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Curso Política e Cultura no Brasil - Olavo de Carvalho, Transcrições de Ciência Política

Transcrição do curso sobre a politica e a cultura no Brasil, ministrado pelo filósofo Olavo de Carvalho

Tipologia: Transcrições

2019

Compartilhado em 24/10/2019

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Política e Cultura no Brasil História e Perspectivas
OLAVO DE CARVALHO
Aula 1
12 de abril de 2016
[versão provisória]
Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia.
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor, não cite nem divulgue este material.
Boa noite, sejam bem-vindos.
Parece que algumas pessoas ainda estão com dificuldade de acesso. O Silvio Grimaldo está passando
um email para cada um, talvez demore um pouco pois o Gmail possui um limite de emails que pode
ser mandado ao mesmo tempo, dando a solução do problema, portanto, vamos entrar logo no assunto.
Desde o início da década de noventa eu comecei a reparar que algumas coisas muito estranhas
estavam acontecendo no Brasil. Na medida em que fui investigando essas coisas, eu percebi que elas
já estavam acontecendo desde muito antes, desde pelo menos a década de sessenta.
Durante o período militar, nós observamos que enquanto a esquerda se refazia da pancada recebida e
se articulava numa nova estratégia de acordo com os cânones de Antonio Gramsci, o governo militar
não sabia absolutamente nada e durante vinte anos eles não prestaram atenção ao que estava
acontecendo, permaneceram impávido colosso achando que estavam por cima da carne seca, até que
de repente viram que estavam pisando em terreno minado e foi uma debandada era tudo quanto é
general querendo ir para casa o mais rápido possível.
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Na fase seguinte houve aquele fenômeno, que eu documentei no livro O Imbecil Coletivo, que foi a
total destruição da alta cultura no Brasil. Na época ela ainda subsistia, mas todos os melhores
representantes eram nonagenários. Era de se prever que a coisa ia terminar em breve, como de fato
terminou. Se vocês compararem a lista de grandes escritores que o Brasil tinha nas décadas de
cinquenta e sessenta e os que vieram depois é um negócio devastador, um fenômeno como nunca se
viu no mundo.
Mais adiante começou este crescimento extraordinário do banditismo, da violência assassina,
chegando a setenta mil assassinatos por ano e sem que houvesse um único debate a respeito na grande
mídia e também o fenômeno da total destruição da educação brasileira, onde os nossos alunos do
ensino secundário, sistematicamente, tiravam os últimos lugares nos testes internacionais, e também
não havia nenhum debate na mídia, e assim por diante.
Ou seja, várias coisas esquisitas que mostravam um hiato, uma defasagem, um abismo, entre o que
estava se passando e o reflexo disso na consciência nacional; consciência essa que parecia
completamente morta, o corpo do país estava sofrendo e a sua mente não estava reparando em
absolutamente nada.
Toda essa lista de fenômenos são coisas inéditas. Também o fenômeno do Foro de São Paulo, que
estava se formando, que era a maior organização política que já existiu na América Latina e estava
conquistando um país atrás do outro. E, ao mesmo tempo, a mídia ou fazia de conta que não via ou
negava taxativamente que a coisa sequer existisse. Ela passou a admitir a existência do órgão
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Sto. Antonio Gramsci e a Salvação do Brasil”, In A Nova Era e a Revolução Cultural, Olavo de Carvalho.
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Política e Cultura no Brasil – História e Perspectivas

OLAVO DE CARVALHO

Aula 1 12 de abril de 2016 [ versão provisória ] Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia. O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor. Por favor, não cite nem divulgue este material. Boa noite, sejam bem-vindos. Parece que algumas pessoas ainda estão com dificuldade de acesso. O Silvio Grimaldo está passando um email para cada um, talvez demore um pouco pois o Gmail possui um limite de emails que pode ser mandado ao mesmo tempo, dando a solução do problema, portanto, vamos entrar logo no assunto. Desde o início da década de noventa eu comecei a reparar que algumas coisas muito estranhas estavam acontecendo no Brasil. Na medida em que fui investigando essas coisas, eu percebi que elas já estavam acontecendo desde muito antes, desde pelo menos a década de sessenta. Durante o período militar, nós observamos que enquanto a esquerda se refazia da pancada recebida e se articulava numa nova estratégia de acordo com os cânones de Antonio Gramsci, o governo militar não sabia absolutamente nada e durante vinte anos eles não prestaram atenção ao que estava acontecendo, permaneceram impávido colosso achando que estavam por cima da carne seca, até que de repente viram que estavam pisando em terreno minado e foi uma debandada – era tudo quanto é general querendo ir para casa o mais rápido possível.^1 Na fase seguinte houve aquele fenômeno, que eu documentei no livro O Imbecil Coletivo , que foi a total destruição da alta cultura no Brasil. Na época ela ainda subsistia, mas todos os melhores representantes eram nonagenários. Era de se prever que a coisa ia terminar em breve, como de fato terminou. Se vocês compararem a lista de grandes escritores que o Brasil tinha nas décadas de cinquenta e sessenta e os que vieram depois é um negócio devastador, um fenômeno como nunca se viu no mundo. Mais adiante começou este crescimento extraordinário do banditismo, da violência assassina, chegando a setenta mil assassinatos por ano e sem que houvesse um único debate a respeito na grande mídia e também o fenômeno da total destruição da educação brasileira, onde os nossos alunos do ensino secundário, sistematicamente, tiravam os últimos lugares nos testes internacionais, e também não havia nenhum debate na mídia, e assim por diante. Ou seja, várias coisas esquisitas que mostravam um hiato, uma defasagem, um abismo, entre o que estava se passando e o reflexo disso na consciência nacional; consciência essa que parecia completamente morta, o corpo do país estava sofrendo e a sua mente não estava reparando em absolutamente nada. Toda essa lista de fenômenos são coisas inéditas. Também o fenômeno do Foro de São Paulo, que estava se formando, que era a maior organização política que já existiu na América Latina e estava conquistando um país atrás do outro. E, ao mesmo tempo, a mídia ou fazia de conta que não via ou negava taxativamente que a coisa sequer existisse. Ela só passou a admitir a existência do órgão (^1) “Sto. Antonio Gramsci e a Salvação do Brasil”, In A Nova Era e a Revolução Cultural , Olavo de Carvalho.

