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Este artigo apresenta a realidade pós-extração do minério de chumbo no município de boquira, bahia. O artigo destaca a necessidade de estudos para diagnosticar a situação em boquira, onde a extração mineral pode causar grandes impactos socioambientais, incluindo a poluição da água, ar e solo. Além disso, a presença de bairros urbanos, catadores e estabelecimentos rurais próximos da pilha de rejeitos pode representar um problema de saúde pública e injustiça ambiental.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Álvaro Antônio Xavier de Andrade* Emanuelle Mercês Barros Soares* Dênis Antônio da Cunha* Marcelo Leles Romarco de Oliveira*
Recebido em 07/07/2016; revisado e aprovado em 31/10/2016; aceito em 28/11/ DOI: http://dx.doi.org/10.20435/1984-042X-2017-v.18-n.1(08) Resumo : Este artigo tem por objetivo expor a realidade pós-extração do minério de chumbo no município de Boquira, Bahia. Os dados foram levantados por meio de pesquisas bibliográficas e de campo, alicerçadas pela metodologia qualitativa para entrevistar atores locais. Constatou-se a insufi ciência de estudos científi cos e ações governamentais que comprovem ou mensurem a contaminação na região. Diante disso, torna-se necessário realizar estudos que possibilitem um diagnóstico conclusivo sobre a situação em Boquira. Palavras-chave : injustiça ambiental; inação governamental; desenvolvimento local. Abstract : This article aims to expose a reality of lead ore post-extraction in Boquira City Bahia. The data were obtained through bibliographic search and field research based on qualitative me- thodology to interview local actors. It was found insufficient scientific studies and governmental actions that prove or measure the contamination in the region. Therefore, it is necessary conduct studies allowing conclusive diagnosis about this situation in Boquira. Key words : environmental injustice ; government inaction; local development. Résumé : Cet article a pour but d’exposer la réalité après I’extraction du minerai de plomb dans la ville de Boquira, Bahia. Les données utilisées ont été recueillies à travers les recherches biblio- graphiques lesquelles nos base la méthodologie qualitative pour interviewer les acteurs locaux. II a été constaté une insuffi sance dans les etudes scientifiques et dans les actions gouvernementales qui prouvent ou mesurent la contamination dans la region. Por consequent, it est nécessaire de mener des etudes pour une évaluation conclusive de la situation à Boquira. Mots-clés : injustice environnementale; i’inaction gouvernementale; développment local. Resumo : Este artículo tiene como objetivo exponer la realidad de la post-extracción del mineral plomo en el municipio de Boquira, Bahia. Los datos fueron obtenidos mediante búsquedas biblio- gráficas y de campo, usando como base una metodología cualitativa para entrevistar los actores locales. Se constató la insufi ciencia de estudios científicos y acciones guvernamentales que com- prueben o midan la contaminación en la región. Frente a esto, es necesario realizar estudios que posibiliten un diagnóstico concluyente sobre la situación en Boquira. Palabras clave : injusticia ambiental; inacción gouvernamental; el desarrolho local.
A referência de que a atividade mi- neradora é essencial e indispensável para o bem-estar da sociedade contemporânea, colaborando para manter o atual padrão
de vida e de consumo, é comumente exposta tanto nos mais diversos meios de comunicação quanto na literatura (FARIAS, 2002; FERRAN, 2007). De fato, as matérias-primas oriundas dessa ativi- dade estão presentes de diversas formas
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no cotidiano e são fundamentais para a manutenção do atual estilo de vida, estando presentes em uma gama de produtos imprescindíveis na atualidade: transportes, eletrodomésticos, indústria farmacológica etc. Contudo, também é comum os meios de comunicação e a literatura apre- sentarem diferentes problemas oriundos da mineração (MOREIRA; MOREIRA, 2004; SOUZA; LIMA, 2012). Se a atividade mineradora não for conduzida seguindo normas de segurança e, concomitante- mente à extração, não forem realizadas as devidas ações para evitar a contaminação ambiental, a extração mineral pode ser responsável por causar grandes impactos socioambientais, dentre eles a poluição da água, do ar e do solo (FARIAS, 2002). A situação pode se tornar ainda mais complexa quando a extração envolve os chamados “metais pesados”, que, segun- do Guilherme et al. (2005), são elementos com densidade atômica maior que 5, g cm-3^ , ou massa atômica maior que 20, como é o caso do chumbo (Pb). Esses autores destacam que, mesmo em pe- quenas concentrações, os metais pesados são tóxicos e podem causar sérios