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O presente artigo propõe uma leitura dos três usos do quadrado estruturalista realizados por Rosalind Krauss, respectivos à escultura moderna, à pintura modernista e ao medium. Para isso, entrelaça algumas obras da autora, observando neste processo seu deslocamento de foco do campo expandido da escultura ao cubo branco. Este exercício de leitura responde diretamente ao fenômeno de crescente apropriação do “campo expandido” nos debates artísticos brasileiros recentes, buscando uma compreensão mais adequada aos usos do quadrado estruturalista realizado por Rosalind Krauss.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro E-mail: manoel.friques@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0106-
FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
Artigo recebido em: 01/12/ Artigo aprovado em: 27/04/ Introdução O presente artigo propõe uma leitura dos usos do “quadrado estruturalista” realizados por Rosalind Krauss em três momentos específicos de sua trajetória intelectual e encontrados especificamente nos seguintes escritos: o artigo “Sculpture in the expanded field” (1979) e os livros The Optical Unconscious (1993) e, mais recentemente, Under Blue Cup (2011). No primeiro caso, a ensaísta estadunidense propõe uma análise sistêmica da produção artística contemporânea de seu país, caracterizada, em termos gerais, por um questionamento dos gêneros tradicionais da arte. Krauss fricciona criticamente, de um lado, as criações artísticas dos anos 1960 e 1970 rotuladas sob novos termos – Process Art , Land Art , Conceptual Art etc. –, e algumas categorias encontradas na História da Arte Ocidental, em especial, as de escultura, arquitetura e paisagem. Tal cotejo resulta do desejo da autora em problematizar o suposto pluralismo da produção artística estadunidense, fazendo-a mapear um campo de possibilidades desta mesma produção formulado a partir das relações lógicas propostas pelo quadrado estruturalista. FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
É justamente este o objetivo do presente ensaio. Nos próximos parágrafos, busca-se realizar uma leitura dos três diagramas de Rosalind Krauss, considerando-se, sobretudo, duas questões conce- bidas pela própria autora: o imperativo da revisão e o desejo didático. De um lado, ao publicar a coletânea Perpetual Inventory ( Inventário perpétuo , em tradução livre), Krauss atenta para o fato de que “uma crítica revisa constantemente não apenas sua concepção sobre a direção e as correntes mais importantes da arte contemporânea, mas também suas convicções sobre as obras mais signi- ficativas aí inseridas” (KRAUSS, 2010, p. xi)^2. De outro lado, o uso do diagrama por Rosalind Krauss advém de um desejo pedagógico, conforme se observa na seguinte passagem: Às vezes, utilizo diagramas em minha escrita. Diverte-me usá-los pois as pessoas – especialmente os estudantes – ficam estarrecidas quando olham para os diagramas e pensam que não conseguem entende-los, e os artistas pensam que abordar a arte em termos de diagramas é excitante. Quando eu estava estudando o estrutura- lismo, fiquei muito interessada nos diagramas. Achei incrível o fato de que alguém pudesse dizer algo verdadeiro sobre a história de alguma coisa por meio de algo tão estático e bidimensional quanto um diagrama (KRAUSS, 2013).^3 Sendo assim, a leitura a seguir pretende revelar as idas e vindas do pensamento de Rosalind Krauss por meio dos usos recorrentes do quadrado estruturalista respectivos a três momentos históricos distintos: os anos 1970, os anos 1990 e os anos 2000. Por meio da análise de cada diagrama, bem como das diferenças históricas entre eles, pretende-se compreender os movimentos reflexivos de Krauss a respeito não apenas da história da arte euroamericana, mas também de sua própria traje - tória intelectual. Quadrado 1: o campo expandido da escultura Nesta seção, o artigo “Sculpture in the Expanded Field” será analisado sob três perspectivas. Em primeiro lugar, retoma-se o questionamento em relação a uma abordagem historicista da escul- tura. Passa-se então à reflexão a respeito de um conceito basilar do quadrado estruturalista: a paisagem, enquanto termo oposto à arquitetura. Em seguida, tendo por base alguns questiona- mentos surgidos das etapas anteriores, realiza-se uma leitura do campo expandido a partir de sua principal função: o combate ao pluralismo estadunidense. FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
