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A Internet e a Esfera Pública: Um Novo Espaço para a Participação Cidadã, Notas de estudo de Comunicação

Este documento discute a noção de esfera pública virtual, defendendo que a internet pode ser considerada um espaço propício à realização de conversações civis e à participação popular na vida pública. O texto analisa as vantagens e desafios desse novo espaço, além de discutir as posições extremas em relação à internet como esfera pública. A autoria propõe que a internet serve para dar aos cidadãos a capacidade de discutir e trocar ideias, mas que atua como uma camuflagem das transformações econômicas contemporâneas.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da internet para a formação de opinião e tomada de decisões?
  • Como a internet afeta a democracia?
  • Qual é a noção de esfera pública virtual defendida no documento?
  • Quais são as posições extremas em relação à internet como esfera pública?
  • Quais são as vantagens e desafios da internet como espaço para a participação popular?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pamela87
Pamela87 🇧🇷

4.5

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OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, vol. 12, nº 1, Abril/Maio, 2006, p. 164-187
Debates políticos na internet:
a perspectiva da conversação civil
Francisco Paulo Jamil Almeida Marques
Universidade Federal da Bahia
Resumo
Este artigo examina teoricamente algumas das dimensões da interface entre democracia e novas
tecnologias digitais de comunicação e informação. Começando por um reconhecimento do estado da arte
acerca da categoria “esfera pública”, a proposta é avaliar as possibilidades de estabelecimento de uma
versão virtual deste espaço discursivo. Para isso, procura-se apresentar os discursos a favor e os
discursos contrários a plausibilidade do conceito de esfera pública virtual. Tais argumentos servem para
fundamentar a proposta aqui defendida de esfera pública virtual enquanto conversação civil, ou seja, os
debates desenvolvidos em listas de discussão e fóruns on-line abertos a qualquer usuário atuam de
modo mais eficaz como espaço destinado à formação complementar de opiniões do que como um
espaço decisório por excelência. A forma democrática de governo tem, assim, nas redes telemáticas, um
canal alternativo para fomentar a participação dos cidadãos.
Palavras-chave: democracia, esfera pública, opinião pública, internet, comunicação política
Abstract
This article examines specific questions about democracy and digital technologies of communication. The
paper begins presenting the notion of public sphere as a guide to evaluate the possibilities of a virtual
version of this discursive space. Then, it discusses certain arguments offered by authors for and against
the notion of virtual public sphere. Such arguments give the necessary background to develop the
proposal of virtual public sphere neither as a genuine discursive space nor as a space that refuses the
requisites of a normative public sphere. In other words, this paper defends that most of the discursive
spaces found in the internet act in a more efficient way as places dedicated to what is called civic
conversation. Most of the debates in lists and online forums serve as a way to improve the given and take
of opinions. The conclusion considers that democracy has through the internet an alternative way to
foster citizen’s participation.
Key words: democracy, public sphere, public opinion, internet, political communication
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OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, vol. 12, nº 1, Abril/Maio, 2006, p. 164-

Debates políticos na internet:

a perspectiva da conversação civil

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques

Universidade Federal da Bahia

Resumo Este artigo examina teoricamente algumas das dimensões da interface entre democracia e novas tecnologias digitais de comunicação e informação. Começando por um reconhecimento do estado da arte acerca da categoria “esfera pública”, a proposta é avaliar as possibilidades de estabelecimento de uma versão virtual deste espaço discursivo. Para isso, procura-se apresentar os discursos a favor e os discursos contrários a plausibilidade do conceito de esfera pública virtual. Tais argumentos servem para fundamentar a proposta aqui defendida de esfera pública virtual enquanto conversação civil, ou seja, os debates desenvolvidos em listas de discussão e fóruns on-line abertos a qualquer usuário atuam de modo mais eficaz como espaço destinado à formação complementar de opiniões do que como um espaço decisório por excelência. A forma democrática de governo tem, assim, nas redes telemáticas, um canal alternativo para fomentar a participação dos cidadãos.

Palavras-chave : democracia, esfera pública, opinião pública, internet, comunicação política

Abstract This article examines specific questions about democracy and digital technologies of communication. The paper begins presenting the notion of public sphere as a guide to evaluate the possibilities of a virtual version of this discursive space. Then, it discusses certain arguments offered by authors for and against the notion of virtual public sphere. Such arguments give the necessary background to develop the proposal of virtual public sphere neither as a genuine discursive space nor as a space that refuses the requisites of a normative public sphere. In other words, this paper defends that most of the discursive spaces found in the internet act in a more efficient way as places dedicated to what is called civic conversation. Most of the debates in lists and online forums serve as a way to improve the given and take of opinions. The conclusion considers that democracy has through the internet an alternative way to foster citizen’s participation.

