Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

a hora do lobisomem Stephen King, Traduções de Tradução

terror, ficção sobrenatural, suspense, ficção científica e fantasia

Tipologia: Traduções

2019

Compartilhado em 18/09/2019

karine-ferreira
karine-ferreira 🇧🇷

1 documento

1 / 57

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
A Hora do Lobisomem - Stephen King
A Hora do Lobisomem
Arnie Westrum, sinalizador ferroviário, está trancado por uma nevasca numa cabana de
ferramentas a nove milhas da cidade. Ele espera a tempestade passar jogando paciência
com um maço de cartas sebosas. Lá fora, o vento se transforma num lamento contínuo.
Westrum ergue a cabeça, preocupado. E apenas o vento, pensa. Mas o vento não arranha
portas... tentando entrar. E o cachorro de alguém, ele pensa, perdido e procurando
abrigo. Seria desumano deixá-lo lá fora, ele pensa... mas permanece imóvel. Tem sido
uma época ruim na cidade; a região está repleta de maus presságios e Arnie sente o dedo
gelado do medo espetar seu coração. Antes que ele possa decidir o que fazer, o lamento
incipiente se torna um urro. Há um ruído forte como se algo incrivelmente pesado
atingisse a porta... recuasse... e atacasse outra vez. Arnie Westrum olha ao redor
procurando algo para reforçar a porta, mas, antes que ele se mova, o ser uivante ataca
outra vez, rachando-a de cima a baixo. E o maior lobo que Arnie já viu. E seus
grunhidos soara terrivelmente semelhantes a palavras humanas. A porta então cede e o
lobo avança, os olhos amarelos faiscando em direção ao homem encurralado. Suas
orelhas estão eriçadas com triângulos peludos. Sua língua drapeja. Atrás dele, a neve
chicoteia através da porta rachada ao meio. O ruído dos gritos é abafado pela fúria da
tempestade.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39

Pré-visualização parcial do texto

Baixe a hora do lobisomem Stephen King e outras Traduções em PDF para Tradução, somente na Docsity!

A Hora do Lobisomem

Arnie Westrum, sinalizador ferroviário, está trancado por uma nevasca numa cabana de ferramentas a nove milhas da cidade. Ele espera a tempestade passar jogando paciência com um maço de cartas sebosas. Lá fora, o vento se transforma num lamento contínuo. Westrum ergue a cabeça, preocupado. E apenas o vento, pensa. Mas o vento não arranha portas... tentando entrar. E o cachorro de alguém, ele pensa, perdido e procurando abrigo. Seria desumano deixá-lo lá fora, ele pensa... mas permanece imóvel. Tem sido uma época ruim na cidade; a região está repleta de maus presságios e Arnie sente o dedo gelado do medo espetar seu coração. Antes que ele possa decidir o que fazer, o lamento incipiente se torna um urro. Há um ruído forte como se algo incrivelmente pesado atingisse a porta... recuasse... e atacasse outra vez. Arnie Westrum olha ao redor procurando algo para reforçar a porta, mas, antes que ele se mova, o ser uivante ataca outra vez, rachando-a de cima a baixo. E o maior lobo que Arnie já viu. E seus grunhidos soara terrivelmente semelhantes a palavras humanas. A porta então cede e o lobo avança, os olhos amarelos faiscando em direção ao homem encurralado. Suas orelhas estão eriçadas com triângulos peludos. Sua língua drapeja. Atrás dele, a neve chicoteia através da porta rachada ao meio. O ruído dos gritos é abafado pela fúria da tempestade.

No Coração das Trevas

O horror começou em janeiro - sob a luz da lua cheia.

O primeiro grito partiu de um guarda-freios que estava trancado pela nevasca numa pequena cabana de ferramentas, a nove milhas da cidade. Sua garganta foi destroçada pelas mandíbulas de alguma espécie de fera...

No mês seguinte, o grito irrompeu de uma cama virginal, onde uma mulher solitária gostaria de entregar-se aos devaneios do amor.

A partir de então os habitantes de Tarker's Mills, uma cidade isolada no norte do Maine, Estados Unidos, perceberam que algo de terrível estava acontecendo entre eles. E se repetia todas as vezes em que a lua cheia reluzia num céu translúcido e livre de poluição. A Besta rondava a cidade - sedenta de sangue, vigorosa e inexplicável.

A Hora do Lobisomem é outra obra-prima de Stephen King, um dos mais admiráveis e profícuos escritores de terror de todos os tempos.

