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Este documento discute a importância da formação de apoiadores institucionais da política nacional de humanização da saúde (pnh) no sistema único de saúde (sus), buscando afirmar um ethos ético-político na área da saúde. O curso objetivava formar 140 apoiadores institucionais capazes de interferir na complexidade dos processos do sus, criando estratégias para enfrentar desafios como articulação de iniciativas de humanização, mapeamento do processo de trabalho, criação de rodas de conversa e organização de fluxos de atendimento. O acompanhamento avaliativo contribuiu para o planejamento contínuo do processo de formação e avaliação dos efeitos dessas experiências.
Tipologia: Notas de estudo
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Brasília - DF 2010
Cadernos
HumanizaSUS
Volume 1
Formação e intervenção
© 2010 Ministério da Saúde. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens dessa obra é da área técnica. A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/bvs
Série B. Textos Básicos de Saúde
Tiragem: 1ª edição – 2010 – 5.000 exemplares
Editora MS Documentação e Informação SIA, trecho 4, lotes 540/ CEP: 71200-040, Brasília – DF Tels.: (61) 3233-1774 / 2020 Fax: (61) 3233- E-mail: editora.ms@saude.gov.br Home page: http://www.saude.gov.br/editora Equipe Editorial: Normalização: Vanessa Leitão
Impresso no Brasil /Printed in Brazil
Ficha Catalográfica
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização.
CDU 331.108.
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2010/
Títulos para indexação: Em inglês: Formation and intervention Em espanhol: Formación e intervención
Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Política Nacional de Humanização Esplanada dos Ministérios, bloco G, sala 954 CEP: 70058-900, Brasília – DF Tel.: (61) 3315- Fax: (61) 3315-27 76 E-mail: humanizasus@saude.gov.br Home pages: www.saude.gov.br/humanizasus www.redehumanizasus.net
Coordenação: Dário Frederico Pasche Mariella Silva de Oliveira
Organização: Eduardo Passos
Revisão e entrevista: Bruno Aragão
Projeto gráfico e diagramação: Antonio Sergio de Freitas Ferreira (Núcleo de Eventos e Comunicação SAS)
Trabalhador da Saúde: Gente cuidando de Gente ............................................................................... 185
A cogestão e gestão participativa na prática de um serviço de saúde: a criação de um Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) na Clínica de Fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul (CLIFI-UCS) ........................................... 193
Grupo de trabalho em humanização: tecendo redes para superar o sofrimento psíquico .......... 203
A estruturação da rede de redes: EAD conectando as unidades de Produção da PNH .............. 219
Eduardo Passos, Ana Heckert e Cleusa Pavan ........................................................................................ 232
Cadernos HumanizaSUS
Apresentação
Dário Frederico Pasche 1 Eduardo Passos 2
Cadernos Temáticos
PNH:
formação em
humanização
igualando-se à transferência de informações para que os “descapacitados” passem a ter determinadas capacidades; na mesma direção, se “treinaria” os trabalhadores para que repitam e se exercitem ad nauseam o modo correto de fazer. Para aqueles que, mesmo assim, não se enquadram a esta normalização a oferta é a reciclagem: remodelação dos sujeitos. De qualquer maneira, a formação torna-se, assim, correção (no sentido ortopédico do termo) daqueles trabalhadores de saúde supostamente desumanos: formar na humanização teria este sentido de “humanizar os desumanos”.
Esta demarcação é importante para se distinguir processos de formação mais tradicionais, daqueles que a PNH tem buscado construir em consonância com seus pressupostos ético- políticos.
Por se compreender que as ditas “práticas de desumanização” e “práticas desumanizadoras” são expressões de formas precárias de organização do trabalho, pertinentes, portanto, aos temas da gestão e das condições concretas de trabalho, a pauta da humanização se desloca imediatamente para novas ofertas de formação.
Mas este deslocamento ocorre também por outra razão de natureza metodológica: o método da humanização. Entendendo o método como “modo de caminhar”, a PNH define a humanização como um modo de fazer inclusão, como uma prática social ampliadora dos vínculos de solidariedade e co-responsabilidade, uma prática que se estende seguindo o Método da Tríplice Inclusão. Assim, a feitura da humanização se realiza pela inclusão, nos espaços da gestão, do cuidado e da formação, de sujeitos e coletivos, bem como, dos analisadores (as perturbações) que estas inclusões produzem. Em outras palavras: humanização é inclusão.
