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Baixe Borboletas da Alma Pg 152 387 final Drauzio Varella e outras Notas de estudo em PDF para Educação Física, somente na Docsity!
ça mundial da ciência americana já era inconteste nessa época, à crença ao pé da letra nas conclusões citadas se disseminou: a car- ne vermelha, os laticínios e a gema de ovo eram os assassinos do homem moderno! A indústria dos alimentos de baixos teores de gordura animal floresceu. Quando analisamos as informações científicas que serviram a aconselhar mudanças tão drásticas no estilo de ali mentação, no entanto, ficamos absolutamente surpresos: elas não permitem tirar as conclusões que foram apregoadas! Embora 50% dos infartos do miocárdio ocorram em pessoas com colesterol normal, não há dúvida de que pessoas com níveis mais altos de LD1. no sangue correm risco maior de doença coro nariana. Está demonstrado, também, que a redução do consumo de gordura ani mal faz cair os níveis de LDL. O que não está com- animal diminua a probabi de base par: provado é que ingerir menos gordura lidade de ter ataque cardíaco ou de viver mais tempo. Em outras palavras: até hoje, nenhum estudo epidemioló avaliar as consequências de uma dieta rica ou esca: a gico para em gordura animalna longevidade humana ou na prevalência de infarto do miocárdio conseguiu demonstrar relação de causa « efeito. Por exemplo, o célebre Nurses” Health Study [Estudo sobre Saúde de Enfermeiras] acompanhou, por vinte anos, mais de 50 mil enfermeiras que respondiam questionários periódicos sobre hábitos alimentares e problemas de saúde. O estudo, conduzido pela Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, envolveu o maior número de participantes acompanhados até hoje em qualquer trabalho sobre o tema, por tão longo período de tempo e com tanto rigor. A quantidade de gordura presente nas refeições diárias da 50 mil escolhidas foi tabulada com as enfermidades apresentadus por elas no período. Os resultados não demonstraram relação cn 152 Ea a aço ; Êo A de calorias ingerido sob a forma de gordura animal E ncidênci ga cidência de doença cardíaca. Esses dados obtidos pelo gru- E E ad Follow-up Study [Estudo de Acompanhamento , rofissionais da Saúde] e o Nurses” Health Study II. Juntos, os três estudos envolveram 300 mil pessoas, acompanhadas por ináio dez anos. As conclusões são as mesmas: mo jeto ricas em gorduras monoinsaturadas (como o óleo de Elivo) reduzem o risco de doença cardíaca. : * Dietas ricas em gorduras saturadas (como a carne vermelha) aumentam muito pouco o risco de doença coronariana, quan- do comparadas com dietas ricas em carboidratos, como ão. macarrão e doces. Outra surpresa foi a constatação de RE a gorduras presentes na margarina são bem menos saudáveis do que as contidas na manteiga. f É três estudos citados custaram aos National Institutes of th (wrr7), que os financiou, 100 milhões de dólares. Apesar do , nenhuma agência de saúde do governo deu publicidade aos ar a gordura animal devesse ser revista. Qlter Willet, da Universidade Harvard, um dos epidemio- A a Ru Fonorelear “escandalosa” essa atitude ofi- Ea u a política das agências de saúde americanas: a, eles dizem que há necessidade de provas de alto valor lífico para derrubar as recomendações vigentes de cortar gor- ! à dieta, o que é irônico, porque nunca houve provas de va- ra estabelecê-las”, Num dos artigos mais completos sobre o tema, na Science de | março de 2001, o autor, Gary Taubes, um dos editores da ia, afirma: “A convicção de que gordura na dieta mata, e sua 153 evolução de hipótese a dogma, é um exemplo no qual políticos, burocratas, a mídia e o público desempenharam o mesmo papel que os cientistas e a ciência”” Taubes analisou a incidência de doença cardíaca nos Estados Unidos nos últimos trinta anos. Verificou que desde o início da década de 1970, quando foram divulgadas as recomendações ofi- ciais para reduzir a ingestão de gordura animal no país, a morta- lidade por ataques cardíacos caiu. Como as calorias derivadas da gordura animal representavam 40% do total de calorias ingerid: nos anos 1980 e hoje correspondem a 34%, as autoridades da área de saúde insistem em que a redução das mortes deva ser atribuí- da aos novos hábitos alimentares americanos. Uma análise mais detalhada desses números, no entanto, foi publicada na revista de maior circulação mundial entre os clíni cos, The New England Journal of Medicine, em 1988. Nela, os au tores atribuem a queda dos índices de mortalidade por doenças cardíacas à melhora dos cuidados médicos no tratamento, não à redução do número de casos da doença. As estatísticas da American Heart Association [Associação Americana do Coração] dão suporte à observação anterior: entre 1979 e 1996, o número de procedimentos empregados no trata mento de doenças cardíacas aumentou de 1,2 para 5,4 milhões de intervenções por ano. Difícil atribuir à diminuição de gordura ani mala responsabilidade pela queda dos índices de mortalidade, quan do pontes de safena e colocação de stents nas coronárias se torna ram rotineiras. Uma das idéias a consolar as autoridades americanas que es tabeleceram as normas dietéticas atuais foi a de que 1 grama de gordura produz 9 kcal, enquanto a mesma quantidade de carboi drato ou proteina produz 4 kcal. Então, mesmo que a recomen dação de reduzir gordura animal falhasse na diminuição da incl dência de doença cardíaca, ela ainda estaria