quando o próprio Lula fez dois discursos reconhecendo a atividade, o trabalho, desenvolvido no Foro de São Paulo, declarando inclusive: “fomos nós quem colocamos o companheiro Chaves na presidência” – e coisas desse tipo. Daí aos poucos começaram a tomar alguma consciência, até que finalmente veio o vídeo do terceiro congresso do partido, onde o PT reconhecia o Foro de São Paulo como comando estratégico da esquerda da América Latina, aí não deu para esconder mais, mas mesmo assim ainda vieram tentativas de minimizar. Bom, a coisa está muito grave, pois quando vemos um sujeito que está desempregado, doente, a mulher dele fugiu, o cachorro morreu, ele perdeu a casa, o carro quebrou, e ele está aparentemente normal e tranquilo, obviamente é porque ele está maluco. Então, é claro, o país estava doido nesse sentido e alguma coisa precisava ser feita. Já desde antes dos anos noventa eu me preocupava com este problema da ciência política. O que eu notava era que todos os grandes representantes, tanto da filosofia política, quanto da ciência política na modernidade, todos eles – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, Hegel, Marx, até o próprio Nietsche – raciocinavam sempre com base numa ideia de sociedade ideal a ser alcançada no futuro. A partir desse modelo da sociedade ideal, diagnosticavam o que estava se fazendo por contraste com essa sociedade totalmente imaginária. É claro, isso introduzia uma distorção completa no quadro pois, se o sujeito não consegue nem mesmo obter uma visão clara, estruturada, detalhada, da sociedade existente, cujos dados estão na sua frente, estão fisicamente visíveis, como é que ele vai conceber uma sociedade que só existe em sua mente? É claro, a imagem da sociedade futura é um negócio esquemático, resumido, sumário – Karl Marx não chegou a escrever trinta linhas sobre como seria o comunismo – e todos esses acreditavam, então, nessa imagem vaga e sumária de uma sociedade futura, tomando-a como régua de medida para aferir o que estava acontecendo na sociedade presente – isso é uma inversão. Ao invés de tentarem sondar o desconhecido pelo conhecido, estavam fazendo o contrário, estavam sondando o conhecido pelo desconhecido. É claro, isso nunca poderia dar certo. No entanto, isso era uma coisa tão disseminada entre os pensadores políticos que eu cheguei à conclusão de que todo esse negócio está viciado desde o começo. E, [mesmo] quando surge a ideia mais própria de ciência política, entre os séculos XIX e XX, ela não muda, não se cura, desse vício. [Na verdade], apenas acrescenta o uso de alguns procedimentos cognitivos das ciências naturais – estatística, medição, etc., [ou seja], não adianta nada absolutamente. Pois estavam pegando uma fantasia e medindo ela. Há alguns anos houve um livro publicado no EUA que testava a ciência política. Este, consultou os cientistas políticos, os mais destacados, mais de uma centena deles, quanto algumas previsões sobre os desenvolvimentos possíveis da situação [corrente] para os próximos anos e 98% deles erraram da maneira mais escandalosa. Então, é a mesma coisa que responder à pergunta: Para que serve essa ciência? Para absolutamente nada. Ou seja, é um cabide de emprego. É algo que serve bem a um monte de picareta, tagarela, isto quando não serve ela própria de instrumento para enganar a população. Bom, esse negócio está muito malparado, nós temos de consertar essa coisa. Então, algumas decisões cognitivas eram preciso serem tomadas. A primeira decisão era declarar taxativamente: “eu não sei como é a sociedade melhor do futuro”. Eu não sei, Maquiavel também não sabia, Kant também não sabia, Rousseau também não sabia, mas eu estou declarando: “eu não sei, não sei como a sociedade deve ser e muito menos como ela será daqui a cinquenta, cem ou duzentos anos.” Segunda decisão: “eu não sei para onde a história está indo”. Eu fiquei muito contente quando li no Eric Voegelin a observação de que “não podemos saber o sentido da história porque não sabemos quando ela vai terminar”. É evidente que se pode perceber, por exemplo, o sentido de uma peça de teatro ou de um romance, pois este tem um fim. Para a História, como não sabemos qual é a data do fim do mundo, então não podemos saber qual é o sentido da História – essa me parece uma observação

Eu me lembro que há alguns anos eu fiz na Maison des Sciences de l'Homme da Unesco, em Paris, a conferência “Os mais excluídos dos excluídos”^2. Bom, para dizer que o sujeito é excluído, ele tem de não ter voz nenhuma, não ter chance. E eu descobri que os mais excluídos dos excluídos são os mortos, pois eles não falam. Então, nós podemos inventar a respeito deles o que nós quisermos, mentir o quanto quisermos, e isso evidentemente causa uma distorção da perspectiva histórica. Logo em seguida aparece uma historiadora brilhante, que escreve algo exatamente sobre isto, isto é, o resgate das vozes do passado, deixar os caras falarem. Por exemplo, todos nós sabemos o que nós pensamos a respeito de Platão, a nossa visão sobre Platão. Mas, o que Platão diria sobre nós? Essa pergunta está excluída. É claro, que se não articular as duas perspectivas, a visão que o presente tem do passado e a visão que o passado teria do presente, então estamos fora do senso real das proporções. Portanto, primeiro era preciso integrar na comunidade dos bastardos todos os falecidos, todo o passado. Então eu comecei a fazer uma série de exercícios neste sentido. “O que São Tomás de Aquino diria do que ele está vendo aqui?” “O que Aristóteles ou Platão diriam?”. E eu vi que era preciso um exercício mental para me colocar do ponto de vista de uma outra época, vencendo o que eu chamei de “preconceito cronocêntrico”. As pessoas falam muito de preconceito etnocêntrico, todo mundo quer ver tudo do ponto de vista desde a Europa. Hoje isso já não é assim, o ponto de vista do mundo islâmico nós sabemos que predomina, que é o mais válido, e o ponto de vista europeu é apenas um preconceito. Vencer o preconceito etnocêntrico é fácil porque todo mundo está falando que é preciso vencê-lo e, além disso, a imensidão de material da Ásia e da África que vem sendo publicado já eliminou o preconceito etnocêntrico. Mas e o preconceito cronocêntrico? Nós continuamos vendo tudo apenas do ponto de vista da nossa época como se ela fosse uma coisa privilegiada, como se ela fosse a culminação, o ponto mais elevado da evolução histórica, o que evidentemente não é assim. Nós podemos dizer que, sob vários aspectos, muitas civilizações antigas foram superiores a nossa e há coisas delas que ainda estão acima da nossa compreensão. Vejam, tudo aquilo que o antropólogo polonês, (???), observou sobre o templo de Luxor, é absolutamente incompreensível do ponto de vista da ciência atual, ou seja, os caras tinham uma ciência que nós não entendemos. Então, por que não julgar a História do ponto de vista deles, imaginariamente? Aquilo que Max Weber chamava de “experimento imaginário”? Isso já começou me dando uma amostra do que poderia ser um ponto de vista privilegiado. Então, o ponto de vista privilegiado teria de absorver o maior número possível de perspectivas e integrá-las num centro de consciência. Ou seja, se eu estudasse, por exemplo, a filosofia escolástica, eu não a estudaria do ponto de vista de um acadêmico do século XX, mas eu tentaria ver como o escolástico via a si mesmo e como ele veria essa possibilidade de desenvolvimento que de fato aconteceu. Eu sou, por exemplo, Duns Scot e eu tenho uma visão do que os caras escreverão de mim no século XX e eu faço uma crítica disso. Eu fiz esse exercício muitas vezes. Praticamente tudo que eu estudo, que eu leio, eu faço isto, eu mudo de época. Aí foi que eu escrevi aquele ensaio que resumia a conferência “O mais excluído dos excluídos”, mostrando que se o sujeito não é capaz de se julgar a partir dos valores e esquemas de uma outra época ele não vai entender a sua época jamais^3. E eu me lembrava que eu tinha lido no Benedetto Croce um parágrafo brilhante onde ele diz: “se eu não possuo em mim nada da devoção cristã, ou do espírito revolucionário de 1789, ou do espírito dos Founding Fathers, eu não vou entender nem a civilização medieval, nem a revolução francesa, nem a guerra civil americana”. Então, eu tenho de incorporar essas visões na minha própria de modo que elas se tornem, vamos dizer, como um instrumento da minha visão das coisas. Nesse sentido, eu podia lembrar o famoso verso do (^2) “Os Mais Excluídos dos Excluídos”, In O Futuro do Pensamento Brasileiro , Olavo de Carvalho. (^3) “O Pensamento Brasileiro no Futuro: Um Apelo A Responsabilidade Histórica”, Ibid.

