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Guias e Dicas
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Contribuicoes de Shulman a Educação, Notas de estudo de Matemática

Resultados de uma entrevista realizada com Lee Shulman, um dos célebres estudiosos da Educação,

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 24/10/2012

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Revista Eletrônica de Educação
, v. 1, n. 1, set. 2007. Entrevistas. ISSN 1982-7199.
Programa de Pós-Graduação em Educação
_______________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
GAIA, S., CESÁRIO, M. e TANCREDI, R. M. S. P. – Formação profissional e pessoal: a trajetória de vida de Shulman e
suas contribuições para o campo educacional. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.1, no. 1, p.
142-155, set. 2007. Disponível em http://www.reveduc.ufscar.br.
142
FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL: A TRAJETÓRIA DE VIDA DE
SHULMAN E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O CAMPO EDUCACIONAL
Silvia Gaia
1
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Marilene Cesário
2
Universidade Estadual de Londrina
Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi
3
Universidade Federal de São Carlos
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Resumo
Neste trabalho, apresentamos os resultados de uma entrevista realizada com
Lee Shulman, um dos célebres estudiosos da Educação, que valoriza em suas
pesquisas a figura do professor como aquele que detém o saber de referência
da profissão docente. Por meio de sua história de vida, pudemos percorrer por
seus caminhos trilhados, na intenção de compreender como suas escolhas
pessoais e profissionais o levaram a optar pela educação, bem como identificar
quais dificuldades, conflitos e satisfações obteve nessa trajetória. Como
caminho metodológico, optamos pela História de Vida, e, a partir da narrativa
de Shulman, pudemos explorar processos tanto individuais como coletivos de
construção de saberes, de aprendizagem e socialização profissional, advindos
dos significados atribuídos à própria trajetória de seu desenvolvimento
profissional. Esse trabalho é o resultado de entrevista semi-estruturada feita
por telefone e gravada em áudio, com duração de 30 minutos, conforme
transcrição original (inglês). A voz de Lee Shulman, um dos grandes estudiosos
atuais no campo da educação, mostra como suas decisões pessoais e
profissionais contribuíram para se tornar, na atualidade, um dos célebres
teóricos da área.
Palavras-chave: teóricos da educação, construção do saber, aprendizagem
1
Licenciatura em Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1991),
graduação em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de
Ponta Grossa (1991) e especialização em Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa (1993).
2
Licenciatura em Educação Física pela Faculdade de Educação Física Norte do Paraná
(1987), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) e
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos.
3
Licenciatura em Matemática pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara,
atual UNESP-campus de Araraquara (1971). Mestrado em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (1990) e doutorado em Educação pela mesma instituição e Programa
(1995). Professora voluntária (associado) na UFSCar e professora PPI da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Desenvolve pesquisa e extensão nas linhas de Formação de
Professores e Processos de Ensino e Aprendizagem, com ênfase em ensino de Matemática,
fracasso escolar e ensino a distância. Coordenadora, juntamente com a Profa. Dra. Aline Maria
de Medeiros Rodrigues Reali, do Portal dos Professores da UFSCar.
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Programa de Pós-Graduação em Educação



GAIA, S., CESÁRIO, M. e TANCREDI, R. M. S. P. – Formação profissional e pessoal: a trajetória de vida de Shulman e suas contribuições para o campo educacional. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.1, no. 1, p.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL: A TRAJETÓRIA DE VIDA DE

SHULMAN E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O CAMPO EDUCACIONAL

Silvia Gaia^1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná Marilene Cesário^2 Universidade Estadual de Londrina Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi^3 Universidade Federal de São Carlos Universidade Presbiteriana Mackenzie