Key words : democracy, public sphere, public opinion, internet, political communication

MARQUES, F. P. J. A. Debates políticos na internet

Introdução

Não são poucas as assertivas que atestam uma revitalização da democracia e de suas instituições com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação, mais destacadamente a internet. Dentre as teses mais populares, estão algumas razoavelmente plausíveis, mas não suficientemente investigadas, como a de que o Estado tornar-se-ia próximo do cidadão por oferecer serviços de modo conveniente e ágil, e por ganhar transparência (FERGUSON, 2002, p. 104; CEBRIÁN, 1999, p. 17) 1. Há ainda proposições mais polêmicas que sustentam que, com a internet, decisivamente o caráter de oligopólio que marca a comunicação massiva contemporânea seria enfraquecido, no qual se protegeriam os grandes conglome- rados de informação e entretenimento (MORAES, 2001; GUIDI, 2002, p. 183). Para asseverar a euforia com a qual o tema muitas vezes é tratado, basta associar "internet" à "esfera pública"^2 (um dos principais fundamentos da democracia contemporânea) nos formulários dos diversos buscadores disponíveis na rede e constatar que centenas de referências deslizam pela tela em poucos segundos. Em verdade, seria pouco inteligente descartar toda a gama de possibilidades democráticas abertas por este sistema de comunicação digital, mais plural, dinâmico e que realça o oferecimento dos vários pontos de vista. Como defende Daniel Bougnoux, todavia, "(...) nossas relações técnicas estão necessariamente engestadas em relações pragmáticas que as precedem e as dirigem. Está-se de acordo, hoje, ao dizer que se a ferramenta autoriza, ela raramente determina" (BOUGNOUX, 1999, p. 107). Em outros termos, se os benefícios são inegáveis, torna-se forçoso verificar, por outro lado, as características relativas à apreensão sócio-cultural de tais aparatos tecnológicos que permeiam o hodierno, para, posteriormente, examinar sua eficácia e maneiras de inserção, por exemplo, no jogo político^3. O certo é que nem todas as observações e investigações sobre o tema democracia devem ser reconsideradas a partir do espaço de fluxos – expressão empregada por Castells (1999).

(^1) Também sobre a questão da transparência, identificada com o princípio de accountability (ou responsabilização), trabalhado por Gutmann e Thompson (1996, 1999) e Maia (2002b), a Controladoria Geral da União tornou disponível, desde novembro de 2004, o “Portal da Transparência” (http://www.portaldatransparencia.gov.br/), que permite verificar os repasses feitos pelo Governo Federal aos estados e municípios. (^2) Ressalte-se que o termo “esfera pública”, conforme aqui empregado, se refere, fundamentalmente, ao tratamento de temas políticos. (^3) Conforme reflexão de Hubertus Buchstein: " In addition, the use of the internet has to be carefully situated within the context of already existing democratic institutions. And finally, a chance of perspective is necessary. This perspective reaffirms democracy and not technology as the starting point of any reform agenda " (BUCHSTEIN, 1997, p. 260).

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permissão aos grupos mediáticos já consolidados. Ela se apresenta como um espaço apto a atender demandas individuais, onde cada um busca a informação que deseja, podendo modificá-la ou adicionar suas considerações para uma posterior publicação, sem grandes dificuldades ou custos. Graças a estes aspectos, a internet é tomada, por diferentes autores, como uma espécie de “revigorante” da esfera pública política argumentativa, pois (1) concede oportunidade de expressão a vozes marginais, sem as barreiras impostas pela censura governamental ou pelos interesses das indústrias do entretenimento e da informação (MITRA, 2001, p. 45), e porque (2) oferece a chance da reciprocidade discursiva advinda da esfera civil (ALLAN, 2003). A superação de barreiras como o espaço (a comunicação digital não leva em conta as fronteiras dos países) abre caminho para a participação de usuários em diversos contextos geográficos. O direito de uso da palavra, a isegoria , conforme chamavam os atenienses, o poder falar em "assembléia", daria à internet, de acordo com as referências acima indicadas, a propriedade fundamental para o estabeleci- mento de um espaço argumentativo digital, o que tornaria o computador um meio de comunicação diferenciado em termos políticos. A partir do momento em que favorecem a troca de experiências e conteúdos, as redes telemáticas também atuam, pelo menos em potência , como ambiente propício ao diálogo e ao entendimento. Falando-se em termos ideais, isso traria aos cidadãos interessados a possibilidade de, novamente, possuir certa influência nos rumos da esfera pública política, encontrando, comodamente, outros cidadãos para discutir questões de interesse público^6. A metáfora da rede como artifício ou arma a

possibilitadas a partir da conexão e do acesso ao mundo de informações; a troca de mensagens particulares, ou a participação em listas de discussão, as salas e programas de bate-papo, onde seriam problematizadas emissão e recepção a partir de "vínculos interpessoais" (GOMES, 2001b). Para fins de análise acerca da reverberação no campo político, deve-se assinalar que apenas as duas últimas dimensões podem ser realmente consideradas nos estudos das arenas discursivas digitais. (^6) A pouca porosidade da esfera pública à influência do cidadão comum é um dos pilares da mudança estrutural defendida por Habermas (1984). Para Habermas, ao possibilitar a associação de homens privados em agremiações específicas, o surgimento dos partidos faz com que os cidadãos particulares não mais se coloquem para debater suas próprias idéias da forma vivaz que acontecia antes, mas, geralmente, estejam prontos a aderir às idéias de seus correligionários, prontos a negar as iniciativas dos oponentes, por melhores que elas sejam, por mais que esta atitude vá de encontro às suas sinceras reflexões pessoais. A discussão sobre as formas de comando político de um Estado passaria, desde então, no dizer de Habermas, a ser elitizada em partidos antagônicos que se organizam para além da instância local das comunidades, estabelecendo uma estrutura burocrática de funcionamento que visa manter seus signatários sob sintonia ideológica. Isto quer dizer que, cada vez mais, as vontades deixam de ser formadas no confronto entre as opiniões dos indivíduos, de um público esclarecido, para permanecerem sob jugo de poucos dirigentes que, com a conivência dos demais arregimentados, estabelecem as diretrizes e projetos a serem implantados a partir do momento em que seus partidos tencionam chegar ao poder. A opinião pública, igualmente, deixa de ser resultado de um debate racional entre desprovidos de investidura para ganhar feições institucionais.

