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Constitucional - Dignidade - da - Pessoa - Humana, Notas de estudo de Direitos Humanos

Direitos humanos, princípio da dignidade humana

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 28/09/2012

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helio-bueno-3 🇧🇷

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REPENSANDO UM VELHO TEMA: A DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
Ricardo Maurício Freire Soares
Doutorando e Mestre em Direito (UFBA).
Professor dos cursos de graduação e pós-
graduação lato sensu em Direito da UFBA,
Faculdade Baiana de Direito, Faculdade de
Direito da UNIFACS e da FTE. Professor do
Curso JUSPODIVM de preparação para carreira
jurídica. Membro do Instituto dos Advogados
Brasileiros e do Instituto dos Advogados da
Bahia. E-mail: ric.mauricio@ig.com.br
Resumo: O artigo pretende abordar o significado da dignidade da pessoa humana como
centro de um sistema constitucional baseado na idéia de justiça.
Abstract: The article intends to approach the meaning of the dignity of the human person
as center of a constitutional system based in the idea of justice.
Palavras-chave: constituição – sistema constitucional - dignidade – direitos humanos –
justiça
Key-words: constitution - constitutional system - dignity - human rights - justice
Sumário: 1. O neoconstitucionalismo e a valorização dos princípios constitucionais. 2. A
positivação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana. 3. As
possibilidades semânticas da dignidade da pessoa humana .4. As modalidades de eficácia
do princípio da dignidade da pessoa humana.Considerações finais. Referências.
1. O NEOCONSTITUCIONALISMO E A VALORIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
A doutrina vem utilizando as expressões “neoconstitucionalismo”, “constitucionalismo
avançado” ou “constitucionalismo de direitos” para designar um novo modelo jurídico que
representa o Estado constitucional de Direito que existe em alguns países europeus, como,
por exemplo, Itália, Alemanha e Espanha.
Segundo Santiago Ariza (2003, pp.239-240), este novo modelo se revela em algumas
Constituições surgidas após a segunda guerra mundial, cujas funções se contrapõem ao
papel que desempenhavam as Constituições dentro do paradigma do constitucionalismo
moderno, visto que representam uma proposta de recompor a grande fratura existente entre
a democracia e o constitucionalismo.
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REPENSANDO UM VELHO TEMA: A DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Ricardo Maurício Freire Soares

Doutorando e Mestre em Direito (UFBA). Professor dos cursos de graduação e pós- graduação lato sensu em Direito da UFBA, Faculdade Baiana de Direito, Faculdade de Direito da UNIFACS e da FTE. Professor do Curso JUSPODIVM de preparação para carreira jurídica. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados da Bahia. E-mail: ric.mauricio@ig.com.br

Resumo : O artigo pretende abordar o significado da dignidade da pessoa humana como centro de um sistema constitucional baseado na idéia de justiça.

Abstrac t: The article intends to approach the meaning of the dignity of the human person as center of a constitutional system based in the idea of justice.

Palavras-chave : constituição – sistema constitucional - dignidade – direitos humanos – justiça

Key-words : constitution - constitutional system - dignity - human rights - justice

Sumário : 1. O neoconstitucionalismo e a valorização dos princípios constitucionais. 2. A positivação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana. 3. As possibilidades semânticas da dignidade da pessoa humana .4. As modalidades de eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana.Considerações finais. Referências.

1. O NEOCONSTITUCIONALISMO E A VALORIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

A doutrina vem utilizando as expressões “neoconstitucionalismo”, “constitucionalismo avançado” ou “constitucionalismo de direitos” para designar um novo modelo jurídico que representa o Estado constitucional de Direito que existe em alguns países europeus, como, por exemplo, Itália, Alemanha e Espanha.

Segundo Santiago Ariza (2003, pp.239-240), este novo modelo se revela em algumas Constituições surgidas após a segunda guerra mundial, cujas funções se contrapõem ao papel que desempenhavam as Constituições dentro do paradigma do constitucionalismo moderno, visto que representam uma proposta de recompor a grande fratura existente entre a democracia e o constitucionalismo.

Nesse sentido, as Constituições atuais apresentam duas características básicas: a vinculação da noção de poder constituinte à idéia de uma legalidade superior de base constitucional, despindo-a do significado revolucionário; a concepção de que uma Carta Magna desempenha uma dúplice função de marco normativo para o jogo democrático e de referência diretiva para o futuro, ao estabelecer os princípios que devem reger a comunidade.