Resumo Neste trabalho, apresentamos os resultados de uma entrevista realizada com Lee Shulman, um dos célebres estudiosos da Educação, que valoriza em suas pesquisas a figura do professor como aquele que detém o saber de referência da profissão docente. Por meio de sua história de vida, pudemos percorrer por seus caminhos trilhados, na intenção de compreender como suas escolhas pessoais e profissionais o levaram a optar pela educação, bem como identificar quais dificuldades, conflitos e satisfações obteve nessa trajetória. Como caminho metodológico, optamos pela História de Vida, e, a partir da narrativa de Shulman, pudemos explorar processos tanto individuais como coletivos de construção de saberes, de aprendizagem e socialização profissional, advindos dos significados atribuídos à própria trajetória de seu desenvolvimento profissional. Esse trabalho é o resultado de entrevista semi-estruturada feita por telefone e gravada em áudio, com duração de 30 minutos, conforme transcrição original (inglês). A voz de Lee Shulman, um dos grandes estudiosos atuais no campo da educação, mostra como suas decisões pessoais e profissionais contribuíram para se tornar, na atualidade, um dos célebres teóricos da área.

Palavras-chave: teóricos da educação, construção do saber, aprendizagem

(^1) Licenciatura em Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1991),

graduação em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1991) e especialização em Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1993). 2 Licenciatura em Educação Física pela Faculdade de Educação Física Norte do Paraná (1987), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. (^3) Licenciatura em Matemática pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara,

atual UNESP-campus de Araraquara (1971). Mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (1990) e doutorado em Educação pela mesma instituição e Programa (1995). Professora voluntária (associado) na UFSCar e professora PPI da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Desenvolve pesquisa e extensão nas linhas de Formação de Professores e Processos de Ensino e Aprendizagem, com ênfase em ensino de Matemática, fracasso escolar e ensino a distância. Coordenadora, juntamente com a Profa. Dra. Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali, do Portal dos Professores da UFSCar.

Programa de Pós-Graduação em Educação



GAIA, S., CESÁRIO, M. e TANCREDI, R. M. S. P. – Formação profissional e pessoal: a trajetória de vida de Shulman e suas contribuições para o campo educacional. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.1, no. 1, p.

Abstract PROFESSIONAL AND PERSONAL DEVELOPMENT: the journey of the life of Shulman and his contributions to Education In this work, the results of research carried out with Lee Shulman, one of the best-known scholars in Education, are presented. This research values the figure of a teacher who has unrivalled knowledge in the teaching profession. If we look at his life story, we can follow his travelled path trying to understand how his personal and professional choices led him to opt for Education, as well as identify which difficulties, conflicts and satisfactions he obtained on this path. In terms of methodology, we opted for his life history and from Shulman´s narrative we were able to explore processes as well as individuals as collective building blocks of knowledge, learning and professional socialization resulting from meanings attributed to the path of his professional development. This work is the result of a semi-structured interview conducted by telephone and recorded. It lasted thirty minutes according to the original transcript in English. Lee Shulman´s voice, one of the great current scholars in Education, shows how his personal and professional decisions contributed towards him becoming one of the best-known theorists in the area.

Key words: Education theories, knowledge building blocks, learning

Introdução

(...) não há dois professores iguais e (...) a identidade que cada um de nós constrói como educador baseia-se num equilíbrio único entre as características pessoais e os percursos profissionais. E a conclusão de que é possível desvendar o universo da pessoa por meio da análise da sua acção pedagógica: Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és. (NÓVOA, 1997, p. 33)

A epígrafe acima traduz bem as relações entre o eu pessoal e profissional construídas durante a trajetória de vida de cada educador, ou seja, o ser professor expressa esse amálgama decorrente das escolhas e opções vividas na história de vida de cada um. Traz de volta a idéia de valorização da figura do professor enquanto pessoa que ao se desenvolver profissionalmente desenvolve-se também como pessoa, não sendo possível separar essas dimensões, anunciando que

a forma como cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite; os professores constroem a sua identidade por referência a saberes (práticos e teóricos), mas também por adesão de um conjunto de valores etc. (ibid, p. 33).

