Pré-visualização parcial do texto
Baixe Arquitetura Moderna em Porto Alegre - Alberto Xavier e outras Notas de estudo em PDF para Urbanismo, somente na Docsity!
MET ARQUITETURA MODERNA EM PORIO ALCSRE RIO XAVER/ RAN MEOCUCH | E— FAL PROES/PNI ARQUITETURA MODERNA EM PÓRIO ALEGRE - ARQUITETURA MODERNA EM PORIO ALEGRE EE E = "ALBERTO XAMER/ NAN MIZOGUCH acl | co-edição FAUFRGS/PINI Arquitetura Moderna em Porto Alegre 1º edição, 1987 OCOPYRIGHT EDITORA PINI LTDA. Todos os direitos de reprodução ou tradução reservados pela Editora Pini Ltda. Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Xavier, Alberto, 1936- X17a Arquitetura moderna em Porto Alegre/Alberto Xa- vier, Ivan Mizoguchi. — São Paulo: Pini, 1987. Inclui fotos, desenhos, mapas de Porto Alegre, com a localização de cada obra. 1. Arquitetos — Brasil 2. Arquitetura moderna — Sé- culo 20 — Brasil — Porto Alegre |. Mizoguchi, Ivan, 1943 — Il. Título. CDD-720.981651 87-0005 -720.92 Índices para catálogo sistemático: 1. Arquitetos: Vida e obra 720.92 2. Porto Alegre: Arquitetura moderna 720.981651 Edição de texto/revisão: Madalena Delphino Barbosa e Mariza Passos Produção gráfica: Cárlos A. Mazetti Arte: Eleusipo Zambrotti Fotolito, montagem e impressão: José Pereira da Silva, Oswaldo Trindade, Wilson Tavares Pinto e Francisco Sapiensa Foto de capa: Cedida pela ABRIL/Imagem — Assis Hoffmann (fotógrafo) Composto e impresso nas oficinas gráficas da Editora Pini Ltda. Rua Anhaia, 964 — Bom Retiro 01130 São Paulo, SP — Brasil telex (011) 37803 PINI Apresentação A Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela sua tradi- no em debates sobre Ensino de Arquitetura, não poderia deixar de promover esta obra rea- izada pelos professores e arquitetos Alberto Xavier, da Faculdade de Arquitetura e Urbanis- mo da Universidade Católica de Santos e Ivan Mizoguchi, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O Conselho Departamental não vacilou em tea dar todo o apoio a este trabalho de pesquisa sobre a Arquitetura Moderna de o Alegre. Ambos Os professores se diplomaram em nossa Faculdade e sempre se voltaram à pes- quisa e ao aprofundamento do tema relacionado com a Arquitetura produzida no período do chamado Modernismo e suas consequências posteriores, investigando a essência e as raí- zes da Arquitetura Contemporânea no Brasil. Esta obra é pioneira. Não existe pesquisa que tenha reunido os trabalhos dos arquitetos que, sem dúvida, trouxeram uma significativa compilado ao pensamento moderno da Ar- quitetura de Porto Alegre, especialmente a partir de 1 O mérito maior reside no fato de terem sido resgatados documentos históricos que esta- vam praticamente perdidos, de obras já desconhecidas pela maioria dos arquitetos e estu- dantes de Arquitetura. Houve a preocupação de aprofundar os estudos e a investigação das obras de arquitetos de outros Estados brasileiros que aqui trabalharam e também de arqui- tetos falecidos. Foram descobertos documentos inéditos e quanto mais se aprofundaram os autores, maior interesse despertaram em muitos colegas, amigos e familiares, bem co- mo nos clientes e nos atuais usuários. Por todos estes aspectos, a obra cresce e amplia o seu sentido didático, pois ela própria se constitui em fonte de continuada pesquisa, estimulando o debate, a crítica e a produção intelectual. O trabalho cresce mais em importância na medida em que a descoberta de fon- tes de informação levaram a identificar “pistas” para se chegar aos autores desconhecidos. O ineditismo dos elementos encontrados nos levam ao reconhecimento de que o esforço dos professores merece o destaque e o incentivo pela contribuição à cultura brasileira, a partir da produção da Arquitetura de Porto Alegre. Embora restrita ao âmbito local ou metro- politano e enfocando as manifestações do Modernismo, a obra certamente despertará uma tomada de posição por parte do leitor, estimulando novas iniciativas de aprofundamento da crítica e da pesquisa, contribuições estas absolutamente indispensáveis para o aprimora- mento do Ensino da Arquitetura e o desenvolvimento da vida acadêmica. Professor arquiteto JOSÉ ALBANO VOLKMER Diretor Nota Preliminar Até fins da década de 50, o que havia de mais significativo na arquitetura brasileira