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Guias e Dicas
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Conflitos e Tensões em um Encontro de Amigos, Resumos de Princípios de Design para Teatro

Uma cena de um encontro entre um grupo de amigos, onde diversos conflitos e tensões emergem. Verônica, michel, alain e annette discutem sobre questões como a agressão de uma criança, a morte de um hamster, problemas conjugais e profissionais, e o uso de substâncias. A narrativa é marcada por diálogos tensos, acusações mútuas e uma atmosfera de desconforto e irritação entre os personagens. O texto explora temas como violência, relações familiares, consumismo e a dificuldade de se comunicar e resolver problemas de forma construtiva. Apesar do tom por vezes sombrio, o documento também traz momentos de humor e ironia, revelando a complexidade das interações humanas.

Tipologia: Resumos

2012

Compartilhado em 23/05/2024

dylan-red
dylan-red 🇧🇷

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O Deus da carnificina
Yasmina Rezza
Tradução: Eloisa Araújo RIbeiro
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O Deus da carnificina

Yasmina Rezza

Tradução: Eloisa Araújo RIbeiro

Verônica Hortiz Michel Hortiz Annette Reis Alain Reis (entre 40 e 50 anos) Uma sala. Nada de realismo. Nada de elementos inúteis.

VERÔNICA Munido. A ironia é que sempre consideramos a Praça Das Flores como um lugar seguro, ao contrário do Parque Monte Verde. MICHEL É verdade. Sempre dissemos: o Parque Monte Verde, não, a Praça Das Flores, sim! VERÔNICA Para você ver. (corrigindo)Munido. Em todo o caso, somos gratos por terem vindo. Não adianta nada ficarmos num impasse emocional. ANNETTE Somos nós que agradecemos. Nós que agradecemos. VERÔNICA Não acho que seja necessário agradecer. Por sorte, ainda existe uma arte de viver em sociedade, não é mesmo? ALAIN Que nossos filhos parecem não ter assimilado. Enfim, pelo menos o nosso! ANNETTE É, o nosso!... E como vai ficar o dente com o nervo atingido? VERÔNICA Ainda não sabemos. Estão cautelosos quanto ao prognóstico. Aparentemente o nervo não está completamente exposto. MICHEL Só um ponto ficou exposto. VERÔNICA É. Uma parte está exposta e a outra ainda está protegida. Por isso, por enquanto, não vão matar o nervo. MICHEL Vão tentar dar uma chance ao dente. VERÔNICA Seria melhor mesmo evitar a obturação do canal. ANNETTE Claro… VERÔNICA Por enquanto ele vai ficar em observação, para que o nervo tenha uma chance de se recuperar.

MICHEL Por ora, vão colocar coroas em cerâmica. VERÔNICA De qualquer maneira, não se pode fazer implantes antes dos dezoito anos. MICHEL De jeito nenhum. VERÔNICA Implantes definitivos não podem ser feitos antes do fim da fase de crescimento. ANNETTE Claro. Espero que… Espero que dê tudo certo. VERÔNICA Nós também.. Leve hesitação. ANNETTE Lindas, estas tulipas. VERÔNICA São daquela floricultura do Mercado Municipal. Sabe, aquela pequenininha, bem lá no fundo. ANNETTE Ah, sei. VERÔNICA Elas chegam todas as manhãs direto do produtor, e o preço é ótimo! ANNETTE É mesmo? VERÔNICA Sabe, aquela bem lá no fundo. ANNETTE Sei, sei. VERÔNICA Sabem que o Bruno não queria denunciar o Ferdinando. MICHEL Não, ele não queria. VERÔNICA Foi impressionante ver aquela criança com o rosto desfigurado, sem dentes e ainda assim se recusando a falar. ANNETTE Imagino.