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preservar originalmente o caráter espontâneo e descontraído no qual se deu a entrevista contribui para que possamos, mesmo imbuídos pela atitude de pesquisadoras, desvelar aspectos importantes de sua trajetória profissional, pessoal e as circunstâncias que contribuíram para que se tornasse um pesquisador conceituado no campo educacional. As questões da entrevista foram feitas a partir das seguintes temáticas:

  • Fatos ocorridos em sua vida pessoal e profissional que o levaram a pesquisar no campo educacional e a permanecer nele.
  • Sua contribuição para a área educacional, especialmente para a formação e desenvolvimento profissional de professores.
  • Seu ponto de vista sobre o processo educacional voltado para a aprendizagem de ser pesquisador e suas perspectivas para o futuro com relação à pesquisa, à formação e atuação dos professores.
  • A influência de sua vida pessoal no campo profissional e vice-versa (a família, o trabalho, os planos).

Antes, porém, de apresentar a entrevista na sua totalidade faremos um breve apanhado da trajetória profissional de Lee S. Shulman, que nos ajuda a compreender sua importância na área de formação e desenvolvimento profissional de professores e as respostas dadas por ele às nossas questões.

Lee S. Shulman: destaques em uma trajetória profissional

Lee S. Shulman ocupa, atualmente, o cargo de Presidente da “Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching” (Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino). Essa Fundação foi criada por Andrew Carnegie em 1905 e reconhecida pelo Congresso dos Estados Unidos em 1906. Sua missão sempre foi a de “to do and perform all things necessary to encourage, uphold and dignify the profession of teaching” (Website da Carnegie Foundation). Ou seja, fazer e desenvolver tudo que for necessário para encorajar, manter e dignificar a profissão do ensino. Como oitavo Presidente da Fundação, Shulman tem desenvolvido, juntamente com todos os colegas de instituição, muitas pesquisas na área educacional sempre visando à melhoria do processo ensino- aprendizagem. Lee Shulman foi professor de Psicologia Educacional e Educação Médica na Universidade de Michigan, de 1963 a 1982. Atuou como professor de psicologia na Universidade de Stanford, experiência que o tornou o primeiro professor Charles E. Ducommun da Universidade de Stanford. Essa honraria foi estabelecida no início de 1989 como auxílio a um membro sênior da universidade cuja pesquisa e atividades de ensino se concentrassem na

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melhora do processo de ensino e de formação docente tanto nas escolas como “colleges”^4 e universidades. Além disso, Lee Shulman ocupou vários outros cargos em sua trajetória profissional:

  • Co-Diretor Fundador do “Institute for Research on Teaching (IRT)”- Instituto para Pesquisa em Ensino -, na Universidade de Michigan, 1976;
  • Past President da “American Educational Research Association (AERA)”, Associação Americana de Pesquisa Educacional;
  • Membro da “National Academy of Education” – Academia Nacional de Educação, tendo assumido tanto a vice-presidência quanto a presidência dessa organização;
  • Foi eleito “Fellow of The American Academy of Arts and Sciences”- Sócio-companheiro da Academia Americana de Artes e Ciências, em

Lee Shulman também recebeu vários prêmios e condecorações por seu trabalho. Consta, entre eles, o maior reconhecimento da Associação Americana de Pesquisa Educacional, o prêmio “Career Award”, por sua notável contribuição para a pesquisa educacional; e o prêmio E. L. Thorndike , em 1995, pelas suas contribuições para a área de psicologia educacional. Seus estudos na área médica, com seu colega Arthur Elstein, são reconhecidos pelas investigações dos processos cognitivos na solução de problemas médicos, e foram publicados pela Editora da Universidadede Harvard sob o título “Medical Problem Solving”, em 1978. Já na área da Educação, seu grupo de pesquisa da Universidade de Stanford traçou os principais conceitos para a reconsideração da natureza do conhecimento do professor, com especial atenção à importância do conhecimento pedagógico do conteúdo. Entre 1985 e 1990, Lee Shulman e seus colegas conduziram os estudos técnicos para a criação do Conselho Nacional para os Padrões do Ensino Profissional. Desde 1990, tem colaborado com Pat Hutchings e Russell Edgerton na pesquisa sobre o papel do ensino na educação superior. Resumidamente, as pesquisas e publicações de Lee Shulman envolvem temas como processo ensino-aprendizagem, formação de professores, base do conhecimento dos professores, educação médica, a instrução psicológica no ensino de ciências, matemática e medicina, sobre a lógica da pesquisa educacional e a qualidade do ensino nas instituições de educação superior. Todos seus estudos têm, ao longo dos anos, enfatizado a importância do ensino enquanto propriedade comunitária, com o papel