restringia-se ao eixo Rio-São Paulo. A década seguinte, no entanto, passa a ter como uma de suas características marcantes a crescente importância da produção regional. Dentreelas, a dos estados sulinos avulta como das mais representativas. Como esse período de mais de 20 anos coincide, de um lado, com o cessamento do comér- cio de idéias no Brasil — desaparece definitivamente um grande número de revistas de arqui- tetura — e, de outro, com o crescimento incomum do número de profissionais de arquitetura, a documentação sistematizada do que se construiu nesses estados brasileiros passou a ser tarefa de suma importância. Foi com esse propósito que publicamos, em sequência ao livro “Arquitetura Moderna Pau- listana”, o volume “Arquitetura Moderna em Curitiba”, a que agora se associa o da capital gaúcha. Concluído brevemente o que tratará de Florianópolis, teremos enfeixada, nesses 3 volu- mes, a produção moderna da Região Sul, rêunindo mais de 300 obras, ao mesmo tempo em que se terá configurado uma coletânea sobre as principais capitais brasileiras. O registro sobre os exemplares mais representativos da produção edificada em Porto Ale- gre cobre exatamente meio século, iniciando-se com a exposição do Centenário Farroupilha, realizada em 1935. As 160 obras que ilustram esse período estão dispostas cronologicamen- te, critério mais propício para a leitura da evolução arquitetônica da cidade; no entanto, ou- tras formas de organização da matéria foram providenciadas na parte final do livro, subordi- nadas aos autores dos projetos, aos programas arquitetônicos e à localização geográfica. Para que esse conjunto de obras não resultasse dissociado de seu meio e de sua época, o Ii- vro conta com extensa introdução, que procura esclarecer os diferentes períodos da história arquitetônica da cidade, desde sua fundação, ocorrida há mais de 200 anos. Reunir os diferentes documentos que ilustram este conjunto de obras não foi naturalmen- tetarefa fácil. Afinal, as publicações locais voltadas para seu registro, além de raríssimas, fo- ram de existência breve; por outro lado, é também rara a presença da arquitetura gaúcha nas poucas publicações de âmbito nacional. Se associarmos a tais lacunas a ausência de traba- lho documental sistematizado sobre esse tema nas faculdades de arquitetura da capital e o desaparecimento de boa parte dos profissionais gaúchos ligados às primeiras manifesta- ções do período de que nos ocupamos, resulta compreensível o enorme empenho que repre- sentou providenciar fotos e recuperar desenhos e dados acerca desse universo. Nessa investida, como bem afirma Diretor da FAUFRGS na Apresentação, “foram resga- tados documentos históricos que estavam praticamente perdidos... (e)... descobertos ou- tros inéditos...”. Construiu-se assim um corpo de informações capaz de propiciar aos inte- ressados o instrumental básico indispensável para estudos em maior profundidade sobre a arquitetura edificada nos últimos 50 anos na capital gaúcha. Arquitetura Moderna em Porto Alegre 12 Porto Alegre: origem, localização e estrutura F. Riopardense de Macedo O surgimento de Porto Alegre como povoado, a área ocupada inicialmente, o traçado que resultou do processo desta ocupação e o conteúdo de suas diferentes partes, ca- racterizando sucessivos arraiais e bairros, se de um lado se constituem em temas de especial interesse para todos os profissionais que devem se fixar na expressão urbana como condição de embasamento de seus trabalhos, de outro fazem dela um exemplo singular da evolução urbana, quando ex- plicada sem o esquematismo ingênuo que ordinariamente re- sulta da aplicação mecânica de outros processos de urba- nização. Desde o momento em que a área passa a interessar aos portugueses, e ser por estes disputada aos espanhóis, até a efetiva destinação para um vilamento regular, decorre um século (1680-1772) e outro, a partir de então até o início da constituição de seus bairros (1772-1860). De acordo com o traçado de Tordesilhas (1494) toda a atual área do Rio Grande do Sul era espanhola. O meridiano fixado naquele Tratado, celebrado logo depois da descoberta da América, passava, aproximadamente pela atual cidade de Laguna e tudo o que ficasse a oeste pertenceria ao