









Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este artigo discute sobre os bens jurídicos imediatos e mediatos protegidos pelos tipos penais em crimes contra a ordem tributária. Em sentido imediato, os interesses estatais patrimoniais e institucionais são defendidos, enquanto no sentido mediato, há uma defesa de interesses supraindividuais. O artigo aborda a problemática da teoria fiscal e sua influência no direito penal-tributário, além da diferença entre direito penal econômico e direito penal tributário.
Tipologia: Notas de aula
1 / 17
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
TÍTULO: Bens Jurídicos Mediatos e Imediatos Tutelados nos Tipos Penais contra a Ordem Tributária TITLE: Mediate and Immediate Legal Assets Wards in Criminal Types against Tax Order AUTOR: Ariosto Teixeira Neto – Mestrando UNICURITIBA – Membro do Grupo de Estudos de Direito Penal-Econômico coordenado pelo Prof. Fábio André Guaragni. RESUMO: o artigo trata sobre os bens jurídicos imediatos e mediatos tutelados pelos tipos penais nos crimes contra a Ordem Tributária, sendo que em sentido imediato existe a defesa dos interesses estatais patrimoniais e institucionais, sendo que no sentido mediato há uma defesa de interesses supraindividuais. Pelo fato dos tipos penais expostos pelos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990 possuírem o intuito de defesa da Ordem Tributária e não apenas do Estado faz-se necessário que os bens jurídicos supraindividuais (e mediato) estejam devidamente representados no sentido imediato (defesa do Estado em sentido patrimonial e institucional). Nessa verificação há também a problemática da teoria fiscal e sua vasta influência no âmbito do Direito Penal-Tributário que pode influenciar a criação de leis e a aceitação de bens jurídicos desconexos com o objetivo do Direito Penal, como apenas para a cobrança de tributos. PALAVRAS-CHAVE: crimes contra a Ordem Tributária, bens jurídicos mediatos e imediatos, interesse público. ABSTRACT: The article discusses the immediate and mediate legal protection by criminal types in crimes against Tax Order, the immediate sense is the defense of State interests in patrimonial and institutional, on the other hand, in mediate meaning there is an supraindividuais interests, cause the criminal types exposed in articles 1 and 2 of the Law nº. 8.137/1990 aims to defend the Tax Order and not just States interests, so it is necessary that the legal protection of supraindividuais interests (and mediate sense) are properly represented in the immediate sense (State defense in patrimonial and institutional sense). In this check there is also the issue of tax theory and its wide influence under the Criminal Law Tax that may influence the creation of laws and legal acceptance of aims unconnected with the objective of criminal law, for as example, tax collection only. KEY-WORDS: Tax Order crimes, mediate and immediate legal interests, the public interest. SUMÁRIO: I. Introdução. II. Bens jurídicos mediatos e imediatos dos Crimes Tributários. III. A arrecadação tributária e o interesse público primário e secundário. IV. Teoria fiscal aplicada no Direito Penal – algumas observações relevantes V. Conclusão. VI. Referências Bibliográficas I. INTRODUÇÃO A forma de Estado conhecida como Estado Liberal possui como ápice a Revolução Francesa, em que é a primeira Revolução da história da humanidade, em que o homem deixa de ser súdito para ser cidadão, incentivado exatamente por interesses econômicos da burguesia contra o monarca absoluto (BONAVIDES, 2011, p. 25). O Estado Liberal floresce e, como um pêndulo, torna-se a figura radicalmente oposta
ao momento histórico anterior, exigindo maiores liberdades individuais e, para isso, vislumbra retirar todos os poderes do monarca conseguindo êxito em grande parte. Vale lembrar que o monarca nessa visão era a figura do próprio Estado, então a tentativa de reduzir os poderes do rei absoluto era também uma forma de reduzir a interferência estatal na vida privada, sendo que um dos mecanismos mais conhecidos para isso foi o estabelecimento da separação dos poderes (BONAVIDES, 2011, p. 27/29). Contudo, o principal objetivo da Revolução Francesa não foi a igualdade ou fraternidade, mas sim a liberdade para os burgueses poderem atuar livremente no “mercado” de forma autônoma e sem nenhuma necessidade de autorização estatal ou confisco de suas propriedades sem justificativa ou lei previamente estipulando isso. Por isso, não há sequer a possibilidade de cogitar em uma definição de