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Artigo - Prof Galuppo, Notas de estudo de Direito

Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 23/11/2010

mateus-soares-14
mateus-soares-14 🇧🇷

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Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 191
O estudo dos princípios jurídicos é um
velho tema da Filosofia1 e da Teoria do Direi-
to, e compreender corretamente como eles são
aplicados, em especial pelos tribunais, não é
importante apenas do ponto de vista técnico
do operador jurídico, como também para lan-
çar luzes sobre o fundamento ético do direito
moderno.
Tal estudo ganhou maior destaque com o
período das codificações, no século XIX (Arce
Y Flórez-Valdés, 1990: 34), pois até então sua
validade e função eram universalmente re-
conhecidas pela doutrina jurídica corres-
pondente ao período do Iluminismo, e só
quando os Códigos passaram a assumi-los
ou a recusá-los como fonte ou meio de inte-
gração é que a questão passou a ser contro-
versa no nível da Teoria do Direito. O proble-
ma ganha ainda mais relevo quando o Tribu-
nal Internacional Permanente de Haia assume-
os como fonte de suas decisões, afirmando
que os princípios gerais de direito reconheci-
dos pelas “nações civilizadas” constituiria
direito positivo a ser aplicado por aquele tri-
bunal (Esser, 1961: 16).
A primeira questão que se colocava acer-
ca desses princípios, nos primeiros 60 anos
de nosso século, era acerca de seu caráter nor-
mativo. Tanto juspositivistas2quanto jusna-
turalistas3 foram unânimes em reconhecer
sua força vinculante. E essa posição ainda é
a dominante na Teoria do Direito4. Mas ain-
Os princípios jurídicos no Estado
Democrático de Direito: ensaio sobre o
modo de sua aplicação
Marcelo Campos Galuppo
Marcelo Campos Galuppo é Doutor em Fi-
losofia do Direito pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Professor de Sociologia Jurí-
dica e de Teoria Geral do Direito nos cursos de
Graduação em Direito e Relações Internacio-
nais da PUC/Minas e de Teoria da Argumenta-
ção Jurídica no curso de mestrado em Direito
da PUC/Minas. Advogado.
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Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 191

O estudo dos princípios jurídicos é um velho tema da Filosofia^1 e da Teoria do Direi- to, e compreender corretamente como eles são aplicados, em especial pelos tribunais, não é importante apenas do ponto de vista técnico do operador jurídico, como também para lan- çar luzes sobre o fundamento ético do direito moderno. Tal estudo ganhou maior destaque com o período das codificações, no século XIX (Arce Y Flórez-Valdés, 1990: 34), pois até então sua validade e função eram universalmente re- conhecidas pela doutrina jurídica corres- pondente ao período do Iluminismo, e só quando os Códigos passaram a assumi-los ou a recusá-los como fonte ou meio de inte- gração é que a questão passou a ser contro- versa no nível da Teoria do Direito. O proble- ma ganha ainda mais relevo quando o Tribu- nal Internacional Permanente de Haia assume- os como fonte de suas decisões, afirmando que os princípios gerais de direito reconheci- dos pelas “nações civilizadas” constituiria direito positivo a ser aplicado por aquele tri- bunal (Esser, 1961: 16). A primeira questão que se colocava acer- ca desses princípios, nos primeiros 60 anos de nosso século, era acerca de seu caráter nor- mativo. Tanto juspositivistas^2 quanto jusna- turalistas^3 foram unânimes em reconhecer sua força vinculante. E essa posição ainda é a dominante na Teoria do Direito^4. Mas ain-

Os princípios jurídicos no Estado

Democrático de Direito: ensaio sobre o

modo de sua aplicação

Marcelo Campos Galuppo

Marcelo Campos Galuppo é Doutor em Fi- losofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Sociologia Jurí- dica e de Teoria Geral do Direito nos cursos de Graduação em Direito e Relações Internacio- nais da PUC/Minas e de Teoria da Argumenta- ção Jurídica no curso de mestrado em Direito da PUC/Minas. Advogado.

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da hoje subsiste na Teoria do Direito uma disputa, que constitui a segunda questão que se coloca sobre tais princípios, acerca da sua natureza e, conseqüentemente, de seu con- ceito. Podemos identificar contemporanea- mente três teorias que visam explicar o que são tais princípios. A primeira teoria é aquela que identifica os princípios com normas gerais ou genera- líssimas de um sistema. Desde o início do século, autores como Del Vecchio e Bobbio tentaram compreender os princípios jurídi- cos como fruto de processos de generaliza- ção operada pela ciência do direito. Del Vec- chio afirmou, por exemplo, que os princípios gerais são descobertos por meio da generali- zação crescente de outras normas do orde- namento jurídico (Del Vecchio, 1948: 51). Já Bobbio afirmou que os princípios gerais do direito são tão-somente “normas fundamen- tais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais” (Bobbio, 1993: 271). Desde Kel- sen sabemos, no entanto, que essa tese difi- cilmente é sustentável, pois, aprendemos com ele, como o sistema jurídico é um sistema di- nâmico^5 , não é possível deduzir de conteú- dos (mais gerais) outros conteúdos normati- vos (mais particulares) (Kelsen, 1992: 200 e 201). Como Esser já observara (Esser, 1961: 66), não é a maior ou menor generalidade que distingue o princípio da regra^6. A gene- ralidade não é um critério adequado para a distinção, porque, apesar de muitas vezes os princípios serem normas com elevado grau de abstração, eles não se formam por um pro- cesso de generalização (ou de abstração) cres- cente. Por exemplo: o princípio federativo, adotado pela Constituição brasileira, seria uma generalização de quê? O princípio da legalidade generaliza quais normas^7? De outro lado, existem regras excessivamente genéricas, como o tipo constante do art. 12 da Lei Anti-Tóxicos (Lei 6.368/76), sobretu- do se entendermos generalidade como abstra- ção, ou seja, como “conduta-tipo” (Ferraz Jr., 1994: 122), quer dizer, a qualidade de se pres- crever uma conduta cujo conteúdo é genéri- co, não correspondente a uma situação con-