Para humanizar práticas de gestão e de cuidado, bem como as práticas pedagógicas, a PNH propõe que se incluam os diferentes sujeitos que participam desde suas singularidades no planejamento, implementação e avaliação dos processos de produção de saúde e de formação do trabalhador de saúde.
Com o exercício deste método nos processos de formação, que efeitos se produzem? Para a resposta a esta questão faz-se necessário considerar que os princípios da PNH são a indissociabilidade entre gestão e cuidado, a transversalidade (ampliação da comunicação; produção do comum) e o fomento do protagonismo das pessoas. Ou seja, o exercício do método – a inclusão - deve considerar, necessariamente, que não se separe a gestão da clínica, que se promovam processos de comunicação para além da hierarquia e do corporativismo, e que se aposte que os sujeitos são capazes de produzirem deslocamentos desde seus interesses mais imediatos, construindo processos de negociação, permitindo a criação de zonas de comunalidade e projetos comuns.
A inclusão tem o propósito de produzir novos sujeitos capazes de ampliar suas redes de comunicação, alterando as fronteiras dos saberes e dos territórios de poder; e de conectar suas práticas de produção de saúde ao campo da gestão, pois aquelas derivam das condições institucionais que definem os modos de funcionamento da organização, tarefa da gestão. Todavia, não basta incluir. É necessário que esta inclusão, assim como o processo de produção de subjetividade a ela associado sejam orientados por princípios e diretrizes. Para a PNH estas orientações são clínicas, políticas e éticas e tomam sentido no acolhimento, na clínica ampliada, na democracia das relações, na valorização do trabalhador, na garantia dos direitos dos usuários e no fomento de redes.
É nesta articulação entre princípios, método e diretrizes que os processos de formação têm sido propostos e organizados. As diretrizes dos processos de formação da PNH se assentam no princípio de que a formação é inseparável dos processos de mudanças, ou seja, que formar é, necessariamente, intervir, e intervir é experimentar em ato as mudanças nas práticas de gestão e de cuidado, na direção da afirmação do SUS como política inclusiva, equitativa, democrática, solidária e capaz de promover e qualificar a vida do povo brasileiro.
Formar como estratégia de intervenção coletiva para a produção de alterações nas condições de trabalho impõe que se utilizem estratégias pedagógicas que superem a mera transmissão de conhecimentos, pois não haveria um modo correto de fazer, senão modos que, orientados por premissas éticas, políticas e clínicas, devem ser recriados considerando especificidades de cada realidade, instituição e equipe de saúde.
Estes entendimentos têm sido experimentados pela PNH em processos de formação que vêm sendo desenvolvidos de forma sistemática desde 2006. Neste período, mais de duas dezenas de processos e atividades de formação foram implementados, sempre em parceria com escolas de governo, gestores estaduais e municipais e instituições de ensino superior, entre outros.
Este primeiro número dos Cadernos Temáticos de Humanização é dedicado ao tema da formação. E isto se deve a algumas razões de ordem político-estratégica. Uma delas é a necessidade de disseminar reflexões e apresentar experiências concretas de processos de formação que têm sido potentes para produzir mudanças nos modos de gerir e de cuidar. Tradicionalmente os processos de formação, sobretudo os que tomam a forma- curso, produzem desconexões entre a formação técnico-científica e a gestão, tomados como polaridades, com ênfase aos primeiros. A PNH os entende não como bifurcações, mas como saberes e práticas, como campos de ação, indissociáveis e que produzem interferências entre si. Assim, as novas práticas de saúde requeridas para qualificar o SUS são influenciadas fortemente pelos processos de gestão e, então, não seria possível produzir
O conteúdo deste Caderno apresentará de forma bastante abrangente a “política de formação da PNH”, pondo em análise os arranjos de gestão da área de formação na PNH, o relato e análise de experiências de formação em humanização na rede SUS (eleitas entre as várias já desenvolvidas).
Esta publicação quer cumprir a função veicular, de divulgação, de instigação e estímulo a experimentações de formação em humanização, contribuindo para a qualificação dos processos de trabalho em saúde, tarefa de novos sujeitos, tarefa da humanização.
