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A POÉTICA LIBERTINAGEM DE MANUEL BANDEIRA José ..., Notas de estudo de Poética

literatura brasileiras, Libertinagem é o quarto livro da lavra de Manuel Bandeira e contém alguns dos poemas mais divulgados e reproduzidos desse.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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A POÉTICA LIBERTINAGEM
DE MANUEL BANDEIRA
José Neres
INTRODUÇÃO
Manuel Bandeira é um dos mais
importantes, reconhecidos e lidos escritores do
Modernismo Brasileiro em sua primeira fase. O
poeta pernambucano é um desses escritores que
encantam os leitores desde as primeiras linhas
de seus versos tanto pela aparente simplicidade
dos vocábulos empregados quanto pela solidez
das imagens evocadas a cada estrofe. A poesia de
Bandeira é luminar e traz em seu bojo as marcas de
um lirismo que divide espaço com reminiscências e
críticas sociais, sem que nenhum desses tópicos seja
conflitante com os demais. Homem que literalmente
viveu a (e para a) poesia, Bandeira teve o dom de
transformar trechos de sua biografia em pura e
encantadora poesia, retirando das dores de seu
cotidiano a matéria-prima para sua obra.
Publicado inicialmente em 1930, um
ano bastante significativo para a história e para a
literatura brasileiras, Libertinagem é o quarto livro
da lavra de Manuel Bandeira e contém alguns dos
poemas mais divulgados e reproduzidos desse
poeta. Foi nesse livro que os leitores puderam entrar
em contato com textos antológicos como Vou-me
embora pra Pasárgada, Irene no Céu, Pneumotórax,
Profundamente, Evocação do Recife, Andorinha e O
último poema, todos constantemente citados por
críticos e historiadores literários como alguns dos
mais significativos poemas da língua portuguesa.
Neste breve estudo, iremos comentar os
principais temas abordados por Manuel Bandeira em
Libertinagem e observar como esse poeta modernista
constrói seus versos e como ele consegue, a partir de
um cotidiano, traduzir em forma de poesia algo que
poderia ser considerado banal aos olhos de alguém
que não tivesse a capacidade de transformar em
palavras, sons e ritmo os incômodos que acabam
fazendo, em alguns momentos, parte da vida da
maioria dos seres humanos.
Dessa forma, este trabalho de análise e
interpretação está dividido em três partes capitais:
inicialmente, será feito um estudo sobre Manuel
Bandeira, sintetizando sua vida, citando suas obras
e, principalmente, enfatizando seu estilo. A seguir,
teremos um breve levantamento da importância
de Manuel Bandeira para as letras brasileiras,
com recortes de comentários de alguns dos mais
respeitados críticos nacionais. Finalmente serão
estudados alguns poemas de Libertinagem a partir
dos tópicos temáticos mais recorrentes, como morte,
crítica social, pacto autobiográfico e outros.
Os poemas que ilustram este trabalho foram
transcritos do Livro Estrela da Vida Inteira (Editora
Record), que traz a reunião dos livros publicados por
Manuel Bandeira, sendo que o livro Libertinagem, no
referido volume, ocupa o espaço que vai da página
123 até 145.
Como sempre fazemos nesses tipos de estudo/
análise, advertimos que a leitura deste trabalho não
substitui em hipótese nenhuma o contato com a
obra integral, que deve ser lida com apuro, cuidado e
atenção.
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A POÉTICA LIBERTINAGEM

DE MANUEL BANDEIRA

José Neres

INTRODUÇÃO

Manuel Bandeira é um dos mais importantes, reconhecidos e lidos escritores do Modernismo Brasileiro em sua primeira fase. O poeta pernambucano é um desses escritores que encantam os leitores desde as primeiras linhas de seus versos tanto pela aparente simplicidade dos vocábulos empregados quanto pela solidez das imagens evocadas a cada estrofe. A poesia de Bandeira é luminar e traz em seu bojo as marcas de um lirismo que divide espaço com reminiscências e críticas sociais, sem que nenhum desses tópicos seja conflitante com os demais. Homem que literalmente viveu a (e para a) poesia, Bandeira teve o dom de transformar trechos de sua biografia em pura e encantadora poesia, retirando das dores de seu cotidiano a matéria-prima para sua obra. Publicado inicialmente em 1930, um ano bastante significativo para a história e para a literatura brasileiras, Libertinagem é o quarto livro da lavra de Manuel Bandeira e contém alguns dos poemas mais divulgados e reproduzidos desse poeta. Foi nesse livro que os leitores puderam entrar em contato com textos antológicos como Vou-me

