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Contribuição da psicologia para a formação do técnico de enfermagem.pdf
Tipologia: Trabalhos
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Não perca as partes importantes!
Fernanda Azevedo Esquerdo* Renata Fabiana Pegoraro#
RESUMO. O presente trabalho é uma pesquisa de campo qualitativa e descritiva com o objetivo de investigar as concepções de estudantes de um curso técnico em enfermagem no Estado do Rio de Janeiro sobre suas expectativas em relação à disciplina “Psicologia Aplicada à Enfermagem” e os subsídios por ela oferecidos para sua atuação profissional. Foram entrevistados dez alunos de um curso técnico em enfermagem ministrado em um município do Estado do Rio de Janeiro a partir de roteiro semiestruturado. A análise do conteúdo das entrevistas indicou o impacto emocional que o aluno experimenta no início do estágio profissionalizante e a necessidade de receber, ao longo da disciplina, “receitas prontas” para lidar com as dificuldades emocionais encontradas no hospital. Palavras-chave : Psicologia; educação em enfermagem; ensino médio.
ABSTRACT. The current work is a qualitative and descriptive field research in order to investigate the conceptions of students from a technical course in nursing in the State of Rio de Janeiro on their expectations in relation to the subject "Psychology Applied to Nursing" and the subsidies offered by it for their professional activities. We interviewed ten students from a technical course in nursing in a city of Rio de Janeiro State, using a semi structured guide. The analysis of the content of the interviews indicated the emotional impact that the student experiences in the early period of training and the need to get from the discipline the easiest and the best way of dealing with the emotional difficulties encountered in hospital. Key words : Psychology; nursing education; high school.
RESUMEN. Esta es una investigación de campo cualitativo y descriptivo con respecto a investigar las concepciones de los estudiantes de los cursos de técnico en enfermería en el Estado de Río de Janeiro sobre sus expectativas frente a la "Psicología Aplicada a la Enfermería" y las subvenciones ofrecidas por la misma para su desempeño profesional. Entrevistamos a 10 alumnos en un curso de enfermería en cursos Consejo Técnico del Estado de Río de Janeiro a partir de entrevistas semi-estructuradas guía. El análisis del contenido de las entrevistas se indica el impacto emocional que el estudiante experiencias en la primera etapa de la formación y la necesidad de obtener más de la disciplina, "los ingresos listo "para hacer frente a las dificultades encontradas emocional en el hospital. Palabras-clave : Psicología; educación en enfermería; escuela secundaria.
As concepções expressas na Constituição Federal do Brasil e em outros dispositivos legais apontam para um conceito ampliado de saúde, que envolve a necessidade de resgatar a subjetividade no cuidar e o reconhecimento da integralidade como um princípio que contempla as dimensões biológicas, psicológicas e sociais do ser humano, provocando mudanças nas
orientações pedagógicas das instituições responsáveis pela formação de recursos humanos para a área da saúde no país. Esse novo olhar que se constrói no campo da saúde vem sendo progressivamente difundido como uma “nova cultura da saúde” não apenas na educação superior, mas também na educação profissional de nível médio.
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Considerando-se que 65% da força de trabalho em saúde no país são constituídos de trabalhadores da área de Enfermagem, torna-se evidente a importância desta área para o panorama geral da assistência (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico, Área da Saúde, 1999). No Estado do Rio de Janeiro, no mês de julho de 2008 encontravam-se inscritos no Conselho Regional de Enfermagem (Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro, 2008) um total de 24.621 enfermeiros (nível superior), 82750 técnicos (nível médio) e 71510 auxiliares de enfermagem (ensino fundamental). Apesar do grande número de técnicos registrados no referido conselho, este parcela dos profissionais de Enfermagem é pouco explorada pela literatura. Para contemplar a necessidade de uma formação que envolva habilidades cognitivas, técnicas e de relações humanas, a formação profissional de nível médio na área de enfermagem envolve, além de disciplinas mais estritamente ligadas à área biológica - como Higiene ou Microbiologia -, ramos do conhecimento como Sociologia, Filosofia e Psicologia, responsáveis pelas bases ética, política e social do trabalho em saúde. Diante destas considerações, o objetivo proposto para este artigo é investigar as concepções de alunos de curso técnico em enfermagem no tocante à disciplina “Psicologia aplicada à Enfermagem”, para identificar suas expectativas com relação à disciplina e verificar se ela fornece subsídios para perceber aspectos psicológicos envolvidos no processo de adoecer e na interação interpessoal.