Cadernos HumanizaSUS
Modos de
formar e
modos de intervir: quando a formação se faz potência de
produção de
coletivo
1
Ana Lucia C. Heckert^2 Cláudia Abbês Baeta Neves 3
Artigo
(^2) Professora associada da Universidade Federal do Espírito Santo. Foi consultora da PNH. anaheckert@uol.com.br
(^1) HECKERT, A. L. C.; NEVES, C. E. A. B. Modos de formar e modos de intervir: quando a formação se faz potência de produção do coletivo. In: MATTOS, R. A.; BARROS, M.E.B.; PINHEIRO, R. (Org.). Trabalho em equipe sob o eixo da integralidade: valores, saberes e práticas. 1 ed. Rio de Janeiro: CEPESC-IMS/UERJ- ABRASCO, 2007, v. 1, p. 145-160.
(^3) Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense. Foi consultora da PNH. abbes@luma.ind.br
(^4) Curso realizado através da parceria entre o MS/ SAS/PNH, Fiocruz/EAD e Universidade Federal Fluminense, de abril a dezembro de 2006.
nas práticas vigentes no SUS, tal processo somente terá efetividade se esses movimentos estiverem conectados com os processos de trabalho nos serviços de saúde, seus trabalhadores e usuários. É neste campo de imersão que a formação ganha consistência de intervenção, de intervir entre ações, experimentando os desafios cotidianos de materialização dos princípios do SUS e da invenção de novos territórios existenciais.
A integralidade, princípio e diretriz do SUS, coloca em cena alguns aspectos da maior importância, a saber: a concepção de saúde/doença, o funcionamento dos serviços de saúde em rede, a organização do processo de trabalho no campo da saúde, a não-fragmentação da assistência, as práticas de cuidado, dentre outras questões. Assim, podemos perceber que a discussão da integralidade remete à análise dos modelos instituídos de atenção e gestão do SUS, buscando afirmar um ethos, uma prática ético-política no campo da saúde, que se contrapõe aos reducionismos, à objetivação dos sujeitos, à fragmentação dos modelos de atenção e de organização do processo de trabalho em saúde, assim como dos processos de formação (MATTOS, 2001).
Frente às políticas de formação profissional que têm (re)produzido a fragmentação dos saberes e práticas em saúde, entendemos que a interferência nos modos instituídos de produzir cuidado em saúde demanda a problematização das ações de formação e gestão vigentes. Demanda tomar os processos de trabalho, em seus impasses e desafios, como vetor fundamental na constituição dos processos de formação, uma vez que abordar as práticas de cuidado e de gestão em saúde implica compreender a multiplicidade que as constitui.
Se tomamos a integralidade como um dos princípios e diretrizes fundamentais das práticas de cuidado em saúde, torna-se necessário debater como vêm se dando os processos de formação dos profissionais em saúde. Percebe-se que ainda lidamos com processos de formação que, no cotidiano, têm esvaziado os princípios da integralidade (PINHEIRO et al., 2005). Ou seja, o que está em jogo também são as concepções/práticas de formação vigentes no campo da Saúde. Como afirmar a integralidade sem problematizar as práticas de formação pautadas em concepções que dissociam atenção e gestão, pensamento e vida, e que ainda focalizam a intervenção profissional no binômio queixa-conduta?
Percebe-se que um dos desafios enfrentados no cotidiano das práticas de saúde reside exatamente nos modos verticalizados de gestão e na dissociação entre modelos de atenção (modos de cuidar) e modelos de gestão (modos de gerir). Tal separação tem ratificado práticas que concebem a gestão como reduzida à administração do sistema de saúde e centrada na figura do gestor. Desse modo, há aqueles que planejam e pensam a ordenação do sistema de saúde (os gestores) e aqueles que executam e operacionalizam os planejamentos formulados por outrem. De um lado, os que planejam/pensam e, de outro, os que fazem/cuidam. Essa formulação indica desenhos de gestão que se materializam em modos de organização dos processos de trabalho, em definição de modos de cuidar e, ainda, em elaboração de políticas de
formação dos profissionais. Ressaltamos que as políticas de formação pautadas nesse modelo dualista e dicotômico de gestão acabam por instituir processos de formação que, dissociados dos modos de cuidar e de gerir, operam uma cisão radical entre pensamento e vida.