creta e particularizada. Esse não pode ser portanto o critério adotado. Não se nega com isso que, na maioria das vezes, os princípios possuam um maior grau de generalização. O que se quer dizer é que a generalidade não é uma causa , mas, quando muito, uma conse- qüência do conceito de princípio, e não dife- rencia essencialmente , mas só geralmente as duas categorias. Como diz Alexy, “os princí- pios costumam ser relativamente gerais, por- que não estão referidos às possibilidades do mundo real ou normativo” (Alexy, 1993b: 103. Grifo meu). Há outro problema implicado nessa teoria, que poderia ser chamado de in- compatibilidade da aplicação dos princípios , cau- sada pela tentativa de se aplicar dois princí- pios que levem a soluções contraditórias^8. Como esse marco teórico que estamos anali- sando (a teoria dos princípios como normas generalíssimas) pressupõe que, por serem normas generalíssimas, os princípios se apli- cam a todas as situações , a incompatibilidade surge toda vez que dois princípios levam o intérprete a soluções distintas de um caso concreto. Por exemplo, na análise de um con- trato, a cláusula pacta sunt servanda pode le- var, obviamente, a soluções distintas do prin- cípio rebus sic stantibus. Portanto, os dois prin- cípios representados nesse exemplo não po- dem ser aplicados, de modo compatível, em algumas situações. Há toda uma construção da doutrina para tentar estabelecer tal com- patibilidade onde ela é realmente impossí- vel. Ao contrário de seus livros, a prática dos operadores jurídicos lhes ensina que essa aplicação universal dos princípios é irreali- zável. É fácil observar isso em um processo judicial. Quando uma das partes alega um princípio para defender sua pretensão, a outra contra-argumenta mostrando que aque- le princípio, por qualquer razão, não pode ser aplicado àquele caso^9. Portanto, ao con- trário do que pressupõe essa teoria, um prin- cípio não é uma norma que se aplica em qualquer circunstância^10. Por isso a segunda teoria, defendida so- bretudo por Alexy, é aquela que entende que os princípios não se aplicam integral e ple-

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Ao contrário, o que acontece é que, sob certas circunstâncias, um dos princí- pios precede ao outro. Sob outras con- dições, a questão da precedência pode ser solucionada de forma inversa” (Alexy, 1993b: 89). Isso significa que o conflito de regras se dá na dimensão da validade, e o de princípi- os na dimensão do peso (Alexy, 1993b: 89 e 91). E essa idéia de peso significa que o con- flito entre princípios será resolvido tendo em vista uma hierarquização dos mesmos. Não se trata de uma hierarquização absoluta, mas de uma hierarquização tendo-se em vista o caso concreto, realizada pelo procedimento de ponderação dos princípios envolvidos na situação. A ponderação, como concebida por Alexy, refere-se a “qual dos interesses, abs- tratamente do mesmo nível , possui maior peso no caso concreto ” (Alexy, 1993b: 90. Grifos meus). Como já disse, essa precedência não é absoluta. Ao contrário, trata-se, como enten- de o autor, de uma precedência condiciona- da, cuja determinação “consiste em que, to- mando-se em conta o caso, indiquem-se as condições sob as quais um princípio precede a um outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada inver- samente” (Alexy, 1993b: 92). Alexy está preocupado em encontrar me- canismos racionais de ponderação, repelin- do assim as teorias decisionistas do direito e a discricionariedade postulada pelo positi- vismo jurídico. Segundo ele, “uma ponderação é racional se o enun- ciado de preferência a que conduz pode ser fundamentado racionalmente. Desta maneira, o problema da racio- nalidade da ponderação conduz à questão da possibilidade da funda- mentação racional de enunciados que estabeleçam preferências condiciona- das entre valores ou princípios opos- tos” (Alexy, 1993b: 159). Uma fundamentação é racional se apre- senta ou puder apresentar suas razões, ou seja, as razões de sua preferibilidade. Para se fundamentar um enunciado de precedência

ou de preferibilidade, as razões apresenta- das podem ser, a título de exemplo, a inten- ção original do legislador, as conseqüências sociais benéficas ou maléficas de certa deci- são, as opiniões dogmáticas e a jurisprudên- cia (Alexy, 1993b: 159). No caso alemão, as decisões do Tribunal Constitucional Alemão tendem a levar em conta a formulação de uma regra constituti- va de ponderações, que pode ser assim ex- pressa: “Quanto maior é o grau da não satis- fação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfa- ção do outro^14 ” (Alexy, 1993b:161). Essa se- ria a “lei da ponderação”, capaz de transfor- mar a ponderação mesma em um processo racional. Isso também significa que “o peso dos princípios não é determinável em si mes- mo ou absolutamente, mas sempre se pode falar, tão-somente, de pesos relativos” (Ale- xy, 1993b:163) aos outros princípios e aos prejuízos pelo descumprimento destes no caso concreto. Nas ponderações, por exem- plo entre o princípio de liberdade de impren- sa e de segurança externa, trata-se não exata- mente de “quão grande é a importância que alguém concede à liberdade de imprensa e à segurança externa, mas de quão grande é a importância que se deve conceder a elas” (Ale- xy, 1993b:163. Grifo meu.), o que implica que “um grau muito reduzido de satisfa- ção ou uma afetação muito intensa da liberdade de imprensa em benefício da segurança externa só é admissível se o grau de importância relativa da segu- rança externa fôr muito alto” (Alexy, 1993b:163). Essa lei da ponderação , a seu turno, impli- ca uma “ lei de colisão ”. Colisão significa que “um princípio só pode ser satisfeito à custa de outro” (Alexy, 1993b:161), e a Lei de Coli- são pode ser assim expressa: “As condições sob as quais um princípio precede a outro constituem o suposto fático de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princí- pio precedente” (Alexy, 1993b: 194). Ou seja, “a determinação de uma relação de preferên- cia é, de acordo com a lei da colisão, o esta-