fazendo um bem, 154 aram: menos carne vermelha, menos calorias ingeridas, me- oro número de casos de obesidade, hipertensão e diabetes. As autoridades foram ingênuas; não levaram em conta a na- lliteza humana. A retirada de um alimento altamente calórico da eta não assegura redução do número total de calorias ingeridas, po Ene ele pode ser substituído por outros de menor conteúdo ca- úrico, mas ingeridos em quantidades maiores (carboidratos, prin- ffbtmente). A quantidade de energia diária que o corpo exige pa- j funcionar é decidida por mecanismos inconscientes, e cobrada Osaicamente de cada um de nós na forma de fome. Dominar o No já citado estudo, das 50 mil enfermeiras, metade foi exaus- amente orientada a consumir uma dieta na qualas calorias de- idas de gordura não ultrapassassem 20% do total ingerido dia- ente. Depois de três anos nesse regime espartano, as mulheres fato haviam perdido peso: um quilo, em média. Nos últimos vinte anos, enquanto o consumo de gordura al caiu de 40% para 34% na população americana, a preva- feia de obesidade aumentou de 14% para mais de 22%, Ao la- dela, cresceram os casos de diabetes e hipertensão arterial. dados conduzem às seguintes suspeitas: Dietas mais pobres em gordura não levariam à obesidade? * Adiminuição da atividade física provocada pelo aumento da aa corpórea não aumentaria mais ainda o risco de doen- “qa cardíaca? “Daumento do número de casos de diabetes e hipertensão li- Bados à obesidade não seria uma das razões da alta incidên- * Cla dos ataques cardíacos do homem moderno? 155 intitulada: “Lamentamos, mas o colesterol mata”. A conclusão, re- sultante de meias-verdades científicas, ganhou a imprensa. Com o advento das estatinas, drogas capazes de reduzir dra maticamente os níveis de colesterol, estudos confirmaram que o uso desses medicamentos diminui discretamente a incidência de doença coronariana e prolonga a vida daqueles que têm risco al- to de infarto do miocárdio. Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento cientí- fico, entretanto, sabe que a eficácia de uma abordagem medica- mentosa sobre qualquer parâmetro bioquímico do sangue ja- mais pode ser extrapolada para intervenções dietéticas sem a realização de estudos comparativos que envolvam milhares de par ticipantes acompanhados criteriosamente durante muitos anos para que o número de eventos finais adquira significância esta- tística. O rm calcula que um estudo com tais características custa- ria pelo menos 1 bilhão de dólares, quantia que nenhum país es- tá disposto a investir. Muitas das idéias que deram origem às normas para cortar gordura animal na dieta nasceram da epidemiologia comparada Desde os anos 1950, sabemos que finlandeses e escoceses, por exemplo, que ingerem dietas ricas em leite e carne vermelha, são vítimas de altos índices de ataques cardíacos. A dieta tradicional japonesa, rica em peixe, teria efeito protetor e explicaria a baixa incidência de ataques cardíacos no Japão. Tal lógica, no entanto, sempre encontrou. sérias contradi ções: * Os franceses, por exemplo, consomem muita manteiga, cre me de leite, queijos e carne, mas apresentam baixos índices de doença coronariana. Esse fenômeno, o “paradoxo fran 158 cês”, tem sido atribuído ao consumo de vinho tinto, óleo de oliva, fatores genéticos, tamanho das porções da cozinha francesa etc, Mais contundente ainda do que o paradoxo francês é o caso dos povos do sul da Europa que vivem no Mediterrâneo. Com a melhora das condições econômicas após a Segunda Guerra, essas populações fizeram como outras na mesma situação: au- mentaram o consumo de carne, leite e queijos. O que acon- teceu com a mortalidade por doença cardíaca? Diminuiu! Caiu proporcionalmente ao crescimento do consumo de gordu- ra. O mesmo está acontecendo com a ocidentalização atual da dieta no Japão, ao contrário do que se supôs. Num trabalho realizado na cidade francesa de Lyon, 605 pes- soas que sobreviveram a ataque cardíaco prévio foram tra- tadas com medicamentos para reduzir os níveis de coleste- role divididas em dois grupos de acordo com a dieta adotada. O primeiro foi aconselhado a manter uma dieta semelhante à recomendada aos americanos, com redução drástica da quantidade de gordura animal. O segundo adotou uma die- ta do tipo mediterrâneo: mais cereais, pão, legumes e frutas, peixe, sem exagero de carne vermelha. Nas duas dietas, o conteúdo de gordura animal ingerido diariamente variou de forma significativa: os que seguiram o padrão mediterrâneo consumiram em média quantidades maiores. Apesar disso, os níveis de colesterol total, HDL c LDL, permaneceram idên- ticos. Quatro anos mais tarde, os resultados indicavam a ocorrência de 44 ataques cardíacos na dieta americanizada, contra catorze na dieta mediterrânea. Classicamente, no caso dos povos do Mediterrâneo, o bene- vio tem sido atribuído ao uso do óleo de oliva. Essa conclusão | aceita sem questionamento pelos médicos e divulgada para o 159 grande público como verdade científica. Tanto que a maioria das dietas para reduzir colesterol prescreve uma ou duas colheres de azeite de oliva diárias. A influência do óleo de oliva na prevenção de infarto, porém, está longe de ser esclarecida. Dimitrios Tricho- poulos, epidemiologista de Harvard, sugere que o paradoxo dos povos mediterrâneos talvez esteja além do óleo de oliva, e pergun- 's povos usam o azeite? Para temperar saladas e ta: “Para que ess cozinhar