MICHEL Você é… ALAIN Advogado. ANNETTE E você? MICHEL Eu sou atacadista de utensílios domésticos, Verônica é escritora e trabalha meio período numa livraria de arte e de história. ANNETTE Escritora? VERÔNICA Participei de uma obra coletiva sobre a civilização dos sabeanos, a partir das escavações retomadas ao fim do conflito entre a Etiópia e a Eritreia. E agora, em janeiro, vou publicar um livro sobre a tragédia do Darfur. ANNETTE Você é especialista em África. VERÔNICA Eu me interesso por essa parte do mundo. ANNETTE Vocês têm outros filhos? VERÔNICA O Bruno tem uma irmã de nove anos, a Camila. Que está zangada com o pai dela porque ele se livrou do hamster ontem à noite ANNETTE Se livrou do hamster? MICHEL Me livrei. Hamsters fazem um barulho medonho à noite. São seres que dormem de dia. O Bruno não aguentava mais, estava ficando maluco com o barulho que o hamster fazia. Para dizer a verdade, há muito tempo que eu tinha vontade de me livrar dele, aí eu pensei: não, agora chega, então eu o peguei e coloquei na rua. Eu achava que esses animais gostavam das sarjetas, dos esgotos, nada disso, ele ficou petrificado na calçada. Na verdade, não são nem animais domésticos, nem animais selvagens, não sei qual é o meio natural deles. Se forem largados numa clareira, eles

também ficam tristes. Não sei onde podem ser colocados. ANNETTE Deixou o pobrezinho lá fora? VERÔNICA Deixou e disse para a Camila que ele tinha fugido. Mas ela não acreditou. ALAIN E de manhã o hamster tinha desaparecido? MICHEL Desapareceu. VERÔNICA E você, é de que área? ANNETTE Sou conselheira em gestão de patrimônio. VERÔNICA Seria pedir demais… me desculpem por ser tão direta, que o Ferdinando se desculpasse com o Bruno? ALAIN Seria bom que eles se falassem. ANNETTE Ele tem que se desculpar, Alain. Tem que dizer para ele que sente muito. ALAIN Sim, sim, Com certeza. VERÔNICA Mas ele sente muito? ALAIN Ele se dá conta do que fez. Não tinha noção do tamanho do estrago. Ele só tem onze anos. VERÔNICA Com onze anos, ele já não é nenhum bebê. MICHEL Também não é um adulto! Não ofereceram nada a vocês, café, chá, ainda tem cuca, Verô? Vocês gostam de Cuca? Tem uma cuca excepcional! ALAIN Eu aceito um café..., forte! ANNETTE Um copo d'água.

ALAIN Não, não. É de que a cuca? VERÔNICA De maçãs e peras. ANNETTE De maçãs e peras? VERÔNICA Receita minha. (ela corta a cuca e serve os pedaços) Está muito gelada, uma pena. ANNETTE De maçãs e peras, é a primeira vez. VERÔNICA Maçãs e peras é especial, mas tem mais um truque. ANNETTE Ah é? VERÔNICA A pera tem de ficar mais grossa do que a maçã, porque a pera cozinha mais rápido que a maçã. ANNETTE Ah, é isso. MICHEL Mas ela não contou o verdadeiro segredo. VERÔNICA Deixe que eles provem. ALAIN Muito bom. Muito bom. ANNETTE Suculento. VERÔNICA ... farofa de castanhas! ANNETTE Meus parabéns. VERÔNICA É uma das variações de cuca. Para ser franca, foi a mãe dele quem me deu a receita. ALAIN farofa de castanhas , delicioso… Ao menos pudemos aprender uma receita. VERÔNICA Eu teria preferido que isso não tivesse custado os dois dentes do meu filho