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belecimento de uma regra” (Alexy, 1993b:103) que vale naquelas (e somente na- quelas) condições fáticas e jurídicas. Isso sig- nifica que, quando um tribunal diz que em um determinado caso (ou seja, sob dadas condições fáticas e jurídicas) um princípio precede a outro, ele diz, em essência, haver uma regra (que deve ser aplicada de modo incondicional e absoluto) que manda apli- car, naquele caso, aquele princípio, ou me- lhor, que os princípios apóiam a aplicação de regras conflitantes (Alexy, 1993b:100). A ponderação dos princípios implica a existên- cia de uma regra segundo a qual em toda situação em que o condicionamento jurídico e o condicionamento fático forem exatamente os mesmos prevalecerá sempre um único e mesmo princípio. Como ele afirma, “como resultado de toda ponderação jusfundamen- tal correta, pode se formular uma norma de direito fundamental adscrita, com caráter de regra, sob a qual pode ser subsumido o caso” (Alexy, 1993b:98 e 134). Em sua argumentação, Alexy pretende ainda demonstrar que o conceito de princí- pio não se confunde com o conceito de valor. Em regra, os tribunais utilizam esses dois ter- mos como sinônimos, mas, segundo ele, a dis- tinção entre princípio e valor conduz à dis- tinção entre Deontologia e Axiologia. Ora, to- dos os conceitos deônticos referem-se ao con- ceito deôntico fundamental do “ dever-ser ”, ao passo que os conceitos axiológicos “são ca- racterizados pelo fato de seu conceito funda- mental não ser o do comandado ou do dever- ser, mas o do bem ” (Alexy, 1993b:139). É exa- tamente nesse ponto que os princípios se di- ferenciam dos valores, pois “Os princípios são mandados de um determinado tipo, quer dizer, man- dados de otimização. Enquanto man- dados, pertencem ao âmbito deontoló- gico. Em contrapartida, os valores têm que ser incluídos no nível axiológico” (Alexy, 1993b:141). A confusão decorre do fato de que nor- mas jurídicas podem desempenhar uma fun- ção axiológica (aquilo que é tido como o bem

pela comunidade) e uma função deontológi- ca (aquilo que é o dever para a sociedade), ou seja, que as normas jurídicas, sendo uma prescrição de dever (sendo portanto, intrin- secamente, operadores deontológicos), podem possuir ou conter também valores (possuin- do portanto, extrinsecamente, operadores axiológicos). Evidentemente, esses valores em si mesmos são importantes no processo de ponderação. Mas a ponderação jurídica pro- priamente dita (por tratar o direito do que é devido, e não do que é bom para a sociedade) é uma ponderação de princípios (Alexy, 1993b:147), ou seja, de normas, e não de va- lores. Isso implica que, se de um lado é ver- dade que toda colisão de princípios pode ser expressa como uma colisão de valores (Alexy, 1993a:6), não é verdade porém que toda coli- são de valores possa ser expressa como uma colisão de princípios. Apesar de sua aparente consistência, a teoria dos princípios como mandados de oti- mização, defendida por Alexy, será objeto de críticas pelos autores ligados à Ética do Dis- curso e às análises pragmáticas da comuni- cação humana, o que dará origem à terceira teoria, que identifica os princípios com normas cujas condições de aplicação não são pré-determi- nadas^15. Para compreendermos essa teoria, devemos antes compreender a crítica que ela elabora à Alexy. Tendo como referência a obra de Ronald Dworkin, Jürgen Habermas criticará a incon- sistência e os problemas internos e externos da teoria alexyana^16 , no que será seguido, de maneira mais radical, por Klaus Günther. Para esses autores, Alexy esvazia o caráter normativo dos princípios, entrando em con- tradição com a compreensão deontológica do direito que pretende defender. Por trás dessa questão, há um pressuposto da teoria desen- volvida por Alexy, que renuncia implicita- mente à questão da justiça envolvida pelos princípios em favor da segurança do direito, por meio da adoção de um procedimento liga- do estritamente à metodologia do direito. Mes- mo a teoria dos princípios como normas ge- neralíssimas não renunciou, como Alexy in-

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procura adequar os meios aos fins). Isso por- que, quando argumentamos com base nos va- lores, estamos levando em conta não propri- amente o que é correto, mas aquilo que é bom para que uma determinada comunidade reali- ze seus próprios fins. Evidentemente, nem sempre aquilo que é bom é aquilo que é devi- do, sobretudo na perspectiva da própria axi- ologia. E uma fundamentação axiológica implica sempre uma hierarquização relativa a uma comunidade, pois aquilo que é o me- lhor para uma comunidade não é necessari- amente o melhor para outra, sendo portando uma fundamentação iminentemente históri- ca , e não racional. Ao contrário, uma fundamentação deon- tológica (com base em normas, e, em nosso caso, em princípios) da ação pressupõe, de modo direto, não uma fundamentação histó- rica (que tenha em vista aquilo que é bom para aquela comunidade), mas uma funda- mentação que leve em conta a correção nor- mativa, que pressupõe exatamente a possibi- lidade de se fundamentar em termos racio- nais definitivos, que para Habermas quer dizer tão-somente universais , uma determina- da ação^20. Isso quer dizer, em outras pala- vras, que quem procura fundamentar uma ação com base em valores procura aquilo “que é bom para nós” (Habermas, 1994: 312), en- quanto aquele que procura fundamentar uma ação com base em normas (e em especial em princípios) procura aquilo que é “universal- mente correto”. Aqui emerge a diferença en- tre aquilo que Habermas chama de funda- mentação ética e fundamentação moral do agir, entre a deliberação ética e a deliberação moral: “Ao contrário das deliberações éticas, que são orientadas pelo telos da minha/nos- sa boa vida, deliberações morais requerem uma perspectiva livre de todo egocentrismo ou etnocentrismo” (Habermas, 1994: 127). Segundo Habermas, “Nós devemos (sollen) obedecer a preceitos morais porque nós sabemos que eles são corretos, e não porque es- peramos realizar certos fins agindo assim (...) Questões de justiça dizem