Uma abordagem historicista da escultura Em 1979, Krauss publica na oitava edição da revista October o ensaio “Sculpture in the Expanded Field” (“Escultura no Campo Ampliado”), propondo um método de análise formal-estru- turalista para as construções tridimensionais estadunidenses produzidas a partir da década de
Greimas é utilizado não de modo a rever o impulso historicista, mas antes o pressupõe enquanto lógica contrastante. Em outras palavras, o quadrado estruturalista não é utilizado para se abordar topograficamente a lógica historicista da escultura ocidental. O ocaso da lógica do monumento – incluindo-se aí sua antilógica – cede passagem, cronologicamente, a uma outra lógica: o quadrado estruturalista, sendo este então modelado tendo em vista a já dispersa multiplicidade das propostas escultóricas das décadas de 1960 e 1970. Sendo assim, Krauss investe em um diagrama sincrônico para abordar a produção de uma geração, reduzindo – e não expandindo – este conjunto simultâneo de produções em uma forma geométrica arquetípica e autorreferencial – o quadrado – utilizada enquanto estrutura fundamental de interpretação. A questão da paisagem Não que as propriedades gestálticas do quadrado devam ser lidas como uma indicação de sua característica eminentemente estática e a-diacrônica. Jameson salienta que esta estrutura elementar de significação – “a maior conquista da semiótica greimasiana”^8 (JAMESON, 1976, p. xiv)
Definido como uma “estrutura elementar de significação” o quadrado de Greimas possui um estatuto lógico preciso, sendo o fundamento para outras duas estruturas definidas como “estru- turas superficiais” – “constituem uma gramática semiótica que ordena, em formas discursivas, os conteúdos suscetíveis de manifestação” – e “estruturas de manifestação” – que “produzem e orga- nizam os significantes” (GREIMAS, 1975, p. 126). Em conjunto, estas três camadas estruturais são combinadas de modo a fornecer um amplo, mas logicamente delimitado, universo de possibili- dades. A estrutura elementar se organiza, por sua vez, em torno da significação cujas presença e ausência definem, respectivamente, os eixos complexo e neutro do quadrado semiótico: Fig. 1. Quadrado de Greimas. Fonte: GREIMAS, 1975, p. 127. Considerando tais definições, retome-se agora a narrativa que conduz à pura negatividade. Tendo em conta a definição da escultura modernista proposta por Krauss enquanto uma combi- nação de exclusões, tem-se a ausência ontológica da escultura, agora definida como uma metaca- tegoria neutra constituída pela conjunção de duas negações: nem paisagem nem arquitetura. Krauss esclarece que, se a escultura modernista se baseia nesta dupla negatividade, tal fato não torna as próprias categorias menos importantes. “Isso porquê”, afirma ela, “esses termos expressam uma estrita oposição entre o construído e o não construído, o cultural e o natural, entre os quais a produção da arte escultórica parecia estar suspensa” (KRAUSS, 1986, p. 283)^10. Mas algo nesta homologia entre os pares paisagem-arquitetura, construído-não construído, cultural-natural não parece se encaixar adequadamente.^11 Em que medida a oposição entre paisagem e arquitetura pode estar associada à dicotomia natureza e cultura utilizada, por exemplo, por Greimas e Lévi- Strauss?^12 Ou ainda: de que maneira uma paisagem pode ser considerada como não construída e natural? O que significa, enfim, uma paisagem e de que modo ela pode diferir da arquitetura? FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