Ordem Econômica propriamente dita ou mesmo de Direito Econômico, ao menos não como um conjunto de regras e sistemas próprios, vez que a diretriz do Liberalismo era exatamente a não intervenção estatal e consequentemente “desordem” econômica, com base na clássica doutrina de Adam SMITH que os mercados se regulariam a si mesmos. Apenas ao longo do séc. XIX, coagido pela pressão das massas em exigir direitos antes não tutelados pela esfera pública, o Estado tem que se preocupar com várias áreas que antigamente eram exclusivas da iniciativa individual, ante a impossibilidade da iniciativa privada resolver a maioria dos problemas, em especial, ligados às áreas sociais e ao descontrole econômico. Assim, o chamamento do Estado para regular essas áreas foi necessário, tanto por meio de legislação e como pelo controle e intervenção direta ou indireta. Diante da possibilidade do Estado intervir na Economia, houve a inclusão em uma relação até então entendida exclusivamente por interesses entre particulares de um interessado não muito comum: o Estado. Com isso, a principal e óbvia mudança foi a intervenção estatal na economia, bem como o surgimento de novos campos no Direito, entre eles o Direito Econômico. O resumo desse transpasse é muito bem exposto por Egon Bockmann MOREIRA e Leila CUELLAR: As diretrizes políticas tornaram-se carregadas de deveres econômicos, num grau ascendente: já não bastavam as previsões normativas liberais de um Direito Civil ou de um Direito Comercial. As relações que se punham exigiam uma normatividade de hierarquia superior e os textos constitucionais passaram a prever um feixe normativo específico, que a doutrina convencionou de denominar “Constituição Econômica (MOREIRA; CUELLAR, 2010, p. 157). Ora, nitidamente surge um bem jurídico (conceito que já havia sido criado no âmbito
ou também conhecido como Estado Social de Direito, em que é visto como o Estado Social dos direitos fundamentais (2011, p. 55) em que há inclusive uma visão supranacional em que o “respeito da Humanidade aos direitos fundamentais, ponto de partida para a futura Constituição de todos os povos” (2011, p. 55). Todo esse histórico é necessário para entender as características da Ordem Econômica em sentido estrito, ou seja, o direito do Estado em intervir na economia, e a Ordem Econômica em sentido amplo que abarca tanto a Ordem Tributária, como a Financeira, do Consumidor e outras Ordens não só vinculadas ao Estado em si, mas com relação a todos os ramos que afetem a própria produção, distribuição e consumo de quaisquer bens econômicos. Assim, aprofundando no tema do presente artigo, no coração desse Direito Econômico, dessa Ordem Econômica, encontra-se a figura do tributo, clássico meio de arrecadação estatal e principal forma de intervenção do Estado na economia. O surgimento do tributo em si é muito mais antigo que o nascedouro da Ordem Econômica, haja vista que o tributo surge como conhecemos atualmente com a formação dos Estados-Nações, com o intuito de financiá-los, mas apenas com a criação da Ordem Econômica que os tributos passam a ser uma parte desse ramo do Direito. No campo da sanção penal, os meios utilizados para fraudar a cobrança de tributos (Direito Penal Tributário) são a base do Direito Penal Econômico, que por obviedade, trata de uma amplitude muito maior de bens jurídicos e tipos penais em que as sofisticações ou mecanismos criadas para transformação de valores ilícitos em lícitos (lavagem de dinheiro por exemplo) ou qualquer outra vantagem frente ao Estado, ganharam mais a atenção do Direito Penal Econômico, fazendo com que tal ramo abarcasse o tributo entre um de seus muitos objetos. Tão acentuada foi essa diferenciação entre os mencionados sub-ramos do Direito Penal que se fala em Direito Penal Econômico e Direito Penal Tributário como se fossem coisas totalmente distintas, influenciados muitas vezes pela estrutura da nossa Constituição da República, que discorre sobre a tributação e orçamento nos artigos 145 e seguintes, enquanto o art. 170 e seguintes menciona o Direito Econômico. Contudo, tanto em sentido histórico, como em sentido estrutural, ambos possuem o mesmo radical, sendo na verdade que a tributação tornou-se uma parte da ordem econômica em sentido amplo, separada em nossa Constituição apenas por questão de didática. Pois bem, esclarecido que o Direito Tributário é do parte do Direito Econômico e que a Ordem Econômica em sentido amplo abarca também a Ordem Tributária, passa-se ao tema
