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Apostila - Apostila
Tipologia: Notas de estudo
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**Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida na regra estampada na nova Legislação Civil Pátria, o Código Civil de 2002. *****
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Doutora e Livre Docente pela Faculdade de Direito da USP. Professora Associada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Sumário: 1. Considerações de preâmbulo relativamente à sucessão em geral, sob a análise de alguns dispositivos do novo Código Civil: arts. 1784, 1786, 1788, 1789, 1845. 2. Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida na regra estampada na nova Legislação Civil Pátria, o Código Civil de 2002: 2.1. A sucessão do companheiro – arts. 1790 e 1834, 2.2. A sucessão do cônjuge – arts. 1829, I, 1831, 1832 e 1834. 3. Sugestões de alteração legislativa.
1. Considerações de preâmbulo relativamente à sucessão em geral, sob a análise de alguns dispositivos do novo Código Civil: arts. 1784, 1786, 1788, 1789, 1845.
A sucessão que vem disciplinada no Livro V do Código Civil pressupõe, intrínseca e invariavelmente, a morte da pessoa natural. Quer se trate de morte real ou de morte presumida, por conseqüência normal e como decorrência do princípio da saisine , o patrimônio deixado pelo morto seguirá o destino que se estampa nas regras sucessórias
F 0A 7 Palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, em 26 de setembro de 2003.
do direito civil positivado.
A sucessão considera-se aberta no instante mesmo ou no instante presumido da morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. Não se confundem, todavia. A morte é antecedente lógico, é pressuposto e causa. A transmissão é conseqüente, é efeito da morte. Por força de ficção legal, coincidem em termos cronológicos,^4 presumindo a lei que o próprio de cujus investiu seus herdeiros^5 no domínio e na posse indireta^6 de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo. Esta é a fórmula do que se convenciona denominar droit de saisine.
O Código Civil de 1916 foi instituído com a seguinte regra, esculpida no art. 1572: "Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Já a nova codificação civil traz a seguinte redação para traduzir o mesmo princípio: Art. 1784 - "Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".
A expressão "aberta a sucessão" , que vem repetida em ambas as codificações, faz referência ao momento em que surgem os direitos sucessórios, sem fazer referência, entretanto, aos titulares desses direitos. A atribuição desses mesmos direitos aos sucessores traduz-se pelos vocábulos devolução^7 ou delação , que nada mais representam do que o mesmo fenômeno visto pelo prisma da sucessibilidade.^8
Pelo princípio da saisine , a lei considera que no momento da morte, o autor da herança transmite seu patrimônio, de forma íntegra, a seus herdeiros. Ora, o direito atual suprimiu da regra a expressão "o domínio e a posse da herança", passando a prever a transferência pura e simples da herança. Mas é óbvio que tal supressão não vai representar diminuição do alcance objetivo do princípio. Vale dizer, o objeto da transmissão continua sendo a herança, que como já se disse, é o patrimônio do defunto,
(^4) GOMES, Orlando. Sucessão, p. 11. (^5) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – 6º volume
Este artigo equivale ao anterior 1573 (Código de 1916), onde era possível ler que " a sucessão dá-se por disposição de última vontade, ou em virtude de lei ".
Os dispositivos, se não são idênticos, trazem as mesmas conseqüências práticas. A inversão das formas de sucessão no elenco legal não modifica os institutos nem traz prevalência diversa, relativamente à codificação anterior, de uma forma sucessória sobre a outra em virtude do quanto disposto no restante do Livro. Prevalece, por força do atual art. 1788, a sucessão testamentária sobre aquela que deriva de lei, até o montante que resguarde a parte indisponível – em certas circunstâncias – a fim de se dar, a esta parte, a destinação previamente determinada por lei.