respeito às pretensões controversas em conflitos interpessoais. Nós [só] pode- mos julgá-las imparcialmente à luz de normas válidas. (...) Por esta razão, jus- tiça não é um valor no meio de outros. Valores sempre disputam com outros valores. Eles dizem que bens específi- cos, pessoas ou coletividades buscam ou preferem sob circunstâncias espe- cíficas. Apenas da perspectiva delas podem os valores ser temporariamen- te apresentados em uma ordem hierár- quica. Pois os valores pretendem uma validade relativa, enquanto a justiça pretende uma validade absoluta: pre- ceitos morais pretendem ser válidos para toda e cada pessoa” (Habermas, 1994: 190). Se aquilo que uma comunidade conside- ra bom para si é realmente o melhor para ela, e se o que é melhor para uma comunidade é o que deve ser levado em conta para se funda- mentar ações, então direitos contra aquilo que fosse o “melhor para uma comunidade” não poderiam valer de modo algum^21. Os direi- tos, entendidos apenas como valores, não permitem qualquer tipo de proteção para o indivíduo contra a sociedade e o Estado. E toda a história da formação do constituci- onalismo, sobretudo da formação do con- ceito de direitos fundamentais, mostra-nos o contrário. Na verdade, Alexy parece esquecer-se que o tipo de argumentação que valores e princípios (normas) implicam é essencialmente diferen- te. Como aponta Habermas, “à luz de nor- mas, decide-se o que é mandado fazer; no horizonte dos valores, qual comportamento é recomendado” (Habermas, 1994: 312). Se a norma é um comando, o valor é antes um conselho. E, como já mostrou Bobbio, coman- do e conselho são dois conceitos diferentes^22. Enquanto uma norma (como o princípio) deve ser avaliada como “válida” ou “inváli- da”, os valores são objetos de um escalona- mento que considera sua preferibilidade, ou seja, de uma avaliação que considera o seu “peso” e a sua gradualidade. Portanto, não

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faz sentido afirmar que os valores sejam obri- gatórios na mesma medida e em qualquer contexto. Ao contrário das normas, os valo- res só podem valer diante de determinadas circunstâncias, sendo portanto de obrigato- riedade relativa. Um valor que tem precedên- cia em uma determinada cultura pode não ter tal precedência em outra cultura. Como diz Habermas, ao contrário das normas, “Valores diferentes concorrem para obter precedência; uma vez que encon- tram reconhecimento intersubjetivo no interior de uma cultura ou forma de vida, eles formam configurações flexí- veis e tensas” (Habermas, 1994: 311). A dificuldade de Alexy em reconhecer isso decorre do fato que, mesmo reconhecen- do uma distinção entre a deontologia e a axio- logia, ele subavalia as diferenças entre essas duas. Evidentemente isso faz muita diferen- ça. Como diz Oliveira, “Um direito não pode ser compre- endido como um bem, mas como algo que é devido e não como algo que seja atrativo. Bens e interesses, assim como os valores, podem ter negociada a sua ‘aplicação’, são algo por que se pode ou não optar, já que se estará tratando de preferências otimizáveis. Já direitos, não. Tão logo os direitos sejam com- preendidos como bens ou valores, eles terão que competir no mesmo nível que esses pela prioridade no caso indivi- dual” (Oliveira, 1997: 112)^23. Como lembra Habermas, “cada valor é tão particular como qualquer outro, enquanto normas devem sua validade a um teste de universalização ”, pelo menos em princípio (Habermas, 1994: 315. Grifos meus.). A con- seqüência disso é que “Normas e princípios ( Grundsätze ) possuem uma força de justificação maior do que a de valores, porque po- dem pretender, com base em seu senti- do deontológico de validade, não ape- nas uma especial dignidade de prefe- rência, mas uma obrigatoriedade ge- ral; valores têm que ser, caso a caso,

inseridos numa ordem transitiva de valoração” (Habermas, 1994: 315). Evidentemente, os princípios não preci- sam ser concebidos como contraditórios no plano da justificação, mas devem ser vistos como concorrentes no plano da sua aplica- ção^24. Para mostrar como isso é possível, pre- ciso explicar o conceito de integridade de Dworkin, que está por trás dos conceitos apre- sentados por Habermas. Integridade é um conceito central da teo- ria de Dworkin, responsável pela atribuição de legitimidade a um sistema jurídico. Inte- gridade não é um conceito sinônimo de con- sistência. Se por consistência entendermos a repetição de soluções passadas para casos aparentemente iguais, então uma decisão in- consistente pode ainda assim cumprir a exi- gência de Integridade do direito; da mesma forma, uma decisão consistente pode ferir a exigência de Integridade^25. Integridade ( Integri- ty ) é um conceito ligado às razões que consti- tuem o substrato das normas jurídicas (Dworkin, 1986: 222) e se conecta diretamen- te com os conceitos de justiça, de impar- cialidade ( Fairness ) e de igualdade, como assinala Chueiri (1997: 183). Uma deci- são é justa (ou seja, respeita a Integridade do direito) se fornece a resposta correta (mesmo que esta não se baseie na estrita legalida- de) para o caso. Dworkin parte do pressuposto que todo caso possui uma resposta correta ( right answer )^26 , o que garante Integridade ao siste- ma jurídico. Essa resposta correta funciona como um modelo ou como um norte para a atividade do juiz, pois seria necessário um trabalho sobre-humano para se chegar a ela. Por isso ele imagina que essa resposta correta poderia ser alcançada por um juiz Hércules (Dworkin, 1978:105), mesmo nos casos difí- ceis ( hard cases ), ou seja, aqueles em que “nenhuma regra estabelecida dita uma de- cisão, seja em um sentido, seja em outro” (Dworkin, 1978: 83). Dois tipos de argumentos poderiam ser invocados, em tese, para se solucionar os ca- sos difíceis: argumentos de orientação política

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moralidade política” (Dworkin, 1986: 269). Ao contrário de Alexy, esse procedimen- to não pressupõe uma gradação, mas uma cessão no caso concreto de um princípio pe- rante outro, por meio de exceções de aplica- ção^32 : “Um dos dois princípios deve ceder nestas circunstâncias ” (Dworkin, 1986: 270), e não necessariamente em outras circunstân- cias. Ao contrário de Alexy, Dworkin pres- supõe que o que move essa decisão é a exi- gência contingente de prosseguimento da jurisdição e do processo, ligada à Integridade do direito: “é exigido de mim que encontre um lugar em toda interpretação geral de nossa prática legal para todos os prin- cípios (...). Nenhuma interpretação ge- ral que negasse qualquer uma delas seria plausível; a Integridade não po- deria ser satisfeita se qualquer um de- les fosse completamente rejeitado. Mas a Integridade exige que alguma solu- ção para seu impacto competitivo (...) seja emanada. (...) A integridade exige isto porque exige que eu termine a ques- tão” (Dworkin, 1986: 270). Para compreendermos a solução do con- flito de princípios, como a concebe Dworkin, devemos ter em mente o conceito de direito que ele apresenta, e que é um conceito de di- reito inerente às sociedades que se caracteri- zam pelo pluralismo: “O direito não se exaure em nenhum catálogo de regras ou princípios, cada um com seu próprio domínio sobre al- guma arena separada do comporta- mento.(...) O império do direito é deter- minado pela atitude, não pelo territó- rio, ou pelo poder, ou processo. (...) Ele é uma atitude interpretativa e auto-re- flexiva endereçada à política no senti- do mais amplo. É uma atitude de pro- testo que torna cada cidadão respon- sável por pensar o que os compromis- sos públicos de sua sociedade são em princípio, e o que estes compromissos exigem em novas circunstâncias. O