central desse artigo, vez que ambos os ramos citados sofrem de uma problemática ao tratar da tutela de seus bens jurídicos: a defesa de seus bens jurídicos. Isso porque no âmbito do Direito Tributário e, até mesmo no Direito Econômico, a tutela dos bens jurídicos abrange apenas o ente estatal ou transborda aos interesses do Estado para outros interesses? Para responder a essa pergunta é necessário uma passagem pelo bem jurídico em sentido mediato e imediato, para depois aprofundarmos na doutrina do Direito Administrativo sobre qual é considerado um interesse público primário ou secundário, obviamente que tal questionamento será verificado com base nos crimes contra a Ordem Tributária. II. BENS JURÍDICOS MEDIATOS E IMEDIATOS DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Os crimes contra a Ordem Tributária e seus bens jurídicos tutelados não são passíveis de unanimidade ou mesmo definição uma “corrente” doutrinária e jurisprudencial mais pacificada. Isso resulta de dois fatores muito claros: o crescimento da aceitação do funcionalismo do Direito Penal como principal teoria penal brasileira, a qual coloca os bens jurídicos no centro dessa teoria, e; a mudança social do modo como se enxerga os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais dos crimes contra a Ordem Tributária, em especial, a questão da supraindividualidade e da Ordem Econômica em sentido amplo. Veja-se que tais fatores são eventos relativamente recentes para o Direito, já que ganham espaço significativo após a década de 70, por meio de Claus Roxin (funcionalismo) e Ulrich Beck (sociedade de risco e supraindividualidade), um lapso temporal curto em comparação com aos fundamentos existentes na ciência do Direito e até mesmo com o próprio Direito Penal. Assim, a supraindividualidade nos bens jurídicos é uma técnica avessa ao Direito Penal clássico em que foi fundado e criado todo o sistema do Direito Penal Brasileiro, ainda mais se inserir um terceiro fator nessa análise: o Estado. Exatamente isso o que ocorre nos crimes contra a Ordem Tributária. Desnecessário adentrar na discussão acerca da controvérsia que gira em torno do conceito de bem jurídico, tendo em vista o objetivo desse artigo de ser específico e focar outro aspecto de tal instituto, contudo, à título de esclarecimento, expõe-se a visão em que é
no presente estudo, Carlos Martinez-Bujan PEREZ (2007, p. 163/163) informa que todos eles tem como bem jurídico mediato a proteção do ordenamento econômico, que possui a nítida característica de ser um bem jurídico supraindividual. Pois bem, com essa distinção em mente, passa-se a análise do bem jurídico nos crimes contra a Ordem Tributária, que são conhecidos comumente os artigos 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro 2003 2 . Primeiramente, é bem observado por Andréas EISELE (1998, p. 14) que com a formação de um Estado Democrático de Direito “a noção de bem jurídico vem se modificando, de modo a abranger outros interesses sociais tidos como valores relevantes em tal sistema social e político, do qual são expressão exemplificativa os bens jurídicos coletivos e difusos”. Nessa classificação exposta por Andréas EISELE (1998, p. 14), podem ser inclusos os crimes contra a Ordem Tributária que tem como escopo primordial a defesa do Erário, não no sentido apenas patrimonialista ou individualista (como patrimônio da Fazenda Pública), mas também “como bem jurídico supra-individual, de cunho institucional” (PRADO, 2007, p. 309). Percebe-se que Andréas EISELE traz uma visão dupla do bem jurídico dos crimes contra a Ordem Tributária, em que seu bem jurídico mediato seria um bem jurídico (^2) Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V. Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
supraindividual, haja vista que é de interesse não apenas estatal, bem como há também no bem jurídico imediato um cunho institucional que vai além da mera “arrecadação”. Neste sentido, Guilherme de Souza NUCCI afirma que a proteção do sistema tributário nacional é uma função constitucional por estar previsto nela em seu art. 145 e seguintes, ou seja, define claramente quais são os bens jurídicos mediatos dos crimes contra a Ordem Tributária. NUCCI afirma com base nesse pensamento que: O Estado precisa manter serviços, promover o bem-estar social e cumprir o idealizado pelo art. 3º da Constituição Federal, que é a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia ao desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização, bem como buscando a redução da desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (...) Os tributos em geral, se