danos ao meio ambiente. Assim, nos últimos anos, têm-se intensificado as pesquisas com o objetivo de avaliar o destino do Pb nos solos após sua extração, uma vez que sua vida útil nesse ambiente é muito extensa, variando de 740 até 5.900 anos. Esse fato aumenta a possibilidade de acumulação desse elemento nos solos, potencializa a contaminação dos lençóis freáticos, torna-o mais disponível para absorção radicular pelas plantas e, conse- quentemente, potencializa sua entrada na cadeia alimentar, podendo causar sérios danos à saúde humana (MCBRIDE, 1994; DUARTE; PASQUAL, 2000; OLIVEIRA; HORN, 2006; OLIVEIRA, 2008; MARTINS et al., 2014). Diante dessa realidade, surgiu o in- teresse em expor a situação de Boquira, no semiárido baiano. A origem desse municí-
pio está ligada à descoberta e extração do Pb na década de 1950. Durante o auge do período de extração, que durou até mea- dos da década de 1980, a mina de Boquira, por suas reservas e teor do minério, foi a mais importante do Brasil (SOBRAL et al., 2012). Com o encerramento da ati- vidade mineradora, os rejeitos oriundos da extração foram abandonados em uma grande pilha sem que fossem adotadas as devidas medidas mitigadoras previstas pela legislação ambiental brasileira. Apesar de a extração mineral ter sido totalmente interrompida há mais de 20 anos, o plano de recuperação das áre- as degradadas nunca foi implementado. Mesmo com o risco eminente de conta- minação, o lixão municipal foi instalado na superfície da pilha de rejeitos. Além disso, a presença de bairros urbanos, de catadores de materiais recicláveis no lixão e de estabelecimentos rurais próximos ao local da pilha de rejeitos pode consistir em problema de saúde pública, delineando-se um quadro de injustiça ambiental. Para Porto (2005), a expressão “in- justiça ambiental” representa as externa- lidades negativas a que populações locais, geralmente pobres e discriminadas, como pequenos agricultores, negros e índios, são submetidas em prol de um modelo de desenvolvimento caracterizado por gran- des investimentos que têm por objetivo a apropriação dos recursos existentes em distintos territórios. Esse modelo, além de expor trabalhadores, habitantes e ecossis- temas locais a sérios riscos de saúde e inte- gridade, é responsável pela concentração de renda, uma vez que os lucros oriundos da extração desses recursos se concentram nas mãos de poucos atores, na maioria das vezes, externos às comunidades. Sendo assim, muitas vezes as populações locais são esquecidas pelas discussões públicas (PORTO, 2005) e ações governamentais, não podendo sequer opinar sobre as deci- sões que afetam seus cotidianos, tais quais as externalidades negativas oriundas da extração mineral.
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e-mail, com as perguntas sendo elabora- das à medida que a pesquisa bibliográfica avançava e trazia novas informações sobre a história e a atual situação pós-extração do Pb. Buscando captar também as per- cepções e conhecimentos desses agentes acerca da questão em estudo, utilizou- -se perguntas abertas, o que, segundo Marconi e Lacatos (2003), permite aos informantes responder livremente e com o uso de linguagem própria, garantindo assim a emissão livre de opiniões. É im- portante destacar que já havia sido feito contato prévio com esses atores e que, por- tanto, eles já estavam cientes dos objetivos da pesquisa, antes do envio das perguntas.
3 CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS E SOCIOECONÔMICAS DE BOQUIRA
O município está localizado a 655 km de Salvador, capital do estado da Bahia. Possui área de 1.482,651 km 2 e população de 22.042 habitantes. O clima é subúmido a seco, a temperatura média anual é de 23,8º C e a pluviosidade anual
de 894,8 milímetros. Em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou-se da se- guinte forma: indústria - R$ 6,96 milhões; agropecuária - R$ 7,56 milhões; setor de serviços (administração pública e ativi- dades governamentais) R$ 47,88 milhões (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA [SEI], 2011). Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2013), a maior parte da população (66,6%) residia na zona rural. Além disso, apro- ximadamente 60% da população esta- va ligada ao tema da pobreza (13. habitantes). A ocupação dos maiores de 18 anos é apresentada na figura 1. Constata-se que o setor agropecuário é o principal responsável pela ocupa- ção da população. Segundo o Censo Agropecuário (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2006 ), existem no município 2.914 estabe- lecimentos da agricultura familiar (95,8%) enquanto os estabelecimentos não familia- res são apenas 128 (4,2%).
Figura 1 – Ocupação dos maiores de 18 anos por setor Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Atlas Brasil (PNUD, 2013).