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ser utilizada pelos cidadãos na busca por um “novo pacto democrático” (LÉVY, 1998; ANTOUN, 2002) se liga à noção de resgate de uma cidadania perdida pelo afastamento entre esfera política (com o poder decisório, composta pelos represen- tantes eleitos) e esfera civil (mandante, mas não mandatária), e pela especialização excessiva relativa à gerência da coisa pública, o que inviabiliza uma maior partici- pação popular^7. Independente de admitir, por ora, se tais modificações ocorrem ou não, e em que gradiente ocorrem, o fato é que as novas tecnologias de comunicação e informação vêm tornar mais instável a discussão conceitual sobre a categoria esfera pública , essencial para a compreensão da relação entre Estado e esfera civil nas sociedades democráticas contemporâneas. Deve-se dizer, em um primeiro momento, que muito da confusão sobre se a internet pode ou não ser tomada como espaço argumentativo com vistas a influenciar a deliberação (ou mesmo servir como espaço deliberativo) tem relação com o entendimento pouco eficaz da própria categoria esfera pública. De forma sucinta, pode-se compreender a noção esfera pública a partir de três ângulos (GOMES, 1999): (a) o debate deliberativo , essencial à democracia, que pode ser exemplificado através das argumentações apresentadas nas casas parlamentares, ou mesmo ligado a assuntos de um grupo particular, como uma associação de moradores ou acionistas de uma empresa, com o objetivo de definir políticas; (b) o debate não-deliberativo , na maioria dos casos com fins informativos, com a intenção de fornecer aos interessados uma maior capacidade de reflexão dos prós e contras de determinada matéria (ou apenas mantê-los a par do assunto). Este debate também pode ser classificado como conversação civil , ocorrendo em situações cotidianas, sem a marca da formalidade. Por último, a esfera pública pode consistir de uma (c) esfera de exposição ou visibilidade pública , quer dizer, quando não há necessariamente uma realização dialógica entre quem emite e quem recebe determinado conteúdo, ocorrendo a exposição, sobretudo através dos mass media , de materiais acerca do que deverá habitar os setores deliberativos. Esta tipologia acerca dos debates parece manter proximidade com as compreensões mais recentes de Habermas, sobretudo aquela evidenciada em seu livro Direito e democracia (2003). De acordo com determinado trecho do livro:

(^7) A esperança depositada no alcance de uma democracia mais participativa (BARBER, 1984) influencia, sem dúvida, as impressões e análises acerca das relações entre internet e esfera pública, conforme o argumento a seguir: "A impressão que tenho (...) é que insistência sobre a conexão entre internet e esfera pública apóia-se numa tese sobre a natureza da democracia e sobre a participação popular na esfera da decisão política. Assegurando-se a internet como esfera pública, em suma, assegura-se a idéia de que ainda há formas e meios para a participação popular na vida pública, assegura-se que a internet produz e promove novas e promissoras formas de deliberação política por parte da esfera civil" (GOMES, 2004).

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poder institucional conferido aos representantes políticos e parlamentares) de “forçar” a discussão de determinados temas e oferecer novas interpretações a questões de interesse coletivo. Para o autor, “(...) a periferia consegue preencher essas expectativas fortes, na medida em que as redes de comunicação pública não institucionalizada possibilitam processos de formação de opinião mais ou menos espontâneos” (HABERMAS, 2003, p. 90). Deve-se, assim, procurar reconhecer o valor dos espaços discursivos oferecidos aos cidadãos, por exemplo, através dos meios de comunicação de massa. Pelo que se já falou, a internet possui a capacidade de abrigar diversas destas arenas de discussão, pois se trata de uma rede de comunicação pública não necessariamente institucionalizada e, em muitas ocasiões, local que abriga a formação espontânea de opiniões. A partir desta idéia, é importante, então, investigar até que ponto a abertura destas arenas no ambiente digital gera um efetivo poder político para os que se encontram na “periferia”, pois uma maior efetividade (ou capacidade de poder algo) da soberania popular não se pode limitar aos debates; e permite que determinados parâmetros defendidos, por exemplo, por noções da democracia deliberativa (como a reciprocidade ou a busca pelo debate controvertido, e não apenas com aqueles com os quais já se tem afinidade ideológica) sejam atingidos (GUTMANN e THOMPSON, 2004; BOHMAN, 1996). A tentativa dos próximos tópicos é procurar fundamentar a versão de esfera pública política enquanto conversação civil como aquela mais adequada à compreensão da maioria dos debates que ocorrem atualmente na internet, seja em listas de discussão, salas de bate-papo ou em fóruns públicos abrigados nos mais diferentes sítios. A bem da verdade, em dada medida, a internet e os espaços discursivos abertos por este ambiente de interconexão poderiam dar asilo a todas as três compreensões de esfera pública acima enunciadas. Mas a hipótese deste trabalho é de que uma esfera pública virtual entendida como espaço deliberativo (no sentido decisório conferido às casas legislativas) de grandes questões nacionais ou como espaço de massiva visibilidade pública seria mais difícil de ser realizada em sua plenitude. Se pensarmos na possibilidade de vislumbrar representantes políticos debatendo e decidindo através do uso de tecnologias digitais (o que já seria possível), não haveria grandes diferenças entre uma esfera pública parlamentar tradicional e uma esfera pública parlamentar virtual. Perderia sentido, assim, a euforia em torno da inauguração de uma esfera pública virtual, pois haveria apenas uma transposição de canal comunicativo que pouco representaria em termos de