as quais repousa: a paisagem, como uma cena natural representada, está assentada em conven- ções culturais que condicionam sua naturalidade – a paisagem é um mito no sentido barthesiano. Há, com isso, um movimento em mão dupla, por meio do qual se naturaliza a convenção, ao mesmo tempo em que se convencionaliza a natureza. Se a menção aos escritos de W. J. T. Mitchell poderia configurar uma leitura anacrônica do ensaio de Krauss, a recuperação de outros autores evitam tal possibilidade. A distinção entre paisagem e natureza é realizada também por Georg Simmel^14 , em A filosofia da paisagem , a partir da operação de demarcação – tanto simbólica quanto territorial – pressuposta na primeira. “‘A natureza’”, reflete ele, “que no seu ser e no seu sentido profundos nada sabe da individualidade, graças ao olhar humano que a divide e das partes constitui unidades particulares, é reorganizada para ser a individualidade respectiva que apelidamos de ‘paisagem’” (SIMMEL, 2009, p. 7).^15 Enquanto verbo, a paisagem possui, portanto, um resquício mitológico (no sentido de Barthes), na medida em que oferece algo ao olhar que dissimula sua própria historicidade. Pode-se dizer então que os earthworks seriam menos intervenções sobre a paisagem do que a investigação dos processos históricos e simbólicos que demarcam uma land shape – não à toa, alguns trabalhos de Robert Smithson, a exemplo de Spiral Jetty , são realizados em paisagens pós-industriais. O que mais surpreende é o fato de a consideração da paisagem enquanto hieróglifo social não ser estranha a Krauss. No artigo “The Originality of the Avant-Garde” (“A originalidade da vanguarda”, em tradução livre), partindo de um exemplo retirado da novela Northanger Abbey ( A abadia de Northanger ), de Jane Austen, a ensaísta dedica uma seção à dupla condição da paisagem, a meio caminho entre as normas e a autenticidade: Ler qualquer texto sobre o pitoresco é se deixar levar instantaneamente pela diver- tida ironia com que Austen vê seu jovem protegido descobrir que a própria natureza é constituída em relação à sua “capacidade de ser moldada em imagens”. Pois é perfeitamente óbvio que por meio da ação do pitoresco, a própria noção de paisagem se constrói como um segundo termo do qual o primeiro é uma represen- tação. A paisagem torna-se uma reduplicação de uma imagem que a precedeu. [...] A singularidade da paisagem não é, portanto, algo que um pouco de topografia possui ou não; é antes uma função das imagens que ela apresenta a cada momento no tempo e do modo como essas imagens são registradas na imaginação (KRAUSS, 1986, p. 163- 164, grifos nossos).^16 FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
Tendo em mente a dupla condição da paisagem, retome-se o campo expandido. De que maneira a paisagem, em sua aparência natural que dissimula uma condição cultural, pode ser anta- gônica à arquitetura? Tal antagonismo é associado pela diferença de grau em relação à dissimu- lação? A arquitetura é explicitamente resultante da ação cultural enquanto a paisagem a mascara? Em que medida paisagem e arquitetura podem, com isso, ser considerados termos contrários que formam o eixo complexo do quadrado de Greimas? Não se vislumbra, no ensaio de 1979 de Krauss, nenhum caminho para estas respostas. A única vereda possível de entendimento encontra-se na escultura circunscrita ao Modernismo, definida precisamente por sua dupla condição: nem paisagem nem arquitetura. Aqui, a autonomia da escultura modernista institui um domínio que não se atém nem ao espaço interno do edifício nem ao espaço externo da paisagem. E é exata- mente aí que emerge outra questão. Krauss define a escultura modernista a partir de sua dupla condição negativa em relação à lógica do monumento, pautada pela autonomia e pela abstração. Esta condição negativa confere à escultura um caráter nomádico: sem lugar e sem tempo definidos. Na década de 1950, exaure-se este veio de investigação, inaugurando-se um período em que a escultura torna-se pura negativi- dade, adentrando uma “terra de ninguém categórica” (KRAUSS, 1986, p. 282).