(^4) Os “colleges” são instituições que os alunos estudam após finalizaram o Ensino Médio. Nesse

sentido, não encontram referência similar no sistema educacional brasileiro, podendo, entretanto, eventualmente, serem comparados às escolas técnicas. Num outro sentido, entende-se “college” como uma das principais divisões de uma universidade, correspondendo assim, à Faculdades do sistema educacional brasileiro.

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GAIA, S., CESÁRIO, M. e TANCREDI, R. M. S. P. – Formação profissional e pessoal: a trajetória de vida de Shulman e suas contribuições para o campo educacional. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.1, no. 1, p.

Ela era professora primária, e nós queríamos começar uma família, então eu terminei meu doutorado em 1963, com uma tese sobre o pensamento dos professores.

Foi nessa época que você começou a estudar sobre formação de professores? Exatamente. Em 1962 ou 1963, eu estava pesquisando na maior parte do tempo sobre resolução de problemas em formação de professores, a aprendizagem e o pensamento do professor.

Nessa época, você abandonou a idéia de psicologia clínica? Sim, eu realmente abandonei essa idéia. Eu decidi que queria trabalhar com psicologia educacional, especialmente com ensino-aprendizagem. Na verdade, eu nunca mais voltei a estudar psicologia clínica.

Depois de terminar seu doutorado, casar, qual foi seu primeiro emprego? Na verdade, eu casei três anos antes de terminar meu doutorado.

Então, sua esposa sofreu por três anos? Oh!!! Bem, ela está sofrendo por 45 anos agora, então...!!!

Bem, eu digo isso porque aqui no Brasil, as bolsas de estudo não são muito boas, então fica meio difícil manter uma família somente com esse dinheiro. Ah, bem, nós dois tínhamos bolsa de estudo, mas também, nós trabalhávamos muito. Assim, nós estávamos casados pelos três últimos anos do meu doutorado e então, em 1963, meu primeiro emprego foi como professor assistente de psicologia educacional na Universidade Estadual de Michigan. Eu permaneci lá por 19 anos.

Na maioria do tempo, você estava ensinando ou pesquisando? Os dois. Nas universidades americanas de pesquisa, como Michigan e Stanford, é impossível somente fazer pesquisa ou estudar; espera-se que os professores façam os dois. Então, no meu primeiro ano em Michigan, eu comecei um projeto de pesquisa, ao mesmo tempo em que eu cumpria meu primeiro ano de ensino. Eu lecionava turmas enormes, quinhentos alunos de manhã, e quinhentos alunos de tarde. Mil alunos por dia.

É muito trabalho. Bom, você sabe, eu tinha quinze professores assistentes. Eu também tinha muitos assistentes.

Isto é bom. Eu tenho a sensação que quando se está estudando sobre questões educacionais, é importante que você esteja ensinando e pesquisando ao mesmo tempo.

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Eu estava trabalhando, mas eu não estava dando aulas numa escola. Eu estava lecionando somente na universidade enquanto eu estava fazendo minha pesquisa. Mas minha pesquisa era uma pesquisa que me levou para as escolas, para trabalhar com pessoas que estavam aprendendo a ensinar durante todo o tempo. Assim, eu nunca me afastei da escola ou dos professores durante o tempo da minha pesquisa.