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inclusão de atores à parte das decisões^9. Já um debate mais ampliado entre os representantes políticos e todos os cidadãos interessados em interferir e sugerir também parece, de certa forma, inviável, graças a fatores como, por exemplo, a lei do tempo e dos números , citada por Dahl (2001)^10. Em outras palavras, não se deixa de reconhecer que as teorias elitistas da democracia, ao defenderem a delegação de poderes a indivíduos pretensamente mais capacitados e dedicados aos negócios públicos, possuem, sim, certa parcela de razão por evitar a adoção de modelos que defendem, por exemplo, uma participação direta de todos os interessados, através de plebiscitos. Mas, obviamente, deve-se pôr um limite a essa delegação de poderes. Adicionalmente, não obstante as redes telemáticas difundirem-se rapida- mente, ainda não podem ser consideradas a fonte primordial provedora de informação para a esfera civil. Nas palavras de Wolton (2001), a lógica da internet seria diferente da lógica dos meios "generalistas". Graças a estas razões, parece mais plausível o funcionamento eficaz dos espaços digitais de discussão na perspectiva de uma conversação civil, de um espaço potencialmente vívido onde se gera discussão na tentativa de se conferir poder de influência aos atores da “periferia”. Ou seja, os cidadãos com acesso ao computador em rede podem se reunir livremente para discutir qualquer tema e fazer quaisquer proposições sem constrangimentos, ainda que a efetividade deste tipo de ação seja, na maioria das ocasiões, de pequeno alcance.

Sobre a viabilidade de uma esfera pública virtual

As disputas teóricas em torno do tema “internet e esfera pública” tendem a se concentrar em dois pólos. Um primeiro conjunto de autores admite o funcionamento dos espaços discursivos digitais como esfera pública por excelência, pois as redes telemáticas atuariam como canal de expressão legítimo de vozes

(^9) Não se vai cogitar aqui a proposta de democracia direta através das redes telemáticas, dificilmente alcançável mesmo para os maiores defensores da proposta de democracia participativa. (^10) Um dos cientistas políticos norte-americanos de maior relevância ao longo da segunda metade do século XX, Robert Dahl, reverbera de certa forma as idéias da teoria elitista quando, por exemplo, rechaça uma participação popular mais efetiva ao levar em consideração o fator “eficácia do sistema” [democrático] como categoria fundamental para se compreender as limitações em se instaurar uma participação civil efetiva. De acordo com sua argumentação: “A lei do tempo e dos números: quanto mais cidadãos uma unidade democrática contém, menos esses cidadãos podem participar diretamente das decisões do governo e mais eles têm de delegar a outros essa autoridade. (...) Contudo, se nossa meta é estabelecer um sistema democrático de governo que proporcione o maior terreno possível para tratar eficazmente dos problemas de maior importância para os cidadãos, então, em geral, a vantagem estará numa unidade de tal tamanho que será preciso um governo representativo. Este é o dilema da participação do cidadão versus a eficácia do sistema” (DAHL, 2001, p. 125).

MARQUES, F. P. J. A. Debates políticos na internet

Os discursos que aceitam a noção de esfera pública virtual

Há especialistas que aceitam, sem maiores restrições, a noção de esfera pública virtual, isto é, propõem que a internet funciona como um espaço efetivo e propício para a argumentação acerca da respublica (LÉVY, 2002; CASTELLS, 2001; SILVEIRA, 2000). A pluralidade de vozes e a possibilidade de combinação de "esferas públicas" (institucionais, temáticas, espontâneas, mediáticas) fariam com que a internet se tornasse apta a ser um ambiente discursivo por excelência. Conforme considera Castells:

Cyberspace has become a global electronic agora where the diversity of human disaffection explodes in a cacophony of accents. (...) the internet is not simply a technology: it is a communication medium (as the pubs were), and it is the material infrastructure of a given organizational form: the network (as the factory was). On both counts, the internet became the indispensable component of the kind of social movements emerging in the network society ” (CASTELLS, 2001, p. 138-139).