^17 Mas, se a escultura modernista se define negativamente em relação à lógica do monumento, o seu inverso não seria a própria lógica do monumento? Porque o eixo complexo do diagrama – formado pela conjunção entre arquitetura e paisagem – não pode ser lido, então, em contraposição à escultura modernista, não tanto como local de construção , mas como monumento? Seriam eles sinônimos? Estas indagações revelam um salto no relato de Krauss, pois em que medida a dupla negatividade da escultura modernista – “sem lugar e amplamente autorreferencial” – pode ser substituída pela dupla condição de sua pura negatividade – “não paisagem, não arquitetura”? Ou melhor, de que maneira o limite da escultura modernista, representado por sua pura negatividade, está associado à dupla negatividade em relação à lógica do monumento? Havendo uma passagem da dupla nega- tividade à pura negatividade, institui-se aí uma espécie de descontinuidade que não permite que se utilize o campo expandido para uma investigação mais geral – e, com isso, mais estruturalista e sincrônica – associada à história (diacrônica) da escultura. Melhor dizendo: Krauss fornece uma narrativa da escultura modernista que pouco se traduz na estrutura lógica do campo expandido, FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
tualidade ( objecthood ) que foi o cerne do debate sobre o Minimalismo; a relação com a presença e a escala humanas, conforme sugerem Osborne (2012) e Robert Morris (1968); a oposição visual- táctil cara aos historiadores da arte etc. Desconsiderando tais discussões, Krauss propõe um diagrama sem demorar-se nem na conceituação de seus termos nem nas descrições das obras aí localizadas, ao contrário do esforço por oferecer uma narrativa da escultura modernista. Assim, paisagem e arquitetura, seja lá o que possam significar estes termos, são duas categorias que, em sua dupla negatividade, condicionam em primeira instância a escultura modernista e, com isso, o campo expandido delineado por Krauss: Fig. 2. O campo expandido de Rosalind Krauss. Fonte: KRAUSS, 1986 (traduzido e formatado pelo autor). O campo expandido é então uma suposta expansão lógica das categorias que conformam a metacategoria da escultura modernista, resultante de um processo de redução conforme propõe o relato histórico fornecido por Krauss, narrativa que, todavia, não permite que se constate as impli- cações lógicas entre a construção do relato e a estrutura do próprio campo. Ele é organizado conforme o quadrado de Greimas, havendo aí outras três possibilidades não circunscritas à escul- tura modernista, mas derivadas dela, permitindo assim à ensaísta denominá-las de pós-moder- nistas: FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
Parece bastante evidente que essa permissão (ou pressão) para pensar o campo expandido foi sentida por vários artistas mais ou menos na mesma época, aproxi- madamente entre os anos de 1968 e 1970. Pois, um após o outro, Robert Morris, Robert Smithson, Michael Heizer, Richard Serra, Walter De Maria, Robert Irwin, Sol LeWitt, Bruce Nauman… haviam entrado em uma situação cujas condições lógicas não podem mais ser descritas como modernistas. Para nomear essa ruptura histórica e a transformação estrutural do campo cultural que a caracteriza, é preciso recorrer a outro termo. O que já está em uso em outras áreas da crítica é o pós- modernismo. Parece não haver razão para não usá-lo (KRAUSS, 1986, p. 287).^19 A partir da citação anterior, é possível, finalmente, captar o sentido do campo expandido de Rosalind Krauss, devendo este ser compreendido menos pelas implicações lógicas internas ao diagrama do que pela função exógena que este exerce em um espaço discursivo determinado. Melhor dizendo, é possível circunscrever o campo de forças no qual se insere o quadrado estrutura- lista de Krauss, sem que as forças internas ao próprio diagrama sejam devidamente esclarecidas. Este diagrama funciona como uma dupla resposta da autora tanto à acusação do ecletismo da atividade pós-modernista quanto à prevalência do medium da atividade modernista. Frente ao pluralismo associado ao pós-modernismo, haveria uma espécie de desenvolvimento coerente que o questiona, traduzido