Você acha isso importante em qualquer tipo de pesquisa? Certamente. Isso não significa que você tenha que fazer isso o tempo todo. Eu penso que você nunca deve permitir se separar do campo, da prática, por muito tempo. Pois isso sim pode resultar num problema sério. Então, eu acho que é preciso se alcançar um equilíbrio. Algumas vezes o equilíbrio acontece ao mesmo tempo; às vezes, o equilíbrio acontece quando você trabalha mais na universidade, durante um ano, e no próximo ano você encontra tempo para voltar ao campo ou por causa de sua pesquisa ou para lecionar. O importante é sempre se movimentar de um ao outro em busca do equilíbrio.

Você trabalhou diretamente com os professores ou somente com alunos da universidade? Eu estava trabalhando com pessoas que estavam estudando para se formarem professores. Eu tinha alunos que estavam estudando para ser professores nas turmas da universidade quando eu dava aula nos cursos regulares. E eu sempre tive um certo número de alunos de doutorado que vinham para trabalhar comigo e, é claro, eu os estava ensinando, mas eles estavam pesquisando comigo, como meus colegas, e isso acontecia ao mesmo tempo.

Então, seus alunos de doutorado ajudaram em sua pesquisa? Oh, certamente. Eu acho que para o nível de doutorado, o melhor treino para os doutorandos é trabalhar em colaboração com um professor sênior, com um projeto de pesquisa maior e assim, eles têm oportunidade de aprender enquanto pesquisam. Eles aprendem até mesmo a prática de se fazer pesquisa, aprendem a escrever, a criticar o trabalho um do outro. Isto é muito importante.

Conte-nos um pouco sobre o programa de doutorado nos Estados Unidos. O programa é muito similar. A diferença, se é que existe, é que enquanto você está cursando as disciplinas do programa, você começa imediatamente a pesquisa com um professor sênior. Assim, nós tentamos colocar os alunos bem cedo para trabalhar num projeto de pesquisa. Diga-me, você também lecionava em escolas antes de fazer seu mestrado?

Bom, eu leciono desde os meus 16 anos. Que coisa! O que você lecionava?

Eu lecionava inglês.

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jantares para nossos alunos, e mesmo quando era eu o professor deles, eles começavam a quase sentir que Judy era a professora deles também. Especialmente com os alunos do doutorado que passavam mais tempo convivendo conosco, eles quase passavam a fazer parte da família. Nós sempre convidamos todos os nossos alunos para virem à nossa casa, pelo menos, todo semestre, para jantar. Nós também nos colocávamos à disposição dos alunos quando eles estavam com problemas pessoais. Sempre quando eu tinha muita viagem para fazer, eu sempre procurava um jeito da Judy me acompanhar. E se ela não pudesse, e a viagem fosse muito longa, eu simplesmente recusava a viagem. Eu dizia que não poderia ir. Eu creio que tenho muita, mas muita sorte de ter tão pouca competição entre minha vida pessoal e a vida profissional.

Você recorda de algum exemplo? Certamente eu posso contar algumas histórias sobre isso. Uma foi num trabalho que eu comecei em 1968, e eu ainda me recordo de estar sentado e assistindo através de um vidro, quando começamos a trabalhar com o primeiro paciente e ele começou a fazer tudo, menos o que nós havíamos previsto. Nós não previmos que isso pudesse acontecer quando começamos a pesquisa. Eu nunca esquecerei que quando terminamos de assisti-lo, nós nos reunimos e dissemos: “Bem, ou a nossa teoria está errada ou nós temos aqui uma posição ímpar”. E então nós continuamos o trabalho e passamos a entender que nossa teoria estava realmente errada. Nós entendemos totalmente errado o que nós estávamos pesquisando. E foi muito, muito importante não somente mudar nossa pesquisa, o quê nós estávamos pensando, mas realmente, mudar a fundamentação de minha pesquisa sobre ensino nesses últimos vinte anos.

Isto é muito bom. Acho até que é a melhor parte da pesquisa. Oh, sim. A surpresa é a melhor parte. Mas, é claro, que sempre é bom a pesquisa estar sob controle.