Desse modo, entendemos que não se trata de apontar modelos político-pedagógicos ideais, abstratos e dissociados do cotidiano dos processos de trabalho, mas principalmente indicar modos de fazer a formação (princípios e métodos) que se construam num ethos da integralidade e da indissociabilidade entre cuidar, gerir e formar. Outrossim, requer entender a formação como “atitude” transdisciplinar, ou seja, em sua potência de produzir aberturas a novas sensibilidades, dizibilidades e visibilidades que expressam a multivetorialização nos quais estão envolvidas as práticas concretas de cuidado e gestão em saúde. Essas práticas se materializam na relação entre os sujeitos envolvidos na e com a construção do cuidado, nos modos de acolher, de gerir, de fazer a escuta, de compartilharem saberes e diferentes modos de estar nos verbos da vida (viver, trabalhar, sentir e perceber o mundo). Como sinaliza Benevides (2005, p. 4), “é no entre os saberes que a invenção acontece, é no limite de seus poderes que os saberes têm o que contribuir para um outro mundo possível, para uma outra saúde possível”.
Neste entendimento, a formação é um processo que extrapola o sentido clássico da aquisição de conhecimentos técnico-científicos referidos a uma dada profissão e a serem aplicados em dada realidade. Formação significa, sobretudo, produção de realidade, constituição de modos de existência – portanto, não se dissocia da criação de modos de gestão do processo de trabalho.
Processos de formação: equivocando o sentido da formação-consumo
Uma educação centrada no pensamento não prescreve regras absolutas nem proibições definitivas. Ela orienta e desperta a vida, estimula as multiplicidades, não para esmagá-las, mas para exercitar o corpo e o pensamento a vivenciar os seus limites e ultrapassá-los. [...] Uma educação centrada no pensamento afirmativo da vida é sobretudo cruel, o contrário da pedagogia piedosa e vingativa. É cruel com o corpo e com o espírito, não porque quer arruiná-los, mas, ao contrário, porque quer vê-los fortes, ousados e poderosos, deseja vê-los capazes de enfrentar qualquer acontecimento e de caminhar livres, com a sabedoria alegre do riso. (FUGANTI, 1990, p. 68).
Os processos de formação serão aqui analisados em seus diferentes e distintos vetores: a formação como forma e a formação como força. Entretanto, cabe sinalizar que esses vetores,
(^6) O conceito de instituição aqui trabalhado tem referência nas produções da Análise Institucional Socioanalítica, corrente desenvolvida na França durante as décadas de 60/70, que remete ao processo de produção constante de modos de legitimação das práticas sociais. Instituição é aqui entendida como práticas sociais historicamente produzidas. Deste modo, difere de sua circunscrição a um lugar, a um estabelecimento. A instituição academia expressa as linhas de saber-poder em suas lutas por hegemonia e hierarquização que atravessam e constituem os acontecimentos no cotidiano do campo de investigação.
ora do sujeito sobre o objeto, ora do objeto sobre o sujeito. O que aqui ganha relevo é a aposta no caráter intervencionista do conhecimento, que se afirma no entendimento de que “todo conhecer é um fazer” (BENEVIDES, 2007).
As atividades do trabalho humano, além dos modos operatórios definidos pelas normas prescritas para as diferentes tarefas, implicam, também, improviso, antecipação. Trabalhar é gerir, é co-gerir (SCHWARTZ, 2000). Portanto, estamos nos referindo a um processo de formação em saúde como possibilidade de produzir novas normas, novas formas de vida/ trabalho.
Com isso afirmamos que os processos de trabalho são campos de produção de saber em que não se aprende por si mesmo, mas onde estão em cena redes de saberes formulados coletivamente. Se reduzimos o trabalho ao emprego, ao desempenho de uma tarefa formulada por outrem (cisão entre planejar e fazer, cuidar e gerir), focalizamos somente uma das formas que o trabalho assumiu em nossa sociedade. Neste caso, gerir seria sinônimo de administrar, e trabalhar seria o correlato de executar meramente prescrições já formuladas. Porém, o trabalho é exercício da potência de criação do humano, é inventar a si e o mundo. Trabalhar é gerir e colocar à prova experiências, saberes, prescrições; é lidar com a variabilidade e imprevisibilidade que permeia a vida, criando novas estratégias, novas normas. Ao gerir o trabalho, os sujeitos criam e recriam saberes sofisticados e necessários ao seu fazer. Desse modo, como afirmou Yves Clot (2000), a análise do processo de trabalho requer perceber não somente o que foi feito, mas como foi feito, o que se deixou de fazer, o que foi desfeito e o que não se conseguiu fazer. Ou seja, há modos de fazer desperdiçados e desqualificados que são fundamentais ao processo de trabalho e sem os quais seria impossível lidar com os imprevistos.