legumes. Como essas populações ingerem cerca de meio quilo de vegetais por dia, em média, quem garante que não sejam eles os responsáveis pela proteção?” Pelo mesmo raciocínio poderíamos perguntar se finlandeses scoceses, povos que vivem em lugares gelados, inóspitos para a g produção de vegetais, não teriam tantos infartos pela falta destes na dieta, e não pelo excesso de gordura. Gary laubes, no site do Departamento de Agricultura ame. ricano, na seção Nuirient Database for Standard Reference [Banco de Dados Nutricionais Para Referência Padrão], encontrou a com posição de uma chuleta (1-bone) rodeada por uma camada gene rosa de meio centimetro de gordura. De acordo com es dados, de pois de grelhada a chuleta é composta por porções iguais de gordura e proteína: metade de cada. O autor caracteriza assim a composição da parte gordurosa da chuleta: “51% dela é gordura monoinsaturada, da qual virtualmente tudo é o saudável ácido olci co — o mesmo do óleo de oliva; 45% é gordura saturada, pouco saudável, mas um terço dela é ácido esteárico, componente no mi nimo inofensivo, Os restantes 4% do total são gordura poliinsa turada, que também melhora os níveis de colesterol”, A análise da composição deixa claro que uma chuleta não che ga a ser uma arma tão mortal quanto nos fizeram crer. Taubes [1/ as contas: “Bem mais do que metade — e talvez até 70% — do con teúdo gorduroso contribuirá para melhorar os níveis de coleste 160 “Tol. Os 30% restantes vocarã j : Hs provocarão aumento do rpr. (colesterol mau"), mas também aumentarão o bom' colesterol (DL). Se em lugar da chuleta a pessoa ingerisse pão, macarrão ou 4 batata”, continua Taubes, “seus níveis de colesterol ficariam pio- tes, embora nenhuma autoridade de nutrição tenha coragem de dizer isso publicamente? ú Neste momento, a relação gordura versus carboidrato ocupa Posição central no debate entre pesquisadores, A célebre pirâmi- de nutricional que as autoridades de vários países — entre eles o Brasil — adotaram, com a base larga para indicar os vegetais que “devem ser ingeridos em abundância, a parte intermediária refe- Tente aos carboidratos que podem ser ingeridos com liberalida- dle, e o topo da pirâmide que corresponde à gordura animal a ser ic de forma muito restrita, tem sido questionada, Alguma isa precisamos comer. Se não for carne, o que será? A lógica é cristalina: dificilmente substituímos o bife do jan- T por tomates ou cenouras. A carne costuma ser trocada porcar- Didratos. Dietas com baixo teor de gordura animal quase sem- Je são fartas em pão, macarrão, tortas e doces. or razões mal conhecidas, temos mais dificuldade para li- lar a ingestão de carboidratos do que a de gordura. Se dificil- te poderíamos comer duas Picanhas no almoço, pão, macar- e doce nós ingerimos em quantidades muito maiores. Pior, rimos esses alimentos bem mais rapidamente. a digestão dos carboidratos, o Pâncreas é solicitado a pro- insulina, para quebrá-los em açúcares mais simples que vão tocados nos depósitos naturais do organismo. Enquanto os res complexos contidos em frutas e vegclais aparecem na cir- Igo sanguínea em concentrações que aumentam lentamente ida que vão sendo absorvidos pelo tubo digestivo, alimen- imo pão, arroz e doces dão origema picos n ente depois de ingeridos. a circulação ime- 161 O próprio colesterol e outras gorduras são componentes es- senciais das membranas das células. Mudanças bruscas na propor- ção de gorduras saturadas e insaturadas na dieta podem modifi- car a composição dessas membranas. Essas alterações interferem nos mecanismos de transporte de todas as substâncias que entram ou saem das células: fatores de crescimento, hormônios, bactérias, vírus e agentes cancerígenos. Como consegiiência, da composição gordurosa da membrana celular dependem processos como nu- trição, resposta imunológica, produção de hormônios, condução de estímulos através dos neurônios, envelhecimento e apoptose, a morte celular programada. Como lidar com informações tão contraditórias? À luz dos conhecimentos atuais, é mais sensato pensar o seguinte: * Aqueles com LDL -colesterol muito elevado provavelmente se beneficiariam do corte no consumo de gordura animal. As re comendações oficiais para eles são de que o consumo de ca lorias derivadas da gordura não ultrapasse 10% do total de calorias ingeridas. Não esquecer, no entanto, que uma inter ferência dietética dessa radicalidade costuma reduzir em ape nas 10% os níveis de LDL, O que pode não ser suficiente para colocar a pessoa fora de risco. Se alguém com 250 de LDI [14 uma dieta vegetariana, e esse número cai para 225, o risco pol siste apesar da queda. Nesse tipo de situação parece mais rt zoável usar medicamentos que reduzem as taxas de LDL cit 30% e permitir certa liberalidade dietética. Para a grande maioria das pessoas portadoras de níveis nor mais ou pouco aumentados de LDL, é fundamental deixar claro que para elas o impacto dos níveis de colesterol no rim co de doença cardíaca é pequeno. O efeito da dieta nos nl ientifiod veis de colesterol também. Não há demonstração 164 Morrer mais cedo, Emb ão ha na não haja respostas definitivas, numa dieta rica em vegetais. ataques cardíacos, tos ricos em micro vale a pena apostar ú que talvez ajudem a prevenir Se tio 9 fizerem, pelo Menos são alimen- Nutrientes essenciais, que ajudam o fun cionam E i ento do aparelho digestivo e têm conte a údo calórico É Mportante lembrar que reduzir o