Você tem alguma experiência para contar que tenha mudado seu jeito de ensinar ou a maneira de trabalhar com seus alunos? Eu acho que sim… Digo novamente, eu tenho feito isso por pelo menos 40 anos e quando eu penso num único incidente… mas, eu me lembro de um. Na verdade, eu falei sobre isto no meu discurso dessa manhã. Eu estava em Tennessee, 3.500 milhas longe de casa. As crianças de uma escola, ou melhor, a escola Nacional de Tennessee havia sido escolhida como local de pesquisa sobre as comunidades de professores; nós estávamos colaborando com John Bransford, Susan Grossman e outros professores da universidade de Tennessee. E eu estava assistindo dois professores que estavam dando aulas em salas próximas uma da outra e ambos estavam trabalhando o mesmo programa (assunto), e mesmo assim o quê eles estavam fazendo e como estavam fazendo era tão diferente que eu fiquei intrigado. Quero dizer, eles deveriam estar ensinando o mesmo programa (assunto), eles estavam trabalhando com crianças muito, mas muito semelhantes; na verdade, eu

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assisti as mesmas crianças indo da sala de um professor para a sala do outro, mas o ensino deles era tão dramaticamente diferente, e não era por causa das diferenças de personalidade, era algo que estava relacionado com o entendimento, a visão e a prática desses professores. Eu acabei conversando com ambos os professores por um longo tempo depois das aulas. E, daí, voltando para o hotel onde estava hospedado, eu comecei a me questionar, na tentativa de acabar dizendo alguma coisa para mim mesmo que me ajudasse a descobrir que tipo de teoria eu precisaria para entender o quê aqueles professores fizeram e que foi tão diferente. E esse foi o começo do meu trabalho teórico que acabou embasando nossa teoria da base de conhecimento do professor. Essa teoria surgiu diretamente da observação. E eles (os professores) ficaram totalmente confusos e intrigados com o quê eu dizia a respeito do resultado dessa observação.

Então, você tentou outras teorias para entender o quê havia acontecido? Sim, porque eu perguntava para mim mesmo qual seria a razão da diferença de entendimento e de práticas que tornava tão difícil para eles participarem de comunidades de aprendizagem e notarem que não era a mesma coisa. Entenderem que um professor sabia ou entendia alguma coisa que o outro professor não sabia, nem dominava. E que o outro professor também sabia algumas coisas que o primeiro professor não conhecia. Assim eu comecei a sentir a necessidade de entender o que estava acontecendo e nós começamos a verificar o que nós estávamos fazendo com outros professores tomando como base este tipo de “insight”.

Você está trabalhando com pesquisas na área de formação de professores? Eu, pessoalmente, parei de fazer este tipo de trabalho há nove anos atrás, então eu não estou mais trabalhando nessa área. Uma vez que eu me tornei presidente da Fundação Carnegie, as possibilidades acabaram tornando-se bem mais amplas. Assim eu, pessoalmente, não continuei com esta linha de pesquisa. Mas uma certeza eu tenho: o movimento nos Estados Unidos para a reforma das escolas, especialmente as escolas do ensino médio, procurará criar escolas menores do ensino regular com comunidades de professores, de aprendizes. Isto está diretamente relacionado com o trabalho que fiz nos anos 90, no início dos anos 90. Assim, quando eu me encontrei com os 300 professores esta manhã, eu senti que eu os estava direcionando para praticar essas lições, por em prática essas teorias... Eu estava tentando atualizá-los. O problema, é claro, é este tipo de ensino: dá muito mais trabalho para o professor, requer treinamento mais profundo, requer escolas de pequena capacidade (pequeno número de alunos), o que acaba contrariando as perspectivas de economia com a construção de grandes prédios escolares; e ainda há a preocupação com os outros países que sofrem com sua economia, que acaba dando margem para a criação de variedades para este tipo de reforma.