Em memória de Davis Grubb e de todas as vozes da Glória.

Na escuridão malcheirosa do celeiro, ele ergueu sua cabeça peluda. Seus estúpidos olhos amarelos faiscaram. "Faminto", ele sussurrou.

Henry Ellender The Wolf

"Trinta dias tem setembro, abril, junho e novembro, os demais têm trinta e um, menos fevereiro. Chuva e neve e sol brejeiro e a lua gorda o ano inteiro."

Verso infantil

Em algum lugar, lá no alto, a lua brilha, gorda e cheia - mas, aqui, em Tarker's Mills, uma nevasca de janeiro entulhou o céu de neve. O vento sopra forte pela avenida Central deserta; as patrolas alaranjadas da cidade há muito se renderam.

Arnie Westrum, sinalizador ferroviário da GS&WM Railroad, foi apanhado na pequena cabana de ferramentas e sinais a nove milhas da cidade; com seu vagonete movido a gasolina bloqueado pela enxurrada, ele espera a tempestade passar jogando paciência com um maço de cartas sebosas. Lá fora, o vento se transforma num lamento contínuo. Westrum ergue a cabeça com desconforto e então volta a olhar para seu jogo. É apenas o vento, afinal de contas...

Mas o vento não arranha portas... tentando entrar.

Ele se levanta; é um homem alto e desengonçado metido numa jaqueta de lã e com o uniforme da ferrovia, um cigarro Camel pendurado num canto da boca, seu enrugado rosto da Nova Inglaterra iluminado por tons alaranjados da lanterna de querosene pendurada na parede.

As arranhadelas recomeçam. O cachorro de alguém, ele pensa, perdido e procurando abrigo. Isso é tudo... mas permanece imóvel. Seria desumano deixá-lo lá fora no frio, ele pensa (não que seja muito mais quente ali dentro; contra o aquecedor a bateria ele pode ver a nuvem fria criada por sua respiração) - mas ainda hesita. O dedo gelado do medo espeta-o abaixo do coração. Tem sido uma época ruim em Tarker's Mills; a região está repleta de presságios. Arnie tem o sangue forte dos Welsh em suas veias e não gosta dessas coisas.

Antes que ele possa decidir o que fazer com relação ao visitante, o incipiente lamento se transforma em urro. Há um ruído forte, como se algo incrivelmente pesado atingisse a porta... recuasse... e atacasse novamente. A porta trepida em seu umbral e um punhado de neve cai do alto.

Arnie Westrum olha ao redor procurando algo para reforçar a porta, mas, antes mesmo que ele se aproxime da cadeira frágil onde estava sentado, o ser uivante ataca a porta outra vez com uma força inacreditável, rachando-a de cima a baixo.

Pára por um longo momento, arqueado numa linha vertical, e, penetrando na cabana, chutando e bufando, seu focinho retorcido num grunhido, seus olhos amarelos faiscantes, é o maior lobo que Arnie já viu...

E seus grunhidos soam terrivelmente semelhantes a palavras humanas.

A porta racha, ringe, cede. Num instante o ser estará ali dentro.

No canto, entre as ferramentas, há uma picareta encostada à parede. Arnie se apressa em apanhá-la enquanto o lobo abre caminho e se agacha, os olhos amarelos faiscando na direção do homem encurralado. Suas orelhas estão eriçadas, como triângulos peludos.

Sua língua drapeja. Atrás dele, a neve chicoteia através da porta rachada ao meio.

Com um grunhido ele se lança, Arnie Westrum levanta a picareta.

Uma única vez.

Lá fora, através da porta arrombada, a lâmpada fraca brilha imperfeita sobre a neve.

O vento ronca e uiva.

Os gritos começam.

Algo inumano chegou a Tarker's Mills, tão sorrateiro quanto a lua cheia no céu noturno, lá no alto. É o lobisomem, e não há nenhuma razão a mais para sua chegada do que haveria para o surgimento do câncer ou de um psicótico com crimes em mente, ou um furacão assassino. Seu tempo é agora, seu lugar é aqui, nesta pequena cidade do Maine onde as ceias de feijão cozido na igreja são um evento semanal, onde garotinhos e garotinhas ainda levam maçãs para suas professoras, onde os passeios ecológicos do Clube dos Cidadãos são religiosamente noticiados no jornal semanal. Na próxima semana haverá notícias de uma variedade mais sombria.