Terêncio: “nada que é humano me é estranho”. Ou seja, eu tentei levar isso a sério. Isso ainda não é um método evidentemente, mas é o começo do método. Colocados esses problemas, eu voltei ao tema do bastardo, do excluído, do ponto de vista do excluído. Karl Marx dizia que só o proletariado pode ter uma visão objetiva da história porque ele é a última classe, porque ele vem depois de todas as outras. A visão de todas as outras estava nublada, deformada pelos seus interesses de classe, ao passo que os interesses do proletariado coincidem com os interesses da humanidade inteira, então ele pode ter uma visão objetiva. É claro, esse é um conceito totalmente idealizado, o proletariado não tem nada disso e, além disso, nos sobra o enigma: se só o proletariado pode ter uma visão integral e correta da história, como é que o primeiro que apresentou a visão integral da história, que foi Marx, não era um proletário? Portanto já começa com esse problema. Mas o que é o excluído realmente? Daí, por coincidência, alguém tocou para mim aquela musiquinha, aquela cançãozinha do Enzo Jannacci, “ Vengo anch’io. No tu no ”, é uma letra muito engraçada, é sobre um menino que fala: “vamos ao zoológico e vamos nos esconder e gritar o ‘leão escapou’, para ver o efeito que faz”. Daí chega um menino pequenininho e fala: “ vengo anch’io ” – eu também vou. Mas os outros respondem “ no, tu no” – não, tu não. “ Ma perché? ” – porque não? – pergunta o menino. “ Perché no! ” – porque não – eles respondem. Depois eles já são adolescentes e dizem: “nós vamos sair com as garotas etc. para ver se chove e se estraga o nosso passeio”. E vem o pequenininho e fala: “ vengo anch’io ”. Os outros respondem: “ no, tu no ”. “ Ma perché? ” – ele pergunta. Eles respondem: “ Perché no ”. E assim vai.... Tudo o que eles inventam de fazer o pequenininho quer entrar também mas eles dizem: “não, você não”. Até que chega o dia em que eles falam que vão se reunir para ir ao seu enterro. Daí a mesma coisa: “ vengo anch’io – no, tu no – ma perché? – perché no! ”. Daí eu digo: esse é o excluído total, esse não tem chance mesmo. Existe alguém assim para que nós possamos adotar o seu ponto de vista? Existe, é Nosso Senhor Jesus Cristo. Na cruz, Ele foi abandonado por todo mundo, os apóstolos todos saíram correndo, era a solidão total. Mas ele era só a solidão total, foi só vítima da crucificação? Não, Ele é o logos , ele é a razão divina, o fundamento de toda a ordem possível, só Ele conhece a ordem inteira. Então, eu vi que a ideia do Sartre, e tantos outros como ele, era uma caricatura remota dessa ideia. Aquele que está no centro e que tem perspectiva total é ao mesmo tempo o que está mais por fora e mais excluído. Bom, evidentemente essa é a pista. Quer dizer, quando o sujeito adota o ponto de vista do excluído, ao mesmo tempo ele não pode entrar em uma outra comunidade de excluídos, ele tem de continuar excluído sozinho. Em segundo lugar, se ele não entra numa outra comunidade ele não está contra nenhuma comunidade. Ele não vai se definir pela sua oposição a isto ou aquilo, assim como o próprio Jesus Cristo não se definiu por sua oposição a coisíssima alguma. Ao contrário, pendurado na cruz, Ele mesmo orava para que Deus Pai perdoasse os seus carrascos. Então, o Evangelho, nesse sentido, nos dava um modelo da ciência. Também me lembrei do verso, acho que do capítulo seis do evangelho de Mateus, que diz que João Batista estava na cadeia e mandou os discípulos dele irem a Jesus perguntarem: “é você o messias ou temos que esperar algum outro?”. Jesus responde: “vocês vão lá e digam a João Batista o que vocês viram e ouviram, vocês viram o leproso ser curado, viram o paralítico andando, viram o cego enxergando, vão lá e contem isso para ele.” O que é isso aí? É um critério de verificação científica. Por que se o sujeito diz que um milagre aconteceu, onde é que ele tem de ter acontecido? Tem de ter acontecido num campo não miraculoso, que é no campo da experiência terrestre. Então, o sujeito não vai vir com um critério miraculoso para confirmar o milagre, o critério tem de ser materialista na verdade. Este conjunto de coisas, a busca do ponto de vista privilegiado, a assimilação da exclusão para que o sujeito possa adotar verdadeiramente o ponto de vista daquilo que Sartre chamava de “bastardo”, tem de concordar que o sujeito pode ficar sabendo de coisas que ninguém mais vai saber e que, portanto, ninguém vai concordar, todo mundo vai achar que ele está maluco. Eu coloquei isso para mim há

se o que eu estou falando for compreendido e desencadear efeitos benéficos, muito bem, se não acontecer nada disso, a sua função científica foi cumprida. Dito isso, o passo seguinte era entender o que é o agente político. Isso colocava diretamente o problema da ação e do poder. O que é a ação humana? É a intervenção deliberada num estado de coisas. Dada uma situação, o sujeito intervém para transformá-la em uma outra situação. O que não quer dizer que o que se busca seja sempre a mudança e a novidade. O sujeito pode interferir [0:30] para impedir que um estado de coisas mude, isso também é agir. Por exemplo, tem um golpe de estado. Então alguém se mobiliza para impedir que aquilo aconteça, como os nazistas tentaram na Áustria. Os caras estavam tentando um golpe de estado e o primeiro ministro, Engelbert Dollfuss, fez uma constituição autoritária para impedir que aquilo acontecesse. Essa é uma ação reacionária, por assim dizer. Ela reage a um estado de coisas para que ele não mude. Isso também é ação. Notem bem, tudo isso é um estudo teórico e apriorístico, um estudo puramente filosófico, eu não estou fazendo ciência política ainda, estou fazendo apenas filosofia da política para tornar possível uma ciência política mais tarde. Que é exatamente o que eu prometi fazer nessa aula, que era dar os conceitos, métodos, e critérios da ciência política. Depois, mais tarde, eu vou entrar no caso específico do Brasil e mostrar como que eu apliquei isso e como foi possível em muitas situações descrevê-las corretamente e prever o seu desenvolvimento com grande margem de acerto – na verdade eu não me lembro de ter errado nunca, às vezes eu não acertei na mesma hora aquilo que eu previ, aconteceu mas demorou um pouco mais, mas sempre aconteceu. [Graças a esses acertos eu pensei]: bom, é claro que estou na pista certa, a ciência política é exatamente isso, é isso que tem de ser feito. Se os outros não fazem é porque não sabem ou não querem, estão interessados em outras coisas. O problema do agente nos colocava então duas questões. Primeira: quem age politicamente? A ação política só se denomina política quando ela alcança uma sociedade inteira – é claro, existe política local também, mas se falarmos em uma escala municipal, então a ação política na escala municipal será a que alcance o município inteiro, e assim por diante. Segunda: quem é capaz desse tipo de ação? Daí me ocorreu um problema, um negócio que eu chamei de pensamento metonímico. O pensamento metonímico consiste em confundir o agente com um dos seus aspectos, ou com seus instrumentos, ou um de seus estilos etc. Por exemplo, quando se diz: “em 1789 a burguesia tomou o poder”. Isso é claramente uma metonímia, não é uma realidade. O que se quer dizer de fato é que duas ou três pessoas, que talvez não fossem nem burguesas elas mesmas, tomaram o governo e tomaram algumas medidas que favoreceram essa classe burguesa, mas não que a burguesia tenha tomado o poder. Uma classe social pode tomar o poder? Bom, para agir politicamente é preciso combinar as coisas, não se age a esmo, não é tudo fruto do acaso. Então, como é que se reuniria uma classe social inteira para ela examinar, traçar planos, deliberar e agir? Isso é impossível. O número de pessoas que participa de uma conspiração, de uma revolução, de um golpe de estado, é ínfimo em relação à sociedade inteirinha e em relação à sua classe social. Mais ainda, quantos burgueses, quantos capitalistas, haviam na liderança da Revolução Francesa? Nenhum. Para não dizer que não tinha nenhum, tinha o Necker, era o único. Se nos perguntarmos: “quantos proletários haviam no primeiro comitê central da URSS?” Nenhum. Então, é claro que isso é um pensamento metonímico. Algumas pessoas ou um grupo determinado [é quem] derruba o governo, toma o poder. Mas, tem gente que alega que eles representam uma classe, a qual não foi consultada a respeito e a qual pode inclusive se incluir entre as vítimas do novo governo. Então, eu vi que esse tipo de pensamento metonímico era um vício geral praticamente da modernidade inteira. O modo de se dizer, por exemplo, “a Argentina declarou guerra ao Paraguai”. Quando vamos ver, morreu mais gente na frente interna lutando contra o serviço militar do que no campo de batalha.