Daí decorrem repercussões importantes do neoconstitucionalismo. Em primeiro lugar, alude-se ao processo de normativização da Constituição, que deixa de ser considerada um diploma normativo com um valor meramente programático ou como um conjunto de recomendações ou orientações dirigidas ao legislador para operar como uma normatividade jurídica com eficácia direta e imediata. Em segundo lugar, afirma-se que as Constituições incorporam conteúdos materiais que adotam a forma de direitos, princípios, diretrizes e valores, dotados de um amplo grau de indeterminação e de uma forte carga valorativa, como se verifica no rol de conceitos controvertidos (dignidade, justiça, liberdade e autonomia).

Sendo assim, a concepção de uma Constituição como norma afeta diretamente a compreensão das tarefas legislativa e jurisdicional. De um lado, o caráter voluntarista da atuação do legislador cede espaço para a sua submissão ao império da Constituição. De outro lado, o modelo dedutivista de aplicação da lei pelo julgador, típico da operação lógico-formal da subsunção, revela-se inadequado no contexto de ampliação da margem de apreciação judicial, especialmente na concretização de princípios, abrindo margem para o recurso da operação argumentativa da ponderação.

Gera-se, pois, um conflito permanente entre esse tipo de constitucionalismo e a democracia, ante a primazia concedida ao Poder Judiciário em detrimento da posição subalterna assumida pelo Poder Legislativo. Exemplo disso pode ser encontrado quando se verifica a tensão entre eficácia imediata (que exige a atuação dos juízes) e mediata (que requer a necessária atuação do legislador), ao denotar a dificuldade do neoconstitucionalismo de estabelecer os limites ou articular uma proposta que permita conjugar o labor jurisdicional e a função do legislador.

Com efeito, oscila-se entre um constitucionalismo débil, que reivindica a importância da legitimidade democrática do legislador e das pautas formais inerentes ao Estado de Direito (a certeza, a igualdade formal e a separação dos poderes), e um neoconstitucionalismo que valoriza o ativismo judicial como via para a substancialização do regime democrático.

De outro lado, a afirmação da natureza principiológica da Constituição pressupõe a positivação jurídica de pautas axiológicas de conteúdo indubitavelmente moral, pelo que a discussão jusnaturalismo-positivismo foi transportada ao interior do ordenamento jurídico- constitucional. Daí advêm importantes conseqüências, tais como a necessidade de adotar-se uma posição de participante para explicar o funcionamento do Direito, bem como a necessidade de superar-se a idéia positivista de uma separação entre o Direito e a Moral.

Sendo assim, o modelo jurídico do neoconstitucionalismo não parece coadunar-se com a perspectiva positivista, que se mostra tanto antiquada, por haver surgido no contexto do

Na esteira do magistério de Peces-Barba Martinez (2003, p. 11), pode-se dizer que a importância do princípio da dignidade da pessoa humana é decisiva para o direito, pois, em todos os ramos jurídicos, podem ser encontradas razões parciais que justificam este relevo normativo. Tratando-se de uma resposta tanto ao movimento jusnaturalista, quanto às construções positivistas que debilitaram as referências morais do fenômeno jurídico, a luta pela dignidade humana expressa a própria afirmação dos direitos fundamentais do cidadão.

Com o advento da modernidade, os sistemas jurídicos ocidentais passaram a reconhecer o ser humano como o centro e o fim do Direito. Seguindo a valiosa lição kantiana, a pessoa é um fim em si mesmo, não podendo converter-se em instrumento para a realização de um eventual interesse. Essa tendência humanizante, robustecida após a traumática experiência totalitária na segunda guerra mundial, cristalizou-se com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, erigido à condição de valor supremo dos sistemas jurídicos de inspiração democrática.

Como bem observa J. J. Gomes Canotilho (1998, p. 221), o ser humano passou a despontar como o fundamento da República e limite maior ao exercício dos poderes inerentes à representação política. Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon , ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.

Embora o primado da dignidade da pessoa humana já pudesse ser depreendido da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, fruto da Revolução Francesa, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, a sua positivação constitucional só foi ocorrer com o advento da Lei Fundamental Alemã de 1949, que preceituava, no seu art. 1.1., que a dignidade do homem é intangível e os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la. A partir deste momento, o princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser exteriorizado como princípio do constitucionalismo ocidental.

Neste sentido, a proclamação da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana, na maioria das Constituições contemporâneas, conduziu ao reconhecimento dos princípios como normas basilares de todo o sistema jurídico, afastando-se a concepção de programaticidade, que justificava a neutralização da eficácia dos valores e fins norteadores dos sistemas constitucionais.