Nestes termos, a discussão dos temas coletivos não estaria mais subsumida a uma lógica centrada no interesse dos partidos ou de organizações, mas este novo meio de comunicação poderia ser utilizado para devolver à esfera civil o poder de formulação da agenda pública. Pierre Lévy destaca o espaço público virtual desterritorializado no sentido de permitir a participação dos interessados mesmo à distância, com autonomia para formar comunidades sobre os temas de seu agrado. Este espaço público ainda se alargaria pela não necessidade de mediadores de opinião, o que iria redefinir as condições de governança e estimular novas formas de fazer política e de formação cívica (LÉVY, 2002) 12. Do mesmo modo, para este autor, não se poderia ainda apontar como problema para o estabelecimento de uma esfera pública virtual a questão do acesso

(^12) Esta potencialidade de remissão da esfera pública é destacada por Pierre Lévy em pelo menos três oportunidades: "A nova esfera pública tem três características essenciais (...) a inclusão, a transparência e a universalidade. O ciberespaço é muito mais inclusivo do que todos os outros meios de comunicação anteriores. Ele permite a expressão pública a todos os indivíduos, grupos, instituições e comunidades, inclusive as comunidades (comunidades virtuais) não existentes anteriormente. (...) O ciberespaço (...) autoriza um grau de acesso à informação superior a tudo aquilo que se podia experimentar antes. Os internautas poderão se revelar cidadãos mais bem informados, politicamente mais ativos e socialmente mais conscientes do que os cidadãos off-line. (...) Os cibercidadãos expõem as idéias em seus websites e a prática do diálogo nas comunidades virtuais habituou-os à discussão, à deliberação pública. Sendo capazes de exprimir-se, eles esperam agora ser ouvidos. As novas formas de governança deverão encontrar lugar para essa 'nova raça de cidadãos', educados, informados, habituados a se exprimir (...)" (LÉVY, 2003, p. 375-376).

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restrito a essas tecnologias pela maioria da população, tendo em vista que, no século XVIII, a "idade de ouro" da esfera pública analisada por Habermas em seu Mudança estrutural da esfera pública , o acesso também era restrito aos "cidadãos", ou seja, apenas àqueles letrados, possuidores de bens materiais e aptos, de acordo com os ditames da época, a pensar a coisa pública^13. Keane (1996) vai empregar uma tipologia própria da noção de esfera pública para chegar a seu posicionamento sobre a relação entre o espaço da argumentação e as novas tecnologias de comunicação. Este autor considera que o termo esfera pública deve ser apreendido no plural, graças aos diferentes temas debatidos e às diferentes amplitudes que dada discussão pode alcançar. Deste modo, Keane realiza uma tipologia marcada por (1) micro esferas públicas , locais de encontros comunitários para o debate sobre temas coletivos (em um salão literário, por exemplo); (2) médio esferas públicas , que já alcançariam o nível do Estado-nação e seus milhões de interessados, através dos veículos de comunicação; e (3) macro esferas públicas (as disputas, na concepção de Keane, alcançariam bilhões de pessoas, em nível supranacional por causa da expansão das empresas de comunicação, que não mais se circunscrevem ao espaço nacional, e do avanço tecnológico, produzindo o que ele chama de "audiência mundial fictícia"). Às macro esferas públicas, para Keane, seriam adicionadas as redes telemáticas, onde os usuários não apenas buscam materiais de seu interesse, mas também procuram agir como cidadãos que se controvertem. Na perspectiva de Marcondes Filho (2001), a internet funciona, sim, como esfera pública, mas tem sua referência inicial modificada na medida em que não implica o debate racional conforme a compreensão habermasiana. O destaque provido por Marcondes Filho se situa no fato de que a internet acrescenta às instituições (de governo, da imprensa), bem como ao próprio público, o caráter de öffentlichkeit , isto é, a abertura às vistas públicas das organizações e suas disposições. Outros especialistas que dedicaram trabalhos para investigar a questão da esfera pública através das redes digitais foram Downey e Fenton (2003). Porém, estes trazem uma contribuição que se diferencia um pouco das anteriores, pois preferem empregar, em referência às redes digitais, o termo "contra-esfera-pública", e não "esfera pública autônoma". Esta contra-esfera provoca uma disputa com a esfera pública dominante (em vez de simples independência ou ruptura, caracte- rística atribuída ao espaço discursivo que carrega o adjetivo “autônomo”), ligada aos meios de comunicação de massa convencionais; isto é, a contra-esfera pública configura-se em oposição às argumentações colocadas nos espaços hegemônicos.

(^13) Pode-se perguntar: não seria uma contradição Lévy criticar a "idade de ouro" da esfera pública avaliada por Habermas ao mesmo tempo em que parece dar este mesmo tom de ouro à esfera pública virtual?

OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, vol. 12, nº 1, Abril/Maio, 2006, p. 164-

de um problema sejam colocados da maneira que cada ator bem desejar. Ou seja, o acesso a meios como a televisão, o jornal ou o rádio impresso, por serem de alto custo e exigirem uma estrutura pesada de funcionamento (maquinaria e pessoal capacitado), além de uma licença governamental, jamais poderiam ser tomados essencialmente como espaços "públicos".