Então, é claro que não foi a Argentina que declarou guerra, mas foi uma fração mínima da Argentina, que estava no poder, que declarou guerra contra a vontade maciça da população. No Brasil, foi o contrário, houve um entusiasmo bélico fabuloso. Todo mundo queria ir para a guerra do Paraguai exceto os ricos, evidentemente. Foi daí que surgiram os famosos Voluntários da Pátria. Vocês sabem o que é o Voluntários da Pátria né? Eram os ricos que contratavam, sei lá, quarenta escravos para irem no lugar dele – “oh, te dou uma grana e você vai lá morrer no meu lugar” – e pronto, eles viravam uns dos Voluntários da Pátria. Mas, em geral, a população apoiou maciçamente o governo brasileiro na Guerra do Paraguai. No entanto, nos dois casos se usa a mesma expressão: “O Brasil declarou guerra ao Paraguai” e “a Argentina declarou guerra ao Paraguai”. Então, na própria seleção das palavras nós já estamos começando a nos enganar. Estamos nos impedindo de ver qual foi a ação verdadeira e qual foi o agente verdadeiro – e essa distinção é fundamental. Ampliando um pouco mais a questão, surge esta pergunta: Quem é capaz de ação histórica? O que é ação histórica?^4 É a ação cujos efeitos se prolongam para além da duração da vida do seu agente. Exemplo: o código de Napoleão Bonaparte que mesmo depois dele ter “caído do cavalo” continuou em vigor por muito tempo; o Império que Carlos Magno funda que, apesar de depois seus descendentes o estraçalharem, dura até depois de sua morte. São ações que têm consequências de longo prazo, de grande profundidade e vastidão. Quem é capaz desse tipo de ação? Um país pode ser um agente histórico? O Brasil pode ser um agente histórico? De jeito nenhum. Isto é um princípio fundamental: a ação subentende a unidade do agente. Então, se tivermos quinze pessoas agindo sem terem combinado nada, não temos uma ação, temos apenas uma confusão. Se combinaram, mas no dia seguinte esqueceram ou traíram, também não agiram. Logo, só é possível falar de um agente histórico quando existe uma unidade e persistência da ação ao longo do tempo e isso só é possível quando o grupo que está empreendendo a ação consegue se reproduzir ao longo das gerações, isto é, consegue formar pessoas que estão devotadas aos mesmos objetivos, com a mesma intensidade, com o mesmo comprometimento profundo dos seus fundadores. Isso restringe enormemente o número de agentes históricos. Nós estamos contando histórias que não existem. Por exemplo, quando falamos “história do Brasil”. O Brasil não é um agente para contarmos a história dele como se fosse a biografia de uma pessoa. “História do Brasil” quer dizer um monte de acontecimentos inconexos que aconteceram mais ou menos dentro do mesmo território, isto é, o território também muda, incorpora um pedaço, perde outro etc. Portanto, “história do Brasil” é uma expressão metonímica, quer dizer, [na verdade é] a história das coisas que vários grupos de pessoas fizeram dentro do Brasil – ou alegando estar agindo em nome do Brasil, nós não sabemos também se estavam. Por exemplo, quando o Barão do Rio Branco foi lá fazer a famosa disputa de fronteiras. Bom, ele estava fazendo em nome do que ele achava que era o interesse nacional, mas a maioria da população sabia? Não sabia absolutamente nada, quer dizer, o cara que está lá no Rio Grande do Sul está pouco se lixando para a fronteira lá do Acre. Daí volta o Barão e todo mundo diz: “ele teve uma grande vitória para o Brasil etc.” – é relativo. Um país não tem essa unidade de consciência capaz de se reproduzir de geração em geração de maneira eficiente e de modo a preservar a linha de ação. Mas há algumas entidades que têm. Por exemplo, a Igreja Católica tem. A Igreja Católica tem mais ou menos os mesmos rituais, os mesmos mandamentos, as mesmas leis canônicas desde que ela foi fundada até hoje. De vez em quando muda um pouquinho, reforma um pouquinho, mas em substância continua mesma coisa. Significa que, de modo geral, estatisticamente, a maior parte dos indivíduos (^4) Apostila do Seminário de Filosofia, Quem é o sujeito da história? , Olavo de Carvalho.