44 83%
Ocupação de Maiores que 18 anos
AgropecuárioSetor de ServiçosComércioConstruçãoOutros Setores Ind. da Transformação
Setor Extrativo
Distribuição por Ocupação (%)
0
10
20
30
40
50
Riscos e incertezas: a realidade pós-extração do minério de chumbo em Boquira, BA 107
Tal cenário caracteriza a agricul- tura, principalmente a familiar, como principal alternativa de emprego e renda de Boquira. Alinhando a grande porcen- tagem da população ligada ao tema da pobreza a essa realidade, percebe-se que a atividade agrícola gera pouca renda financeira, conforme constatou Andrade et al. (2015).
4 A EXTRAÇÃO DO MINÉRIO DE CHUMBO
Segundo Camelo (2006, p. 84-85), o início da atividade mineradora em Boquira “provocou, pouco tempo depois, uma série de reclamações de residentes lo- cais, em relação à morte de gado bovino e equino e à perda de produção de hortas”. O minério de Pb lá extraído era transpor- tado em caminhões para Santo Amaro, BA, cidade distante 500 quilômetros de Boquira. Em Santo Amaro, a Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), vinculada à mineradora Plubum, produzia ligas de Pb e exportava o Zn que era extraído junto com o Pb (SOUZA; LIMA, 2012). A extração mineral promoveu o crescimento, trouxe prosperidade e fama ao município de Boquira. Paralelo à mi- neração, desenvolveram-se melhorias na infraestrutura local, foram criadas novas estradas, escolas, farmácias, ambulatórios, entre outros (FERRAN, 2007). Entretanto o apogeu da mineração durou pouco mais de 30 anos. Em 1986, com a extração em fase final, uma vez que as melhores reser- vas tinham sido extraídas, a mineração foi vendida ao grupo CMP, associado do grupo Luxma (SOBRAL et al_._ , 2012). Segundo Ferran (2007), a Luxma teve a extração focada nos chamados pilares de sustentação, áreas que tinham de ser poupadas para assegurar a sustentação das galerias abertas no subsolo. Contudo, para cada pilar de sustentação explorado, a empresa, por questões de segurança, era obrigada a construir um pilar artifi cial, o
que tornou inviável a continuidade das atividades devido aos custos. Aliado a isso, a grande oferta internacional de Pb colaborou para que a mina, que chegou a operar com mais de mil funcionários, tivesse seus equipamentos transferidos para outras minas que a empresa explo- rava, demitindo todos os funcionários e fechando suas portas. Esse fato, segundo Camelo (2006), ocorreu em 1992.
4.1 O chumbo na natureza e os riscos à saúde humana
Apesar do Pb ser o metal pesado presente em maior quantidade na crosta terrestre e suas liberações naturais serem provenientes de emissões vulcânicas, intemperismo geoquímico e névoas aquáticas, as atividades antrópicas são as principais responsáveis pela liberação desse mineral no ambiente (WHO, 1995; ATSDR, 2007). Segundo Barrero (2008), suas vistorias em Boquira, a pedido do Ministério Público Federal, possibilitaram identifi car a instabilidade do material da pilha de rejeitos, o que representa poten- cial contaminação do solo e águas super- fi ciais e subterrâneas devido os inúmeros canais de erosão que existem nessa pilha, fato constatado no trabalho de campo realizado em 2016 (Figura 2). A disponibilidade dos metais pe- sados em solos contaminados define o potencial de absorção pelas plantas e de contaminação das águas por lixiviação. Os metais pesados que se encontram em forma solúvel no solo são facilmente absorvidos pelas plantas, aumentando a possibilidade de entrarem na cadeia trófica. Também podem ser lixiviados pelo perfil do solo, oferecendo risco de contaminação dos lençóis freáticos. Caso entre na cadeia trófi ca, os metais pesados podem causar sérios danos à saúde. De acordo com Alberto (2012), são desconhe- cidas pesquisas toxicológicas realizadas na população de Boquira.