rei es- panhol. Desta forma estariam pacificados os dois povos da península ibérica quaisquer que fossem as descobertas pos- teriores. E, na verdade, a instituição das capitanias hereditá- rias (1532) ainda obedece àquela convenção, limitando-se todas elas, a oeste, pelo famoso meridiano. No entanto, com o desenvolvimento das ações de con- quista do território por parte dos donatários e seus sucesso- res houve penetrações que atingiram a área espanhola, como foram as bandeiras paulistas, acompanhadas por iniciativas oficiais que pretendiam novos domínios. Entre estas se des- taca a Bula papal de 22 de novembro de 1676, pela qual o Papa Inocêncio XI estende ao Rio da Prata a jurisdição do bispado do Rio de Janeiro: quatro anos depois (1680) é cria- da a Colônia do Sacramento, frente a Buenos Aires. A audácia desta iniciativa, no entanto, não ficou sem resposta. A Espanha opôs-se tenazmente àquela fundação e pouco depois instalam-se os jesuítas de mesma origem às margens do rio Uruguai, com 30 povos (fundações índias) que se constituíam em forças efetivas, de treinamento mi tar, contra as pretensões luzitanas. Ficam assim os portugueses presos ao seu longo roteiro, desde Laguna à Colônia do Sacramento, amarrados à costa oceânica, sem possibilidade de penetrar o gigcs easins talações que eventualmente promoviam não passavam de colônias de produção, interessadas apenas na caça ao gado alçado, facilmente comercializado em São Paulo. Mesmo as que surgiram pelas proximidades do delta do Jacuí, em tor- no de 1732, não poderiam pretender fixação definitiva como colônia de povoamento, pelo risco a que estavam sujeitas sem suporte militar (que só surgiria com a fundação do pre- sídio Jesus Maria José, no canal do Rio Grande, em 1737). Apenas na metade do século XVIII surge o primeiro tra- tado, pretendendo concretamente estabelecer uma nova divi- são de áreas, um novo limite entre os domínios ultramarinos das duas potências ibéricas. Pelo Tratado de Madri (1750) Por- tugal receberia a zona das Missões jesuíticas e entregaria, definitivamente, a região da Colônia do Sacramento aos seus vizinhos. Ao menos do lado português houve providências efetivas para o estabelecimento das novas condições de convivência. O presídio Jesus Maria José (Rio Grande) passa à condição de vila, instalando-se ali o primeiro governo civil com a Cã- mara de Vereadores do Rio Grande. Da ilha de Santa Cata- rina (Florianópolis) são chamados os ilhéus açorianos, que desde 1747 estavam sendo para lá encaminhados, ficando parte na vila recém-criada e parte se instalando provisoria- mente no delta do rio Jacuí, para preparar as embarcações que deveriam conduzilos até as Missões prometidas pelo Tratado. ts 7! . Laguna vrsr-v740 oceano Bio Grando do Sul, e Uruguai do fim do século XVIL e começo do século XVIII. À Colônia de Sacramento (1680), às margens do Prata, ao sul dos povos jesuíticos de nacionalidade espanhola (1687). Outras fundações portuguesas surgiram ainda próximas das atuais cidades de Viamão (1732) e Rio Grande (1737) 13 Ea ei fo De GRAVATAI ESTRADA DO MATO GROSSO D AV. BENTO GONCALVES VIAMÃO. face norte da península, pois a face sul (Praia de Belas) ligava-se a uma praia assoriada, sem profundidade nem mes- mo para a embarcação do mais reduzido porte. Jamais um açoriano, habituado aos trabalhos do mar, do qual tradicional mente extraía o seu sustento, poderia escolher uma praia daquele tipo, principalmente quando sua tarefa próxima era instalar estaleiros. A escolha da face norte é denunciada, ainda, pelo próprio traçado de Alexandre José Montanha (julho 1772) para a insta- lação definitiva dos açorianos. Quatro ou cinco ruas de maior significação seguindo o eixo longitudinal da península, cruza- das por transversais de menor importância. Mas entre estas uma se destaca, responsável que é pela ligação da praça então conhecida como “altos da praia” (atual Marechal Deo- doro) com a linha d'água, atual praça Senador Florêncio ou praça da Alfândega. Esta perpendicular à praia (atual rua General Câmara), ligando o “centro cívico” de então com o “centro comercial”, destacava-se de todas as suas paralelas pela elevada função que desempenhava conforme se constata em vários documentos