embora pra Pasárgada, Irene no Céu, Pneumotórax, Profundamente, Evocação do Recife, Andorinha e O último poema, todos constantemente citados por críticos e historiadores literários como alguns dos mais significativos poemas da língua portuguesa. Neste breve estudo, iremos comentar os principais temas abordados por Manuel Bandeira em Libertinagem e observar como esse poeta modernista constrói seus versos e como ele consegue, a partir de um cotidiano, traduzir em forma de poesia algo que poderia ser considerado banal aos olhos de alguém que não tivesse a capacidade de transformar em palavras, sons e ritmo os incômodos que acabam fazendo, em alguns momentos, parte da vida da maioria dos seres humanos. Dessa forma, este trabalho de análise e interpretação está dividido em três partes capitais: inicialmente, será feito um estudo sobre Manuel Bandeira, sintetizando sua vida, citando suas obras e, principalmente, enfatizando seu estilo. A seguir, teremos um breve levantamento da importância de Manuel Bandeira para as letras brasileiras, com recortes de comentários de alguns dos mais respeitados críticos nacionais. Finalmente serão estudados alguns poemas de Libertinagem a partir dos tópicos temáticos mais recorrentes, como morte, crítica social, pacto autobiográfico e outros. Os poemas que ilustram este trabalho foram transcritos do Livro Estrela da Vida Inteira (Editora Record), que traz a reunião dos livros publicados por Manuel Bandeira, sendo que o livro Libertinagem, no referido volume, ocupa o espaço que vai da página 123 até 145. Como sempre fazemos nesses tipos de estudo/ análise, advertimos que a leitura deste trabalho não substitui em hipótese nenhuma o contato com a obra integral, que deve ser lida com apuro, cuidado e atenção.

OBRAS DE MANUEL BANDEIRA

A cinza das horas (1917) Carnaval (1919) Ritmo dissoluto (1924) Libertinagem (1930) A estrela da manhã (1936) Lira dos cinquent’anos (1940) Belo belo (1948) Mafuá dos malungos (1948) Opus 10 (1952) Estrela da tarde (1960) Estrela da vida inteira (1968)

Crônica da província do Brasil (1936) Guia de Ouro Preto (1938) Noções de história das literaturas (1940) Autoria das Cartas Chilenas (1940) Apresentação da Poesia Brasileira (1942) Literatura Hispano-Americana (1949) Gonçalves Dias: Biografia (1952) Itinerário de Pasárgada (1957) Andorinha, Andorinha (1966) Colóquio uniteralmente sentimental (1968)

SÍNTESE BIOGRAFICA DE

MANUEL BANDEIRA

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira

Filho, mais conhecido no meio literário

brasileiro como Manuel Bandeira, nasceu

em Recife (PE), no dia 19 de abril de 1886 e

faleceu no Hospital Samaritano de Botafogo,

às 12:50h do dia 13 de outubro de 1968, aos

82 anos de idade.

Ainda na infância, o futuro poeta

deixou sua terra natal passou a residir no Rio

de Janeiro, Santos, São Paulo e novamente

Rio de Janeiro. Desde muito cedo, Manuel

Bandeira enfrentou sérios problemas de

saúde que o impediam de levar uma vida

como a dos demais jovens de sua idade. Com

o tempo, foi perdendo pessoas importantes

para sua história e passou a transformar suas

dores e angústias em poemas nos quais é

possível encontrar passagens autobiográficas.

Mesmo sem participar fisicamente

da Semana de Arte Moderna, o poeta se fez

presente a partir do poema Os Sapos, que foi

lido por Ronald de Carvalho. Além de poeta,

Bandeira foi também excelente cronista e um

dos mais importantes pesquisadores sobre

a literatura universal, com ênfase nas letras

brasileiras e hispano-americana. Sua obra é

reconhecida como uma das mais importantes

da literatura brasileira do século XX.