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vertente de desenvolvimento pautada na “reprodução da lógica capitalista global”, em que recursos e poder não são distribu- ídos de forma igualitária. Além disso, esse modelo potencializa a exploração desen- freada dos recursos naturais, tais como a extração mineral amplamente ocorrida em território nacional. Historicamente, a mineração é um setor que está diretamente ligado a uma série de conflitos e ameaças nos territórios onde ele se desenvolve, causando, con- sequentemente, vários casos de injustiça ambiental. Nessa atividade, os resquícios da “busca pelo desenvolvimento” atri- buem às populações locais o “pagamento” por essa busca, uma vez que são estas que ficam à mercê dos riscos diretos trazidos por essa atividade (WANDERLEY, 2011; MILANEZ; SANTOS, 2013). Como exem- plo, cita-se o fato ocorrido em novembro de 2015, quando houve o maior “aciden- te” ambiental do Brasil: o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no munícipio de Mariana, MG. São milhares os atingidos pela lama de rejeitos e não se sabe, de fato, os reais da- nos causados ao ambiente e quanto tempo levará para a natureza se recompor, se é que isso vai acontecer. Nesse contexto, para Porto (2005), as questões que envolvem a temática am- biental podem ser interpretadas como um desafio incontestável para as civilizações contemporâneas, haja vista que o assunto é extremamente relevante e deve embasar as discussões sobre desenvolvimento e sustentabilidade. Dessa forma, a saúde do trabalhador, que está ligada às ques-
tões ambientais, deve ser considerada de forma simultânea às propostas e ações que busquem o desenvolvimento local, evitando que casos de injustiça ambiental aconteçam. Ainda segundo Porto (2005), com- preender e enfrentar as desigualdades impostas por um modelo desenvolvi- mentista que possibilita concentração de renda e poder é condição sine qua non para combater as injustiças ambientais exis- tentes e fortalecer as lutas sociais por um desenvolvimento que seja construído de forma participativa e que não imponha às comunidades locais, muitas vezes vulne- ráveis, tais como agricultores familiares, indígenas, quilombolas, pescadores etc., as externalidades negativas de um mo- delo de desenvolvimento que aumenta as disparidades sociais e impacta, de forma negativa, os ecossistemas locais, essenciais para a sobrevivência e conservação dos modos de vida desses povos. Diante desses entendimentos e da situação encontrada em Boquira, onde os rejeitos oriundos da extração do Pb foram abandonados próximos a bairros urbanos e a inúmeros estabelecimentos agrícolas, sem que nenhuma medida mitigadora prevista pela legislação ambiental nacio- nal fosse tomada, e conhecendo os dados do PNUD (2013) que apontam que 60% da população do município está ligada ao tema da pobreza, entende-se o cenário em Boquira como um caso de injustiça ambiental. Nos trabalhos de campo reali- zados em 2016, constatou-se que existem habitações a menos de 50 metros da pilha de rejeitos (Figura 3).
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Corroborando para o cenário de in- justiça ambiental, segundo Camelo (2006), a mina em Boquira não foi efetivamente fechada, mas abandonada, pois nenhuma das medidas legalmente estabelecidas para o encerramento de atividades mine- radoras foi adotada. Em 2006, o Boletim Informativo do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério de Minas e Energia, ressaltou que tais rejeitos:
[...] apresentam teores de zinco, cádmio, arsênio, prata, além de chumbo e outros metais, cuja dis- posição não se encontra dentro de parâmetros ambientais aceitáveis, colocando em risco os mananciais e solos após o rompimento no passado de uma antiga barragem de contenção. [...] Tanto o DNPM como a Secretaria de Meio Am- biente da Bahia admitem como inadiável uma ação conjunta no sentido de formular e executar um projeto de despoluição ca- paz de resgatar a dignidade dos cidadãos, criando condições de sustentabilidade sócio-econômica e respeitando a geodiversidade e a biodiversidade locais. (DNPM, 2006, p. 4).
Figura 3 – Vista panorâmica da pilha de rejeitos e bairro urbano Fonte: Trabalhos de campo (2016).
Alves e Bertolino (2014, p. 3) tam- bém comprovaram o risco a que a popu- lação de Boquira está exposta há décadas. De acordo com os autores, em sete amos- tras retiradas na pilha de rejeitos, todas apresentaram índice de Pb acima dos va- lores de referência disponibilizados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), representando “um poten- cial risco à saúde da população que vive na sua proximidade”. A pesquisa desses autores também comprovou a presença na pilha de rejeitos de outros minerais altamente poluentes, tais como: zinco, cádmio, arsênio, prata e ferro. Em Santo Amaro, cidade baiana onde o material oriundo de Boquira era usado para produzir ligas de Pb pela Cobrac, a contaminação apresentou proporções alarmantes. Existem vários estudos que confirmam o grave problema de saúde pública nesse município. Em despacho datado de 2012 do Ministério Público Federal da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do estado da Bahia, que move ações contra a empresa poluidora, é destaque que Santo Amaro é “conside- rada a cidade mais poluída por chumbo do mundo”. Assim, a Justiça Federal, por meio desse despacho, condenou a
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Questionado se possuía conheci- mento sobre algum trabalho que objeti- vasse identificar ou mensurar a possível contaminação dos recursos naturais, ou da população, pela extração do Pb, o secretário de meio ambiente disse que existem estudos para o reaproveitamento dos resíduos e que ocorreram algumas reuniões em Boquira para tratar da pro-
vável contaminação. Contudo, segundo suas informações, até o momento nunca foi apresentada à sociedade boquirense nenhuma conclusão sobre esse assunto. Sobre os rumores que os recursos hídricos estão contaminados por Pb, o secretário descarta essa hipótese, pois, segundo ele, o SAAE realiza análises periódicas nas águas e nunca detectou tal contaminação.