caráter de protesto do direito (...) alme- ja, no espírito interpretativo, assentar princípio sobre a prática para mostrar o melhor caminho para um futuro me- lhor, mantendo a fé correta no passa- do. É, finalmente, uma atitude frater- nal, uma expressão de como nós esta- mos unidos em comunidade, apesar de divididos em projetos, interesses e con- vicções. Isto é, de qualquer maneira, o que o direito é para nós, para o povo que nós queremos ser e para a comu- nidade que nós pretendemos ter.” (Dworkin, 1986: 413) Portanto, se tivermos em mente a exigên- cia de Integridade do direito (que se cumpre, antes de mais nada, de forma interpretativa), os princípios devem ser concebidos como di- reitos decorrentes do pluralismo constituti- vo das sociedades contemporâneas, que não podem ser nem enumerados previamente ao caso concreto, nem hierarquizados (Günther, 1993: xvii), e que podem excepcionar a apli- cação de outros direitos, vez que, não poden- do permanecer concorrendo uns com os ou- tros no caso concreto, caso se deseje respeitar a Integridade do direito, às vezes não podem ser contemporaneamente aplicados. Portan- to, antes que uma questão de avaliação (va- lores), a questão é uma questão hermenêuti- ca^33 acerca do que é relevante para se atingir uma decisão justa (vale dizer, que respeite a Integridade) no caso concreto. Isso implica um modo diferente da solu- ção de conflito de princípios: “No caso de colisão com outras prescrições jurídicas, não há necessi- dade de nenhuma decisão para saber em que medida valores concorrentes são a cada vez satisfeitos. Como mos- trado, a tarefa consiste, pelo contrário, em encontrar aquela, dentre as normas aplicáveis prima facie , que melhor se adapte, de todos os pontos de vista re- levantes, à situação de aplicação des- crita do modo mais completo (possí- vel). Com isto, deve-se estabelecer um nexo, cheio de sentido, entre a norma

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correspondente e aquelas que, sem pre- juízo de sua validade^34 , ficam em segun- do plano , de tal maneira que, desta for- ma, a coerência do sistema de regras permaneça a salvo em seu todo” (Ha- bermas, 1994: 317. Grifo meu). A solução para a concorrência de princí- pios apresentada por Habermas e Günther não é definitivamente a mesma solução apre- sentada por Alexy, e segue ao contrário a ori- entação da teoria de Dworkin. O argumento de Habermas e de Günther é que a diferença entre princípio e regra não se dá pela dimen- são de peso, e portanto não é uma diferença morfológica. Ora, se não é pelo caráter de peso que regras e princípios se diferenciam, como podemos diferenciar ambos tipos de normas? Günther responde a essa questão dizendo que regras e princípios representam dois ti- pos diferentes de razões para se fundamen- tar a ação: razões prima facie e razões compa- rativas [ on balance ]: “O primeiro tipo simplesmente jus- tifica que uma ação deve ou não ser executada (...). Baier designa como ra- zões comparativas aquelas que pro- põem que, consideradas todas as coisas , nós devemos ou não fazer algo. Neste caso, o proponente expressa a convic- ção que ‘nenhuma outra razão contrá- ria pode ser oferecida de forma capaz de sobrepujar a razão ou razões nas quais ele baseia seu julgamento” (Gün- ther, 1993: 208). Ao contrário daquelas envolvidas pelas regras, as razões envolvidas pelos princípi- os são razões comparativas. Essa distinção afetará também, tendo em vista os tipos de razões que lhes são afetas, o tipo de validade ligada a cada um dos tipos de normas, ou seja, a validade das regras e dos princípios. Isso porque “uma norma que é uma razão prima facie tem conseqüentemente apenas o caráter de ‘dever prima facie ’, enquanto um predicado de balanço caracteriza um ‘dever’ comparativo ” (Günther, 1993: 208), já que não pré-seleciona de forma definitiva as condi- ções e os limites de sua aplicação. Esse dever

comparativo exige que uma quantidade mui- to maior de informações seja apresentada para justificá-lo como razão para a ação, do que no caso de um dever prima facie (Gün- ther, 1993: 209). Isso também significa que uma norma prima facie (ou seja, uma regra) é em princípio válida em qualquer situação que reproduza as mesmas circunstâncias previs- tas no próprio tipo (Günther, 1993: 209), o que não pode acontecer no caso envolvendo princípios. Princípios, ao contrário de regras, são fluidos e abstratos e precisam ser densi- ficados ante o caso concreto por um esforço discursivo-interpretativo, não se aplicando em quaisquer situações que reproduzam suas circunstâncias de aplicação. Isso nos traz de volta à crítica da teoria de Alexy. Apesar de permanecerem abstratamente válidos, os princípios não valem incondicionalmente no caso concreto, uma vez que nem sempre se verificam todas as condições necessárias à sua aplicação. Exatamente por isso, Günther entende que a diferença entre princípio e re- gra não diz respeito propriamente à sua es- trutura, mas à forma de sua aplicação, ou melhor, “às pressuposições da ação com a qual as normas são aplicadas” (Günther, 1993: 217). A diferença, portanto, não é de morfologia, como pretendia Alexy, mas de aplicação. As regras “requerem uma aplicação inequívoca que está ligada à presença do compo- nente condicional ‘se’ em uma situa- ção concreta^35 (...). Nem todas as carac- terísticas da situação são relevantes, mas somente aquelas que pertencem à extensão semântica do componente condicional ‘se’. (... Ao contrário,) fala- mos em aplicar uma norma como prin- cípio quando entramos em um proce- dimento argumentativo que nos obri- ga a considerar todas as característi- cas da situação e a pesar os pontos de vista normativos relevantes”. (Gün- ther, 1993: 271 e 272). Günther vai dizer que na aplicação dos princípios é preciso levar em conta um juízo de adequabilidade, pois um princípio, em um