bem empregados, promovem justiça social, garantindo o mínimo de bem-estar a todos os brasileiros. Sem haver exagero, é natural (NUCCI, 2007, p. 860/861). Do mesmo modo Luis Regis PRADO (2007, p. 309) ainda complementa que “a tutela da ordem tributária se encontra justificada pela natureza supra-individual, de cariz institucional, do bem jurídico, em razão de que são os recurso auferidos das receitas que darão o respaldo econômico necessário para a realização das atividades destinadas a atender às necessidades sociais”. Desta forma, seguindo a linha de raciocínio exposta, os bens jurídicos mediatos justificam a utilização dos crimes contra a Ordem Tributária (dentro da lógica do sistema penal) para a correta aplicação do sistema tributário. O transpasse dessa interpretação para os bens jurídicos imediatos não é tão traumática, haja vista que tal aspecto visa à defesa do Erário Público em um duplo sentido: patrimonialista, em que haverá um dano aos cofres públicos e na disponibilidade de tal amonte financeiro para sua aplicação, e; institucional, em que protegerá quando houver um desrespeito ou dano a instituição do Estado e seu Poder de arrecadar (crime contra a Administração Pública). Contudo, a grande problemática é exatamente se a defesa dos bens jurídicos imediatos, tanto no sentido patrimonialista, como no sentido institucional, abrange o aspecto supraindividual dos bem jurídico dos crimes contra a Ordem Tributária em sentido mediato. Para isso, é interessante trazer a baila a teoria do Direito Administrativo sobre interesse público primário e interesse público secundário.
com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos , mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito (MELLO, 2007, p. 63) Tal interesse “secundário” do Estado é rechaçado pela ordem jurídica, conforme expõe o mesmo Celso Antonio Bandeira de MELLO a seguir: este discrímen, contudo, é exposto com exemplar clareza por Renato Alessi, colacionando lições de Carnelutti e Picardi, ao elucidar que os interesses secundários do Estado só podem ser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários , isto é, com os interesses públicos propriamente ditos (MELLO, 2007, p. 63) Mais adiante, Celso Antônio Bandeira de MELLO exemplifica com situação semelhante a enfrentada neste estudo: O autor (referindo-se a Renato Alessi) exemplifica anotando que, enquanto mera subjetivação de interesses, à moda de qualquer sujeito, o Estado poderia ter interesse em tributar desmesuradamente os administrados, que assim enriqueceria o Erário, conquanto empobrecesse a Sociedade; que, sob igual ótica, poderia ter interesses em pagar valores ínfimos aos seus servidores, reduzindo-os ao nível de mera subsistência, com o quê refrearia ao extremo seus dispêndios na matéria; sem embargo, tais interesses não são interesses públicos, pois estes, que lhe assiste prover, são os de favorecer o bem-estar da Sociedade e de retribuir condignamente os que lhe prestam serviços. (MELLO, 2007, p. 63/64) Nesse momento, ao nos depararmos com o direito de arrecadação do Estado ser o único interesse envolvido na extinção da punibilidade em crimes contra a Ordem Tributária, questiona-se sobre a classificação desse interesse, como primário ou secundários, ou seja, se é um legítimo interesse estatal, ou apenas um interesse secundário do Estado, da pessoa jurídica. Os estudos de Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO esclarecem tal dúvida, vez que afirma: As funções desempenhadas pelo Estado e seus delegados para a satisfação desses interesses públicos primários , que se referem às necessidades da própria sociedade, caracterizam as atividades-fim da Administração
Pública , que, por referirem-se diretamente aos administrados, conformam a administração pública externa , ou extroversa. (MOREIRA NETO, 2006, p. 116, grifo nosso) Ora, é nítido que arrecadação é essencial para o Estado, vez que é um dos meios para sua sustentação e possibilidade de atender os anseios da sociedade. Contudo, ela é uma atividade-meio, vez que o próprio tributo (o principal modo de arrecadação do Estado, e a que nos interessa no momento) possui por finalidade “suprir os cofres públicos dos recursos financeiros necessários ao custeio das atividades do Estado” (MACHADO, 2007, p. 79). Desta maneira, é correto afirmar que o direito à arrecadação estatal é um interesse público secundário. Pode parecer estranho ao início dizer que a atividade arrecadatória do Estado é uma atividade-meio e de interesse secundário, vez que seria impossível à ele