O ensino da Enfermagem no Brasil e as contribuições da Psicologia ao ensino técnico nesta área
A organização da Enfermagem enquanto profissão teve início no século XIX, com o treinamento para o exercício da atividade na área psiquiátrica. Já a primeira tentativa de profissionalização em nosso país surgiu em 1890, com a criação da Escola Profissional para Enfermeiros e Enfermeiras, ligada à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), tendo como objetivo explícito prepará-los para a atividade nos hospícios e hospitais civis e militares, por meio de cursos com dois anos de duração (Fontenele Júnior, 2002). A partir de 1930 foi promulgada uma série de decretos, pareceres e leis no intuito de regulamentar o ensino e o exercício da Enfermagem no Brasil. O Decreto 20.109/31 marcou a consolidação do exercício profissional de enfermagem e equiparação das escolas à Ana Neri (escola padrão). Na década de 1940 surgiram novas escolas de ensino técnico e superior em Enfermagem. A Lei 2604/55,
regulamentada pelo Decreto 50.387/61, disciplinou o exercício da Enfermagem no Brasil, e a Lei 4.024/ estabeleceu novas diretrizes e bases da educação nacional, prevendo a formação de enfermagem em nível técnico para preencher lacuna deixada entre o exercício de cuidados elementares (efetuados pelos auxiliares) e funções de chefia/magistério (graduado). O Parecer 3.814/76 do Conselho Federal de Educação (CFE) promoveu a revisão dos conteúdos mínimos estabelecidos pelo Parecer 45/72 que delimitavam o ensino técnico (Dantas & Aguillar, 1999; Avello & Grau, 2004; Ribeiro, 2002). A Lei 7.498/86 (regulamentada pelo Decreto-Lei 94.406/87) dispõe sobre o exercício da enfermagem, estipulando que passaria a ser exercida privativamente pelo enfermeiro, técnico, auxiliar de enfermagem e parteira, de acordo com os respectivos graus de habilitação (Dantas & Aguillar, 1999; Avello & Grau, 2004; Ribeiro, 2002). A partir de 1999, por força da Resolução 04/99 do Conselho Nacional de Educação, as “Diretrizes Curriculares Nacionais – Área da Saúde” (DCNAS) passaram a orientar e nortear todos os cursos técnicos de saúde, inclusive os de enfermagem. Tendo como orientação as determinações da LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação - e do Decreto 2.208/97, bem como as recomendações aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação/MEC, tais diretrizes representaram um processo de ruptura e de transição para um ensino médio significativamente diferente do atual, ao abranger o caráter profissionalizante e a natureza humanística no enunciado das suas competências, habilidades e bases científicas indispensáveis para a formação técnica em saúde (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico Área da Saúde, 1999). A Resolução 04/99 apresenta critérios para a organização e o planejamento dos cursos que atendem a demandas da sociedade e do mercado aliadas à vocação do profissional e às capacidades da escola que oferece o cursos técnico. Além de uma carga horária delimitada, exige-se que o curso permita o desenvolvimento de competências profissionais – gerais no caso de todos os cursos do campo da saúde e específicas da enfermagem, aqui em foco (Bagnato, Bassinello, Lacaz & Missio, 2007). Seguindo-se as concepções expressas na Constituição da República Federativa do Brasil e nos dispositivos legais infraconstituicionais (leis 8080/90 e 8142/90), passou-se a formular um conceito ampliado de saúde, não redutível à sua dimensão setorial de sistemas de serviços, e um conjunto de princípios balizadores centrados na integralidade, universalidade
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Aspectos éticos
O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Veiga de Almeida, por meio da Resolução 84/2007. Todos os participantes receberam uma carta explicativa sobre a pesquisa, com o intuito de detalhar o estudo e obter consentimento para a realização da entrevista. Após a leitura desta carta, foi entregue a cada participante o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE), em duas vias, que garante o sigilo quanto à identidade do entrevistado, bem como assegura sua livre participação e, se o desejar, a interrupção dessa participação a qualquer momento.