Lá fora, suas pegadas começam a ser cobertas pela neve e o gemido do vento tem algo de selvagem e prazeroso. Não há nada de Deus ou Luz naquele som desalmado - é tudo inverno negro e gelo sombrio.

O ciclo do lobisomem começou.

Amor, pensa Stella Randolph, deitada em sua estreita cama virginal, e através de sua janela penetra a luz fria e azulada de uma lua cheia do Dia dos Namorados.

Oh, amor, amor, amor, amor seria como...

Este ano Stella Randolph, que é dona de um armarinho em Tarker's Mills, recebeu vinte cartões de namorados - um de Paul Newman, um de Robert Redford, um de John Travolta... e até um de Ace Frehley, do grupo de rock Kiss. Eles estão abertos sobre a escrivaninha do outro lado do quarto, iluminados pelo luar. Ela os enviou todos para si mesma, neste como em todos os outros anos.

O amor seria como um beijo ao amanhecer... ou o último beijo, o verdadeiro, ao final das histórias românticas de Arlequim... o amor seria como rosas ao crepúsculo...

Eles riem dela em Tarker's Mills, sim, você pode apostar. Os garotinhos dizem piadas e riem escondendo os rostos com as mãos (e algumas vezes, se eles estão em segurança e o comissário Neary não está por perto, cantam canções jocosas com suas suaves e debochadas vozes de sopranos), mas ele conhece o amor e a lua. Sua loja vai mal, ela está gorda demais, mas, agora, nessa noite de sonhos, com a lua de uma tristeza amarga que escorre pelas vidraças frisadas de gelo, parece-lhe que o amor é ainda uma possibilidade, o amor e o cheiro do verão, porque ele se aproxima...

O amor seria como o toque áspero do rosto de um homem, que roça e arranha...

E, subitamente, uma arranhadela na vidraça.

Ela se apóia nos cotovelos, as cobertas escorregando de seu grande busto. O luar foi encoberto por uma silhueta escura - amorfa mas claramente masculina, e ela pensa: Eu estou sonhando... e em meus sonhos eu o deixarei vir... em meus sonhos eu deixarei a mim mesma vir. Eles usam a palavra "sujeira", mas a palavra correta é "limpo ", a palavra é "certo "; o amor seria como uma vinda.

Ela levanta, convencida de que é um sonho, pois há um homem curvado lá fora, um homem que ela conhece, um homem que ela encontra na rua quase todos os dias. É...

(O amor, o amor está chegando, o amor veio)

Mas quando seus dedos gorduchos se apóiam na moldura gelada da janela, ela nota que não é um homem; é um animal, um imenso e peludo lobo, suas patas dianteiras na beirada exterior da janela, as patas traseiras enterradas até as ancas na neve que recobre o lado oeste da casa, nos limites da cidade.

Mas é Dia dos Namorados e haverá amor, ela pensa; seus olhos a enganaram mesmo em seu sonho. E um homem, aquele homem, e ele está tão pecaminosamente disponível.

(ausência de pecado, sim, o amor seria como a ausência de pecado)

e ele chegou nessa noite enluarada e irá possuí-la. Ele irá...

Ela escancara a janela e é o golpe de ar gelado ondulando sua camisola azul que lhe diz que isto não é nenhum sonho. O homem se foi e, atônita, ela percebe que ele nunca esteve ali. Ela encolhe os ombros, recuando, e o lobo salta livremente para dentro do quarto e se sacode, espalhando uma onírica nuvem de neve como açúcar na escuridão.

Mas, o amor. O amor é como... é como... como um grito...

Tarde demais ela lembra de Arnie Westrum, despedaçado na cabana da ferrovia a oeste da cidade, apenas um mês atrás. Tarde demais...

O lobo avança em sua direção, os olhos amarelos faiscando com fria luxúria. Stella Randolph recua para sua estreita cama virginal, caindo sobre ela.

O luar divide a pelugem da besta em listras prateadas.

Sobre a escrivaninha, os cartões do Dia dos Namorados se agitam momentaneamente com a brisa que sopra da janela aberta; um deles cai e ziguezagueia preguiçosamente até o chão, cortando o arem grandes arcos silenciosos.

O lobo põe suas patas sobre a cama, uma de cada lado de seu rosto, e ela pode sentir sua respiração... quente, mas, mesmo assim, não desagradável. Seus olhos amarelos se fixam nela.

"Amado", ela sussurra, e fecha os olhos.

Ele cai sobre ela.

O amor é como morrer.