Os discursos que negam o conceito de esfera pública virtual

Dean (2003), em sistematização semelhante à feita neste trabalho, identifica duas tendências de teóricos cuja preocupação é o funcionamento da internet como esfera pública: (a) os que não admitem a internet como esfera pública geralmente tomam o conceito normativo da categoria em questão e têm como principais queixas a exclusão digital (que impossibilita a participação de todos os interessa- dos), a carência de racionalidade (um ambiente sem ordem discursiva, debate sobre temas de maneira pouco precisa) e de civilidade (a internet garante o anonimato que serviria para os usuários agredirem uns aos outros, por exemplo). A outra corrente de especialistas (b) já considera que a internet é sim uma esfera pública, aliás, em excesso, como faz Esther Dyson:

Dyson's horror at the thought of 'all kinds of people' entering it tells us, first, that the possibility of an inclusive public sphere conjures up anxieties around truth and trust; and, second, that what she defends as the public sphere relies on a conception of rational debate that excludes all but the reasonable few. (...) Moreover, she suggests, in light of the underlying epistemology of the public sphere, that there is one truth and that there are experts out there who know this truth and who should be empowered to enlighten the rest of us. (...) So, for Dyson, the problem with the net is the very excesses that make it a public sphere – everyone is included: the ignorant, the ill-informed, the unauthorized. There is too much equality, too much inclusivity. Dyson's point boils down to the complaint that there are too many different opinions and ideas out there on the net ” (DEAN, 2003, p. 99-100).

Depois de identificar estas posições extremas, a saída apontada por Dean é a de que a noção de internet como esfera pública é, antes de tudo, ideológica: as redes telemáticas serviriam para dar aos cidadãos a capacidade de discutir e trocar idéias, mas, na verdade, atuariam como uma camuflagem do que está por trás das transformações econômicas contemporâneas, como o capitalismo global, as trocas comerciais e a construção do que ela chama de tecnocultura. Tal conclusão,

MARQUES, F. P. J. A. Debates políticos na internet

segundo Dean, faz com que a internet não possa ser tomada como neutra ou como apenas uma ferramenta a ser empregada dependendo da vontade de determinado agente:

New media present themselves for and as a democratic public. They present themselves for a democratic public in their eager offering of information, access, and opportunity. They present themselves as a democratic public when the very fact of networked communications comes to mean democratization, when expansions in the infrastructure of the information society are assumed to be enactments of a demos. But, as is becoming increasingly clear, the expansion and intensification of communication and entertainment networks yields not democracy but something else entirely-communicative capitalism. (...) Precisely those technologies that materialize a promise of full political access and inclusion drive an economic formation whose brutalities render democracy worthless for the majority of people ” (DEAN, 2003, p. 102-103).

Dean alega aceitar o caráter normativo da esfera pública e, justamente esta aceitação, faz com que ela não considere a internet como legítimo espaço de discussão de qualidade: o ambiente digital é desorganizado; podem ser formados espaços, sim, mas que apenas indiretamente têm efetividade. Além disso, a autora acrescenta que a esfera pública deve possuir uma unidade que busque, sempre que possível, o consenso em torno dos temas coletivos. Isto também não ocorre na maioria das interações e debates travados em rede, pois a divergência, devido ao choque cultural e de visões de mundo, seria persistente (DEAN, 2003) 16. Deve-se questionar a autora sobre se tais dificuldades também não ocorrem nos espaços discursivos testemunhados já há algum tempo. Na verdade, a dissonância e a falta de unidade ocorrem nos mais diversos âmbitos coletivos, independentemente se digitais ou não. Se o mapeamento feito por Dean parece consistente, o mesmo não se pode dizer, todavia, de seu diagnóstico quanto à manipulação por um capitalismo global e de uma infiltração da tecnocultura. Buchstein (1997) oferece pelo menos três razões para que a internet não seja tomada necessariamente como meio relacionado ao aperfeiçoamento da democracia: (1) a falta de competência dos cidadãos comuns para discutirem

(^16) Ainda de acordo com Dean, agora em um texto chamado Virtually citizens , de 1997, admitir a internet como "a" esfera pública, conforme sugestão de autores citados no tópico anterior, é pôr em segundo plano outros tipos de identidades, engajamentos e culturas populares que não empregam as redes de comunicação digitais. Hill e Hugues (1998) levam em consideração que não necessariamente a possibili- dade de interconexão entre usuários de diversas partes do planeta trará compreensão mútua, devido sobretudo aos diferentes quadros culturais de origem de cada um.

MARQUES, F. P. J. A. Debates políticos na internet

espaço virtual, mas ainda sem condições de aceder ao status de uma esfera pública virtual. Ou seja, introduz-se a idéia de que a internet funciona como um espaço com a capacidade de facilitar, mas não determinar, uma renovação da esfera pública:

It should be clarified that a new public space is not synonymous with a new public sphere. As public space, the internet provides yet another forum for political deliberation. As public sphere, the internet could facilitate discussion that promotes a democratic exchange of ideas and opinions. A virtual space enhances discussion; a virtual sphere enhances democracy (...) Despite the fact that the internet provides additional space for political discussion, it is still plagued by the inadequacies of our political system. It provides public space, but does not constitute a public sphere. (...) Our political experience online has shown that so far, the internet presents a public space, but does not yet constitute a public sphere ” (PAPACHARISSI, 2002, p. 11-23).