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versalizáveis), os princípios (práticos) não são absolutos em todo e qualquer caso concreto. Eles não são portanto uma solução precon- cebida ( a priori ), mas uma “forma geral de ver as situações concretas” em que se envol- vem os seres humanos (Kohlberg, Levine e Hewer, 1992: 295), que deve ser desenvolvi- da e mesmo modificada nos casos concretos (dilemas morais). Apesar de intrinsecamen- te universais, eles são relativizáveis pelo (e no) caso concreto. Ou, melhor dizendo, “os princípios morais adequados consideram o contexto ” (Kohlberg, Levine e Hewer, 1992: 296. Grifo meu). Como afirmam esses autores, “Nossa idéia de princípio, como a de Dewey, não é a de um princípio como regra estabelecida; antes, enten- demos também que um princípio é uma forma de construir uma situação moral concreta. É certo que a argumen- tação com base em princípios leva a uma compreensão do valor de respei- tar a personalidade humana, expres- sada por Kant como ‘Trata a cada pes- soa como um fim em si mesma e não somente como um meio’. Sem embar- go, é argumentação de princípios a que não utiliza este valor como uma regra estabelecida, porque entende que este valor necessita de uma interpretação em situações concretas. Assim, pois, a argumentação de princípios é a que en- tende o valor da pessoa humana como uma forma de construir uma solução de um dilema moral, mas não entende este valor como uma regra substancial que dita a priori o que esta solução de- veria ser”. (Kohlberg, Levine e Hewer, 1992: 292 e 293). Exatamente por não serem absolutos, uma vez que não representam soluções pré-con- cebidas, eles não podem também ser hierar- quizados. Portanto, para Kohlberg, os princípios são um ponto de partida constituinte (seja objeti- vamente, seja subjetivamente) da própria rea- lidade, a ser posteriormente desenvolvido

pela argumentação no processo de conheci- mento e de ação, tendo em vista a própria realidade, que exige sempre sua considera- ção contextual, não sendo portanto passíveis de hierarquização. Com a modernidade, a tendência é pensar os princípios cada vez mais como constituintes lógicos que orien- tam os processos de comunicação e de argu- mentação. Conseqüentemente, cada vez mais os princípios são empregados como princí- pios racionais, e não causais, da realidade. Por isso mesmo, a tendência está em se con- ceber que, no caso dos princípios práticos, eles decorrem de padrões de escolhas con- textualizadas, geralmente determinadas pelo estágio moral da própria sociedade que se coloca a questão acerca dos princípios. Pelo menos em uma sociedade moralmen- te desenvolvida, ou seja, que corresponda ao último estágio moral pós-convencional, a aplicação de princípios exige que se conside- rem todos os determinantes e todas as cir- cunstâncias do caso, ao contrário das regras, que pré-selecionam que tipo de circunstân- cia deve ou não ser considerada (ou seja, que tipo de circunstância é ou não relevante), exa- tamente porque não há um rol hierarquiza- do de princípios a aplicar, e inclusive das condições para sua aplicação. O termo ade- quabilidade, utilizado por Günther, signifi- ca que o juiz, quando excepciona concreta- mente a aplicação de princípios concorren- tes em um determinado caso, apenas reco- nhece que os mesmos são ou não adequados para realizar a exigência de Integridade e de justiça naquela situação^37. Isso leva à conclu- são de que os princípios se diferenciam das regras pela indeterminação maior quanto às con- dições de sua aplicação , indeterminação ligada ao fato de não se poder estabelecer um esca- lonamento entre os mesmos. E essa indeter- minação não é propriamente “um problema da estrutura da norma; é simplesmente um contorno do procedimento de aplicação im- parcial” (Günther, 1993: 274). Com isso Günther abre uma nova pers- pectiva: não é propriamente no contexto da justificação que podemos falar em conflitos

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de normas ligadas às razões comparativas, mas no contexto de sua aplicação^38 (Günther, 1993: 212). E, então, a questão da justiça (ou Integridade ) não se esgota no contexto de jus- tificação. Como diz Carvalho Netto, “Os princípios, ao contrário das re- gras, como demonstra Dworkin, podem ser contrários sem ser contraditórios, sem se eliminarem reciprocamente. E, assim, subsistem no ordenamento prin- cípios contrários que estão sempre em concorrência entre si para reger uma determinada situação. A sensibilida- de do juiz para as especificidades do caso concreto que tem diante de si é fundamental, portanto, para que pos- sa encontrar a norma adequada a pro- duzir justiça naquela situação especí- fica. É precisamente a diferença entre os discursos legislativos de justifica- ção, regidos pelas exigências de uni- versalidade e abstração, e os discursos judiciais e executivos de aplicação, re- gidos pela exigência de respeito às es- pecificidades e à concretude de cada caso, ao densificarem as normas gerais e abstratas na produção das normas individuais e concretas, que fornece o substrato do que Klaus Günther deno- mina senso de adequabilidade , que, no Estado Democrático de Direito, é de se exigir do concretizador do ordenamen- to ao tomar suas decisões” (Carvalho Netto, 1996: 146). Os princípios jurídicos devem ser aplica- dos nos limites e nos contornos das circuns- tâncias fáticas (adequabilidade), o que não quer dizer que eles sejam propriamente de- terminados por essas circunstâncias. Antes, eles funcionam como pressupostos que ori- entam os processos de aplicação das regras e dos próprios princípios jurídicos, que trans- ferem correção a esses processos. O conflito, na verdade, é fruto da concorrência de prin- cípios distintos em um caso concreto. Como afir- mava o próprio Alexy, “quando tem que se passar do amplo mundo do dever-ser ideal ao estreito