A última nevasca verdadeira do ano - neve pesada, úmida, tornando-se granizo enquanto o crepúsculo avança e a noite se aproxima - espalhou ramos de árvores partidas por toda Tarker's Mills e os estalidos da madeira podre ressoam como disparos. É a Mãe- Natureza enterrando suas árvores mortas, diz Milt Sturmfuller, o bibliotecário da cidade, a sua esposa na hora do café. Ele é um homem franzino de cabeça estreita e olhos de um azul-pálido, e tem mantido sua bela e silenciosa esposa numa escravidão de terror por doze anos. Poucas pessoas desconfiam da verdade - a mulher do comissário Neary, joan, é uma -, mas a cidade pode ser um poço de escuridão e ninguém mais sabe além delas. A cidade guarda seus segredos.

Milt gosta tanto da frase que a repete: Sim, a Mãe-Natureza enterrando suas árvores mortas... então as luzes se apagam e Dorna Lee Sturmfuller solta um gritinho sufocado. Ela derrama seu café também.

Limpe isso, o marido lhe diz friamente. ,impe isso... já.

Sim, querido. Certo.

No escuro, ela cata um pano de prato para limpar o café derramado e arranha a canela contra uma banqueta. Grita. No escuro, seu marido ri com vontade. Ele acha a dor de sua mulher mais divertida que qualquer coisa, com exceção, talvez, das piadas da Reader's Digest. Aquelas piadas - Piadas de Caserna, Rir é o Melhor Remédio - realmente mexem com sua veia humorística.

Assim como as árvores mortas, a Mãe-Natureza também enterrou algumas linhas de força em Tarker Brook nesta agitada noite de março; a neve cobriu os fios grossos, se acumulando até que eles se partissem e caíssem na estrada como um ninho de serpentes, se remexendo e cuspindo faíscas azuis.

Toda Tarker's Mills ficou no escuro.

Como se finalmente satisfeita, a tempestade começou a amainar e não muito depois da meia-noite a temperatura caiu de 0,5 para 9 graus negativos. A lama se solidificou em estranhas esculturas. O campo de feno do velho Hague - conhecido também como o Campo dos Quarenta Acres - se parece com vidro partido. As casas continuam no escuro; as caldeiras, frias. Nenhum funcionário da companhia de força é capaz de ultrapassar as estradas derrapantes.

As nuvens se desfazem. Uma lua cheia brinca de esconder entre as remanescentes. O gelo que cobre a rua principal refulge como os ossos de uma carcaça.

Na noite, começam os uivos.

Mais tarde, ninguém será capaz de dizer de onde eles vieram; estavam em toda parte e em nenhum lugar enquanto a lua cheia tingia as casas sombrias da cidadezinha, em toda parte e nenhum lugar enquanto o vento de março começou a uivar como o lamento de

uma divindade nórdica soprando seu instrumento, perdida no vento, solitário e selvagem

Dorna Lee o escuta enquanto seu desagradável marido dorme o sono dos justos a seu lado; o comissário Neary o escuta de pé em frente à janela do quarto no seu apartamento da rua Laurel; Ollie Parker, o gordo e inexpressivo diretor da escola primária, o escuta em seu quarto; outros o escutam também. Um deles é um garoto numa cadeira de rodas.

Ninguém o vê. E ninguém sabe o nome do operário encontrado pela manhã que tinha conseguido chegar a Tarker Brook para consertar os cabos derrubados. O operário estava coberto de gelo, a cabeça jogada para trás num grito sem som, o velho casaco e a camisa por baixo dele rasgados. O operário sentava em uma poça congelada do seu próprio sangue, os olhos fixos nos fios derrubados, as mãos erguidas num gesto de defesa com gelo entre os dedos.

E tudo ao redor dele eram pegadas.

Pegadas de lobo.

Pela metade do mês, a última neve se transforma em chuva torrencial e alguma coisa maravilhosa está acontecendo em Tarker's Mills: o verde começa a aparecer. O gelo no curral de Matty Tellingham já derreteu e os restos de neve na trilha da floresta conhecida como Big Woods começaram a diminuir. Parece que a velha e maravilhosa magia vai acontecer novamente. A primavera está chegando.

Os moradores a celebram com discrição por causa da sombra que caiu sobre a cidade. Vovó Hague cozinha tortas e as põe na janela da cozinha para esfriar. No domingo, na Igreja Batista da Graça, o reverendo Lester Lowe lê os Cânticos de Salomão e faz um sermão intitulado "A Primavera do Amor Divino". Em uma celebração mais leiga, Chris Wrightson, o maior bêbado de Tarker's Mills, toma seu Grande Porre de Primavera e cambaleia sob a luz prateada e irreal de uma lua quase cheia de abril. Billy Robertson, garçom e dono do The Pub, único boteco de Tarker's Mills, o observa e murmura para a garçonete: "Se aquele lobo apanhar alguém esta noite, eu acho que será Chris'".