supostamente em um diagrama lógico que circunscreveria a produção artís- tica estadunidense não mais associada à redução formalista greenbergiana : O que parece eclético de um ponto de vista pode ser visto como rigorosamente lógico de outro. Pois, no âmbito do pós-modernismo, a prática não se define em relação a um dado medium – escultura – mas sim em relação às operações lógicas sobre um conjunto de termos culturais, para os quais qualquer – fotografia, livros, linhas nas paredes, espelhos ou a própria escultura – pode ser usada [...] é óbvio que a lógica do espaço da prática pós-moderna não está mais organizada em torno da definição de um dado medium com base no material, ou até mesmo na percepção desse material. Ela é organizada através de um universo de termos que são sentidos como opostos em uma dada situação cultural (KRAUSS, 1986, p. 288-289).^20 O diagrama é definido não pelas características irredutíveis de um determinado suporte artístico, mas pela relação lógica de determinados semas culturais – paisagem e arquitetura –, termos esses cuja definição está paradoxalmente implícita na argumentação da autora, ou seja, não são localizados cultural e historicamente, a despeito mesmo do rigor lógico pleiteado por Krauss. Opera-se, portanto, um movimento duplo de libertação e restrição: ao se libertarem dos grilhões FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
Nesse contexto de desenvolvimento, o ensaio aparece menos como a afirmação de uma expansão do campo, como parecia ser, e mais como um estudo de caso no gerenciamento teórico da mudança histórica. Seu significado histórico deve ser encontrado menos no que a própria análise propõe do que em seus efeitos inadver- tidos ao apoiar a expansão, não do campo em que a “escultura” está localizada – seu tópico –, mas da própria definição institucional da escultura; e, assim, a reapropri- ação ideológica de todas aquelas práticas de fabricação de objetos que eram contra a “escultura” pela ideia de uma renovação da escultura. Esta foi a grande vitória reativa da tradição artística na década de 1980 (OSBORNE, 2012, p. 10).^23 Sendo assim, os esforços de Krauss por mapear o campo expandido da escultura auxiliam na restauração da própria autoridade cultural desta categoria , de modo que, já no final da década de 1980, a escultura havia, conforme sugere Osborne, se alastrado por todo o diagrama. Seja como for, é bastante sintomático o fato de Krauss jamais ter retomado o campo expandido para a análise da produção experimental estadunidense, ao contrário de sua reiterada preocupação em relação às forças que circunscrevem o espaço discursivo no qual este diagrama foi concebido: de um lado, a questão da especificidade do medium ; de outro, o pluralismo da arte contemporânea. No confronto iterado com estas questões, Krauss concebe outros diagramas, como se verá a seguir. Quadrado 2: o diagrama da pintura modernista Em 1993, em The Optical Unconscious , Rosalind Krauss retoma o quadrado semiótico para a análise da pintura modernista, sendo o título de seu livro um eco não tanto de Walter Benjamin,^24 mas de The Political Unconscious , de Fredric Jameson: “E assim este livro será chamado O Inconsciente Ótico. O título rima com O Inconsciente Político? É uma rima intencional; é uma rima criada pela simplicidade idiota de um gráfico e sua astúcia extravagante” (KRAUSS, 1994, p. 27).^25 Que espécie de rima teórica propõe Krauss em relação à obra de Jameson? The Political Unconscious baseia-se em um questionamento de Jameson a respeito do sentido negativo de ideologia atribuído por Marx, conhecido amplamente por “falsa consciência”. Apesar de reiterá-la, o autor não segue cegamente a principal lição de Marx (como fizera, por exemplo, Barthes em Mitologias ), uma vez que a atividade hermenêutica daí desenvolvida carac- teriza-se unicamente pelo seu caráter negativo: a denúncia da instrumentalidade da produção cultural, de seu viés ideológico, de modo a descortinar as premissas de dominação e de legiti- FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