Estamos, portanto, tratando com a dimensão inventiva do trabalho sem, com isso, negligenciar os processos de exploração, de submissão, de violência que aí se presentificam. Mas dizer do caráter de dominação que permeia o processo de trabalho não fala de tudo que o trabalho é, pois deixa exatamente de lado sua dimensão inventora. A ação não está permeada apenas por formas (que são elementos importantes), mas é fabricada em um jogo de forças que não está definido a priori, uma vez que são as forças que delineiam as formas, ao mesmo tempo em que não se esgota nessas formas. Trabalho e formação podem, também, ser campo de produção de novos possíveis, de fabricação de aprendizes-inventores.
O que podemos perceber é que, ao abordar o cuidado em saúde apartado dos processos de gestão do cuidado e dos modos de fazer a formação, sedimentam-se e (re)alimentam-se algumas práticas naturalizadas que só reforçam os impasses que precisamos enfrentar. No que se refere à formação, reforça-se uma perspectiva bancária de produção e transmissão
do saber, compreendida como processo cumulativo em que saberes são depositados sequencialmente e onde cada conhecimento é hierarquicamente superior aos demais. Seus efeitos nos modos de produzir o cuidado se sacralizam em perspectivas que tomam a saúde como contraponto da doença, como ausência de doença, e o sujeito como objeto das ações de saberes fragmentados e absolutos que definem a verdade sobre o sujeito. No que se refere à gestão aborda-se essa ação como tarefa exclusiva de especialistas (gestor/ administrador) que definem os modos de organizar o processo de trabalho, o modo de dispor as ações nas instituições de saúde, reduzindo o trabalho apenas à sua face prescritiva. Diferentemente disto, entendemos que gestão é sempre de processos de trabalho e… com pessoas.
Objetivamos, portanto, afirmar que formar implica dialogar com redes de saberes e de experiências. Porém, o diálogo firmado não pretende constatar, verificar ou confirmar um dado processo, tampouco observá-lo assepticamente de forma “piedosa”, ou ainda aplicar conhecimentos a uma dada situação. O que se pretende é afirmar uma prática de formação “impiedosa” que não busca observar uma trajetória, mas nela interferir produzindo desvios, desnaturalizando o que parece confortável.
Assim, é num entre-lugar que esta formação se situa, posto que não se coloca numa perspectiva basista que corre o risco de perpetuar naturalizações e, tampouco, visa a fortalecer desqualificações da experiência concreta dos coletivos. O que se deseja é disparar processos de formação-intervenção que se construam por entre as formas dadas, incitando a criação de outros possíveis, mantendo a tensão entre problematização e ação.
A experiência do curso de apoiadores da PNH^7 : um modo de fazer
Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar e refletir (FOUCAULT, 1994, p. 13).
A Política Nacional de Humanização do SUS realizou, de abril a dezembro de 2006, o curso de Formação de Apoiadores para a Política Nacional de Humanização da Gestão e da Atenção à Saúde, através de uma parceria de cooperação técnica entre Ministério da Saúde/SAS/PNH, UFF e FIOCRUZ/ENSP/EAD. O curso objetivava formar 140 apoiadores institucionais capazes de interferir na complexidade de processos que envolvem o SUS, ou seja, na dinâmica da produção da tríade saúde-doença-atenção e intervir sobre problemas de gestão dos serviços e processos de trabalho em saúde, tomando por referência a Política Nacional de Humanização da Gestão e da Atenção à Saúde – PNH. A finalidade era
(^7) A Política Nacional de Humanização – PNH, criada em 2003, é, por um lado, fruto de um debate no campo da Saúde Pública interessado em fazer avançar os princípios do SUS. Por outro, coloca- se como protagonista nesse debate, contribuindo para a consecução desse objetivo, fazendo propostas voltadas para a mudança dos modelos de gestão e de atenção que, no cotidiano dos serviços, são operados pelos gestores, trabalhadores e usuários.