iconográficos, entre os quais podemos citar algumas aquarelas de Herrmann Rudolf Wendroth. Mas a progressista visão de Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda (José Marcelino de Figueiredo) não ficou na trans- ferência da capital para a margem do Guaíba. Promoveu a construção de prédios públicos e estradas e a fundação de povoados, alguns deles destinados à concentração de índios. Entre estes o de São Nicolau, próximo do Rio Pardo e Anjos d'Aldeia ou Aldeia dos Anjos, junto de Porto Alegre (Grava- taí). Este último se tornou tão importante que sua ligação à [=> E TALEXANDRE JOSE MONTANHA) POTREIRO OA VARZEA PARQUE FARROUPILHA) JÁ pesca vo somo 600 6 FORTIFICAÇÕES USADAS EM 1836] Planta esquemática da cidade mostrando suas geratrizes viárias. O Porto, no lado norte .da península, ligava-se aos centros de interesse pelas grandes radiais, nos vales ou nos divisores d'água, criando, essim, a estrutura em leque que a caracteriza até hoje. capital (Passo da Areia) superou em importância a primitiva ligação com Viamão (Estrada do Mato Grosso, atual Bento Gonçalves). O terceiro acesso mais importante era o que margeava a Praia de Belas ligando as primitivas estâncias à península urbanizada, conforme o traçado do capitão Alexandre José Montanha. Quando a população urbana ultrapassa os limites deste traçado são aqueles três caminhos que orientam o posterior desenvolvimento, estendendo em leque o traçado da capital e das grandes radiais que marcariam definitivamente a estru- tura urbana. Conforme a evolução dos meios de transporte (carrua- gem, bonde elétrico e automóvel) o casario densificava-se a determinada distância do centro urbano, dando origem aos arraiais. Em função do índice de conforto, a mesma distância- tempo fixava centros que contemporaneamente se desenvol- viam em anel e o crescimento destes indicava a ligação entre bairros que, na segunda metade deste século, proporia ao projetista as perimetrais. (1) Macedo, F. Riopardense de. Porto Alegre, Origem e Crescimento. Edição Sulina, 1968, p. 72. (2) . Estas fortificações foram realmente realizadas e só demolidas na metade do século seguinte. As plantas da cidade de 20 de junho de 1837 e de 2 de dezembro de 1839 as registram. Na primeira a trincheire da linha d'água e seguia as ruas Pinto Bandeii Pessoa, Sa Leite, Arroio Dilúvio e linha d'água na Praia de Belas. Na segunda planta há apenas o acréscimo da área limitada pelas ruas João Pessoa e República até a linha d'água. (3) Wendroth, Herrmann Rudolf. O Rio Grande do Sul em 1852, cole- gio do aquarelas. Edição do Governo do Estado, administração Amaral de ouze. A Arquitetura oitocentista e seus remanescentes mais significativos — J. N. B. de Curtis Capital do único Estado brasileiro que guarda signifi- cativos “restos” da civilização jesuítico-guarani — os pri- meiros testemunhos de cultura material no território do Rio Grande do Sul, recentemente guindadas à categoria de Pa- trimônio Cultural da Humanidade — Porto Alegre desfruta da condição de ponto de passagem principal para as corren- tes turísticas nacionais e internacionais que demandam aquele festejado. monumento mundial. Na confluência de quatro rios, o soberbo sítio escolhi- do para sua implantação ratifica a experiência portuguesa de “defesa através da altura” e, se a iconografia disponível registra um perfil peculiar às povoações de origem lusitana, a topografia da cidade chegou aos dias atuais diluída numa massa amorfa de edificações vulgares. Entretanto, se fosse possível caracterizar a identidade de Porto Alegre pelos seus documentos urbanos remanes- centes, seria, certamente, na arquitetura do início do século, produzida por arquitetos e estucadores alemães, que irí mos encontrar um dos traços mais fortes de sua perso- nalidade. Quando a cidade acordou para a necessidade de pre- servação de sua identidade urbana, percebeu sua imagem já bastante esmaecida e desfigurada. Do pequeno burgo que o último terço do século XVIII via nascer, só lhe restava — assim mesmo comprometido com as inovações formais que o século XIX trouxera para a arquitetura — o prédio que fora a “Casa da Real Fazenda”, Assembléia Legisla- tiva até a sexta década deste século. Dos anos 800 — depois que a vila cresceu