No entender de Papacharissi, há uma extensão nos canais de comunicação a partir do advento do ciberespaço, sem, entretanto, poder ser constatada uma modificação substancial quanto à comunicação política em si. Ela argumenta, por exemplo, que as redes digitais demonstram, em muitos momentos, serem apropriadas pela política tradicional, em vez de revolucionar suas estruturas. Uma outra contribuição de Papacharissi, de certo modo sustentada por Kinder (2002), se relaciona ao fato de que seria mais difícil a construção de laços de confiança e solidariedade através da internet, dada a carência de um encontro físico entre os usuários. Em outras palavras, critica-se, mais uma vez, a instabilidade das relações no plano digital, a carência de interações face a face, que seriam mais ricas do que as mediadas por equipamentos no que se refere à discussão da coisa pública^20. Dean (1997), ao contrário, argumenta que, apesar de serem mais ricas, as interações face a face não estão prontas a se despirem de preconceitos ou

(^20) Mostrando-se uma estrutura de comunicação que difere das tradicionais, a internet não permite o encontro físico, o que levanta alguns questionamentos sobre a estabilidade das interações, não obstante o desenvolvimento de tecnologias como a videoconferência. Os entes do discurso, entretanto, não podem fatalmente serem considerados "estranhos" entre si, ou seja, apesar de não se encontrarem face a face, os indivíduos podem aprofundar a discussão, voltar a se encontrar em outro dia, retomar o debate, criando, assim, maior intimidade. Segundo Mark Poster: " Now the question of 'talk', of meeting face-to-face, of 'public' discourse is confused and complicated by the electronic form of exchange of symbols. If 'public' discourse exist as pixels on screens generated at remote locations by individuals one has never and probably will never meet, as it is in the case of the internet with its 'virtual communities' and 'eletronics cafés', then how is it to be distinguished from 'private' letters, printface and so forth? The age of the public sphere as face-to-face talk is clearly over: the question of democracy must henceforth take into account new forms of electronically mediated discourse " (POSTER, 1997).

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permitirem que qualquer indivíduo se expresse à vontade: a tecnologia oferece, assim, proteções que devem ser levadas em consideração^21.

A esfera pública virtual como conversação civil

O termo conversação civil foi apreciado por Umberto Eco, em seu livro Cinco escritos morais (1998), quando o autor, em referência ao desenvolvimento da televisão e dos modos de produção e difusão das informações advindas do campo político (tratando de fenômenos como adequação de linguagem dos programas partidários, telecomícios e discursos menos ideologizados), analisa brevemente os talk-shows norte-americanos do início dos anos 1970. Para Eco, estes foram espaços destinados a atrair os telespectadores de maneira não enfadonha (já evidenciando uma gramática que evitasse afastar a audiência), empregando entrevistas e disputas entre visões políticas divergentes. A conversação civil seria estimulada por este tipo de programa ao seduzir os cidadãos a conhecerem, pelo menos satisfatoriamente, matérias de natureza pública e política. Paralelamente, levando-se em consideração a idéia de que debates informais e não-conclusivos podem ser considerados legitimamente esfera pública, aqui se procura identificar os espaços discursivos digitais com a noção de conversação civil , pois sua utilidade seria mais efetiva, no dizer de Hubertus Buchstein, ao nível da formação da opinião do que ao nível da tomada de decisões:

Generally speaking, the internet is more useful on the level of opinion- formation than on the level of decision-making. But even here, the technical attributes of the net set narrow limits. The internet is less applicable for the creation of new forms of democratic public spheres than for the support of already existing ones. In particular, the net allows for far easier access to documents, research statements, and other forms of factual information. (...) If we start with the normative premises that democracy contains elements of political deliberation, a distinction between private and public, and a public sphere which in principle can be shared by all citizens, the current reform strategies for computer democracy are more of a threat than a promise ” (BUCHSTEIN, 1997, p. 260-261).

(^21) Esta última ponderação é tema do livro Resisting the virtual life , de James Brook e Iain A. Boal, para quem: "(...) virtual technologies are pernicious when their simulacra of relationships are deployed societywide as substitutes for face-to-face interactions, which are inherently richer than mediated interactions. Nowadays, the monosyllabic couch potato is joined by the information junkie in passive admiration of the little screen; this passivity is only refined and intensified by programmed 'interactivity' ” (BROOK e BOAL apud DEAN, 1997, p. 268). Por outro lado, pode-se concordar com a posição de Dean (1997) de que encontro algum pode ser considerado puro, sem mediação.

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como uma forma de violência (como a expulsão dos pontos de vista discordantes em um canal de bate-papo, por exemplo)^22. À suposição de que a internet não é o melhor espaço para um debate racional se alia ainda o fato de que muitos dos casos de desentendimentos nas listas de discussão são gerados pelo envio repetido da mesma mensagem, anúncios do tipo classificados ou mesmo fofocas anônimas, o que pouco parece contribuir para um diálogo frutífero sobre temas coletivos (alguns destes entraves podem ser considerados ruídos de comunicação)^23.