"Nem fale nisso", replica a garçonete, encolhendo os ombros. Seu nome é Elise Fournier, tem vinte e quatro anos, freqüenta a Igreja Batista e canta no coro porque tem uma queda pelo reverendo Lowe. Mas ela planeja deixar Mills no verão; apaixonada ou não, essa história de lobo começou a assustá-la. Ela começou a pensar que as coisas podem ser melhores em Portsmouth... e os únicos lobos por lá usam uniformes de marinheiros.

As noites em Tarker's Mills, quando a lua fica cheia pela terceira vez no ano, são desagradáveis... os dias são melhores. No parque municipal há, subitamente, um céu cheio de pandorgas ao entardecer.

Brady Kincaid, onze anos, ganhou uma modelo Abutre no seu aniversário e perdeu a noção do tempo brincando com ela, sentindo o puxão da pandorga em suas mãos como uma coisa viva, vendo-a cair por um momento e serpentear pelo céu azul acima do coreto. Ele esqueceu de ir para casa jantar, nem se dá conta de que os outros soltadores de pipas já se foram, um a um, com suas caixas e barbantes apertados debaixo dos braços, nem se dá conta de que está só.

É a luz do dia se extinguindo e as sombras azuis avançando que, finalmente, o fazem entender que ele foi longe demais - isto e a lua crescendo sobre as árvores na beira do parque. Pela primeira vez é uma lua de tempo quente, inflada e laranja, em vez de fria e branca, mas Brady não repara nisso; ele apenas se dá conta de que demorou demais, seu pai, provavelmente, vai lhe dar uns safanões... e a escuridão avança.

Na escola, ele riu das histórias tolas contadas pelos colegas sobre o lobisomem que eles dizem ter matado o operário no mês passado, Stella Randolph um mês antes e Arnie Westrum no outro anterior. Mas ele não ri agora. Quando a lua transforma a escuridão de abril em um caldeirão cor de sangue, as histórias parecem todas muito reais.

Ele começa a enrolar o barbante, recolhendo a pipa o mais rápido possível, sem que seus olhos injetados se voltem para o céu escuro. Ele puxa muito rápido e, de repente, o

vento pára. A pipa mergulha por trás da cerca.

Ele caminha naquela direção, continuando a enrolar o barbante, olhando nervoso para trás... de repente, o barbante começa a correr e a se movimentarem suas mãos, para frente e para trás. Recorda-lhe sua linha de pesca quando ele fisgou aquele grandão, em Tarker's Stream, além dos moinhos. Olha para ela, fecha a cara e a linha afrouxa.

Um rugido ameaçador enche a noite e Brady Kincaid grita. Ele agora acredita. Sim, agora acredita, tudo bem, mas é tarde demais e seu grito é abafado pelo rugido que subitamente cresce e se transforma num uivo.

O lobo está correndo em sua direção, correndo em duas pernas, sua pelugem alaranjada pela lua, seus olhos com lampejos verdes, e em uma das patas dianteiras - uma pata com dedos humanos e garras no lugar das unhas - está a pipa de Brady. Esvoaçando loucamente.

Brady se vira para correr e repentinamente braços rudes o circundam; ele sente o cheiro de algo como sangue e cinamomo e é encontrado no dia seguinte escorado no Memorial à Guerra, sem cabeça e sem entranhas, a pipa em uma das mãos rígidas.

A pipa esvoaça, como se tentando subir ao céu, enquanto as pessoas viram as costas, horrorizadas e nauseadas. Esvoaça porque a brisa voltou. Esvoaça como se soubesse que será um bom dia para pipas.

Na noite anterior ao domingo de Páscoa na Igreja Batista da Graça, o reverendo Lester Lowe tem um sonho terrível do qual ele desperta trêmulo, banhado em suor, olhos fixos nas estreitas janelas da casa paroquial. Através delas, pode ver sua igreja do outro lado da estrada. O luar penetra pelo quarto de dormir da casa paroquial em imóveis grãos prateados e, por um momento, ele espera mesmo ver o lobisomem sobre o qual os velhotes caducos têm murmurado a respeito. Então ele fecha os olhos implorando perdão por seu deslize supersticioso e termina sua oração com um "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém" - como sua mãe o ensinou a encerrar todas suas orações.

