elétrico que atinge, com grande intensidade, o corpo de João. Este, num movimento reflexo, impensado, indesejado, move bruscamente o braço, atingindo o rosto de Joana, bem no olho direito, causando-lhe equimoses.

Esse fato revela um movimento corporal de João que, todavia, não constitui conduta, posto que não houve, da parte dele, qualquer vontade de movimentar o braço.

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uma vontade, um querer, e a manifestação dessa vontade, sua concretização, por meio de um movimento do corpo. São exemplos de ações: disparar um tiro de revólver, empurrar o corpo de uma pessoa, cortar com uma faca um objeto, levar o copo ou o garfo à boca.

A grande maioria dos tipos legais de crime descreve condutas – “matar alguém”, “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, “constranger mulher à conjunção carnal...” – que se realizam por ações em sentido estrito, de movimentos corporais, o que não impede possam algumas delas realizar-se por meio de comportamento oposto, da abstenção de movimentos corporais, a omissão, como se verá a seguir.

8.3.2 Omissão

A omissão, ou conduta omissiva, é a que se manifesta por abstenção do movimento do corpo, dirigida a uma finalidade.

A omissão não é simplesmente deixar de fazer alguma coisa, mas deixar de realizar um comportamento que deveria ser realizado e que o omitente poderia ter concretizado

  • “a omissão é a não-realização de um comportamento exigido que o sujeito tinha a possibilidade de concretizar”6.

8.3.2.1 Omissão pura

Omissão pura ou omissão própria, que dá lugar aos chamados crimes omissivos próprios, é a abstenção de um comportamento determinado por uma norma penal incriminadora.

Para existir a omissão própria, é necessário que exista um tipo legal de crime descrevendo uma conduta omissiva, como, por exemplo, no art. 269 do Código Penal: “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória.”

Como se vê, o tipo descreve uma omissão, uma inação, a abstenção de um movimento, pelo que a norma manda o sujeito realizar um movimento do corpo, uma ação, em sentido estrito: deve o médico denunciar à autoridade pública a doença, deve realizar um comportamento positivo.

(^6) JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 208.

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Não realizando o comportamento exigido pela norma incriminadora, quando lhe era possível fazê-lo, o sujeito realiza o fato típico omissivo próprio.

São exemplos de tipos de omissão pura os seguintes, do Código Penal:

a) definido, no art. 135, como omissão de socorro (Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública);

b) no art. 244, o abandono material (Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo);

c) no art. 246, o abandono intelectual (Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar).

Os comportamentos omissivos são bem revelados nas locuções verbais utilizadas na descrição das condutas: “deixar de”, “não pedir”, “deixar”, “não lhes proporcionando”, “faltando ao pagamento” etc.

Como se verifica, nos referidos tipos não se exige que da omissão resulte algum dano a quem quer que seja, bastando, para caracterizar o fato, que o sujeito não realize o comportamento exigido e que ele podia realizar. Omissão é não realizar o devido e possível.

8.3.2.2 Omissão imprópria

A omissão imprópria, também chamada comissão por omissão, e que dá lugar aos delitos omissivos impróprios ou comissivos por omissão, ou, ainda, comissivos omissivos, é a abstenção de um movimento corpóreo final que o sujeito devia e podia realizar para impedir a produção de um resultado lesivo de um bem jurídico.

Para a definição desses crimes, não existe uma norma penal incriminadora que mande o sujeito agir, como na omissão pura.

Ocorre um fato típico de crime omissivo impróprio quando, existindo norma penal impondo a determinado sujeito a obrigação de agir para impedir a ocorrência de resultados lesivos – conferindo-lhe, portanto, uma obrigação de realizar um comportamento positivo de modo a evitar que um bem jurídico seja atingido –, ele,

16 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Assim, o pai, natural ou por adoção, o curador, o tutor, o carcereiro, o diretor do presídio, são pessoas que têm, por dispositivo legal, a obrigação de cuidar dos filhos, protegê-los e zelar por eles, pelos curatelados, tutelados e presos, respectivamente.

Estando qualquer desses diante do risco de uma lesão, aqueles, seus garantes, estão obrigados a agir para impedir que a lesão ocorra.

Se a pessoa, mesmo não tendo o dever legal de proteção, guarda ou vigilância, assumir, contratualmente, a responsabilidade de impedir o resultado, também estará obrigada a agir. Não é necessária a existência de um contrato, e tampouco escrito, mas que a pessoa se coloque numa posição de garantidora, de protetora.