total calorias ingeri d s o Parece ser, em toda à escala animal, a única e: tratégia capa stratég) Pp: d, s capaz entar a longevidade, O corpo as diárias, "Be um número mínimo de calor das da cenoura ou do bacon. Uma diet, à sem excesso de calorias ai e calorias ajud i ã i E aa prevenir di Ertensão, obesidade, resistência à insulina e a sexual, ataque cardíaco, ças degenerativas, não interessa se re- »Teumatismo, impo- derrame cerebral, Não está bom? câncer e outras Inimigo traiçoeiro São Paul o, 2 i estamos cada vez mais obesos; no Brasil tam uisa conduzi i E duzida pela Secretaria Estadual da Saúde mo: orze úme) M anos, o número de homens obesos na cidade ulheres o aumento foi Pouco menos alar- mens com idade entre quinze e 59 o no período 2001 a 2002. Os e suas cinturas medidas realizados entre mulheres e hom anos: o primeiro em 1987, e o outr participantes tiveram a circunferência d à altura do umbigo, e o peso corpóreo anotado Índice de Massa Corporal (mc). O 1Mc é um índice que se calcula dividindo-se o peso pela al- quadrado (imc = peso | altura x altura). (Ganassi eramos obesas as pessoas com IMC superior a 30, de sobrepeso aquelas com IMC na faixa entre para o cálculo do tura elevada ao camente, consid e como portadoras 25:€29,9. a Em 1987, no primeiro inquérito, 6,1 % dos homens paulista- nos eram classificados como obesos; em 2001-2002, a porcenta- gem subiu para 12,4%. Já para as mulheres, os índices foram de 9,3% para 15%, respectivamente. Nesses catorze anos, o número de home 3% para 35,5%. Entre as mulhe- ns com 1Mc na faixa do sobrepeso aumentou de 28, res, diminuiu de 27,8% para 22,9%. , q “Tomados em conjunto, às índices mostram que 48% dos ho mens e 38% das mulheres paulistanas estão acima da faixa de pe so saudável. Engordar não é privilégio dos paulistanos, entretanto. De ses com sobrepeso duplicou nas ndo a Organização Mundial 1 bilhão de adultos com 1989 a 1997,a proporção de chine mulheres e triplicou nos homens. Segui da Saúde (oms), há no mundo mais de sobrepeso, e 300 milhões com obesidade. | . Por aumentar o risco de diabetes, hipertensão arterial, jar as articulares, distúrbios psiquiátricos ças cardiovasculares, doenç; a oms considera a obesidade uma das e de certos tipos de câncer, dez maiores ameaças à integridade da saúde no mundo, e uma dar ali ente cinco principais nos países industrializados. Estudo recente” com duzido pelo Rand Institute concluiu que a obesidade está mais In 166 timamente ligada ao aparecimento de doenças crônicas do que vi- ver na pobreza, fumar ou beber. Os autores desse estudo calculam “que o fato de ser obeso implica envelhecimento precoce equiva- lente a vinte anos. Sendo os seres humanos primatas racionais e a vida o bem su- premo, o lógico seria esperar que — convencidos dos malefícios “da obesidade e da vida sedentária — adotássemos a frugalidade à mesa e puséssemos os músculos para trabalhar diariamente. — Defato,as evidências científicas parecem incontestáveis: bas- tam trinta minutos por dia em passo acelerado para cortar a chan- ve de ataque cardíaco pela metade. Trinta míseros minutos, num a de 24 horas! Quanto à dicta, o corte de trezentas calorias diárias durante ez anos, rigorosamente, pode representar a perda de dez a doze uilos de gordura corpórea no decorrer desse período. Trezentas orias são o terceiro bife, a barrinha de chocolate, a latinha de rveja a mais. Coisa irrisória de cortar; mas tarefa sobre-huma- no cotidiano da imensa maioria. Vistos no passado como indivíduos preguiçosos e glutões, os esos são considerados pela medicina moderna como portado- de genes que favorecem a obesidade num ambiente de fartu- alimentar. Na verdade, a herança da tendência à obesidade não d ferente daquela que explica por que existem pessoas altas e ou- de baixa estatura, * Os genes envolvidos na obesidade controlam a produção de léculas que, por meio de mecanismos neuroendócrinos, regu- o balanço energético do organismo. - Para dar idéia da complexidade desse equilíbrio, basta lem- ir que uma pessoa ingere em média 10 milhões de calorias du- ie uma década. Se pretender manter o peso constante nesse lodo, ela será obrigada a ingerir no máximo 0,17% de calo- | 1 mais ou a menos desse total. Isto é, não deve ficar aquém 167 mo modo, fatores ambientais predispõem ao ganho de peso exa gerado depois do nascimento. Dois estudos demonstraram que bebês amamentados com ma madeira correm mais risco de desenvolver obesidade no futuro, A explicação pode estar relacionada à existência de algum com ponente protetor presente apenas no leite materno, à preferência pelo paladar ou à interferência de mecanismos psicológicos nos centros de saciedade do bebê. O índice de massa corpórea (peso dividido pela altura ao qua drado) diminui do nascimento até os cinco ou seis anos de ida de, para depois aumentar gradualmente até a adolescência. Quando fatores ambientais, como falta de atividade física e dietas de alto conteúdo calórico, provocam aumento de peso que subverte essa regra geral, surge predisposição à obesidade na vida adulta. A falta de atividade fisica da criança urbana é considerada pe- los especialistas uma das principais causas da epidemia de obesi dade infantil que se dissemina em diversos países, inclusive no nos- so, Um trabalho realizado na Cidade do México mostrou que o risco de obesidade cai 10% para cada hora de atividade física de intensidade moderada ou intensa praticada