Realização das entrevistas e forma de análise de dados
As entrevistas foram gravadas em áudio, mediante a permissão dos participantes, e após transcrição literal, foram analisadas de acordo com a proposta de Biasoli-Alves e Dias-da-Silva (1992). As autoras sugerem que, transcritas, as entrevistas sejam lidas de forma cuidadosa, inicialmente uma a uma e, em seguida, em seu conjunto, de forma a permitir a
identificação de temas centrais. A partir disso, por meio de movimento constante entre os temas identificados e a literatura disponível (no caso do presente estudo, a legislação vigente e a produção científica atual sobre o assunto), são identificadas as categorias de análise. Com vista à preservação da identidade dos participantes, adotou-se a designação “E1” para aquele que cedeu a primeira entrevista, e assim sucessivamente até a última entrevista, na qual o aluno recebeu a sigla “E10”.
RESULTADOS
Caracterização dos entrevistados Dentre os participantes do estudo, oito eram mulheres. Suas idades variavam entre 24 e 54 anos. Sete deles eram solteiros e os demais, casados. Com relação às ocupações, três entrevistados declararam atuar na área de saúde, dois dedicavam-se ao lar, dois trabalhavam na área de secretariado, um na área de vendas, um como professor e apenas era estudante (quadro 1).
Entrevista Sexo Idade (anos) Estado Civil Ocupação Atual E 1 M 27 Casado Professor E 2 M 33 Solteiro Agente comunitário de saúde E 3 F 28 Solteira Promotora de vendas E 4 F 41 Solteira Recepcionista de unidade básica de Saúde E 5 F 32 Solteira Dona de Casa E 6 F 36 Solteira Secretária E 7 F 36 Casada Dona de Casa E 8 F 24 Solteira Estudante E 9 F 54 Casada Recepcionista de unidade básica de Saúde E 10 F 40 Solteira Auxiliar de Secretaria
Quadro 1 – Caracterização dos Alunos que Participaram do Estudo
Análise das entrevistas
Psicologia aplicada à Enfermagem: ferramenta para conhecer o comportamento humano e compreender o paciente integralmente Ao analisarmos as concepções dos estudantes entrevistados, percebemos que a disciplina “Psicologia Aplicada à Enfermagem” foi por eles apresentada como ferramenta importante para conhecer o comportamento humano e compreender o paciente que recebe seu cuidado. A partir dos conteúdos discutidos na disciplina, alguns entrevistados passaram a perceber, com mais atenção, as reações emocionais dos pacientes, como a alegria e a tristeza. Outra
mudança foi a possibilidade de refletir sobre e perceber a influência dos aspectos físicos da doença sobre o psiquismo do paciente, bem com a influência dos aspectos psicológicos refletidos no sofrimento físico, como ilustrou um dos entrevistados:
Não é só a enfermidade que ele tem ali, mas olhando como um todo, né? O ser humano como um todo, o lado psicológico também, né? As mudanças de comportamento, as reações, alegria, tristeza, tudo isso, sabe? Me ajudou muito. (E7)
Outro entrevistado complementa:
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Eu já peguei paciente que não tinha melhoras no quadro, não porque estavam sendo tratados devidamente ... não tinha os filhos por perto... então tudo isso influencia na evolução clínica do paciente, né? O psicológico é muito forte na gente, então se o nosso psicológico não está legal, o físico, ele vai pagar por isso, ele vai padecer por isso ...é, é, a pessoa já está doente ...a melhora não vem por causa disso. (E1)
Esse reconhecimento da “pessoa adoecida”, e não apenas da doença, pode ser identificado por meio dos depoimentos sobre o “cuidar”, atividade essencial da enfermagem, que os alunos definem como um ato humanitário através do qual o profissional deve atender todas as necessidades do paciente, tanto físicas quanto psicológicas. “O cuidar não é só o cuidar físico de você estar limpando, de você estar fazendo medicação. É o cuidar do geral, né?” (E1) Nas palavras de outro entrevistado: “ Um apoio, né? Porque, ah ... por trás do paciente tem, tem um ser humano, né?” (E2) De acordo com os entrevistados, a disciplina “Psicologia Aplicada à Enfermagem” também ajudou o aluno de curso técnico a lidar com o paciente a partir das singularidades por este apresentadas, já que não existe uma forma única de lidar com todos os pacientes. O reconhecimento desta singularidade permitiria que, ao longo do estágio, o aluno, no exercício das atividades de enfermeiro, se tornasse mais atento ao paciente, e não apenas à doença por ele apresentada. A disciplina faz com que o aluno “desperte” para a existência de aspectos subjetivos:
Ela é importante porque ajuda aos profissionais a lidarem com os pacientes, porque cada paciente (...) é diferente do outro, e o técnico tem que ter um jogo de cintura pra lidar com cada paciente... Você saber lidar com o ser humano, te ajuda. Não que você vai ser “expert”, você não vai ser psicólogo, mas você entender um pouquinho é válido. (E4)
Os alunos destacaram a importância de conversar e ouvir o paciente para que ele se sinta bem e ocorra melhora em seu quadro clínico, e ainda apontam a “conversa” como o instrumento para que o profissional aborde os aspectos psicológicos do paciente, como o desequilíbrio emocional e receios decorrentes da realização de algum procedimento. Para os alunos, é na conversa com o paciente – ou melhor, na escuta, como define a Política Nacional de Humanização, que a disciplina de Psicologia se faz
presente, sendo necessário que os profissionais tenham disponibilidade para conversar e ouvir o paciente, ou seja, para esclarecer e orientar, tendendo a um atendimento humanizado.
Sempre acontece alguma coisa que não só a pessoa desequilibrada que chega lá, ó, sempre eles falam “ó, tem que conversar... isso aí é parte psicológica” ... Para poder se equilibrar. De repente uma conversa ,... uma parte psicológica, eu acho que pode trazer muita importância, muita coisa para um paciente. (E6)
A disciplina de Psicologia proporcionou ainda uma ampliação da percepção dos entrevistados sobre si, e não apenas a respeito do paciente. Alguns temas discutidos em sala, como a teoria psicanalítica sobre o funcionamento do aparelho psíquico e a estratégia de “dinâmica de grupos”, permitiram que alguns alunos se sentissem mais capacitados para o relacionamento interpessoal, a partir da discussão de questões de caráter pessoal/emocional dos entrevistados: “Você ser mais capacitado, enfim, para trabalhar com o público, né?...é, é, estar mais preparado para o ser humano”. (E2)
Quando a gente está estudando, eles fazem jogos de dinâmica com a gente na Psicologia, entendeu?... Ah, o objetivo acho que era pra te conhecer um pouco melhor, entendeu? E eu a eu mesmo. Conhecer os meus colegas de classe. (E10)
É assim: antes de, de, de, entender a outra pessoa, a gente acaba passando, a se, a, a, a se entender, a gente passa a se analisar. É quando a gente estuda os mecanismos de defesa, questão do ego, superego. (E1)
O impacto emocional sofrido pelo aluno ao tomar contato com a prática de Enfermagem no momento de estágio foi ressaltado pelos entrevistados. Para os alunos, o profissional de Enfermagem precisaria desenvolver algumas características psicológicas pessoais para relacionar-se com o paciente, como controle emocional, compreensão e paciência. O entrevistado 7 relembra o impacto emocional do início do estágio: “ Eu chegava em casa, tinha horas que eu parava, ficava pensando, né? nas, nas coisas que a gente via lá dentro [do hospital] e assim às vezes eu chorava, me... me... me emocionava”. (E7) Já o entrevistado 4 ressalta características pessoas que podem atrapalhar seu desempenho: Ter a paciência, né? de tá ali...procurar não estressar, porque eu sou realmente...eu sou bem estressadinha (...) trabalhar
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eu estudei sobre essas escolas. Então eu já tive uma ideia bem clara. Então quando a professora passou sobre essa matéria, eu não tive a dificuldade, porque eu já tive já, vim de anos passados. (E4)
Já os alunos que não tiveram contato anterior com a disciplina mencionaram a imagem popular associada à Psicologia indicada para tratar “loucos”, como relata o primeiro entrevistado: “Assim, a gente é, ouve muito que, quem precisa de Psicólogo é louco, né?” Curiosamente, quatro dos dez entrevistados já tinham sido atendidos por profissional de psicologia/psicoterapia. Essa informação, embora não fizesse parte do roteiro, foi obtida espontaneamente ao longo da entrevista:
Olha, a Psicologia, então não tinha ...eu já tinha uma certa...um certo conhecimento da Psicologia, porque quando era menor eu já tinha, eu fazia acompanhamento porque eu tive psoríase. Que eu tinha não, tenho, por causa de problemas de fundo emocional, né? Então meus pais me levaram pra psicólogo. (E8)
DISCUSSÃO
De acordo com os entrevistados, a Psicologia pode ajudar o profissional de enfermagem na compreensão do comportamento do paciente, bem como a vê-lo de forma integral; mas no que tange às expectativas quanto à disciplina Psicologia Aplicada à Enfermagem, os alunos entrevistados expressam a necessidade de um “roteiro de condutas” a ser seguido pelo profissional. Tal anseio por condutas predefinidas difere da concepção de Manzolli (1985) de que o ensino da Psicologia não deva ser fixado em fórmulas e em conteúdos de bom desempenho do enfermeiro. Kobayashi e Leite (2004), com base no Parecer n.º 16/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Brasileira (CEB), afirmam que não se desenvolve competência sem as capacidades de “julgar, considerar, discernir e prever os resultados de distintas alternativas, eleger e tomar decisões” (Kobayashi & Leite, 2004, p.224). A competência profissional é construída a partir da
articulação e mobilização de valores, conhecimentos e habilidades para resolução de problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de atuação profissional, superando a experiência acumulada já transformada em hábito e liberando o profissional para a criatividade e
atuação transformadora (Kobayashi & Leite, 2004, p.224).
Se por um lado existe a possibilidade de serem necessárias receitas prontas, por tratar-se de profissionais ainda em formação, por outro podemos atribuir este desejo à falta de articulação entre os conteúdos estudados e as situações encontradas no hospital. Os conteúdos discutidos ao longo da disciplina “Psicologia Aplicada à Enfermagem” apresentam-se muito mais próximos de áreas mais tradicionais ou antigas de investigação psicológica (como a Psicologia da Personalidade, por exemplo) do que de áreas mais recentes, com as quais o diálogo entre Psicologia e Enfermagem também pode florescer. São exemplos a Psicologia Hospitalar e da Saúde (Castro & Bornholdt, 2004). A necessidade, apontada pelos entrevistados, de desenvolver algumas características, como a paciência e controle emocional, para conseguirem desenvolver de forma satisfatória suas atividades ao longo do estágio vai ao encontro de estudo desenvolvido por Filizola e Ferreira (1997) que trata do envolvimento emocional da equipe de enfermagem com o paciente. Os autores discutem a necessidade de o profissional aprender a controlar sentimentos e a refrear envolvimento excessivo com o paciente, e assinalam que envolver-se implica em perceber o outro como pessoa, não como objeto. Perceber o outro enquanto pessoa “atrapalharia” o trabalho da enfermagem, na medida em que, ao dedicar-se a um paciente, o profissional “esqueceria” outros. Do mesmo modo, segundo Filizola e Ferreira, esse profissional deixaria de executar tarefas necessárias ao cuidado, por sentir “pena” do paciente..^ É desprezada, neste caso, a individualidade, a singularidade do paciente, que poderia aflorar durante um contato mais próximo. Concordamos com os autores, que destacam a necessidade de o aluno “controlar” seus sentimentos, de modo a prevalecer o domínio técnico no exercício da enfermagem, o que tem a desvantagem de dificultar uma visão mais integral do paciente. Por outro lado, também concordamos com Casate e Corrêa (2006) ao apontarem que o estágio permite que, ao vivenciar situações conflitivas e complexas, o aluno se depare com o sofrimento do paciente e, a partir disso, perceba-se vulnerável e frágil, ao mesmo tempo em que se torna sensibilizado para o exercício do cuidado, utilizando como ferramentas seu senso crítico e o acolhimento. A fala dos alunos entrevistados em nossa pesquisa sobre a necessidade de “controlar” sentimentos nos coloca diante da dicotomia do fazer técnico e do fazer humano, como ressaltam Casate e Corrêa (2006). Tal dicotomia é vista pelos autores