e se fez cidade — a documentação iconográfica remanescente regis- tra uma apreciável quantidade de edificações de valor cul- tural a testemunhar-lhe continuidade histórica. Delas, po- rém, além de alguns edifícios públicos de função adminis- trativa e outros tantos com interesse comunitário ou reli gioso, muito poucas e esparsas estão em condições de mostrar a imagem que o quotidiano do século passado oferecia a seus habitantes. Transfigurara-se a Imagem tra- dicional da cidade. Os espaços abertos que compunham seu centro histórico estão hoje bastante descaracteriza- dos. Como documentos isolados puderam, entretanto, ser Chácara Lopo Gonçalves ne Portão Central do Cais do Porto Farmácia Carvalho 18 cultura regional, aqui desenhada por apreciável contingente de imigrantes. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul e a antiga sede dos Correios e Telégrafos já se incorporaram à memória visual de três gerações. Ambos conjugam-se numa passa- gem monumental que, embora perturbada com a solução de continuidade interposta pelo muro da Mauá, integra, atra- vés de excelente visual, a cidade a seu porto, cujo Portão Central é o melhor documento da arquitetura de ferro que o sul do país ainda pode exibir. O antigo cinema Guarani e a outrora Farmácia Car- valho pagaram, com a mutilação de seus espaços internos, um pesado tributo à salvaguarda das suas fronteiras. Dos males, o menor. A esta geração de edifícios, entre os quais se incluem a Imprensa Oficial, a Biblioteca Pública e a Faculdade de Direito, já consagrados como de interesse cultural, incor- poram-se vários outros ainda não protegidos e alguns já ameaçados. São todos portadores da expressão plástica que a permissividade conciliadora do ecletismo fizera chegar à cidade de forma anacrônica. O paço dos Açorianos, de proporções corretas e for. malmente bem comportado, ostenta a dignidade que lhe outorga a condição de sede do poder municipal e, há qua- tro décadas e meia, foi valorizado na sua ambien- tação por romântico repuxo azulejado com o qual a colô- nia espanhola homenageou a cidade. A seu lado, o mer- cado público, que todos os porto-alegrenses conheceram com sua volumetria atual, resistiu galhardamente ao sacri- fício que o sistema viário pretendia lhe impor. Com a lin. guagem formal estabelecida na época da Colônia, restaram- nos algumas edificações e, entre elas, denunciada pela estrutura dos vãos, o sobrado da rua Riachuelo, que se posta fronteiro à Casa Canônica da Paróquia das Dores. A forma do telhado da Chácara Lopo Gonçalves iden- tifica também aquela linguagem, embora sua caixilharia, impropriamente dita colonial, utilize padrões de desenho característicos de meados do século passado. Na travessa Paraíso encontra-se, também, um sobrado cuja linhagem arquitetônica se origina na cultura luso brasileira. De mesma origem, sobressai em importância o solar que foi residência do Visconde de São Leopoldo. Embora descaracterizado por telhado recente e confundido pela so- breposição de modenatura neoclássica, o monumental por- tão brasonado que lhe dá o acesso nobre, bem como aque- le que dá entrada aos serviços, ambos de feição ainda bar- roca, permitem imaginar o casarão como a mais suntuosa habitação urbana de Porto Alegre, na primeira metade do século XIX. Mercado Público No que se Pefere à arquitetura religiosa paroquial, não mais do que meia dúzia de remanescentes foram cogitados para preservação. A Igreja da Conceição foi construída numa época em que as formas derivadas do barroco ainda se encontram cedendo lugar, particularmente nos centros urbanos mais afastados da Corte, a uma gramática ornamental mais con- tida e aqui aportada com o neoclassicismo. Evidencia, por isso, dentro de uma volumetria consagrada pelo chamado estilo da “Contra-Reforma”, o novo gosto que a Missão Francesa conseguira impor aos arquitetos eruditos que o Rio de Janeiro começava a formar. As Dores traduz, na cobertura das suas torres-sin ras, as concessões formais decorrentes dos quase três quartos de século que consumiram sua construção. Suas elevações laterais se comunicam com modinatura nas- cida no tempo da colônia, mas sua frontaria se desenha já dentro de padrões neoclássicos. Implantada à meia en- costa do