acontece no caso do Partido Comunista — que essa entidade, apesar das deficiências, falhas e distrações de seus membros, continua agindo coerentemente e convergentemente ao longo do tempo. Isso aí nos permite fazer uma distinção que eu aprendi com o Georg Jellinek, no livro Teoria Geral do Estado , é um dos grandes livros de teoria política do mundo, onde ele diz: “princípio número um...” – eu tinha alguns anteriores a este, mas para ele este é o começo” – “...distinguir na sociedade o que é resultado de um acúmulo fortuito de causas e o que é resultado de um plano e de uma deliberação”. Isto é, discernir intenções por baixo de similaridades e convergências. Ora, confundir essas duas coisas é um dos preceitos fundamentais da ciência política e do comentário político, hoje. Por exemplo, todo este pessoal que escreve sobre os Illuminati. “Ah, os Illuminati estão no poder” – eles dizem. Bom, os caras que estão aí podem ter algo a ver com os Illuminati, mas os caras que falam isso não têm a menor evidência da continuidade dessa organização ao longo do tempo, podem aparecer quinhentas organizações diferentes que, por eles veem uma similaridade entre o que eles estão fazendo e o que os Illuminati queriam fazer, eles dizem que são os Illuminati. Ou seja, eles estão conferindo uma unidade substantiva a uma convergência de aparências. Outra forma de pensamento metonímico: o organicismo. O organicismo é uma teoria inventada por um pensador alemão conservador no começo do séc. XIX chamado Adam Muller, que propunha considerar a sociedade como se fosse um organismo, um corpo animal vivo. Bom, é claro, heuristicamente, como maneira de estimular a imaginação, o organicismo pode até funcionar pois ele faz ver ligações que normalmente passariam despercebidas. Porém, uma sociedade ou um país pode ter um tipo de unidade orgânica que tem um corpo animal? É claro que não, para que ele tivesse essa unidade seria preciso que os indivíduos que o compõem não fossem unidades, mas apenas partes. Muitos indivíduos na sociedade humana não são, de fato, individualidades, mas apenas partes, ou seja, entram num processo que as transcende, que elas não compreendem, mas ao qual elas colaboram passivamente, por assim dizer. Mas, tem outros indivíduos que são eles a matriz do que está acontecendo, por exemplo: Napoleão, Lenin, Mussolini, Hitler etc. Então, o organicismo falha na medida em que ele não reconhece o verdadeiro padrão de unidade, ele pega a presença de todos os fatores, a pertinência de todos os membros de uma sociedade, como se fosse uma pertinência orgânica. É claro, isso aí não é uma metonímia, é uma metáfora, e como metáfora ela não é um conceito descritivo apropriado. A metáfora é um tipo de pensamento analógico, é aquilo que tende a uma unidade lógica a ser alcançada. O analógico é uma síntese de semelhanças e diferenças, tudo misturado e o sujeito só entrará no terreno lógico quando ele separar o que tem a ver daquilo que não tem a ver. A metáfora serve para despertar intuições, percepções, ideias, etc., mas ela não é uma descrição da realidade, ela serve subjetivamente para ajudar a pessoa. Por exemplo, não se pode fazer sexo com um comprimido de viagra. Ele é um componente que a pessoa usa para facilitar o seu desempenho, mas não é com ele que a pessoa está transando – espero que não seja, pelo menos; já inventaram tudo ultimamente. Então, a metáfora é como um comprimido de viagra, ela faz a pessoa funcionar mais rápido, mas não quer dizer que a visão que ela está tendo da realidade seja a mais adequada. O próprio Karl Marx entra um pouco no organicismo sem perceber, porque ele vê a sociedade como uma unidade conflitiva marcada sempre pela luta de classes. O que é a luta de classes? É também uma metáfora. Que existem as classes sociais nós sabemos, mas onde termina uma e começa outra? O historiador marxista inglês E. P. Thompson chegou à conclusão que não há critério econômico suficiente para distinguir as duas classes, que é necessário levar em conta elementos culturais, psicológicos, subjetivos etc. Ou seja, existem proletários honorários e burgueses honorários, que não são proletários nem burgueses. Então, a própria distinção entre as classes já é um problema. E, descrever a convivência delas como uma luta é também uma metonímia de fato, porque quando não está havendo conflito de classe algum, se pode dizer que há um conflito de classe latente. Vejam,

durante trezentos anos não houve nenhum conflito, daí aparece o conflito e eles dizem: “Estão vendo? O conflito já estava latente nesses trezentos anos”. Portanto, o sujeito está confundindo o potencial com o atual. Se vocês lerem qualquer história das ideias políticas verão que quase 90% das ideias políticas são erros desse tipo. São metáforas, metonímias, etc., quase sempre construídas em função daquela tomada de posição prévia em favor de um certo modelo de sociedade que a pessoa nunca viu ou da qual só se vê “as sementes”. Por exemplo, quando John Locke cria toda a teoria da democracia moderna, alguns elementos dessa democracia já existiam na Inglaterra, mas nem todos. Aquilo que estava ali em semente ele já via como produto acabado e, em função desse produto acabado, julgava o que estava acontecendo no tempo dele e assim por diante. Se para ser um agente é preciso ter uma unidade, então o quê que define, que determina o curso da ação tomado por um indivíduo ou um grupo? É o que ele tem na consciência. Então aí surge a noção, que eu acho fundamental, do horizonte de consciência : aonde o sujeito não enxerga ele não age, ou, se agir, age às tontas, não sabe o que está fazendo. Se a ação é uma transformação deliberada do estado de coisas, então ela pressupõe uma deliberação e essa pressupõe, portanto, um conhecimento da situação e esse conhecimento deve ter os seus limites, ou seja, há um ponto a partir do qual o sujeito não enxerga mais. Por exemplo, um exercício que eu fiz sobre o horizonte de consciência foi o livro que eu escrevi sobre Maquiavel^6. Tem uma série de coisas que ele sabe, mas tem outras tantas que são essenciais para aquilo que ele está dizendo que ele não sabe absolutamente. No caso de Maquiavel, o horizonte de consciência é bastante estreito, o que explica que o teórico da tomada do poder e o teórico da vitória na política estivesse sempre do lado perdedor, ou seja, se ele entendesse realmente a sua teoria, ele saberia escolher o lado vencedor. É um fracassado que vira o teórico do sucesso e não fez sucesso nem mesmo com isso porque terminou a vida muito mal. Nós vemos que no julgamento das situações reais o Maquiavel falhava miseravelmente e ele compensava essa sua incapacidade de diagnóstico com uma espécie de pessimismo que simula o realismo, isto é, quando ele não sabe o que está acontecendo então ele aposta no pior e isso dá a impressão de que ele é realista. Mas vejam, apostar no melhor ou no pior é como diz George Bernanos: “o otimista e o pessimista são apenas o gordo e o magro da filosofia, não há diferença entre eles”. Quer dizer, se o sujeito apostou no melhor ou no pior, é tudo uma preferência subjetiva dele, não é uma coisa da realidade. Portanto vejam, aquilo que no Maquiavel foi tido, de forma monstruosamente errada, como fundador do realismo na ciência política, faltava totalmente o realismo e abundava o pessimismo, a aposta no pior. Esse problema do horizonte de consciência pode ser resolvido na medida em que, conhecendo historicamente a ação que o sujeito desempenhou e conhecendo os elementos da situação em torno, nos vemos quais os pontos fundamentais que ele ignorou. O horizonte de consciência é definido pelo

  • noção que eu tirei Jean Fourastié – mapa da ignorância. Não se trata de uma ignorância fortuita – todo mundo ignora alguma coisa, evidentemente – e sim, como já me ensinava meu professor Stanislavs Ladusãns, da diferença entre a nesciência e a ignorância. Nesciência é ignorar alguma coisa, e ignorância é ignorar aquilo que se deveria saber. Por exemplo, um motorista de ônibus que não sabe dirigir ônibus. O passageiro não precisa saber dirigir o ônibus, então isso é nesciência: “eu não sei dirigir essa porcaria, mas o outro está dirigindo por mim”. O mapa da ignorância não é o mapa da nesciência – o qual seria infinito, o número de coisas que nós ignoramos é infinito. Mas, dentro da minha esfera de ação existem coisas que para desempenhar a (^6) Maquiavel ou a Confusão Demoníaca , Olavo de Carvalho.