ALAIN Claro, foi o que eu quis dizer! ANNETTE Maneira curiosa de dizer. ALAIN De jeito nenhum, eu… (o celular vibra, ele olha a tela) … Sou obrigado a atender. … Alô Maurício… Ah não, nada de direito de resposta, você vai alimentar a polêmica… Foi feita uma provisão?... Mm, mm… Que perturbações são essas, o que é ataxia?... E com dosagem normal?... A quanto tempo sabem disso?... Esse tempo todo e você não retirou do mercado?... Qual o volume do negócio?... Tá, entendo…. Tá certo. (Ele desliga e liga imediatamente para outro número, enquanto devora o cuca). ANNETTE Alain, fique um pouco conosco, por favor. ALAIN Tá, tá, já vou… (celular) Sérgio?… Eles sabem dos riscos há dois anos… Um relatório interno, mas nenhum efeito indesejável foi formalmente identificado… Não, nenhuma medida de precaução, não fizeram provisão, nenhuma palavra no relatório anual.… Andar cabaleante, problemas de equilíbrio, em suma, parece que você está bebum o tempo todo.... (ele ri com seu colaborador) … Volume do negócio, 150 milhões de dólares… Negar em bloco… Ele queria que pedíssemos um direito de resposta, aquela anta. Claro que não pediremos um direito de resposta, em compensação, se a notícia se espalhar, podemos fazer um comunicado do tipo é propaganda difamatória a quinze dias da Assembléia… Ele vai me ligar de novo… Ok. (ele desliga) … Na verdade, mal tive tempo de almoçar. MICHEL Sirva-se, sirva-se. ALAIN Obrigado. Estou exagerando. Do que estávamos falando?

Ferdinando, será que Alain e eu não teríamos uma reação mais epidérmica? Não sei se seríamos tão generosos. MICHEL Claro que seriam! ALAIN Ela tem razão. Não temos tanta certeza assim, não. MICHEL Claro que têm, pois sabemos muito bem que o contrário poderia ter acontecido. Hesitação. VERÔNICA E o Ferdinando, o que ele diz? Como é que ele vê a situação? ANNETTE Ele não fala muito. Acho que ele está desconcertado. VERÔNICA Ele se dá conta que desfigurou seu colega? ALAIN Não, não, ele não se dá conta de que desfigurou seu colega. ANNETTE Mas por que está dizendo isso? O Ferdinando se dá conta, sim, claro! ALAIN Ele se dá conta que teve um comportamento brutal, não se dá conta de que desfigurou o colega. VERÔNICA Você não gosta da palavra, mas infelizmente a palavra é essa. ALAIN Meu filho não desfigurou o filho de vocês. VERÔNICA Seu filho desfigurou nosso filho. Volte aqui às cinco horas, e dê uma olhada na boca e nos dentes dele. MICHEL Momentaneamente desfigurado.

ALAIN A boca vai desinchar, quanto aos dentes, se for preciso levá-lo ao melhor dentista, estou pronto para colaborar… MICHEL Seguros existem para isso. Nós gostaríamos mesmo é que os garotos se reconciliassem e que esse tipo de coisa não se repetisse. ANNETTE Vamos organizar um encontro. MICHEL Sim. É isso. VERÔNICA Em nossa presença? ALAIN Eles não precisam de escolta. Eles já são homenzinhos. ANNETTE “homenzinhos”, Alain, isso é ridículo. Mas não precisamos estar presentes. Seria melhor que não estivéssemos, não é mesmo? VERÔNICA A questão não é se vamos estar ou não estar presentes. A questão é: eles querem se falar, querem se explicar? MICHEL O Bruno quer. VERÔNICA Mas e o Ferdinando? ANNETTE A opinião dele não interessa. VERÔNICA Tem de partir dele. ANNETTE Ferdinando se comporta como um moleque, não estamos interessados em seu estado de espírito. VERÔNICA Se o Ferdinando se encontrar com o Bruno num ambiente de punição, não vejo o que pode resultar de positivo daí. ALAIN Minha senhora, nosso filho é um selvagem. É difícil dele esperar uma contrição espontânea.

ANNETTE Não precisamos de você, já que não serve para nada. VERÔNICA Mas seria bom o pai estar presente. ALAIN (celular vibra) Está certo, mas hoje à noite, não... alô? ...O balanço não cita nada. Mas o risco não foi formalmente estabelecido. Não há prova… (ele desliga). VERÔNICA Amanhã? ALAIN Amanhã estarei viajando. VERÔNICA A trabalho? ALAIN Sim, tenho uma audiência fora. ANNETTE O essencial é que as crianças se falem. Vou levar o Ferdinando na casa de vocês às dezenove e trinta e vamos deixar que eles se expliquem. Não? Não parecem convencidos. VERÔNICA Se o Fernando não for responsabilizado, eles vão ficar de cara amarrada um para o outro, e vai ser um horror. ALAIN O que quer dizer, minha senhora? O que significa responsabilizado? VERÔNICA Seu filho certamente não é um selvagem. ANNETTE O Ferdinando não é de jeito nenhum um selvagem. ALAIN É sim. ANNETTE Alain, que bobagem, para que dizer uma coisa dessas? ALAIN É um selvagem.