garantir e prover (em alguns casos) todos os direitos fundamentais dos seus administrados. Vale lembrar que o interesse público primário do Estado é exatamente garantir os direitos de seus administrados, independente da maneira ou forma que consiga fazê-lo, vez que ele possui inúmeros instrumentos para adquirir recursos financeiros e, o Estado, não pode de maneira alguma sobrepor um interesse público primário para satisfazer um interesse público secundário, conforme Celso Antônio Bandeira de MELLO (2007, p. 63) afirmou na passagem a pouco referida “os interesses secundários do Estado só podem ser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários”. Desta forma, se o interesse público primário dos crimes contra a Ordem Tributária, ou seja, a devida proteção ao sistema tributário nacional de atitudes fraudulentas e maliciosas, está sendo sobreposto por um interesse público secundário, direito de arrecadação do Estado, desfigurando e questionando a própria necessidade dos crimes contra a Ordem Tributária. Com isso, fica claro que o interesse único e exclusivo de arrecadação do Estado é ilegítimo no âmbito administrativo, não sendo considerado nem interesse público, quando dissociado de um interesse público primário, o que exatamente ocorre no caso dos crimes contra a Ordem Tributária, e não deve ser utilizado por nenhum ramo do direito, ainda mais pelo Direito Penal. Sobre a representação da coletividade pelo Estado na elaboração das leis, reconhece- se que o Estado possui tal legitimidade para a essa elaboração, contudo remetemos ao que foi dito na introdução do presente trabalho, em que as regras devem obediência e fundamentação nos princípios, algo que foi totalmente quebrado no caso concreto.
demonstrada e aceita pelos Tribunais Pátrios, inclusive o Supremo Tribunal Federal. O maior exemplo da aplicação da teoria fiscal é que o Supremo Tribunal Federal considera como condição objetiva para a ação penal a necessidade do trânsito em julgado administrativo, inclusive com influência para o inquérito policial e as medidas cautelares penais, como exemplo nos julgados sobre o assunto^4. Inclusive tal posicionamento de opção pela teoria fiscal no âmbito do Direito Penal em alguns momentos foi pacificada no Supremo Tribunal Federal com a Súmula Vinculante nº 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”. Esse é um exemplo da aplicação da teoria fiscal explicitada por Alaor LEITE vez que o crime contra a Ordem Tributária é autorizado no Brasil a criminalização pelo simples não pagamento de tributos, desconsiderando a necessidade de um engodo, fraude ou simulação contra o Fisco para caracterizar o seu delito, como visto na previsão dos tipos penais dos crimes contra a Ordem Tributária. Ora, essa é uma clara influência do pensamento exposto no âmbito do Direito Tributário (teoria fiscal) influenciando a interpretação de institutos exclusivamente penais. Na Alemanha, a Corte Suprema considerou a extinção da punibilidade pelo pagamento em matéria penal-fiscal (autodenuncia libertadora da pena) como inaplicável, com o fundamento de que uma pessoa não pode ser beneficiada por esse instituto apenas para um caso específico, parcialmente, mas que deveria se valer da extinção da pena pelo pagamento apenas se houvesse a “completa honestidade fiscal” (LEITE, 2011, p. 125), ou seja, somente depois de não haver mais nenhuma pendência com o Fisco, mesmo acessórias ou que não digam respeito ao crime investigado. Ou seja, para se valer de um instituto de cunho penal, deveria quitar suas dívidas com o Fisco previamente, algo totalmente avesso à lógica do Direito Penal. À primeira vista se pode considerar a extinção da punibilidade pelo pagamento na Alemanha um progresso para a teoria jurídico-penal, contudo na verdade foi um extremismo da teoria fiscal vez que não houve na decisão da Corte Suprema Alemã uma análise de conduta ou desvalor de ação, mas uma análise fiscal em uma esfera penal, em que foram considerados as técnicas de fiscalização e cooperação fiscal internacional para “dificultar” o (^4) STF, Pleno, Habeas Corpus 81.611, Relatoria Min. Sepúlveda Pertence. j. 10/12/2003. p. 13.05.2003; STF, Primeira Turma, Habeas Corpus 83.414/RS, Relatoria Min. Joaquim Barbosa. j. 23;04.2004. p. 23.04.2004; STF, Segunda Turma, Habeas Corpus 84.092, Relatoria Min. Celso de Mello. j. 22/06/2004. p. 03.12.2004; STF, Segunda Turma, Habeas Corpus 90.957, Relatoria Min. Celso de Mello. j. 11/09/2007. p. 19.10.2007; STJ, Habeas Corpus 89.023/MS, Relatoria Min. Jane Silva. p. 17.11.2008.