É o caso do guia de turismo, da babá, do enfermeiro, em relação ao turista, à criança e ao doente. Entre eles há uma relação de confiança, em que os primeiros se obrigam a prestar uma atenção especial. Por isso, na situação em que se pode prever a possibilidade de um resultado indesejado, lesivo, de um bem jurídico, o garante deve agir para impedir o resultado. Se não o faz, podendo, e o resultado ocorre, por ele irá responder, pois que assumiu a responsabilidade de evitá-lo.

A última situação é a da pessoa que, com um seu comportamento precedente, cria o risco de que o resultado venha a ocorrer. Por exemplo, João coloca fogo em pastagem de sua propriedade, costume da região Centro-oeste do país, e o fogo, em razão dos ventos do Planalto Central, ultrapassa os limites de sua propriedade, atingindo um galpão situado no terreno de seu vizinho Alfredo, onde estão guardados bens de sua propriedade, máquinas agrícolas, alguns animais, e até crianças brincando.

O risco da ocorrência de um resultado lesivo a qualquer dos interesses dos vizinhos de João foi criado por seu comportamento voluntário de atear fogo na vegetação de sua propriedade. É certo que sua vontade não era de causar prejuízo a seus vizinhos; todavia, o fogo ultrapassou os limites de sua propriedade, e foi gerar perigo de lesão para interesses de terceiras pessoas.

João tem o dever jurídico de, podendo, agir para impedir a ocorrência de quaisquer lesões a quaisquer bens jurídicos de quem quer que seja, pois foi o responsável pela criação da situação que os colocou sob o risco de sofrer qualquer lesão.

Essas pessoas – as que têm o dever legal de proteção, guarda e vigilância, as que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado, e as que, com comportamento antecedente, criaram a situação de risco de ocorrer o resultado – são denominadas garantes, e estão obrigadas a agir para impedir que o resultado aconteça. Se, podendo, não agem, vale dizer, omitindo-se, respondem pelo resultado como se tivessem dado causa a ele. É essa a norma penal.

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A única possibilidade de se eximirem de responder pelo resultado, de não verem suas condutas tipificadas como comissivas por omissão, ou de omissão imprópria, é demonstrarem absoluta impossibilidade de agirem. Por exemplo: não pode impedir a morte do filho que se afoga na piscina o pai que se encontrava em outra cidade no momento em que a criança se atira na água.

Apesar de ter o dever legal de proteção, guarda e vigilância, o pai encontrava-se trabalhando em outro local, e, mesmo tendo o dever de agir para impedir o resultado, não lhe era possível fazê-lo, até por não ter conhecimento da necessidade de agir, e, mesmo que avisado, não lhe era possível evitar o resultado.

De conseqüência, só responde pelo delito comissivo por omissão aquele que tem o dever, legal ou jurídico, de agir para impedir o resultado e, podendo fazê-lo, omite-se.

8.4 DOLO

O Direito Penal não poderia considerar crime o simples comportamento humano, a conduta, positiva (ação) ou negativa (omissão), independentemente da formação da vontade do sujeito.

Longe se vai, na história, o tempo em que se punia pela simples relação de causa e efeito entre o comportamento do homem e o resultado lesivo. Um Direito Penal democrático só pode considerar crimes comportamentos humanos voluntários que poderiam ter sido evitados.

Importa muito saber qual a atitude interna do homem quando se comporta de modo a causar dano a um bem jurídico alheio. Agiu com vontade de matar? Agiu com displicência?

O que ocorre na esfera do pensamento humano, no interior da consciência do sujeito, no momento em que ele movimenta seu corpo ou abstém-se do movimento que devia realizar? A resposta a essa indagação é imprescindível para se determinar a existência de um crime.

Não é crime qualquer causação de um resultado lesivo de um bem jurídico. Há mortes inevitáveis, como a causada por um raio que cai sobre a cabeça de um homem. Só serão considerados crimes resultados que poderiam ter sido evitados.

Estabeleceu-se que os fatos definidos como crime serão dolosos ou culposos. Os primeiros constituem a regra e serão punidos mais rigorosamente, porque constituem comportamentos merecedores de maior resposta penal.

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8.4.1.2 Teoria da representação

Uma segunda teoria entende o dolo de forma bem distinta. Não é necessário que o agente tenha vontade de alcançar o resultado, bastando que o preveja, que o represente.