mação de classe, bem como de mitificação social. Ao lado desta estratégia, o autor propõe um ato interpretativo positivo, recuperando, para esse fim, a máxima formulada por Benjamin em suas teses sobre o conceito de história: todo monumento de cultura é também um monumento de barbárie. Nesta recuperação, Jameson inverte o dictum , propondo uma relação entre, em seus termos, ideologia e utopia: Se a função ideológica da cultura de massa é entendida como um processo pelo qual impulsos outrora perigosos e protopolíticos são “administrados” e neutral- izados, recanalizados e oferecidos enquanto objetos espúrios, então algum passo preliminar também deve ser teorizado em que esses mesmos impulsos – a matéria- prima sobre a qual o processo funciona – são inicialmente despertados dentro do próprio texto que procura acalmá-los. Se, todavia, a função do texto cultural de massa é vista mais como a produção de uma falsa consciência e como a reafirmação simbólica desta ou daquela estratégia legitimadora, mesmo esse processo não pode ser apreendido como de pura violência (a teoria da hegemonia se distingue explicitamente da teoria do controle por força bruta) nem como aquele que inscreve as atitudes apropriadas em uma lousa em branco, mas deve necessaria- mente envolver uma estratégia complexa de persuasão retórica na qual são ofere- cidos incentivos substanciais para a adesão ideológica. Diremos que tais incentivos, assim como os impulsos a serem administrados pelo texto cultural de massa, são necessariamente de natureza utópica (JAMESON, 2002, p. 277-278).^26 É a partir desta relação dialética entre ideologia e utopia que deve ser compreendido o inconsciente político de Fredric Jameson. Note-se que o autor não descarta a desmistificação ideo- lógica proposta pelo Marxismo, a justapondo a um outro tipo de interpretação, ou seja, diante de um mesmo texto cultural, é preciso investigar a coexistência de diferentes funções (a ideológica e a utópica). Com isso, a iniciativa hermenêutica de Jameson renova a análise dialética marxista dos artefatos culturais, considerando-os enquanto soluções simbólicas às contradições sociopolíticas. Levando em consideração o projeto hermenêutico de Jameson em The Political Unconscious , nota- se que a apropriação realizada por Krauss em The Optical Unconscious refere-se precisamente à dialética entre ideologia e utopia. Mas Krauss não recupera os termos, apenas a dinâmica da relação: frente a uma leitura hegemônica, há um inconsciente a ser deslindado, sendo ambas as leituras imbricadas uma na outra. Se Jameson lança mão do binômio ideologia e utopia para se referir a duas funções interpretativas simultâneas, Krauss, por sua vez, reelabora este par dialético por meio do binômio hegemonia-repressão. Em outras palavras, diante de determinadas interpre- FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
dutível ao modernismo greenbergiano , concebendo um jogo dialético ilustrado pela semelhança divergente entre o quadrado de Greimas – utilizado para estruturar a narrativa greenbergiana –, o Esquema L lacaniano e a Figura-Matrix de Lyotard. O deslizamento do quadrado semiótico de Greimas ao Esquema L de Lacan e à Figura-Matrix de Lyotard é fundamental ao esforço da autora em elaborar uma contra-história do Modernismo hege- mônico sob a perspectiva da psicanálise. De fato, se o quadrado semiótico – como se constatará adiante – parece se adequar plenamente à narrativa greenbergiana proposta por Krauss, os dois deslocamentos parecem pouco contribuir à pesquisa formal da autora, possuindo um valor ilustra- tivo.