espigão da Duque, ela teima, ainda altaneira, em disputar destaque na silhueta de prédios medíocres que compõem, hoje, a fachada fluvial norte da península e ofe- rece, a partir da praça Padre Tomé, visuais dignas do me- lhor urbanismo europeu. O antigo Seminário, embora remexido no seu “recheio”, projeta-se como uma das edificações mais monumentais e elaboradas que o século XIX legou à cidade. Colunata de arenito marca o eixo da composição e, juntamente com guarda-corpos das escadarias vazados na mesma pedra, destaca o edifício no conjunto de construções de alvenaria e massa que àquela época a cidade exibia. Seus claustros, de proporções bem equilibradas, guardam, à sombra das arcadas, a quietude monacal ambientadora, outrora, da for- mação reli 8 Também os protestantes, com o templo que construí- ram na rua da Praia, credenciaram-se à permanência na memória arquitetônica da cidade. Repetindo formas já ultra- passadas, fizeram-no, entretanto, com a modéstia dos que não aspiram concorrer com os modelos originais. A Capela do Bomfim, encravada no quarteirão que a abriga, tornou-se o edifício que mais tem resistido na luta pela preservação do patrimônio cultural da cidade. O valor do solo que ocupa revelou, através de impertinentes ati- tudes tomadas em favor de sua demolição, que o primado do espiritual estava cedendo lugar ao temporal, na filoso- fia daqueles de quem menos se podia esperar. Por esse motivo os interesses materiais estavam ali prevalecendo, sorrateira e insidiosamente, sobre os valores afetivos. Hoje, felizmente, depois de memorável campanha popular pela sua preservação, o município pôde devolvê-la restau- rada, à comunidade do Bomfim. Antigo Seminário, atual Cúria Metropolitana Igreja da Conceição “p Porto Alegre também reclamou que seus estratos so- ciais mais modestos, os verdadeiros obreiros do seu desen- volvimento, fossem representados no acervo da sua civi- lização material. E a travessa dos Venezianos teve respal- dada sua salvaguarda numa interpretação correta da “Carta de Veneza”, quando aquele documento postulava “impor- tante tanto o valor monumental dos grandes conjuntos arquitetônicos quanto o das obras modestas que com o tempo adquiriram significação cultural e humana”. Entre- tanto, outros conjuntos, pelo mesmo critério, significativos, encontram-se expostos à especulação imobiliária ou à mentalidade rodoviária. Entre os bens culturais componentes da paisagem ur- bana que, não sendo espaço-edificado, foram considerados preciosos legados a serem protegidos pela cidade, devem ser destacadas as quatro estátuas de mármore, oriundas de antigo repuxo da praça da Matriz. De excelente nível escul- tórico e, até há pouco, na praça da Conceição, agenciadas sobre quatro românticas e maltratadas cascatinhas, encon- tram-se, hoje, já devidamente restauradas, aguardando um novo local para sua ambientação. Outras esculturas, incorporadas às fachadas de duas residências, quase todas em, menor vulto e algumas em material menos nobre, foram, também, julgadas dignas de preservação. Ainda que não espaço habitável, mas integrando o elen- co de bens materiais que compõem a memória urbana de Porto Alegre valem ser destacados: a nossa acarinhada ponte-de-pedra, os frades de arenito e a esguia chaminé da Usina. Esta, embora já tivesse sido condenada pelo siste- ma viário, resistiu, na riqueza dos seus espaços internos, como documento de arquitetura industrial, cuja permanên- cia a história da cidade exigiu. Cabe, ao final deste registro, uma homenagem póstu- ma a duas das mais significativas igrejas de Porto Alegre, cuja imperdoável destruição jamais a cidade conseguiu compensar: Madre de Deus, a antiga Matriz e Nossa Se- nhora do Rosário, o templo da Irmandade dos homens de cor. Sirva esta homenagem como alerta para que se enten- da que a demolição é irreversível; para que não se troque o autêntico pelo falso; para que não se faça substituir o original pela cópia. A reconstituição ou a réplica são recursos utilizados para esconder o vazio que a amnésia cultural deixa nos povos que não se preocupam com os “documentos mate- riais” da sua continuidade histórica. Livremos da destruição o que a cidade ainda exibe como “monumento” ou como “documento”. 2