Na Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana foi elevado ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), integrando a categoria dos princípios fundamentais, ao lado de outras normas principiológicas, a saber: princípio republicano, princípio do Estado Democrático de Direito, princípio federativo, princípio da separação de poderes (arts. 1º e 2º), objetivos fundamentais da República (art. 3º), e os princípios que orientam as relações internacionais (art. 4º).

Neste sentido, oportuna é a lição de Flávia Piovesan (2000, p. 54-55), ao destacar a essencialidade deste princípio, quando salienta que a dignidade da pessoa humana está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos direitos e garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Encontra-se também a tradução do princípio no título VII da Carta Magna brasileira, quando o art. 170, caput , estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Discorrendo sobre este aspecto, sustenta André Ramos Tavares (2003, pp. 138-139) que se trata, sem dúvida, no art. 170, do mesmo princípio constante do art. 1º, aplicado (especificado) no âmbito econômico, já que a dignidade da pessoa humana ou a existência digna tem, por óbvio, implicações econômicas. Segundo ele, verifica-se que a liberdade caminha com a dignidade, mas o significado mais forte desta está na privação de ofensas e humilhações. No campo econômico, pois, impõe-se que a todos sejam garantidas condições mínimas de subsistência.

Uma vez situado no ápice do sistema jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime as estimativas e finalidades a serem alcançados pelos particulares e pelo conjunto da sociedade civil, irradiando-se na totalidade do direito positivo pátrio.

Ademais, os preceitos referentes à dignidade da pessoa humana não podem ser pensados apenas do ponto de vista individual, enquanto posições jurídicas dos cidadãos diante do Estado, mas também devem ser vislumbrados numa perspectiva comunitária, como valores e fins superiores da ordem jurídica que reclamam a ingerência ou a abstenção dos órgãos estatais.

Com efeito, o legislador constituinte brasileiro conferiu ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana a qualidade de norma embasadora de todo o sistema constitucional, informando as prerrogativas e as garantias fundamentais da cidadania. Decerto, os direitos fundamentais Carta Magna de 1988, negativos ou positivos, encontram seu fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, como princípio constitucional de evidente densidade axiológica e teleológica, deve-se reconhecer a força normativa da dignidade da pessoa humana, dotada de plena eficácia jurídica nas relações públicas e privadas, seja na perspectiva abstrata do direito objetivo, seja na dimensão concreta de exercício de direitos subjetivos pelos cidadãos.

3. AS POSSIBILIDADES SEMÂNTICAS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Por se tratar de expressão polissêmica, ao comportar diversos significados a depender do contexto histórico-cultural, a dignidade da pessoa humana passou a expressar as diversas fases de evolução dos direitos humanos. A abertura semântica e a multiplicidade de usos

desdobramentos - o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a inadmissibilidade de provas ilícitas, a presunção de inocência; a reserva legal da definição de crimes, a individualização das penas e a interdição de determinadas sanções, tais como a pena capital, a prisão perpétua, os trabalhos forçados, o banimento e as penas cruéis.

De outro lado, a dignidade da pessoa humana oferece limites ao exercício da autonomia da vontade, produzindo efeitos não somente verticais (Estado x indivíduo), mas também horizontais (particular x particular) Isto porque a constatação das injustiças oriundas do capitalismo e a conseqüente transição do Estado – liberal para o Estado – intervencionista exigiram que a desigualdade sócio-econômica entre os particulares fosse compensada juridicamente com a elaboração de leis protetivas, capazes de impor normas de ordem pública que garantissem uma vida mais digna, pela busca do equilíbrio sócio-econômico das relações privadas. É o que se verifica, por exemplo, com a tutela da hipossuficiência do trabalhador, no plano do direito laboral, e a proteção da vulnerabilidade do consumidor, no âmbito do direito consumerista.

Decerto, ainda que se não possa cogitar de vinculação direta do cidadão aos direitos fundamentais, podem esses direitos legitimar limitações à autonomia privada seja no plano da legislação, seja no plano interpretativo. Diferentemente do que ocorre na relação direta entre o Estado e o cidadão, na qual a pretensão outorgada ao indivíduo limita a ação do Poder Público, a eficácia mediata dos direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana se refere primariamente a uma relação privada entre cidadãos, de modo que o reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de faculdades reconhecidas a outrem.

Acrescente-se, por oportuno, a necessária salvaguarda dos chamados direitos da personalidade, os quais configuram o núcleo ético da própria condição humana. Representam, assim, as dimensões mais importantes da existência, tais como os direitos à vida, à saúde, ao nome, à imagem, à intimidade e à honra do indivíduo. Daí advêm, inclusive, os problemas referentes à preservação da identidade humana em face dos avanços da biotecnologia, mormente nos campos da reprodução assistida e da manipulação do patrimônio genético.