^27 Se, em 1979, a ensaísta utiliza o quadrado semiótico para organizar a produção contempo- rânea estadunidense batizada de pós-modernista, em 1993, Krauss volta-se para o Modernismo greenbergiano , sem nem mesmo mencionar o pós-modernismo de outrora. Tal passagem resulta em uma maior coerência na utilização da própria ferramenta, visto que a narrativa greenbergiana que fundamenta a nova estrutura fornece subsídios suficientemente claros para uma compreensão mais adequada do novo diagrama. Sendo assim, a implicação dialética entre narrativa e cognição pressuposta no quadrado estruturalista é mais explícita neste caso, onde a antinomia entre figura e fundo é o ponto de partida para a estrutura elementar de significação. Por mais que Krauss afirme que uma das principais vantagens do diagrama é sua dispensa da narrativa, com isto não se pode concordar. Sem dúvida alguma, a autonomia da ferramenta é equivalente à autonomia modernista. Mas ela precisa ser narrada, explicada: é precisamente isto que faz Krauss em The Optical Uncons- cious. O ponto de partida para a configuração do novo quadrado de Greimas é justamente a autonomia do campo visual modernista. Aqui, Krauss recupera todo o léxico greenbergiano : o plano pictórico enquanto entidade pura e autorreflexiva, despida de todos os elementos a não ser aqueles que se refiram às características inerentes e irredutíveis do próprio medium. Às fronteiras entre as distintas manifestações artísticas corresponde uma separação dos sentidos que, por sua vez, determina uma fenomenologia modernista – pautada na opticalidade – contra a qual Krauss estabelece uma fenomenologia lacaniana.^28 FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515
A autonomia modernista está baseada em uma espécie de divisão da percepção em estratos sensórios, de modo que, no caso das artes visuais, a visão reine absoluta enquanto sentido privilegiado. Esta autonomia da visão corresponde, para Krauss, à autonomia institucional do Modernismo em seu distanciamento da práxis social. Dessa maneira, à forma institucional da auto- nomia modernista corresponde uma forma cognitiva, baseada na autonomia visual, conforme a ensaísta propõe em “The Master’s Bedroom”: A ideia de uma visão autônoma – livre de todas as obrigações com o objeto e de todas as definições idiossincráticas do sujeito – tornando-se um estrato sensorial abstrato que poderia aparecer em si e por si como uma espécie de categoria kantiana, essa noção de visualidade foi uma concepção fundadora da prática pictórica modernista, começando no Impressionismo, desenvolvendo-se no Neo- Impressionismo e amadurecendo tanto no Fauvismo quanto no Cubismo [...] A pintura modernista não foi estimulada apenas pela lógica dessa estrutura; também, como indiquei, tentou reduplicar a própria condição da estrutura enquanto imagem cognitiva ao nível de cada obra de arte. A ideia de uma cena espacial que, através da própria aparição da pintura para o espectador, abre-se para as pré-condi- ções que incitam a percepção, mantendo-se transparente em relação a esta – tal ideia influenciou uma após a outra geração de modernistas (KRAUSS, 1989, p. 56- 59).^29 Em The Optical Unconscious , observa-se claramente a definição do Modernismo greenber- giano de Krauss segundo a perspectiva do diagrama semiótico: ele é um campo discursivo estrutu- rado por um conjunto de conceitos que, por sua vez, delimita o próprio campo, estabelecendo seus limites. A iniciativa de Krauss leva adiante os seus esforços anteriores em considerar o grid como um mito modernista: aqui, pressupõe-se também uma afinidade entre as reduções modernistas – all-over , monocromo, grid , figuras concêntricas etc. –, o quadrado semiótico e a autonomia do campo discursivo modernista. Tal relação soa mais adequada, na medida em que, ao contrário do que ocorre em “Sculpture in the Expanded Field”, são sobrepostos dois processos de redução formal: as poéticas modernistas e o quadrado de Greimas. Krauss define o seu diagrama moder- nista seguindo a lógica utilizada tanto em “Sculpture in the Expanded Field” quanto em “Grids”: contra o pluralismo, o quadrado semiótico propõe um número limitado de possibilidades que, por sua vez, estão fadadas à repetição, não havendo supostamente um desenvolvimento – ou evolução histórica. FRIQUES, Manoel Silvestre. Diagramas na crítica de arte: uma leitura dos quadrados estruturalistas de Rosalind Krauss. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 24, mai-ago. 2022 Disponível em https://doi.org/10.35699/2237-5864.2022.26515