Figura 4 – Coleta de materiais recicláveis no lixão instalado sobre a pilha de rejeitos Fonte: Trabalho de campo (2016).
Figura 5 – Animais pastejando em meio ao lixão ins- talado sobre a pilha de rejeitos Fonte: Trabalho de campo (2016).
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Por sua vez, o representante do SAAE explicou que a instituição realiza análises na água que abastece a sede do município, e que estas visam identifi car e avaliar índices de coliformes fecais e outras impurezas, não metais pesados. Segundo ele, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) retirou amos- tras da água para realizar análises sobre metais pesados, entretanto os resultados ainda não foram repassados ao município. A secretária de saúde afi rmou que “não existem análises para identificar a presença do Pb ou outro material oriun- do da extração do chumbo” na água de Boquira. Tendo por base os rumores que dizem que as doenças mais graves do município estão ligadas à extração do Pb, questionou-se à secretária se a pre- feitura concorda com essas suspeitas, e o porquê da concordância ou discordância. Segundo ela, a prefeitura desconcorda. A secretária relatou que ocorreram casos de silicose em funcionários da mineração na época da extração. Segundo Melo e Zago (2012, p. 46) “a silicose é uma doença pulmonar [...] considerada irreversível e crônica”. A secretária mencionou tam- bém que os casos de câncer no municí- pio cresceram na mesma proporção dos casos dessa doença na Bahia e no Brasil, descartando assim qualquer ligação da ocorrência de câncer em Boquira com a extração do Pb. O médico que trabalhou na mine- radora descreveu que, quando lá atou, foram realizados, por diversas vezes, exames nos operários para verificar a taxa de Pb no sangue, havendo apenas um caso em que um operário estava com taxas “um pouco elevadas”; esse funcio- nário, que continua morando em Boquira, foi afastado para o devido tratamento e, pelo que o médico diz saber, “não apre- senta nenhuma doença que possa ser relacionada ao contato com o minério de chumbo”. O entrevistado descreveu que, após o encerramento da mineração, chegaram a Boquira profi ssionais de um
laboratório de Salvador que realizaram coletas de sangue nos ex-funcionários da mineradora. Entretanto ele não soube dos resultados e acredita que nenhuma das pessoas que forneceram sangue foi informada desses resultados. Em relação aos nove agricultores familiares que acessavam o PNAE, sete declararam conhecer algum caso de do- ença ocasionada por contaminação pelo Pb, um deles relata ter conhecido uma pessoa que faleceu por causa disso. Seis agricultores declararam saber que a extra- ção de Pb no município pode ter causado contaminação, tanto dos recursos natu- rais quanto da população local. Todos os agricultores entrevistados disseram que nunca houve em seus estabelecimentos nenhuma pesquisa para detectar a pos- sibilidade de contaminação por Pb e, tampouco, possuem conhecimento de que qualquer agricultor da região tenha tido tais pesquisas em seus estabelecimentos.
A preocupação com a possível contaminação pelo Pb e seus efeitos no município, em diferentes níveis, foi con- fi rmada por todos os atores que partici- param da pesquisa. Todos eles acreditam ser necessário realizar estudos que visem identifi car e, ou, mensurar a contamina- ção. O próprio gestor municipal declarou o risco de contaminação pela ação dos ventos, pois é sabido que a inalação da poeira lançada na atmosfera é vetor de contaminação, bem como a provável contaminação dos lençóis freáticos onde os rejeitos estão depositados. Constatou-se, também, certo desen- contro e desconhecimento por parte dos atores entrevistados sobre os estudos exis- tentes e os reais riscos de contaminação. Por exemplo, a secretária municipal de saúde disse acreditar que a extração do chumbo não possui relação com os casos de câncer existentes no município, pois os casos dessa doença cresceram em Boquira
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Sobre os autores :
Álvaro Antônio Xavier de Andrade : Gra duação em Agronomia pela Universidade do Estado da Bahia. Especialização em Planejamento Ambiental com ênfase em Educação Ambiental pela Unyahna. Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutorando em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: aaxandrade2@hotmail.com