Essa noção do horizonte de consciência é básica. Nós podemos fazer o horizonte de consciência de um indivíduo ou de um grupo inteiro. Para ver o de um grupo inteiro o que é preciso? É preciso ver as discussões internas desse grupo, o que eles estão discutindo e quais são as perguntas que eles não estão fazendo, perguntas ‘essenciais’ que não estão fazendo. Por exemplo, eu acho incrível que no presente momento o pessoal do PT não pergunte: “Se é um golpe, como é possível o povo inteiro estar contra nós?”. Outra coisa: “Se nós somos o povo e eles são a elite, como é que as quinze famílias mais ricas do Brasil estão do nosso lado ao invés de estar do lado dos golpistas? Como é que os banqueiros estão do nosso lado ao invés de estar do lado deles?”. Eles não fazem essas perguntas. Estão entendendo a noção do horizonte de consciência? Para delinear o horizonte de consciência de um sujeito não é preciso saber tudo o que ele sabe, basta saber o que ele ignora dos pontos que são essenciais para o conhecimento dele. Então, o horizonte de consciência delimita as possibilidades do verdadeiro sucesso político. O quê que é o verdadeiro sucesso político? Santo Tomás de Aquino dizia que uma ação é boa quando ela é boa no seu propósito, nos seus meios de execução, no curso da sua execução e no seu resultado. Se a pessoa teve uma boa ideia, conseguiu usar os meios apropriados e obter o resultado exatamente como ela queria, bom, então essa pessoa é um sucesso. É claro, todo sucesso humano é parcial, porque só se pode ver, na verdade, até o primeiro capítulo do sucesso. Por exemplo, se os comunistas dizem: “nós vamos criar uma sociedade assim e assado”. Muito bem, vocês vão criar já? Imediatamente? “Não. Primeiro nós temos de tomar o poder” – eles respondem. Isso quer dizer que a maior parte de suas vidas será dedicada a tomar o poder e só sobrará um tempinho mínimo para eles construírem a tal da sociedade. Porque simplesmente não vai dar tempo. Depois que eles tomam o poder, eles dizem que antes de construir a sociedade eles ainda têm de acabar de destruir o inimigo de classe e isso pode levar cinquenta, setenta, cem anos, então, não vai acabar. Isto é, o objetivo proclamado pode ficar para as calendas gregas. O essencial é o primeiro capítulo do seu sucesso, supondo-se que se consiga realizá-lo da melhor maneira possível. Por exemplo, como Lênin, chefiando uma fração mínima, conseguiu articular as coisas de tal maneira que um governo, que parecia indestrutível, caiu com a maior facilidade. Então, essa é uma ação bem- sucedida, até esse ponto. E a construção do socialismo? Bom, esse é outro problema. Lênin morreu e nada mais disse nem lhe foi perguntado. Tudo isso coloca um problema que geralmente é ignorado em todos os cursos de filosofia e ciência política, não só no Brasil, mas do mundo, que é o seguinte: “Quem pode estudar isso utilmente? E que tipo de qualidades cognitivas, morais e psicológicas é preciso para conseguir estudar isso?” O problema das qualidades psicológicas requeridas para estudar qualquer coisa geralmente é ignorado

  • a não ser em domínios muito restritos. Por exemplo, se a pessoa vai estudar física. Bom, alguma coisa de matemática ela tem de saber, tem de ter algum jeito para a coisa. Ela tem de ter aquela disposição para a pesquisa experimental, para confrontação de resultados, etc., ou seja, a personalidade dela tem de estar mais ou menos modelada pelos hábitos da ética científica – tudo isso nós sabemos que precisa. Mas isso é tudo muito simples. E por que é simples? Porque a coleta dos dados nas ciências físicas é feita por meios físicos – todas ciências naturais e físicas são assim. Os fatos da biologia são fatos que se pega pelos cinco sentidos, ou diretamente ou através de aparelhos, mas é através dos cinco sentidos. Isso quer dizer que – isso aqui é fundamental – os dados que se apreendem em biologia, em geologia, em geografia, etc., qualquer ciência da natureza, são totalmente heterogêneos em relação aos atos cognitivos que a pessoa pratica para os conhecer. Para o sujeito praticar, por exemplo, a biologia, ele não precisa saber como o cérebro dele está funcionando na hora em que ele enxerga um camarão ou um elefante. Os procedimentos cognitivos são uma coisa,

os dados são outra coisa. Os dados nos são impostos pela natureza externa e, por assim dizer, a psicologia do conhecimento é indiferente em qualquer uma dessas ciências. Mas quando entramos nas ciências humanas e nas ciências políticas em particular, todos os dados que temos à sua disposição foram produzidos pelos mesmos meios cognitivos com que nós os estamos estudando. É a linguagem, a significação, atos de vontade, decisão, seleção, escolha, etc., tudo isso, portanto, os dados são da mesma natureza dos seus processos mentais – essa diferença é absolutamente fundamental. Se a pessoa não é capaz de repetir os atos cognitivos que produziram tal ou qual ação política, então ela não irá entendê-la jamais. O que significa que ela precisa de uma identificação temporária com o agente. O que a salva é que ela não está estudando um agente só, ela não vai ficar a vida inteira estudando só Napoleão Bonaparte, ela não vai virar Napoleão, mas até para entender Napoleão ela tem de entender os outros agentes – o príncipe de Metternich, o general Wellington, e assim por diante. Como a pessoa se identifica com vários agentes, ela não se identifica com nenhum deles, no fim das contas. Ela assume tudo aquilo como possibilidades de ação humana, sabendo que ela poderia estar naquele papel, e que, em princípio, ela não é melhor e nem pior do que aquela pessoa, mas apenas mais uma. Essa abertura inicial à multidão dos dados e essa identificação com o agente são elementos sem os quais não se pode estudar utilmente ciência política. O que significa que, se o sujeito já está entrando na ciência política com um determinado ideal pronto, um ideal de sociedade pronto, ele não vai se identificar com quem representa o seu oposto. Por exemplo, se eu quero uma sociedade igualitária eu já terei nojo de quem vier com uma concepção hierárquica, eu não poderei me identificar com ele. Se eu sou a favor da democracia capitalista eu não posso me identificar com Lênin, e se não posso me identificar com Lênin eu não posso captar também o seu horizonte de consciência, ou seja, os limites do que ele [pensou]. [Ou seja,] o sujeito vai raciocinando como ele, vai seguindo o fluxo interior dele, mas chega a um ponto em que tem algo que o sujeito sabe e Lênin não sabe — “opa, aqui ele não enxergou”. Então, mapear o horizonte de consciência exige essa dupla operação simultânea: a identificação com o agente e ter informações que ele não tem, mas que nós sabemos que, na situação dele, eram importantes. Quantas pessoas são capazes de exercer esse trabalho? Muito poucas na verdade. Porque isso aqui requer, em primeiro lugar, imaginação. A maior parte dessas operações que o sujeito vai fazer só se dão na sua imaginação, elas não estão ocorrendo na sua frente, ou elas ocorreram em outras épocas, ou ocorreram em outro lugar no espaço que não é aquele onde o sujeito está. Se o sujeito não tem amplitude imaginária suficiente para entender essa multidão de processos cognitivos e decisórios humanos, ele não pode exercer utilmente a ciência política. É por isso que eu insisto com meus alunos que eles tenham uma longa formação literária e artística antes de entrar em qualquer coisa, porque é isso que vai ampliar a sua imaginação. É nesse sentido que Aristóteles dizia: “a poesia é mais verdadeira que a história”. Por quê? Porque ela mostra o que poderia ter sido. Tem muitas situações humanas que nós nunca vamos ver na realidade, mas que podemos imaginar pela ficção. E, é esse repertório de figuras possíveis da vida humana, figuras possíveis do conhecimento humano, que nós precisamos ter para podermos assimilar estes vários papeis desempenhados pelos vários agentes ao longo do tempo. Existe um elemento moral, sobretudo, que é o seguinte: a pessoa não se identifica com o sujeito se ela não tiver alguma compaixão por ele. O que é compaixão? É sentir junto, sentir a mesma coisa. Então, mesmo quando a pessoa estuda as ações de um sujeito que ela considera monstruoso, como Hitler, como Lênin, como Stálin, etc., em algo eles têm de coincidir com ela, em algo tem de ser possível ela ser igual a eles, senão ela não os entenderá de maneira alguma. É claro que existe um ponto limite dessa compreensão, e esse ponto limite é ditado pelo fator psicopatologia – a ausência de sentimentos morais no indivíduo. Quando se chega a esse limite o