diariamente pela crian- ça. Estudo semelhante conduzido na Carolina do Sul chegou à mes ma conclusão: crianças mais ativas são mais magras do que aque- las que se movimentam pouco. O número de horas que a criança passa diante da Tv, entre- tida com programas infantis ou videogames, está diretamente li- gado ao aumento de peso. O trabalho realizado na Cidade do México identificou um aumento de 12% no risco de desenvolver obesidade para cada hora por dia na frente da vv. Os autores con- cluíram que a 'v aumenta o risco de obesidade não só por des- viar a criança das atividades físicas, mas por induzir à ingestão de alimentos mais calóricos. Pesquisadores americanos e ingleses contaram o número de clais na televisão que anunciam doces, balas, chocolates, re- tes, biscoitos e outros alimentos de conteúdo energético do e chegaram à conclusão de que nos seus países cada crian- fica exposta a dez desses comerciais por hora. Outro trabalho mprovou que crianças de três a cinco anos submetidas a esse imbardeio diário dos anunciantes costumam escolher as gulo- imas apregoadas por eles quando são oferecidas como opção fru- | € outros alimentos mais saudáv Há grande discussão na literatura médica a respeito da com- sição ideal da dieta pediátrica. Nos últimos trinta anos, o con- mo de gordura animal tem sido diretamente responsabilizado o só pelo aumento de peso entre os adultos como pela epide- ja de crianças obesas. A idéia parece ter lógica porque as gordu- tas são alimentos de alta densidade energética (1 grama de gor- dura produz 9 kcal, enquanto 1 grama de açúcar ou proteína produz 4 Kcal). Os dados epidemiológicos, no entanto, falharam sistemati- - camente na comprovação dessas teorias em crianças e adolescen- tes — e também nos adultos. Ao contrário, a epidemia de obesi- dade pediátrica se disseminou nos Estados Unidos apesar da redução do conteúdo de gordura na dieta das crianças america- nas ocorrida nos últimos vinte anos. A diminuição do número de calorias derivadas de gordura animal costuma ser compensada por um aumento significante do consumo de carboidratos pelas crianças: pães, doces, chocolates, refrigerantes, salgadinhos e balas passaram a ser ingeridos em quan- tidades sem precedentes na história da humanidade. Esses alimentos de alto índice glicêmico provocam súbitos aumentos pós-prandiais da concentração de moléculas de glico se na corrente sanguínea. Em resposta, o pâncreas secreta quan- tidades elevadas de insulina para quebrá-las c armazená-las sob a forma de glicogênio. Armazenadas, as moléculas de açúcar de- 171 saparecem da circulação e os centros da fome são ativados nova- mente. A prevenção à obesidade é de extrema importância para o de- senvolvimento da criança. Chegar à vida adulta com excesso de gordura no corpo, além de aumentar o risco de várias doenças, dá início a uma batalha sem fim contra a balança. Uma afirmação de consenso dos National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde], dos Estados Unidos, ilustra como pode ser inglória es- sa luta: “Adultos que participam de programas de emagrecimen- to podem esperar uma perda de apenas 10% do peso corpóreo, no máximo. Cerca de 50% dessa perda são repostos em um ano, e virtualmente todo o resto é recuperado em cinco anos”. Uvas, vinhos c longevidade “Para viver mais, é preciso comer menos” Comecei com es- sa frase uma conferência sobre o papel da restrição calórica na lon- gevidade dos seres vivos, fenômeno demonstrado em ratos de la- boratório pela primeira vez na década de 1930. De fato, nessas pesquisas iniciais verificou-se que ratos sub- metidos a dietas de baixo conteúdo calórico viviam até 40% mais do que ratos alimentados ad libitum (liberados para comer quan- to desejassem). Essa relação inversa entre a quantidade de calo- rias ingeridas e o número de dias vividos foi mais tarde confir- mada em fungos, moscas, mosquitos, vermes, aranhas, sapos e peixes. Experimentos mais recentes sugerem a validade dessa as- sociação até em macacos, que são primatas, como nós. Partindo do princípio de que a natureza não demonstra in- q É — feresse em favorecer a sobrevivência de qualquer espécie, e de que a evolução não criou nenhum mecanismo exclusivo para benefi- ciar ou prejudicar a espécie humana, na palestra acrescentei ser altamente provável que uma dieta pobre em calorias também re- tardasse o envelhecimento e prolongasse a vida humana. Nesse momento, numa das cadeiras da frente, um rapaz de rosto redondo e corpo avantajado reclamou: “Se for para viver so- frendo, prefiro morrer mais cedo!” Para consolo dos que concordam com essa filosofia, as bases moleculares que explicam o mecanismo pelo qual a restrição ca- lórica retarda o envelhecimento têm sido esmiuçadas nos últimos anos, e levaram a conclusões surpreendentes, segundo revisão pu- blicada por Stephen Hall, autor do livro Mercadores da imorrali- dade Nessa linha de trabalho, pesquisadores da Universidade Har- vard demonstraram que algumas pequenas moléculas presentes nos vegetais conseguem mimetizar os efeitos da restrição calóri- ca, prolongando o tempo de vida de certos fungos em até 70%, e protegendo células humanas dos efeitos letais das radiações ioni- zantes. Tais moléculas pertencem à família dos polifenóis, subs- tâncias encontradas em uvas, vinho tinto, óleo de oliva e outros alimentos. Estudos realizados no Massachusetts Institute of lechnology (mir), em Boston, permitiram