Conclusão

Não se pode atribuir à internet a capacidade de, isoladamente, resolver os problemas que inquietam a forma democrática de governo e seus estudiosos. Possibilitar a reunião dos indivíduos para debater determinado tema não garante que todos queiram discutir, que a discussão se dê de modo frutífero e nem que o resultado da discussão consiga atingir as esferas representativas deliberativas, a quem foi concedido o poder de implantar os projetos públicos^24. Desta forma, a internet não viria no sentido de prejudicar a democracia, mas também não seria responsável por uma revolução em termos de compreensão desta forma de governo. O que se constata é que nem sempre todos os cidadãos possuem interesse na coisa pública. Como explica Dahl (2001), mesmo em uma assembléia popular ideal, assim como na maioria dos fóruns digitais, apesar de a palavra ser facultada a quem esteja presente (poder de voz), acontece com maior freqüência que poucos

(^22) De acordo com as contribuições de Buchstein, nesse sentido: " As the story goes, in the classical agora there was competition for the most reasonable way to solve a problem and the best way to build consensus. In the electronic agora, competition is for the most outrageous, provocative, and crazy point of view. This attitude attracts the creation and expression of extreme political actions. (...) Previously, newspaper readers followed arguments which were longer than what can appear on a computer screen. Electronic interviews tend to shorten and simplify complex issues. The process of typing encourages short and simple questions and equally concise replies. As Stoll puts it: 'Just as TV gives us soundbites, the online-interview provides one-line answers. (...) In digital reality, there is no space for glances, physical expressions, gestures, intonation, and overtones. Digital communication stress the exchange of pure data and allows participants to cut off unwelcome communication with just a move of a finger " (BUCHSTEIN, 1997, p. 258-259). (^23) Miranda (1995) argumenta que, se por um lado o recurso a meios de comunicação como a Internet mostra os limites da palavra burocrática (aquela proferida apenas pelos "autorizados", ou seja, fontes governamentais e donos dos veículos de comunicação de massa), por outro as redes telemáticas de comunicação acabam por demonstrar o próprio limite da palavra, no sentido de que nem todo conteúdo propagado se torna útil para a formação da vontade política ou ao aperfeiçoamento da democracia. (^24) Papacharissi (2002) concorda e, especulando sobre a efetividade dos discursos e debates oferecidos on-line, afirma que: " The power of the words and their ability to effect change, however, is limited in the current political spectrum. In a political system where the role of the public is limited, the effect of these online opinions on policy making is questionable " (PAPACHARISSI, 2002, p. 16).

MARQUES, F. P. J. A. Debates políticos na internet

indivíduos argumentem por um período maior, em um jogo de réplicas e tréplicas, no intuito de convencer seus pares. Se são diversas as ressalvas à internet enquanto esfera pública, por outro lado não se pode negar que muitos debates só se concretizam por causa do advento desta modalidade de comunicação. O ambiente digital pode ser tachado de caótico, dominado por empresas que visam apenas o lucro, pouco afeito à racionalidade, onde não se realiza debate de qualidade ou ainda que não é levado à sério pelas instâncias decisórias do sistema político. Mas a constatação que deve ser feita é a de que o debate racional entre cidadãos comuns, por exemplo, se não acontece na internet, também não parece acontecer rigorosamente fora dela. Em outros termos, deve-se considerar que, funcionando mal ou bem, pelo menos o ambiente digital abre a oportunidade para a exposição de opiniões e formação de arenas conversa- cionais, instâncias antes pouco prováveis ou mais difíceis de se realizarem. O fato é que o modelo de esfera pública que exige dos cidadãos um engajamento e racionalidade constantes parece ser pouco correspondente à realidade social contemporânea. Há usuários que, por não se sentirem à vontade para se expor ou não considerarem ter qualificação suficiente, querem apenas aceder à informação, ter acesso ao material compartilhado por outros usuários mais ativos (como acontece com freqüência em listas de discussão)^25. Dá-se um consumo privado do material lançado para o público, ou seja, em inúmeras ocasiões, as listas funcionam apenas como repositório de conteúdos, onde notícias e eventos são divulgados, sem gerarem maiores polêmicas ou, quando estas acontecem, geram apenas uma participação momentânea e restrita^26. Mesmo na internet, os usuários não têm, em sua maioria, disponibilidade e dedicação completas para se engajarem em debates (PAPACHARISSI, 2002).

(^25) Apesar de possibilitar a criação de novos espaços e a formação de agregações em torno de determinado interesse ou tema, se os cidadãos não tiverem um interesse pré-existente na coisa pública, nos assuntos de Estado, não é a internet quem vai criar esse empenho. De acordo com o que propõe Maia em relação à participação em listas e o debate realizado nestes espaços: "Não obstante, se haverá ou não o processo de debate é algo que não pode ser decidido a priori, pois o debate, em si mesmo, depende da livre motivação e da ação dos próprios interessados, que é contingencial e imprevisível. Além disso, o debate é mais do que uma mera pluralidade de vozes. Ele é focado e se caracteriza por discussões singulares. (...) Se todos falam e ninguém ouve, temos o resultado semelhante ao de uma torre de Babel. Conforme os estudos de Wilhelm (2000) e Hill e Hughes (1998) evidenciam, a grande maioria dos participantes em listas de discussão política e chats expressam a própria opinião, buscam e disponibilizam informação, sem que se vinculem a um debate propriamente dito" (MAIA, 2002a, p. 55-56). (^26) Claro que há listas fechadas de especialistas em determinado assunto que podem funcionar mais ativamente, mas o que se procura traçar aqui é um diagnóstico panorâmico, ainda carente de maiores estudos empíricos rigorosos.