Muito admirado por diversos

intelectuais, Bandeira fez parte da Academia

Brasileira de Letras, para a qual foi eleito

em 1940, para a cadeira 24, patroneada por

Júlio Ribeiro e que teve como antecessor

Luís Guimarães Filho. Até os dias atuais,

a poesia de Manuel Bandeira ainda ecoa

como uma das mais significativas do Brasil

e poemas como O Bicho e Vou-me embora

pra Pasárgada são considerados como dos

melhores da nossa literatura

MANUEL BANDEIRA E A CRÍTICA LITERÁRIA Manuel Bandeira, conforme foi dito anteriormente, é um escritor bastante lido e respeitado nas letras brasileiras. Ele pertenceu à primeira fase do Modernismo e foi considerado por Mário de Andrade como sendo uma espécie de São João Batista do Modernismo, ou seja, ele já apresentava características dessa escola literária mesmo antes de ela estar solidificada ou mesmo iniciada na historiografia brasileira. Desde o começo de sua produção artística, a poesia de Bandeira tem sido estudada e analisada por diversos críticos da literatura brasileira. Ele, de certa forma, acaba sendo uma quase unanimidade quando se trata de apontar os grandes nomes do Modernismo em nossa literatura. O professor e crítico Massaud Moisés considerava Manuel Bandeira “uma das vozes mais sonoras da poesia moderna brasileira” (MOISÉS, 1993, p. 127). Já o ensaísta e professor Ítalo Moriconi vai mais além e coloca o autor de A cinza das horas como “estrela maior na constelação dos poetas brasileiros” (MORICONI, 2002, p. 10). Autor de diversos estudos sobre a poética bandeiriana, Davi Arrigucci Jr considera Bandeira como o “introdutor das formas da poesia moderna do Brasil” (ARRIGUCCI JR, 1990, p. 14). Em sua História concisa da literatura brasileira, Alfredo Bosi comenta que o poeta “viveu para as letras” e que “a biografia de Manuel Bandeira é a história dos seus livros” (BOSI, 1975, p. 296). Em sua modéstia, Bandeira costumava não se incluir entre os grandes poetas da Língua Portuguesa e se chegou mesmo a se considerar como um poeta menor em um de seus textos. A partir dessa observação, o também poeta e professor José Paulo Paes escreveu o seguinte poema:

Apesar de ser um livro que pode, do ponto de vista físico, ser considerado pequeno, Libertinagem é uma obra de grande e inestimável valor para a literatura brasileira. O livro é composto por apenas 38 poemas, de extensões variadas, contendo diversas temáticas que vão da alegria de viver à aceitação da morte, tudo em uma tonalidade metafórica e com muito rigor na busca da palavra exata para representar a imagem poética imaginada pelo autor. Nesse livro, aparecem alguns dos mais conhecidos e emblemáticos poemas do autor e praticamente todos os textos são marcados por um profundo toque de pessoalidade, com incursões por momentos significativos da vida de Bandeira, como é o caso de Pneumotórax, que qual o poeta ironiza sobre a própria condição de saúde e reproduz de forma poética um consulta médica: PNEUMOTÓRAX Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico:

  • Diga trinta e três.
  • Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
  • Respire. ...........................................................

LIBERTINAGEM: Um pequeno grande livro

  • O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
  • Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
  • Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

O tom de despedida que foi bastante comum em A cinza das horas – seu livro de estreia, publicado em 1917 – e em Carnaval, editado dois anos depois, ganha agora um tom de ironia e de reflexão. O próprio poeta, nos primeiros versos do livro, faz algumas referências a textos anteriores

Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria. Tenho todos os motivos menos um de ser triste. Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria... Abaixo Amiel! E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff. Sim, já perdi pai, mãe, irmãos. Perdi a saúde também. É por isso que eu sinto como ninguém o ritmo do jazz-band. Uns tomam éter, outros cocaína. Eu tomo alegria! Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.

Significativa é a indicação de que “uns tomam éter, outros cocaína / Eu tomo alegria”, que mesclada com toques autobiográficos “já perdi pai, mãe, irmão” e com um diálogo intertextual com Pneumotórax: “pedi a saúde também”, compõem um cenário no qual a tristeza deveria imperar. Porém o eu lírico opta pela alegria e por aproveitar a vida a seu modo, em uma espécie de adaptação do Carpe Diem. No entanto, nem mesmo nesses aparentes momentos de alegria, o poeta deixa de lado a ácida ironia que caracteriza boa parte de sua obra e lembra que, em momentos assim:

Ninguém se lembra de política... Nem dos oito mil quilômetros de costa... O algodão de Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa? Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos. A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca. Eu tomo alegria! Ou seja, de certa forma, os momentos de alegria, de festa, de comemoração, não conseguem apagar o atraso por que passava o Brasil da época, com todos os seus problemas e mazelas sociais que afetavam (e ainda afetam) o país.