demonstrar que essas moléculas agem nos fungos por meio da ativação de um gene chamado sir2. Aativação desse gene resulta em aumento da longevidade do fun- go. E mais: se retirarmos o gene siR2 do fungo e o submetermos a restrição calórica, não acontece o esperado aumento de longe- vidade, demonstrando ser esse gene essencial ao controle de du- ração da vida. Mecanismo semelhante parece ocorrer igualmente em ver- mes e nas drosófilas. Em células humanas também, graças à ação 173 PARTE II A SAÚDE NO COTIDIANO Azia: sintoma de mal crônico Cerca de 10% dos adultos sofrem de azia quase todos os as, e de 35% a 40% apresentam ocasionalmente esse sintoma. azia é o sintoma mais característico de refluxo do suco gástri- O para o esôfago (refluxo gastroesofagiano). A sensação de azia ju “queimação costuma surgir nas duas primeiras horas depois refeição — especialmente quando a pessoa se deita —, e me- ora com antiácidos. Os sintomas incluem os casos clássicos de queimação no tra- eto do esôfago e gosto ácido na boca, até crises de asma noturna, tosse e dores no peito que simulam ataques cardíacos. Além des- ses, podem surgir outros consegiientes a complicações do reflu- xo: ulcerações no esôfago, diminuição do diâmetro esofágico cau- sada por cicatrização de úlceras, e o chamado csólago de Barrett, caracterizado por alterações específicas da mucosa do órgão e au- mento do risco de câncer. O diagnóstico de refluxo é geralmente estabelecido por meio da endoscopia, seguida ou não de biópsia da mucosa do esófago para documentar sinais de inflamação. Cerca de 50% das pessoas com queixa de azia, no entanto, não apresentam alterações infla- matórias sugestivas de esofagite. Por isso, o teste de monitorização do pH esofágico durante 24 horas é considerado o exame definitivo para o diagnóstico de refluxo. Se o aparelho acusa uma queda no pH no instante em que surgem sintomas, o refluxo está caracterizado mesmo que a en- doscopia esteja normal. À tendência moderna é considerar o refluxo como doença crô- nica. Seus sintomas podem desaparecer com o tratamento, mas cos- tumam retornar rapidamente com sua interrupção. Mudanças do estilo de vida podem aliviar significativamen- 179 da longevidade, é cada vez mais comum o aparecimento de qua- dros neuropsiquiátricos caracterizados pelas seguintes manifes- tações: Falta de memória para acontecimentos recentes. Repetição da mesma pergunta várias vezes. Dificuldade para acompanhar conversas ou pensamentos complexos. Incapacidade de elaborar estratégias para a resolulação de pro- blemas. Dificuldade para dirigir automóvel e encontrar caminhos conhecidos. Dificuldade para encontrar palavras que exprimam idéias ou sentimentos pessoai Irritabilidade, suspeição injustificada, agressividade, passi- vidade, interpretações equivocadas de estímulos visuais ou au- ditivos, tendência ao isolamento. Pessoas que apresentem manifestações como essas devem ser acompanhadas de perto, porque uma parcela significativa delas evolui para quadros mais graves. A perda progressiva de memó- ria associada ao envelhecimento é característica comum a um con- junto de patologias que a medicina classifica como demências (termo que nada tem a ver com loucura), das quais a doença de Alzheimer é a mais prevalente. A incidência de quadros demen- ciais aumenta com a idade: aos setenta anos, já acometem entre 10% e 15% da população; aos noventa anos, entre 50% e 60%. Estima-se que haverá 22 milhões de portadores desse mal em 2025, no mundo. A doença de Alzheimer instala-se quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar erra- do. Surgem, então, fragmentos de proteínas mal cortadas, tóxicas, 182 no interior dos neurônios e nos espaços existentes entre eles. Co- Jade, ocorre perda progressiva de neu- rônios em determinadas regiões do cérebro, como o hipocampo, mo consegiência dessa toxi importante no controle da memória, e o córtex cerebral, essen- cial para a linguagem e o arrazoamento, memória, reconhecimen- to de estímulos sensoriais e pensamento abstrato. As primeiras ma- nifestações da doenç: lapsos de memória que podem passar despercebidos durante anos, até a pessoa esquecer o endereço de casa ou estranhar a fisiono- mia de um filho. ão insidiosas, caracterizadas por pequenos Estudos publicados na década de 1980 mostraram que a pro- teína (tau) que se acumula dentro dos neurônios dos pacientes com Alzheimer é diferente da que se acumula nos espaços existentes entre eles (beta-amilóide). A proteína beta-amilóide se deposita em placas que causam destruição de neurônios por criar proces- so inflamatório crônico nas regiões afetadas, interferir na regula- ção de cálcio — essencial para a condução dos estímulos nervo- sos — e aumentar a produção de radi s livres, tóxicos para as células nervosas. Certas famílias apresentam prevalência mais alta da doença de Alzheimer, mas podem surgir casos esporádicos em famílias que nunca os apresentaram. Cerca de 10% a 60% dos pacientes com histórico familiar da doença referem instalação precoce e evolu- ção rápida dos sintomas. Neles, foram descritas mutações de ge- nes presentes nos cromossomos 1 e 14. Nas formas de Alzheimer que se instalam mais tardiamente parecem estar envolvidos ou- tros genes, ligados à apolipoproteína E, envolvida no transporte de colesterol e na reparação de defeitos celulares. A doença de Alzheimer costuma evoluir de forma lenta e ila en- inexorável. A partir do