mundo do dever-ser definitivo ou real, produzem-se colisões ou, para usar outras expressões freqüentes, tensões, conflitos e antinomias” (Alexy, 1993b: 133). Com isso tocamos o ponto em que a teoria de Habermas (e Günther) volta a Peirce, para quem o logical leading principle (princípio ló- gico condutor) é responsável pela transferên- cia da racionalidade das premissas à con- clusão^39 , e que, agora, permite compreender a diferença entre princípios e regras também nos discursos de justificação. Os princípios (jurídicos) são, no plano da justificação, o fundamento (formal) normati- vo dos demais direitos, o seu ponto de parti- da, como na célebre definição de Aristóteles^40. É a isso que Canotilho se refere ao dizer que os princípios, entre outras características, possuem o caráter de fundamentabilidade do sistema, e portanto uma natureza normoge- nética , uma vez que “são fundamento de re- gras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas” (Ca- notilho, 1993: 167). Como não podemos pensar propriamen- te em uma hierarquia entre esses princípios, talvez devêssemos abandonar, no plano da justificação, o modelo piramidal de represen- tação do sistema jurídico, como apresentado por Kelsen. Ao invés de recorrermos a um modelo escalonado que remete, em última instância, a validade de todas as normas a apenas uma norma, talvez devamos pensá- lo como um sistema composto por várias normas-origem, já que não podemos reduzir os princípios uns aos outros, uma vez que eles são expressão do pluralismo das socie- dades complexas contemporâneas^41. Nas sociedades pluralistas, em que muitas vezes competem em pé de igualdade argumentos e projetos de vida, a democracia só pode ser levada a sério se considerarmos que os prin- cípios jurídicos são expressão dessa diversi- dade, e que por isso mesmo concorrem entre si em pé de igualdade, não se podendo esta- belecer, a priori, uma hierarquia entre si. É interessante que, na teoria do direito contemporânea, esse modelo não seja abso-

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ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídi- cos y razón practica. Derecho y razón practica. Méxi- co, Fontamara, 1993a. p. 11. (^5) Dizer que o sistema jurídico é dinâmico decorre do fato que a vinculação que existe entre as normas jurídicas não se dá em razão de seu conteúdo, como na moral, mas em razão da autorização (uma nor- ma, por exemplo a Constituição, autoriza um po- der, por exemplo o legislativo, a produzir outras normas válidas, por exemplo a lei, que, se não viola- rem os limites estabelecidos pela norma superior, são tidas como pertencentes ao ordenamento jurídi- co, isto é, são tidas como válidas). (^6) O próprio Bobbio já havia percebido que nem todos os princípios se formam a partir de generali- zação de outras normas particulares. BOBBIO, Nor- berto. Contributi ad un dizionario giuridico. Torino, G. Giappichelli, 1994. p. 277. (^7) Tais princípios não generalizam outras normas. Antes, as outras normas é que se subsumem a tais princípios. (^8) Uma contradição, ensina-nos a lógica, consiste em uma situação em que dois enunciados não po- dem ser nem ao mesmo tempo verdadeiros, nem simultaneamente falsos. Em termos jurídicos, uma situação em que duas normas não podem ser am- bas válidas ou ambas inválidas, só podendo ocorrer a situação em que uma seja necessariamente válida e a outra necessariamente inválida. Cf. infra nota 13. (^9) Por exemplo, em um período com um índice inflacionário altamente elevado, um credor argumen- ta em favor de sua pretensão levantando o princípio segundo o qual os pactos devem ser obedecidos. Já o devedor argumentará, defendendo-se, o princípio contido na cláusula rebus sic stantibus. (^10) É evidente que, como adverte Alexy, existe tam- bém uma variação quanto ao número de situações a que um determinado princípio se aplica ou não. Al- guns se aplicam a um maior número de casos e, assintoticamente, a quase todos os casos. É o exem- plo alemão do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Isso porque, para o Tribunal Constitucional Alemão, “existe um amplo grupo de condições de precedência nas quais existe um alto grau de segurança acerca de que, sob elas, o princí- pio [da dignidade da pessoa humana] (...) preceda aos princípios opostos”. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid, Centro de Estu- dios Constitucionales, 1993b. p. 106. É a isso que o Tribunal Constitucional Alemão dá o nome de “âm- bito essencial absolutamente protegido”. Não signi- fica, portanto, que haja uma precedência absoluta, mas uma probabilidade muito elevada de prece- dência, pois “quase não existem razões jurídico-cons- titucionais indemovíveis para uma relação de prefe- rência em favor da dignidade da pessoa sob deter- minadas condições”. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993b. p. 109. Da mesma forma no caso brasileiro. Por exemplo: o princípio da prote-

ção à vida não tem, no Brasil, precedência absoluta e incondicionada sobre qualquer outro, como uma lei- tura apressada do art. 5º da Constituição Federal poderia sugerir. Há casos em que o dever de prote- ção do Estado deve ser colocado acima daquele prin- cípio. O que ocorre é que as condições fáticas para que este princípio tenha precedência sobre aquele (ou seja, a existência de guerra externa) são tão re- motas que, na prática, aquele outro princípio tem sempre gozado de precedência. (^11) Cf. GALUPPO, Marcelo Campos. A releitura dos Princípios Gerais do Direito como Princípios Ju- rídicos na década de 80: Alexy e a caracterização axiológica dos princípios jurídicos. Direito, discurso e democracia. O princípio jurídico da igualdade e a autocompreensão do Estado Democrático de Direi- to. Belo Horizonte, UFMG, 1998. Tese de Doutora- do. p. 65-80. (^12) Veja nota 4. (^13) O termo contraditório aqui é empregado como o faz a lógica clássica e significa: são incompatíveis por não ser possível a existência simultânea das si- tuações descritas (ou prescritas) em ambas as pro- posições, ou seja, a validade de uma proposição implica a invalidade da outra, e a invalidade de uma proposição também implica a validade da outra. Cf. COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo, Mestre Jou, 1978. p. 146 e ss. Veja nota 8. (^14) Essa importância, é preciso lembrar, é sempre uma importância avaliada para uma comunidade , e não necessariamente para todas comunidades. (^15) O primeiro autor a defender esse ponto de vista foi, provavelmente, Josef Esser. Cf. GALUPPO, Marcelo Campos. A contribuição de Esser para a problemática dos princípios jurídicos. Direito, dis- curso e democracia. O princípio jurídico da igualdade e a autocompreensão do Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte, UFMG, 1998. Tese de Dou- torado. p. 49-64. (^16) Para uma resposta de Alexy a Habermas, con- ferir ALEXY, Robert. Jürgen Habermas’s Theory of Legal Discourse. ROSENFELD, Michel, ARATO, Andrew (orgs.). Habermas on Law and Democracy : cri- tical exchanges. Berkeley and Los Angeles, Universi- ty of California Press, 1998. p. 228-231. (^17) Enquanto a axiologia é uma teoria dos valores, a deontologia é uma teoria dos deveres. LALANDE, André. Vocabulaire technique et critique de la philoso- phie. 8. ed. rev. e aum. Paris, Presses Universitaires de France, 1960. p. 104-216. (^18) Já Esser criticava a tendência do modo de ar- gumentar axiomático em se hierarquizar os princípi- os. Como ele diz, apoiando-se em Simonius, “não existe um ‘princípio supremo’, já que todas as fun- ções do direito podem-se expressar em princípios que cada vez atuam antinomicamente”. ESSER, Jo- sef. Princípio e norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona, Bosch, 1961. p. 64 e passim , existindo portanto uma “tensão polar entre