Lembrem-se sempre do seguinte: o conceito fundamental em qualquer ciência é o conceito de necessidade. Necessidade quer dizer nec cedo , que vem de nec cedere , não ceder, ou seja, é uma coisa que não cede, que não quebra. A necessidade significa apenas impossibilidade do oposto. Quando uma ciência busca formular uma lei, uma regularidade ou constância, ela está querendo dizer que o contrário é impossível. Existe, evidentemente, a impossibilidade absoluta e a impossibilidade relativa ou estatística, com a qual a ciência em geral se contenta hoje em dia. Abaixo da impossibilidade absoluta existem graus de possibilidade que são demarcados justamente na teoria dos quatro discursos de Aristóteles.^9 Há o absolutamente certo, ou necessário, ou impossibilidade do contrário; há o provável, que é a certeza razoável, estatística – quantificada evidentemente, pois probabilidade não quantificada é bobagem; em seguida há o verossímil, o que parece verdadeiro, o que desperta nas pessoas um sentimento de que é verdadeiro; e por baixo disso há o meramente possível. Então, o que é analisar uma situação política? É aplicar todos estes conceitos, o conceito do agente, da unidade do agente, do horizonte de consciência, da disponibilidade dos meios de ação e tentar chegar a um desenlace certo ou necessário, provável, verossímil ou meramente possível. Ou seja, classificar os dados de acordo com os graus de credibilidade dos quatro discursos de Aristóteles. Feito isso, está encerrado o assunto. Logo, a filosofia política é o estudo dos métodos e critérios necessários para o conhecimento desse setor específico da ação humana. Dizemos: “a política é um modo de ação”. A ação é a mudança deliberada de um estado de coisas, e esta ação se torna política quando ela alcança toda uma sociedade, alcança em princípio, não precisa alcançar imediatamente. Por exemplo, na hora em que um sujeito assina um decreto, um presidente por exemplo, a ação dele está limitada àquele papel que ele está rabiscando. Mas no dia seguinte aquilo é publicado no Diário Oficial, os agentes do estado passam a exigir aquilo das pessoas e aquilo se alastra para a sociedade inteira. Então, esse modo de alastramento das ações também é importante, quer dizer, quanto tempo leva para isso ou aquilo entrar em ação. Por exemplo, o pessoal diz assim: “na idade média, a Igreja dominava toda a Europa”. Dominava como, meu filho? O papa baixava um decreto e até o decreto chegar ao último padre, na Sibéria por exemplo, levava dez anos e em geral o emissário ainda era assaltado ou morto no meio do caminho. Ou seja, a rigor o papa não mandava em nada, ele era reconhecido oficialmente como se mandasse, mas o poder efetivo era muito limitado. Isto é uma norma para se estudar a Idade Média: os poderes locais eram muito mais fortes do que qualquer poder central. Por exemplo, quem nomeava os bispos? Era o papa? Não. Era o duque, o conde, o sujeito que mandava na cidade, ele era quem nomeava o bispo e pronto, estava decidido. Para o papa conseguir autoridade de nomear os bispos foi só depois da Renascença. Em geral o pessoal tem uma visão invertida, a autoridade, o poder do Papa cresceu enormemente depois da Renascença, mas antes era bem menor – é o contrário do que o pessoal pensa. E tudo isso por quê? Pensamento metonímico. Do fato de que a civilização inteira era cristã, era católica, o sujeito acredita que o papa mandava em todo mundo. Uai, mas para o papa mandar em alguém basta o sujeito ser católico? Não. É preciso que, de algum modo, as ordens dele cheguem até o sujeito e que alguém o obrigue a cumprir. Mas, ele não tinha esses meios. Se pegarmos a patrística, grega e latina, do Jacques Paul Migne – uma coleção majestosa de dois mil volumes gregos e dois mil latinos – , ali tem um monte de autores heréticos que estão incorporados no patrimônio da igreja. O sujeito era herético e nem sabia que era. Então, só quando começou a Inquisição foi que eles começaram a mandar os caras averiguarem o que fulano estava falando lá no fim do mundo. E, mesmo assim, quantos hereges foram entrevistados pela Inquisição? Um número ínfimo. Os outros continuavam propagando heresias sem nem saber, passaram a vida inteira falando aquilo e nunca foram entrevistados, investigados, punidos nem coisa nenhuma. Isso quer dizer que a (^9) Aristóteles Sob Nova Perspectiva , Olavo de Carvalho.

própria unificação doutrinal da Igreja foi um processo longo, demoradíssimo e muito complicado. Portanto pensar: “A Igreja na Idade Média tinha um poder monolítico” – está sonhando. Na verdade, poder monolítico só surge no século XX, com o rádio. Antes do rádio não havia poder monolítico. As ordens simplesmente não chegavam, levavam meses para chegar. Quando chegou o telégrafo já aumentou muito, mas o telégrafo era só de um em um. Para passar uma ordem para toda a população ao mesmo tempo, só o rádio. É por isso que a era do rádio foi também a era dos grandes governos totalitários: na Itália, na Alemanha, na Rússia, na Espanha etc. Meios de ação fazem parte do raio de ação. Meios de ação podem ser, por exemplo, pessoas que retransmitem as suas ordens, podem ser instrumentos de propagação, pode ser mil e uma coisas, mas uma regra é certa: se o sujeito não tem os meios, a ação não se cumpre. Então, horizonte de consciência, raio de ação e meios de ação – isso é básico. À filosofia política incumbe discutir os conceitos, métodos e critérios. À ciência política incumbe estudar os fenômenos históricos e políticos reais, tentando obter a descrição mais exata e realista possível e, portanto, o prognóstico mais razoável do seu desenvolvimento. Quando se estuda fatos do passado não adianta fazer prognóstico. Quem vai ganhar a batalha de Waterloo? Não é preciso prever porque já se sabe. Porém, aí entra aquele negócio que Max Weber chamava de “experimento imaginário”. Para entender o que aconteceu é preciso imaginar o que não aconteceu, o que poderia ter acontecido e é aí que a formação literária ajuda, a inventar outros enredos possíveis que num dado momento poderiam ter ocorrido mas que foram afastados, quer dizer, na hora em que foi tomada uma decisão foram afastados outros desfechos ou possibilidades. É esse o entendimento das situações reais, passadas, ou futuras dentro de um limite previsível. O que é limite previsível? Para mim, é o prazo da minha existência, supondo-se que eu não fique gagá nos próximos vinte anos – eu espero não ficar, mas depois dos 88 eu estou autorizado – e até lá pretendo continuar exercendo as coisas de uma maneira razoável. Depois que eu convivi com tantos nonagenários monstruosamente lúcidos, como Paulo Mercadante, Roberto Campos, Meira Pena, etc., então bom, eu tenho obrigação de até os oitenta e poucos anos continuar funcionando. Acho que não é preciso recapitular, essa aula foi bastante contínua. Esses foram os conceitos básicos. Se vocês quiserem mais, está na minha apostila Problemas de Método nas Ciências Humanas , disponível no Seminário de Filosofia ou no meu site, e na série de apostilas que se chama Ser e Poder. Tudo isso está monstruosamente fragmentário e muito mal escrito, isto é, ainda não é um livro, são apenas apostilas, mas o material está lá. E está também nas transcrições e gravações do curso de Filosofia Política que eu ministrei na Universidade Católica do Paraná. Tudo o que eu estou dizendo aqui é um resumo, é um condensado daquilo, feito só para preparar as análises que a partir da próxima aula eu farei sobre a situação brasileira. Faremos uma pausa e depois partimos para as perguntas.