diagnóstico, a sobrevida média os tre oito e dez anos. O quadro clínico pode ser dividido em quatro 183 Estágio 1 (forma inicial): Alterações na memória, na perso- nalidade e nas habilidades visuais e espaciais. Estágio 2 (forma moderada): Dificuldade para falar, realizar tarefas simples e coordenar movimentos; agitação e insônia. Estúgio 3 (forma grave): Resistência à execução de tarefas diárias; incontinência urinária e fecal; dificuldade para comer; deficiência motora progressiva. Estágio 4 (terminal): Restrição ao leito; mutismo; dor à de- ntercorrentes. glutição; infecções Os conhecimentos acuntulados nos últimos dez anos de pes- quisas sobre a doença de Alzheimer permitem esperar para breve o aparecimento de tratamentos mais eficazes. Estão sendo desen- volvidos compostos que bloqueiam as enzimas responsáveis pelo mau processamento da proteína beta-amilóide. Outras linhas de pesquisa procuram minimizar os efeitos tóxicos dessa proteina com a administração de drogas antioxidantes, antiinilamatórios e mo- léculas que dissolvam os acúmulos patológicos que ela produz. Dale Schenck e colaboradores, da Elan Pharmaceuticals de São Francisco, estão testando uma vacina contra as placas de proteína beta-ami- lóide. Embora esses tratamentos ainda estejam em fase puramen- te experimental, começam a surgir as primeiras evidências de que a doença poderá ser controlada. Além disso, estudos mostram que o estilo de vida pode ser um fator importante para evitar a doença. Ainda na década de 1970 foi aventada a hipótese de que as atividades intelectuais, ao aumen- tar o número ea versatilidade das conexões (sinapses) entre os neu- rônios, criariam uma espécie de reserva cognitiva passível de ser utilizada na velhice, Em 1977, um grupo do St. Lukes Medical Center, de Chicago, estudando 642 idosos, demonstrou que cada ano de escolaridade formal reduziria o risco de desenvolver Alzheimer em 17%. 184 O resultado levou o mesmo centro a acompanhar, a partir de 1995, um grupo de padres e freiras submetidos periodicamen- te a uma bateria de dezenove testes de avaliação da capacidade in- telectual. Em 2003, depois de analisar 130 cérebros dos religiosos falecidos, os autores concluíram que a presença das placas no sistema nervoso — características da enfermidade — não guar- dava relação com os níveis de escolaridade. Mas a bateria de tes- tes aplicados em vida indicava que as habilidades cognitivas eram preservadas por mais tempo nos religiosos mais instruídos. Neles, a doença só se manifestava quando eram encontradas cinco ve- zes mais placas do que nos demais. Com os mesmos objetivos, um grupo da Universidade de Minnesota conduziu o célebre “Estudo das freiras”, no qual foram analisados ensaios biográficos em que 678 freiras nascidas antes de 1917 haviam escrito ao ser admitidas no convento, aos vinte anos. As irmãs com menor versatilidade lingúística naquela épo- ca desenvolveram Alzheimer mais precocemente e, ao morrerem, seus cérebros exibiam as placas características da enfermidade. Inquéritos populacionais conduzidos em São Paulo pela Uni- fesp encontraram maior prevalência de demências entre os anal- fabetos c os que não haviam concluído o primeiro grau. Da mes- ma forma, em L09 pares de gêmeos idênticos matriculados no “Registro sueco de gêmeos”, nos quais apenas um dos irmãos de- senvolveu demência, o gêmeo saudável, estatisticamente, havia estudado mais tempo. Trabalho realizado pelo grupo de Robert Friedland” de- monstrou que não apenas a leitura, mas simples passatempos co- mo a montagem de quebra-cabeças ou a prática de palavras cru- zadas são atividades capazes de proteger o cérebro. Ao contrário, vários estudos concluíram que assistir televisão está associado ao efeito oposto: aumenta a probabilidade de Alzheimer. Num inqué- rito conduzido entre 135 portadores da doença, comparados a 331 185 ganismos pudessem estar envolvidos no desenvolvimento da doen ça: citomegalovírus, Helicobacter pylori e Chlampydia pneumonia. À infecção pelo citomegalovírus, com ou sem sintomas, é mui to comum em seres humanos. O vírus pode alterar o metabolis mo do colesterol e ativar fatores envolvidos na coagulação e na pro dução de proteínas que atuam no processo inflamatório crônico característico das placas de ateroma, Vários estudos sugerem uma relação entre infecção prévia pelo vírus e o aparecimento de no vas placas nas artérias em pacientes submetidos à revasculariza- ção coronariana (ponte de safena). Como a maioria dos adultos é portadora de anticorpos contra o vírus, entretanto, a interpre- tação desses resultados é inconelusiva. O Helicobacter pylorié uma bactéria parasita do trato gastrin lestinal causadora de gastrites e úlceras. Provoca uma infecção crô- nica que libera proteinas capazes de disparar reações no revesti- mento interno dos vasos e levar à formação da placa. Desde 1994, foram publicados vinte estudos, dos quais pelo menos dez mos- traram que a infecção por essa bactéria duplica o risco de doen ça coronariana. Os demais não encontraram relação significante. A bactéria nunca foi isolada no interior das placas de ateroma. A Chlamydia pneumoniae é uma bactéria responsável por cerca de 10% das preumonias adquiridas na comunidade. Depois dos trinta anos, 50% das pessoas têm anticorpos contra ela; de- pois dos setenta anos, esse número sobe para 80%. Desde que um estudo finlandês publicado na metade dos anos 1980 demonstrou que homens com doença coronariana crônica apresentavam con- centrações mais altas de anticorpos contra o germe, diversos tra- balhos procuraram comprovar a ligação entre os dois eventos. Pelo menos dezoito estudos confirmaram a existência da relação. Além disso, em diversas oportunidades a bactéria foi isolada de placas no interior de artérias obstruídas (o que não comprova definiti- vamente seu papel na gênese da placa). 