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docência, a formação de professores e a organização das escolas tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino para toda a população. A primeira impressão que nos ficou da entrevista com Lee Shulman foi sua disponibilidade para a conversa, a espontaneidade, a simplicidade e a facilidade de comunicação. Durante toda a conversa, Shulman se apresentou pronto para interagir e partilhar seus conhecimentos e experiências; também viu na entrevista uma oportunidade de comunicar-se com pesquisadores de um outro país. Mesmo tendo se colocado à disposição, deixando a entrevista ao encargo do entrevistador, não perdeu a chance de questionar e aprender mais sobre a educação brasileira e o universo de atuação dos nossos professores. Ao conhecermos como sua teoria sobre a base de conhecimento dos professores para o ensino surgiu e se desenvolveu, notamos claramente quão ávido Shulman é pelo estabelecimento de relações teóricas entre o saber docente e o ensino. Em suas palavras:

“... voltando para o hotel, onde estava hospedado, eu comecei a me questionar na tentativa de acabar dizendo alguma coisa para mim mesmo que me ajudasse a descobrir que tipo de teoria eu precisaria para entender o quê aqueles professores fizeram e que foi tão diferente”.

Após analisar várias teorias, entendeu que precisava de algo mais para explicar o que havia presenciado; para isso, contou com o apoio de outros pesquisadores e de organizações/instituições voltadas para o empoderamento dos professores, ou seja, para encorajar, manter e dignificar a profissão do ensino. Shulman também deixou claro o papel da parceria, da colaboração no desenvolvimento da pesquisa: afirma que conseguiu chegar onde está hoje porque sempre contou com a ajuda de professores-assistentes, seus alunos de doutorado ou não, de seus colegas, e atualmente, dos “scholars” da Fundação Carnegie. Esse reconhecimento pelo trabalho de outros pesquisadores certamente contribuiu para que alcançasse o patamar no qual se encontra. Destacamos que o respeito pelos pares não se dirige exclusivamente aos seus colegas e alunos, mas também à sua esposa, Judy Shulman, que admira como profissional reconhecida, que construiu uma carreira independente, mas que partilha das mesmas preocupações e interesses. Entretanto, ao ser questionado sobre a interferência da vida pessoal na vida profissional, Shulman apressou-se a negá-la. Talvez tenha entendido a questão sob o aspecto negativo, de a vida familiar dificultar/prejudicar a vida profissional, ou vice-versa. Porém, para nós ficou evidente, no decorrer da conversa, a presença positiva de sua esposa, que participa de seu trabalho acompanhando-o em sua trajetória. Parece-nos importante destacar, ainda, a perspectiva para o futuro, de esperança na continuidade dos estudos sobre a temática de suas pesquisas e das dificuldades que ainda existem, mesmo no seu país, de serem

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implementadas suas idéias. Num dos últimos momentos da conversa, após a despedida, ele assim se coloca:

“Não consegui resolver muitas das questões que ainda tenho vontade de ver resolvidas, mas fico feliz porque tenho certeza de que minhas pesquisas e os estudos de muitos outros pesquisadores ajudarão para se chegar a uma reforma que contemple as preocupações que temos com a formação e educação de nossos profissionais. Pois, o futuro ainda está por vir”.

E continua, num outro momento:

o problema, é claro, é este tipo de ensino: dá muito mais trabalho para o professor, requer treinamento mais profundo, requer escolas de pequena capacidade (pequeno número de alunos), o que acaba contrariando as perspectivas de economia com a construção de grandes prédios escolares.

Suas opiniões são certamente lições e desafios para todos nós que estamos envolvidos nessa área de estudo e pesquisa - pesquisadores e proponentes das políticas públicas -, que temos o interesse de ver o Brasil alcançar patamares educativos mais elevados, com o desenvolvimento de toda a população brasileira, e mais acordes com a superação da gritante desigualdade social que ainda existe no país.

Enviado em: 01/01/2007.

Aceito em: 01/09/2007.