Vocês notaram que o site do Seminário foi alvo de um ataque. Não foi coisa de moleque, foi um negócio devastador, feito por profissional, feito por algum governo ou por uma grande empresa ou uma grande organização. Atacou diretamente o provedor, que foi obrigado a tirar a página do ar para

Outro dia eu escrevi uma coisa óbvia: que o capitalismo não é um valor moral em si mesmo. Ele é uma técnica, e como toda técnica ele pode se integrar em qualquer corpo de objetivos que se imagine. O capitalismo foi integrado até mesmo na URSS, não se esqueçam disto, metade da economia soviética era privada e o governo sabia perfeitamente e tolerava, porque sem isso não ia sobreviver. Então, o capitalismo pode servir até como base para o socialismo. Portanto, não se pode partir da pura definição de capitalismo e daí tirar a definição da boa sociedade, de uma ética, etc., como fazem tantos liberais. Isso é fugir da realidade. O sujeito se apegou a um símbolo e ele espera que esse símbolo tenha o poder salvador por si, porque ele não quer analisar a coisa em todos os seus componentes. Esse irrealismo – que se vê em praticamente em todas as análises políticas no Brasil – , é claro, vem da decadência da cultura. As pessoas não têm modelos, não há um número suficiente de intelectuais verdadeiros no Brasil para que os outros possam se modelar por eles, quer dizer, “vamos fazer o que esses caras estão fazendo”. No tempo em que tínhamos o Gilberto Freyre, por exemplo, nós sabíamos que tinha de se alcançar um certo nível para poder discutir a coisa. Hoje em dia não tem mais isso. Os intelectuais, hoje, quem são? Marcia Tiburi, Vladimir Safatle e outros. Esses viraram modelos, quer dizer, é a altura máxima que se pode alcançar. “O que você quer ser quando crescer?” – pergunta a alguma criança. “Quero ser a Marcia Tiburi” – é a resposta. Que é uma pessoa que deveria ser enxotada da vida intelectual e recolocada em um emprego de garçonete. E tem muitos assim, não têm capacidade para serem professores de ginásio. Qualquer professor de ginásio que eu tive no meu tempo era melhor do que esses. É aquele negócio do Émile Durkheim: a capacidade que a sociedade tem de apreender a anormalidade é limitada. Quando a anormalidade dura dois ou três anos, ela vira normal e assim se vai caindo. E, aí é o negócio do Antonio Machado: “ ¡Qué difícil es cuando todo baja no bajar también! ” E assim, de queda em queda, a coisa vai, termina em um buraco sem fundo. A não ser que alguém mande parar. É a nossa geração que tem de mandar parar. Aluno: Se existe algum grupo, um diretório de estudantes, por exemplo, e o presidente do diretório decide ludibriar as pessoas que seguem esse diretório com interesses escusos, ele ainda continua um agente mesmo mentindo sobre seus objetivos? Olavo: É claro que sim. Só que você não pode partir do princípio de que ele representa aquela entidade, quer dizer, a traição, a infiltração, a dissidência interna, tudo isso tem de ser levado em conta. Por exemplo, existe o livro do Luís Mir, o repórter espanhol, que se chama O Partido de Deus , é um livro sobre a formação do PT a partir das comunidades eclesiásticas de base, ele conta corretamente a história, como o PT de fato se formou a partir dessas organizações, só que ele interpreta tudo como se fosse interesse da Igreja, interesse do Vaticano, quando os caras, obviamente, estavam trabalhando contra a Igreja. Ele não tem formação teológica suficiente para distinguir uma coisa da outra, então ele vê os agentes certos, só que os interpreta no quadro errado. Aqui é o mesmo caso, o sujeito está lá, não para servir àquele diretório, ele não é um representante daquele diretório, mas é um agente infiltrado, um traidor ou alguma coisa. Assim como na Colômbia, o Juan Manuel Santos se elegeu com o slogan “ ¡No más Farc! ”. Até eu ajudei o cara a se eleger, ajuda insignificante, mas a prestei, quer dizer, na época da eleição eu fui lá, fiz um monte de conferências, falei para estudantes, etc., aticei de algum modo aquele entusiasmo pelo Juan Manual Santos. O cara chegou lá e se vendeu, então o objetivo político dele agora é outro. Essas distinções têm de ser feitas. Agora, isso não se aplica ao caso do PT. A roubalheira do PT faz parte de uma estratégia e isso eu estou dizendo há vinte anos. Quando o PT começou a destruir reputações nas cpi’s de noventa e três, ele já estava preparando um esquema de corrupção mil vezes maior do que todo aquele que ele estava

denunciando, a fachada de denúncias já era para encobrir uma outra coisa. Isso eu estou dizendo desde noventa e três. Eu avisei que iam fazer isso e avisei também o pessoal da Odebrecht: “não se metam com esses caras senão vocês vão se ferrar”. Mas quem sou eu? Sou um zé mané, um jornalista que estava lá fazendo um serviço para eles. E, eles preferiram ouvir os assessores iluminados, deu no que deu. Aluno: Parabéns pela aula, notei que muito da metodologia aplicada remete a Voegelin. Olavo: Remete em parte. É claro, eu devo muito ao Eric Voegelin, mas todos esses conceitos que eu desenvolvi são meus. O conceito de horizonte de consciência, conceito de agente histórico, etc., tudo isso é meu. Vejam, quando Voegelin fala da progressiva diferenciação dos símbolos, é um processo importantíssimo, ou seja, coisas que aparecem compactamente como símbolos numa certa época, aparecem diferenciados em esquemas doutrinais, etc., numa época seguinte. Como acontece isso? Acontece pelo processo de transformação de um discurso em outro – do poético para o retórico, do retórico para o dialético, e do dialético para o lógico. Quando eu mostrei isso para o pessoal do Eric Voegelin Society eles disseram que aquilo era como um pilar que faltava no edifício do Voegelin, isto é, estava tudo certo em cima, só que ele não sabia ou não explicou como a coisa acontecia. Com isso foi possível dar mais concretude às teorias dele, assim como vários outros conceitos servem para isso também. De fato, eu não me inspirei no Voegelin, eu aprendi muita coisa com ele – todos nós. Aliás, a simples descoberta de que havia um cientista político que não fazia essas burradas logo no começo já foi um grande negócio. Eu acho que é isso. Novamente, muito obrigado a todos, desculpem a falha da transmissão, mas as gravações ficarão online para os inscritos nas próximas horas, o site do seminário voltará ao ar e lá estarão as gravações, vocês vão ter acesso a tudo conforme prometido. Na próxima aula já tomaremos as providências para que mesmo um ataque gigantesco, mesmo que seja empreendido pelo governo da China, não consiga parar o nosso trabalho. Isso aí, no fundo, é prova de que os camaradas estão realmente muito inseguros. Para uma organização bilionária, com centenas de milhares de militantes como o PT, para eles ficarem com terror e pânico a esse ponto, ficar com medo de um sujeito isolado, que não tem nada por trás – eles podem pensar que tem a CIA, o Mossad, a Maçonaria, o raio que o parta, é tudo invenção; a única coisa que tem por trás de mim é minha casa que está aí atrás – , é porque estão muito fragilizados. E estão fragilizados por causa de falhas no seu horizonte cognitivo que se consolidaram ao longo do tempo e nós vamos ver nas próximas aulas quais foram. É isso aí. Até semana que vem. Muito obrigado! [1:38:22] Transcrição: Francisco Jr., Deko Izarrigues e Leonardo Yukio Afuso Revisão: Leonardo Yukio Afuso e Rahul Gusmão