188 Sandeep Gupta e colaboradores publicaram estudo condu- lo entre 220 homens recém-infartados dos quais alguns foram jedicados com um antibiótico (azitromicina) ativo contra Chla- Iydia? Houve diminuição importante de complicações cardio- gicas no grupo tratado. Outro trabalho similar, porém, com uso O antibiótico por período mais prolongado (três meses), não onseguiu obter os mesmos resultados. No momento, há dois es- udos de larga escala (WIZARD e ACES) procurando estabelecer a “relação entre o uso de azitromicina e o aparecimento de compli- cações cardiovasculares em 7500 pessoas portadoras de doença co ronariana. A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica que evo- . Há evidên- cias cada vez mais claras de que um agente infeccioso possa de- lui com formação de placas no interior das artéri: sempenhar papel importante na gênese dessas placas que obstruem “as artérias. Embora germes como a Chlamydia tenham sido iso- lados nas placas, isso não prova a relação de causa e efeito. Teoricamente, o microrganismo pode ser um simples parasita da * placa formada sob influência de fatores que nada têm a ver com * ele. Considerado o grande número de participantes, os resultados dos estudos WIZARD e ACES são aguardados com ansiedade pela comunidade científica. Por meio deles, talvez a relação infecção- inflamação-aterosclerose seja claramente estabelecida. Então, quem "sabe preveniremos infartos e derrames cerebrais com antibióticos. Dengue A dengue é causada por um arbovírus da família Flaviridae, transmitido de uma pessoa à outra via um hospedeiro interme- diário,o Aedes aegypti, mosquito peridoméstico que vive cerca de trinta dias e se multiplica em depósitos de água parada, acumu- lada nos quintais e dentro das casas. Apesar da vida curta, ele é vo- raz: pode atacar uma pessoa a cada vinte ou trinta minutos, Quando o mosquito pica alguém infectado, o vírus se insta- la e se multiplica em suas glândulas salivares e no intestino. Daí em diante, o inseto permanece infectado pelo resto da vida. A transmissão vertical, isto é, do mosquito-mãe para os fi- lhos, também foi documentada. Existem quatro tipos diferentes de vírus da dengue: soroti- pos 1,2,3€e4. Sua estratégia de sobrevivência nos períodos entre uma-epi- demia e outra é mal conhecida. Na Malásia e nos países do oeste da África foram encontrados macacos infectados que eram ver- dadeiros reservatórios naturais da doença. Os ovos do mosquito podem sobreviver um ano em ambiente seco enquanto esperam a estação seguinte de chuvas para formar novas larvas. A grande maioria das infecções é assintomática. Calcula-se que em cada dez pessoas infectadas apenas uma ou duas fiquem doen- tes. Portanto, na hipótese de uma epidemia com 10 mil casos de dengue diagnosticados, existirão cerca de 100 mil infectados que poderão transmitir o vírus para os mosquitos que os picarem. Quando surgem, os sintomas costumam evoluir em obe- diência a três formas clínicas: dengre clássica, forma benigna, si- milar à gripe; dengue hemorrágica, mais grave, caracterizada por alterações da coagulação sanguínea; e a chamada síndrome do cho- 190 que associado à dengue, forma raríssima, mas que pode levar à mor- te se não houver atendimento especializado. O período de incubação (da picada ao aparecimento dos sintomas) geralmente dura de dois a sete dias, mas pode chegar a quinze. A intensidade dos sintomas geralmente é mais leve nas crian- ças do que nos adultos. A doença é de instalação abrupta, indis- tinguível dos quadros gripais: febre intermitente de intensidade variável (que pode chegar a 39º C e provocar calafrios), cefaléia, , pernas e articulações. dores na região atrás dos olhos, nas cos Muitos pacientes se queixam de dor ao movimentar os olhos, can- saço extremo e fraqueza muscular gencralizada. Insônia, náuseas, perda de apetite, perversão do paladar e da sensibilidade da pele são frequentes. Paringite e inflamação da mucosa nasal ocorrem em 25% dos casos. Eritema pode surgir no primeiro ou segundo dia: a verme- lhidão se instala no tronco e se espalha para os membros, poupan- do palmas das mãos c planta dos pés. Bradicardia (diminuição da frequência dos batimentos do coração) é encontrada em 30% a 90% dos casos. A doença costuma scr bifásica: dois ou três dias depois de sur- girem, os sintomas regridem e a febre cai. Outros dois ou três dias se passam e a sintomatologia retorna, geralmente menos intensa. O eritema fica mais nítido e surgem ínguas no pescoço, fossa su- praclavicular e regiões inguinais. Em poucos dias, o eritema re- gride e a pele eventualmente chega a descamar. A apresentação bifásica pode não ser nítida, nem é obrigató- ria. As duas fases, juntas, duram tipicamente de cinco a sete dias, mas a doença pode deixar um rastro de fadiga e depressão que per- manece por diversas semanas. Na forma hemorrágica, os sintomas são semelhantes, mas a doença é bem mais grave por causa das alterações da coagulação sanguínea. Pequenos vasos podem sangrar na pele e nos órgãos 191