A morte é um dos temas recorrentes na obra literária de Manuel Bandeira. Às vezes o assunto vem de forma explícita, como é o caso do poema O anjo da guarda, no qual a lembrança de sua falecida irmã remete à noção de ausência e de retorno para “junto do Senhor”.

Quando minha irmã morreu, (Devia ter sido assim) Um anjo moreno, violento e bom,

  • brasileiro Veio ficar ao pé de mim. O meu anjo da guarda sorriu E voltou pra junto do Senhor.

Essa ideia de partida para o mundo espiritual aparece em outros poemas, como no já citado Irene no Céu. Contudo é levado às últimas consequências metafóricas em Profundamente, onde, sem recorrer à palavra Morte, Bandeira cruza o passado com o presente de sua época e traduz a sensação de perda de modo suave e que leva o leitor à reflexão sobre o fato de que a vida passa rápido e que quando acordarmos, muitos dos que faziam parte de nossa vida cotidiana não ais estarão entre nós. Trata-se de um dos mais belos poemas da Língua Portuguesa sobre o delicado assunto da morte.

Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor Vozes cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei Não ouvi mais vozes nem risos Apenas balões Passavam errantes Silenciosamente Apenas de vez em quando O ruído de um bonde Cortava o silêncio Como um túnel. Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam E riam Ao pé das fogueiras acesas?

  • Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente

Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci

adiantava. - A bomba de flit! pensei comigo, é um inseto! Quando o jacto fumigatório partiu, nada mudou em mim; os sinos da redenção continuaram em silêncio; nenhuma porta se abriu nem fechou. Mas o monstruoso animal FICOU MAIOR. Senti que ele não morreria nunca mais, nem sairia, conquanto não houvesse no aposento nenhum busto de Palas, nem na minhalma, o que é pior, a recordação persistente de alguma extinta Lenora.

A terra natal do poeta é outro tema bastante recorrente nas páginas de Libertinagem. Em vários poemas são evocadas as imagens mentais e pictóricas de Recife extraídas da memória e de um tempo já vivido, mas que ainda ecoa nas recordações do poeta. Conforme pode ser percebido no poema Evocação a Recife, transcrito a seguir.

EVOCAÇÃO A RECIFE

Não a Veneza americana Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais Não o Recife dos Mascates Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois

  • Recife das revoluções libertárias Mas o Recife sem história nem literatura Recife sem mais nada

Recife da minha infância A rua da União onde eu brincava de chicote- queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do nariz Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras mexericos namoros risadas A gente brincava no meio da rua Os meninos gritavam: Coelho sai! Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam: Roseira dá-me uma rosa Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa Terá morrido em botão...) De repente nos longos da noite um sino Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Antônio! Outra contrariava: São José! Totônio Rodrigues achava sempre que era são José. Os homens punham o chapéu saíam fumando E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União... Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal) Atrás de casa ficava a Rua da Saudade... ...onde se ia fumar escondido Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora... ...onde se ia pescar escondido Capiberibe

  • Capiberibe Lá longe o sertãozinho de Caxangá Banheiros de palha Um dia eu vi uma moça nuinha no banho Fiquei parado o coração batendo Ela se riu Foi o meu primeiro alumbramento Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas

Cavalhadas E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos Capiberibe

  • Capiberibe Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas Com o xale vistoso de pano da Costa E o vendedor de roletes de cana O de amendoim que se chamava midubim e não era torrado era cozido Me lembro de todos os pregões: Ovos frescos e baratos Dez ovos por uma pataca Foi há muito tempo... A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem Terras que não sabia onde ficavam Recife... Rua da União... A casa de meu avô... Nunca pensei que ela acabasse! Tudo lá parecia impregnado de eternidade Recife... Meu avô morto. Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.