Registre-se também a vertente de pensamento que a vincula à noção de dignidade a garantia de um patamar material para a subsistência do ser humano. Neste diapasão, a dignidade da pessoa só se efetiva com a preservação de condições materiais mínimas para a existência humana. A definição mesma deste núcleo de mínimo existencial não é consensual, embora haja razoável consenso de que ele parece compreender os direitos à alimentação, saúde básica e educação fundamental. Existem, contudo, propostas de estender o sentido e o alcance da vida digna, para abarcar o rol de necessidades vitais básicas que devem ser atendidas pelo salário mínimo (art. 7º da CF/88), agregando-se outras dimensões existenciais como a moradia, o vestuário, a higiene, o transporte, o lazer e o respeito ao meio-ambiente.

Ante o exposto, esta pluralidade de opções semânticas revela a necessidade do uso competente e responsável da linguagem jurídica e do discurso da dignidade da pessoa humana, evitando que a sua utilização equivocada resulte na banalização e trivialização

deste importante princípio constitucional. Isto porque a adequada delimitação hermenêutica do princípio da dignidade humana tende a coibir interpretações desarrazoadas, evitando que ocorra, pelo seu elastecimento, a dessubstancialização conceitual, com prejuízos à efetividade da própria tutela da personalidade.

4. AS MODALIDADES DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Dentre os princípios jurídicos, sobrelevam, inegavelmente, os princípios constitucionais. Isto porque os princípios da Constituição de 1988, situados no ápice do sistema jurídico, ao expressar valores ou indicar fins a serem alcançados pelo Estado e pela sociedade civil, irradiam-se pela totalidade do direito positivo nacional. É o que sucede com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Carta Magna.

Conforme assinala Ingo Sarlet (2001, p. 41), a dignidade se afigura como a qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. A aceitação da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana impõe, assim, a aceitação da sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, através das modalidades de eficácia positiva, negativa, vedativa do retrocesso e hermenêutica.

A eficácia positiva consiste em reconhecer, ao eventual beneficiado pela norma jurídica de eficácia limitada, o direito subjetivo de produzir tais efeitos, mediante a propositura da ação judicial competente, de modo que seja possível obter a prestação estatal, indispensável para assegurar uma existência digna. O Estado está, portanto, obrigado a concretizar a dignidade da pessoa humana, ao elaborar normas e formular/implementar políticas públicas.

De outro lado, a eficácia negativa confere à cidadania a prerrogativa de questionar a validade de todas as normas infraconstitucionais que ofendam o conteúdo de uma existência digna, ferindo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Como bem leciona Ingo Sarlet (1998, p.110), não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos públicos se encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes, neste sentido, um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la conta agressões por parte de terceiros, seja qual for sua procedência.

Sendo assim, constata-se que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade do indivíduo.

A seu turno, a eficácia vedativa do retrocesso se afigura como uma derivação da eficácia negativa, segundo a qual as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser elididas pela supressão de normas jurídicas progressistas. A vedação ao processo permite, assim, que se possa impedir, pela via judicial, a revogação de normas infraconstitucionais que contemplem direitos fundamentais do cidadão, desde que não haja a previsão

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face de tudo quanto foi exposto, pode-se afirmar que:

  • o neoconstitucionalismo deflagra um o processo de normativização da Constituição, que deixa de ser considerada um diploma normativo com um valor meramente programático ou como um conjunto de recomendações ou orientações dirigidas ao legislador para operar como uma normatividade jurídica com eficácia direta e imediata, que pode adotar a fórmula de princípios, dotados de um amplo grau de indeterminação e de uma forte carga valorativa e teleológica;
  • a proclamação da dignidade da pessoa humana no constitucionalismo ocidental conduziu ao reconhecimento dos princípios como normas basilares de todo o sistema jurídico, afastando-se a idéia de programaticidade pela qual se neutralizava a eficácia dos valores e fins dos sistemas constitucionais;
  • o princípio da dignidade da pessoa humana, na Constituição Federal de 1988, foi elevado ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito, integrando a categoria dos princípios fundamentais;
  • a delimitação semântica do princípio da dignidade da pessoa humana comporta os seguintes elementos: a preservação da igualdade; o impedimento à degradação e coisificação da pessoa; e a garantia de um patamar material para a subsistência do ser humano;
  • a consagração da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana impõe o reconhecimento da sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, descortinando-se, assim, as modalidades de eficácia positiva, negativa, vedativa do retrocesso e hermenêutica.

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