Se o agente antevê o resultado e não se detém, realizando uma conduta que dá causa ao resultado, mesmo não tendo desejado alcançá-lo, terá agido dolosamente, por tê-lo representado, porque o previu.

Quem, dirigindo seu veículo por uma avenida movimentada – avistando à frente alguns transeuntes próximos da pista, que aparentam querer atravessá-la, e prevendo a possibilidade de uma travessia e possível atropelamento, com seu veículo –, continua, apesar da previsão do atropelamento, no percurso, sem se deter, e acaba por atropelar alguém, causando-lhe ferimentos, só por ter previsto a possibilidade do resultado, só por tê-lo representado, só por isso, já teria agido com dolo.

Para essa teoria não é necessário que o agente tenha vontade de produzir o resultado, basta que o tenha previsto. Dolo seria a representação do resultado.

8.4.1.3 Teoria do assentimento ou do consentimento

Esta teoria, tanto quanto a teoria da vontade, exige que o agente tenha consciência do fato, tenha previsão do resultado, mas não exige que ele queira alcançar o resultado, bastando que o aceite, que nele consinta, caso ele aconteça.

Em outras palavras, para essa teoria é dolosa a conduta de quem, prevendo o resultado, não o deseja, mas dá seu assentimento, se o resultado, eventualmente, acontecer.

Exemplo: João numa caçada, avistando um animal e próximo dele um homem, desejando atingir a caça, prevê que, se errar o tiro, poderá atingir o homem a quem não deseja matar. Fazendo a previsão, João, apesar disso, pensa: “não quero atingir o homem, mas se o atingir, tudo bem, não posso fazer nada”. Em seguida, atira e atinge o homem, em vez da caça. Nesse caso, para esta teoria, João agiu com dolo, porque, apesar de não querer o resultado, aceitou-o.

8.4.1.4 Dolo no Código Penal brasileiro

Das três teorias, a da representação não pode, em nenhuma hipótese, ser aceita, pois não pode ser tido como doloso o simples “prever um resultado”, que não é

20 – Direito Penal – Ney Moura Teles

comportamento, mas um puro acontecimento psicológico, não revelando nenhuma atitude, nem mesmo interna do sujeito, mas um simples pensamento, uma simples constatação, aliás, absolutamente indemonstrável.

Quem apenas prevê o resultado não pode ser tratado igualmente ao que, além de prever, deseja alcançá-lo. É certo, portanto, que o dolo não pode ser apenas previsão.

Não se pode esquecer que aqui se trata da construção de um elemento indispensável para considerar uma conduta como típica, merecedora de uma pena criminal, aliás, a mais severa das sanções jurídicas.

Devem ser consideradas delituosas as condutas realizadas com deliberada vontade de realizar a figura típica, alcançando o resultado nela previsto. Aquele que age com a intenção de causar um dano a um bem jurídico deve merecer a maior reprovação. Com razão, pois, a teoria da vontade. Dolo deve ser consciência do fato e a vontade de produzir o resultado.

Por outro lado, dolo não pode ser apenas consciência e vontade, previsão e vontade de alcançar o resultado, uma vez que a atitude daquele que, mesmo não desejando o resultado, aceita-o, se ele ocorrer, é tão grave que merece quase tanta censura quanto a do que quer o resultado.

Quem, após prever um resultado, não se detém e age, com a atitude interna de aceitação da lesão, de indiferença em relação ao bem jurídico alheio, deve ser equiparado ao que busca realizar a lesão, alcançar o resultado. A atitude interna de não respeitar o bem jurídico alheio daquele que não deseja, mas aceita sua lesão, deve merecer, se não idêntico, pelo menos muito próximo tratamento, e ser equiparada à do que a deseja, pois que, apesar da diferença, significam, praticamente, o mesmo para os bens jurídicos colocados sob a proteção do Direito Penal.

Nenhum dos agentes se detém diante da previsão do resultado lesivo. Um porque o deseja, o outro porque o aceita. As duas atitudes internas devem ser consideradas, igualmente, dolosas. Nenhum deles evita a conduta que o pode gerar, porque não está preocupado com a possibilidade da lesão. E as duas condutas provocam a lesão. A diferença entre querer e apenas aceitar não é suficiente para impor tratamento diferente às duas condutas. Por isso, o Código Penal brasileiro adotou as duas teorias, a da vontade e a do assentimento, no art. 18, I: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.”

É dolosa a conduta quando o agente “quis o resultado”, e é também quando, mesmo sem querê-lo, o agente “assume o risco” de sua produção, o que significa