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vários princípios”, ESSER, Josef. Princípio e norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Bar- celona, Bosch, 1961. p. 103., tensão esta inerente às sociedades pluralistas e multiculturais. (^19) Ao criticar a concepção axiológica do direito, não quero dizer com isso que as normas não possam conter valores, mas que o seu caráter vinculante de- corre não do valor que contêm, mas do fato mesmo de elas serem normas , ou seja, deveres, que revelam não apenas quem somos, mas também, ao contrário dos valores, quem desejamos ser, estabelecendo um projeto para nossa própria sociedade. (^20) Habermas está-se referindo à hipótese da pos- sibilidade de uma fundamentação universal, que fun- ciona normativamente para avaliação de argumen- tações morais ou jurídicas. Habermas demonstra que esse é um pressuposto normativo (contrafático) que pode não corresponder à realidade sem com isso deixar de ser, em si, válido. O princípio demo- crático, envolvido nos discursos jurídicos, pressu- põe que toda argumentação real se dá no contexto de uma comunidade real, sendo portanto uma ar- gumentação circunstancial e contingente , apesar de também orientada por critérios de imparcialidade e de universalidade. A distinção que aqui está sendo invocada é a distinção entre a comunidade real de comunicação e a comunidade ideal de comunica- ção, que já explorei em outro lugar. GALUPPO, Marcelo Campos. O princípio jurídico da igualdade e a autocompreensão do Estado Democrático de Direito. Direito, discurso e democracia. Belo Horizonte, UFMG, 1998. Tese de Doutorado. (^21) Lembremo-nos, por exemplo, da importância que Aristóteles conferia ao ethos , à pólis e à phrónesis em sua ética. (^22) Procedendo da diferenciação entre comando e conselho elaborada por Hobbes no Leviatã , Bobbio conclui que a diferença mais importante entre co- mando e conselho diz respeito ao comportamento da pessoa do destinatário, pois enquanto estes “são obrigados a seguir um comando, têm a faculdade de seguir um conselho”. BOBBIO, Norberto. Teoria ge- nerale del diritto. Torino, G. Giappichelli, 1993. p. 72. (^23) É interessante notar que essa axiologização do direito goza de muitos adeptos, nem sempre consci- entes, na Alemanha. Veja-se, por exemplo, o seguin- te texto de Hesse: “Os bens constitucionalmente pro- tegidos devem ser ordenados uns perante os outros de tal forma que cada um deles ganhe realização. Onde há colisão, não se pode, em precipitadas com- pensações de interesse ou de valores, sacrificar um ao custo do outro.” HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 20. ed. Heidelberg, C. F. Müller, 1995. p. 28. (^24) No plano da aplicação, efetivamente ocorrem questões de concorrência (e não de contradição entre princípios), e discursivamente, agora com base não mais nas normas, mas nos fatos envolvidos no caso

concreto, é possível fazer um princípio concorrente passar para um segundo plano, a fim de dar uma solução para um caso que não permita a compatibi- lização de dois princípios. Para a diferenciação dos dois planos, ver GÜNTHER, Klaus. Application Dis- courses in Morality and Law. The Sense of Appropri- ateness. Albany, State University of New York, 1993. (^25) Um estudo interessante sobre esse conceito encontra-se em CHUEIRI, Vera Karam de. A dimen- são jurídico-ética da razão: o liberalismo jurídico de Dworkin. In : ROCHA, Leonel Severo (org.) et alii. Percursos da teoria jurídica contemporânea. Parado- xos da auto-observação. Curitiba, JM Editora, 1997. p. 182 e ss. (^26) Sobre a questão da tese da “resposta correta”, ver DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, em es- pecial p. 331-338 e DWORKIN, Ronald. A Matter of Principle. Cambridge: Harvard University Press, 1985, p. 119-145. Evidentemente, como aponta CHUEIRI, Vera Karam de. A dimensão jurídico-ética da razão: o liberalismo jurídico de Dworkin. In : ROCHA, Leo- nel Severo (org.) et alii. Percursos da teoria jurídica contemporânea. Paradoxos da auto-observação. Curiti- ba, JM Editora, [s.d.], p. 171 e ss., a “resposta corre- ta” significa para Dworkin apenas a melhor respos- ta possível. (^27) Isto é aquilo que Dworkin chama de tese dos direitos , que concerne à disputa entre argumentos de política e princípios jurídicos na fundamentação de decisões em casos difíceis. Ver DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Harvard Uni- versity Press, 1978. p. 82 e ss. (^28) Habermas adverte que, nos Estados Democrá- ticos de Direito, apenas o legislador tem acesso tan- to às questões morais quanto às ético-políticas e pragmáticas. HABERMAS, Jürgen. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. Faktizität und Geltung , 2 ed. Frankfurt. Suhrkamp, 1994. p. 235. (^29) Assim, cobra novo sentido a frase do Tribunal Constitucional Alemão segundo a qual nenhum prin- cípio “goza simplesmente de primazia em frente de outro” ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón practica. Derecho y razón practica. México, Fontamara, 1993a. p. 13. todos os princípios possuem a possibilidade de excepcionar a aplicação de outros princípios. (^30) E isso porque, em alguns casos, as condi- ções (jurídicas e fáticas) que compõem o proble- ma tornam um princípio adequado e outro ina- dequado à solução do caso, para usar a termino- logia de Günther. (^31) Como mostrei em outro lugar, GALUPPO, Marcelo Campos. O princípio jurídico da igualdade e a autocompreensão do Estado Democrático de Direi- to. Direito, discurso e democracia. Belo Horizonte, UFMG,

  1. Tese de Doutorado, a sua independência de- corre do fato que são expressão do pluralismo das sociedades contemporâneas.

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