MICHEL Como ele explica seu gesto? ANNETTE Ele não quer falar sobre isso. VERÔNICA Ele deveria falar. ALAIN Minha senhora, ele deveria muitas coisas. Deveria vir, deveria falar disso, deveria se arrepender... visivelmente, vocês têm qualidades que nós não temos, mas nós vamos melhorar, por enquanto, seja indulgente. MICHEL Ei, ei! Não vamos descambar na hora da despedida! VERÔNICA Estou falando por ele, pelo Ferdinando. ALAIN Eu entendi muito bem. ANNETTE Vamos ficar mais dois minutinhos. MICHEL Mais um cafezinho? ALAIN Um café, eu aceito. ANNETTE Para mim também, então. Obrigada. MICHEL Deixe que eu pego, Verô. Hesitação. Annette desloca delicadamente alguns dos muitos livros de arte dispostos sobre a mesinha. ANNETTE Estou vendo que você gosta muito de pintura. VERÔNICA De pintura. De fotos. Tem um pouco a ver com minha profissão. ANNETTE Eu também adoro o Francis Bacon. VERÔNICA Ah, sim, o Bacon. ANNETTE (virando as páginas)… Crueldade e esplendor.

MICHEL Eu estava me perguntando, embora não tenha importância, qual foi o motivo da briga. O Bruno não deu um pio sobre esse ponto. ANNETTE O Bruno se recusou a deixar o Ferdinando entrar na sua turma. VERÔNICA O Bruno tem uma turma? ALAIN E chamou o Ferdinando de caguete. VERÔNICA Você sabia que o Bruno tinha uma turma? MICHEL Não, estou felicíssimo. VERÔNICA Está felicíssimo por quê? MICHEL Porque eu fui chefe de turma. ALAIN Eu também. VERÔNICA E isso quer dizer o quê? MICHEL Uns cinco ou seis caras gostam de você e estão prontos a se sacrificar por você. Como em Ivanhoé. ALAIN Como em Ivanhoé, exatamente! VERÔNICA E quem conhece Ivanhoé hoje em dia? ALAIN Eles pegam outro cara. Um Homem-Aranha. VERÔNICA Enfim, estou vendo que vocês sabem mais do que nós. O Ferdinando não ficou tão quieto quanto disseram. E por que ele chamou o Ferdinando de "caguete"? Não, é uma pergunta idiota, uma pergunta idiota. Aliás, eu não dou a mínima, e não vem ao caso. ANNETTE Não podemos nos meter nessas brigas de criança. VERÔNICA Não é da nossa conta.

ANNETTE Não. VERÔNICA Em compensação, o que é da nossa conta é o que infelizmente aconteceu. A violência é da nossa conta. MICHEL Quando eu era chefe de turma, no ginásio, eu bati, numa briga de homem a homem, no Pedro Câmara, que era mais forte do que eu. VERÔNICA Está querendo dizer o que com isso, Michel? Não tem nada a ver. MICHEL Não, não, não tem nada a ver. VERÔNICA Não estamos falando de uma simples briga. As crianças não brigaram. MICHEL Com certeza, com certeza. Eu estava só me lembrando. ALAIN Não tem muita diferença. VERÔNICA Ah, tem sim. Se me permite, meu senhor, tem uma diferença. MICHEL Tem uma diferença. ALAIN Qual? MICHEL Com Pedro Câmara, nós combinamos de brigar. ALAIN Você quebrou a cara dele? MICHEL De certa forma. VERÔNICA Bom, vamos esquecer Pedro Câmara. Vocês me autorizariam a falar com o Ferdinando? ANNETTE Mas é claro!