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como uma limitação para a humanização das ações em saúde, e requer o acolhimento do aluno estagiário, com a possibilidade de discussão/reflexão sobre as limitações e conflitos apresentados por esse aluno, ressaltando-se não apenas o domínio técnico - obviamente necessário à sua atuação - mas também seus aspectos humanos. Por outro lado, ao se referirem às limitações da disciplina, os estudantes apontam a necessidade de um espaço de preparação emocional antes de ingressarem no estágio profissionalizante, capaz de acolher dúvidas e anseios referentes ao início da prática, bem como dificuldades que poderiam surgir durante as atividades. Considerando o momento delicado que o aluno se encontra, de contato recente com uma prática que ele desconhece e que lhe causa impacto, podemos pensar em algumas ações das instituições de ensino e assistência. Conforme referido em estudo de Backes, Koerich e Ferdmann (2007), o processo de humanização, ao compreender também a lógica do estudante e trabalhador, sinalizaria para o trabalho enquanto instrumento humanizador e/ou desumanizador. A “conversa” identificada na fala dos entrevistados como importante no contato com o paciente é entendida como o meio pelo qual o técnico aborda as questões psicológicas do doente e a forma como a disciplina de Psicologia mostra-se presente em sua prática. De acordo com a Política Nacional de Humanização (Brasil, 2006), podemos substituir o termo “conversa” por “escuta”. Na importância atribuída à “conversa”, à proximidade do paciente e ao apoio, observamos a concepção dos estudantes sobre a existência de interação entre aspectos psíquicos, sociais e físicos, pois do contrário a presença e disponibilidade do profissional em dialogar e ouvir o paciente não acarretaria as mudanças positivas apontadas nas entrevistas. De acordo com a cartilha sobre “Acolhimento nas Práticas de Produção de Saúde” (Brasil, 2006), a palavra acolher pode ser compreendida como “estar com” ou “estar perto” de alguém, portanto é importante ferramenta para romper com processos de “anestesia” de nossa escuta e de produção de indiferença diante das necessidades e diferenças apresentadas pelo outro. Tal indiferença teria por função assegurar-nos uma enganosa sensação de proteção contra o sofrimento apresentado pelo outro, mas terminaria por isolar e entorpecer o ser humano, tornando-o insensível à dor alheia. Com relação à escuta, os entrevistados apontaram que às vezes o paciente necessita de uma atitude mais diretiva, funcionando como um auxílio moral, um
apoio, ou de uma troca de ideias, levando a um alívio imediato com efeito catártico, ou clarificando os conflitos (Campos, 1995). Assim como ouvir e conversar com o paciente, para os entrevistados, o profissional precisa também incorporar “delicadezas”, “gentilezas” [sic] ao relacionar-se com ele. Isso vai ao encontro das Diretrizes Curriculares Nacionais, segundo as quais a nova visão de saúde inclui a humanização do cuidado na perspectiva do cliente “envolvendo um conjunto de ‘amenidades’ de trato e de possibilidades de escolhas onde se incluem os aspectos éticos” (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico Área da Saúde, 1999, p.4). O cuidado, definido como ato humanitário, é o modo pelo qual, segundo os entrevistados, torna-se possível atender a todas as necessidades do indivíduo, devendo ser realizado de forma afetuosa, como se fosse a um familiar. O cuidado prestado pela enfermagem, segundo os alunos, ultrapassa a enfermidade, o funcionamento físico do doente. As entrevistas aqui apresentadas corroboram uma pesquisa (Lima, Oliveira, Cade, Rabello & Santana,
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Recebido em 19/01/ Aceito em 19/03/
Endereço para correspondência : Renata Fabiana Pegoraro. Rua 227 Qd 67A Lt 3/4 Setor Leste Universitário, CEP 74605-080, Goiania-GO, Brasil. E-mail : rfpegoraro@yahoo.com.br.