acesso a benesse da extinção da punibilidade pelo pagamento (LEITE, 2011, p. 126). Alaor LEITE conclui sobre a aplicação da teoria fiscal no Direito Penal que “sob a égide da teoria fiscal, argumentos teóricos valem muito pouco e a troca de roupa daquela teoria ocorre pelas mesmas razões que vestimos um casaco quando está frio e o retiramos quando está calor: por alterações climáticas” (LEITE, 2011, p. 127) e ressalta ainda que “a diferença da situação jurídica alemã em relação à brasileira é que, entre nós, o legislador tem menos pudor em matéria de direito tributário” (LEITE, 2011, p. 127). Assim, com essa observação sobre a grande influência da teoria fiscal no Direito Penal no Brasil, seja no Poder Legislativo, seja no Poder Judiciário, podemos concluir que a legislação brasileira em matéria penal-tributária não possui autonomia alguma da teoria fiscal e torna-se muitas vezes um braço punitivo para cobrança de tributos, como claramente está previsto no art. 2º, inc. II da Lei nº 8.137/1990, no qual se considera crime o “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. V. CONCLUSÃO Como visto, os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais contra a Ordem Tributária em sentido mediato são de caráter supraindividual, defendendo a Ordem Tributária e, por consequência, a Ordem Econômica. Por outro lado, os bens jurídicos tributários tutelados em sentido imediato são de caráter patrimonial (arrecadação) e institucional (fraude, dano e entre outros), sendo que a tutela unicamente da arrecadação é considerada ilegítima de defesa pelo Direito Administrativo, e, portanto, assim o deveria ser pelo Direito Penal. Dessa forma, o aspecto que deve ser ressaltado não seria a busca pela inconstitucionalidade dos crimes contra a Ordem Tributária por defenderem a arrecadação tributária em última análise, mas chamar a atenção para aquele que é considerado o “patinho feio” desses tipos penais: o sentido institucional do bem jurídico em sentido imediato. Ora, tal sentido institucional não significa apenas e exclusivamente o desrespeito ao ente estatal, é também o desrespeito à coletividade, à supraindividualidade dos bens jurídicos tributários em sentido mediato. O referido desrespeito e afronta à instituição do Estado e seu leviatânico Poder Estatal é também uma afronta a toda a sociedade e aos outros indivíduos que contribuem
fundamentais. Curitiba: Juruá, 2009. KRELL, Andreas J. Interesse público (primário) e interesses difusos no Direito Ambiental: o aspecto “político” de sua concretização. In: Revista de Direito Ambiental. [coord.] LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia. Ano 16. nº 63. jul-set. 2011. LEITE, Alaor. Abolição da chamada autodenúncia libertadora de pena no Direito Penal Tributário alemão. Breves observações por ocasião de uma recente e polêmica decisão. In: COSTA, Helena Regina Lobo da. [coord] Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo; Método, 2003. TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 3ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey,
ZAFFARONI, Eugênio Raul; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997,