Ah, mas o sonho...

No seu sonho era amanhã e ele estava fazendo o sermão de Páscoa. A igreja está sempre cheia no Domingo de Páscoa (apenas os mais velhos dos velhotes caducos ainda dizem Santo Domingo Pascal) e, em vez de estar pela metade ou parcialmente vazia como na maioria dos domingos, cada um dos bancos está tomado.

Em seu sonho ele pregava com uma fogosidade e uma força que raramente atingia na realidade (costumava ser monótono, o que podia ser uma razão para que a freqüência na Igreja da Graça tenha caído tão drasticamente nos últimos dez anos ou mais). Esta manhã sua língua parece ter sido tocada pelo Fogo Pentecostal e ele compreende que está pregando o maior sermão de sua vida. E o tema é: A BESTA CAMINHA ENTRE NÓS. Ele martela o assunto repetidas vezes, vagamente consciente de que sua voz ficou rispidamente mais forte, que suas palavras atingiram um ritmo quase poético.

A Besta, ele lhes diz, está em toda parte. O Grande Satã, ele lhes diz, pode estarem qualquer lugar. No baile da escola. Comprando um maço de Marlboro e um isqueiro Bic no armazém. Parado em frente à lancheria de Brighton, comendo um sanduíche natural e esperando pelo ônibus de Bangor das 4h40min para embarcar. A Besta pode estar sentada próximo a você num concerto da banda ou comprando uma fatia de torta na lanchonete da rua principal. A Besta, ele lhes diz, sua voz decrescendo num sussurro palpitante, e nenhum olho se desvia. Ele os apanhou. Cuidado com a Besta pois ela sorri e diz que é seu vizinho, mas, oh, meus irmãos, seus dentes são afiados e vocês podem notar a maneira descontrolada com que seus olhos giram. É a Besta e está aqui, agora, em Tarker's Mills. Ela...

Mas nesse ponto ele fraqueja, sua eloqüência se esvai, pois algo terrível está acontecendo em sua ensolarada igreja. Sua assembléia está começando a se transformar, e ele, horrorizado, compreende que eles estão virando lobos, todos eles, todos os trezentos: Victor Bowle, chefe do Conselho Mundial, normalmente tão branco, gordo e roliço... sua pele está ficando marrom, áspera, escura como pêlo! Violet MacKenzie, que dá aulas de piano... seu esguio corpo de solteirona está inflando, seu nariz delicado se achatando e alargando! O gordo professor de ciências, Elbert Freeman, parece ficar mais gordo, seu brilhante terno azul se despedaçando, chumaços de pêlos explodindo como o estofamento de um velho sofá! Seus lábios carnudos se arreganham como membranas para mostrar dentes do tamanho de teclas de piano!

A Besta, o reverendo Lowe tenta dizer em seu sonho, mas as palavras não lhe vêm e ele desce do púlpito horrorizado enquanto Cal Blodwin, o diácono chefe da Igreja da Graça, caminha apressado para o altar principal, rosnando, o dinheiro derramando da bandeja prateada da coleta, sua cabeça pendendo para um lado. Violet MacKenzie salta sobre ele e ambos rolam juntos pelo altar, mordendo-se e guinchando em vozes que são quase humanas.

E agora os outros se juntam, o som é como o de um zoológico na hora da alimentação e dessa vez o Reverendo Lowe grita, numa espécie de êxtase: A Besta! A besta está em toda parte! Em toda parte. Em toda... " Mas sua voz não é mais sua voz; ela se tornou um grunhido inarticulado, e quando ele olha, vê que suas mãos projetadas das mangas de sua batina negra se tornaram patas com garras.

E então, ele desperta.

Foi só um sonho, ele pensa, deitando-se novamente. Foi só um sonho, graças a Deus.

Mas quando ele abre a igreja naquela manhã, a manhã do Domingo de Páscoa, a manhã seguinte à lua cheia, vê que não se trata de nenhum sonho; é o corpo estripado de Clyde Corliss, que trabalhou como faxineiro por muitos anos, pendurado no púlpito com o rosto colado no chão. O esfregão apoiado próximo a ele.

Nada disso é um sonho; o reverendo Lowe apenas deseja que pudesse ser. Ele abre a boca, numa grande contração, respiração ofegante, e começa a gritar.

A primavera está de volta, novamente - e, este ano, a Besta veio com ela.