Nesse poema, Manuel Bandeira não se limita a pôr no papel suas impressões sobre a cidade que marcou sua vida. Ele aproveita o ensejo para trazer à baila toda uma gama de emoções e recordações que lhes são caras e que remontam à sua infância. O poema, em várias passagens, dialoga com Profundamente e com outros textos do livro. Ao chegar ao último verso, o leitor terá diante de si não apenas as rememorações de tempos idos, mas também os “alumbramentos”, jogos, brincadeiras, costumes e angustias de determinado momento de nossa história. Essas imagens da cidade são recorrentes e refletem uma sensação de saudade de algo que só pode ser recuperado pela memória e pela necessidade de voltar constantemente a um momento da história pessoal que se multiplica em boas recordações que

suscitam possibilidades de comparações de diversos matizes, conforme pode ser visto a seguir.

Mangue mais Veneza americana do que o Recife Cargueiros atracados nas docas do Canal Grande O Morro do Pinto morre de espanto Passam estivadores de torso nu suando facas de ponta Café baixo Trapiches alfandegados Catraias de abacaxis e de bananas A Light fazendo crusvaldina com resíduos de coque Há macumbas no piche Eh cagira mia pai Eh cagira E o luar é uma coisa só

Mas além de retratar sua terra natal, Bandeira aproveita seus versos para homenagear outros locais, como, por exemplo, a capital do Pará em um poema que exala alegria e que elogios à cidade:

Bembelelém Viva Belém! Nortista gostosa Eu te quero bem. Terra da castanha Terra da borracha Terra de bribá bacuri sapoti Terra de fala cheia de nome indígena Que a gente não sabe se é de fruta pé de pau ou ave de plumagem bonita. Nortista gostosa Eu te quero bem.

Sempre também é importante levar em consideração a forte carga de ironia que aparece na obra bandeiriana. Em diversos textos essa característica está presente. Como pode ser visto a seguir, em Pensão Familiar:

PENSÃO FAMILIAR Jardim da pensãozinha burguesa. Gatos espapaçados ao sol. A tiririca sitia os canteiros chatos. O sol acaba de crestar as boninas que murcharam. Os girassóis amarelo! resistem. E as dálias, rechonchudas, plebeias, dominicais. Um gatinho faz pipi. Com gestos de garçom de restaurant-Palace Encobre cuidadosamente a mijadinha. Sai vibrando com elegância a patinha direita: - É a única criatura fina na pensãozinha burguesa Conforme pode ser visto no poema acima e em outros textos já citados, Bandeira era também

Gatinho branco e cinzento Ainda permanecendo no quarto A noite está tão escura lá fora E o silêncio pesa Hoje à noite eu temo a noite Gatinho irmão do silêncio Ainda permanecem Fica comigo Gatinho branco e cinzento Gatinho A noite pesa Não há mariposas Onde estão esses animais? Moscas dormem no fio da eletricidade Estou muito sozinho vivendo nesta sala Gatinho irmão do silêncio Fique ao meu lado Porque eu tenho que sentir a vida comigo E é você quem faz o quarto não está vazio Gatinho branco e cinzento Fique no quarto Despertar cuidadoso e lúcido Gatinho branco e cinzento Gatinho (Chambre Vide - tradução livre)

CONCLUSÃO

Libertinagem é um livro de pequenas dimensões físicas, mas de grande importância para as letras brasileiras. Nesse livro, assim como em outros, Manuel Bandeira recorre a variadas temáticas que giram em torno de um cotidiano aparentemente pessoal, mas que pode alcançar muitas pessoas, pois as angústias existenciais apresentadas no livro não são exclusividade do poeta, mas sim de todas as pessoas que passam cotidianamente por situações análogas. Muitos poemas desse livro - como é o caso de Pneumotórax, Vou-me embora pra Pasárgada e e Profundamente - podem ser colocados entre os mais epressivos da lieratura de Língua Portuguesa de todos os tempo. Mesmo estando historicamente atrelado ao Modernismo em sua primeira fase, Bandeira não se limitou a reproduzir os ideais daquela época e tanto recuperou parte da tradição em seus versos quanto inovou em sua forma de trabalhar o lirismo de modo mais crítico e profundo.

REFERÊNCIAS

ARRIGUCCI JR, Davi. Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. In: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. 7 ed. São Paulo: Global, 2012. DANTAS, Pedro. Acre sabor. In: BANDEIRA, Manuel. Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. GUIMARÃES, Júlio Castañón. Por que ler Manuel Bandeira. São Paulo: Globo, 2008. MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira – Modernismo. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 1993. MORICONI, Ítalo. Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva,

JOSÉ NERES - é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira das redes pública e particular de educação. visite nosso site: joseneres.com