A legislação anterior, ao determinar que a sucessão se dava por disposição de última vontade, indicava já a prevalência da vontade do testador e, apenas subsidiariamente, na falta de disposição desse jaez, operava-se em virtude de lei. Mas esta última forma de suceder sempre foi a mais difundida no Brasil. "Na verdade, via de regra as pessoas passam pela vida, e dela se vão, intestadas; o reduzido número daquelas que testam, o faz porque não tiveram filhos, ou porque desejam beneficiar, quem sabe, o cônjuge, em desfavorecimento dos ascendentes, ou, ainda, porque desejam beneficiar certas pessoas, por meio de legados, ou, simplesmente, porque desejam reconhecer filhos havidos fora do casamento.
"Poucos são os que, possuindo herdeiros necessários, testam relativamente à parte disponível, sem prejudicar, com isso, os descendentes ou os ascendentes.
"Essa espécie de aversão à prática de testar, entre nós, é devida, certamente, a razões de ordem cultural ou costumeira, folclórica, algumas vezes, psicológica, outras tantas.
"O brasileiro não gosta, em princípio, de falar a respeito da morte, e sua circunstância é ainda bastante mistificada e resguardada, como se isso servisse para ‘afastar maus fluídos e más agruras...’. Assim, por exemplo, não se encontra arraigado em nossos costumes o hábito de adquirir, por antecipação, o lugar destinado ao nosso túmulo ou sepultura, bem como não temos, de modo mais amplamente difundido, o hábito de contratar seguro de vida, assim como, ainda, não praticamos, em escala significativa, a doação de órgãos para serem utilizados após a morte. Parece que estas atitudes, no dito popular, ‘atraem o azar...’.
"Mas, a par destas razões que igualmente poderiam estar a fundamentar a
insignificante prática brasileira do costume de testar, talvez fosse útil relatar, como o faz Zeno Veloso, que há certamente outra razão a ser invocada para justificar a pouca freqüência de testamentos entre nós. Esta razão estaria diretamente direcionada à excelente qualidade de nosso texto legislativo que ainda vige – o Código Civil de 1916
Para além disso, registre-se que o novo Código, se não alterou a ordem de vocação hereditária, fez o cônjuge supérstite passar à classe de herdeiro necessário (art. 1845, CC) e determinou que concorra com os herdeiros das classes descendente e ascendente (art. 1829, incs. I e II, CC). Assim faz parte da primeira classe de vocação em concorrência com os descendentes; da segunda, em concorrência com os ascendentes; e da terceira, com exclusividade, tendo, portanto, retirado o legislador pátrio uma das hipóteses que antes se formulava, a justificar a facção de um testamento, que era exatamente a intenção do testador de privilegiar o seu cônjuge, para depois de sua morte.
(^10) HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (e CAHALI, Francisco José). Curso Avançado de Direito Civil – Volume 6, p. 277-278.
inexistentes estes últimos, poderá a disposição recair sobre a totalidade da herança. Apenas cinqüenta por cento^12 do patrimônio total poderá ser entregue por disposição testamentária sempre que possuir, o testador, descendentes e ascendentes, além de – à luz do novo Código Civil – possuir, o testador, cônjuge sobrevivo e na constância, por óbvio, do casamento.
O legislador nacional, portanto, sempre buscou preservar os herdeiros necessários que não podem ser afastados da sucessão, exceto se presente uma das causas que determine sua deserdação ou sua exclusão, por indignidade. Mas nem por isso retirou do testador a liberdade de dispor de seus bens, confeccionando testamento, salvo se lhe faltasse, de forma perene, capacidade para a facção da cédula respectiva.
O novo Código Civil traz, no art. 1845, o elenco daquelas pessoas que o legislador selecionou para que ocupassem a categoria de herdeiros necessários. Diz o dispositivo:
Entende-se por herdeiros necessários aqueles herdeiros que não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido. Quer isso significar que apenas quando fundamentado em fato caracterizador de ingratidão por parte de seu herdeiro necessário, poderá o autor da herança dela afastá-lo, e, ainda assim, apenas se tal fato estiver previsto em lei como autorizador de tão drástica conseqüência.
A nova legislação não se refere ao fato de serem, tais herdeiros, sucessíveis efetivos, no que anda bem. Com efeito, tanto o excluído por indignidade quanto o deserdado são herdeiros sucessíveis que, tendo cometido ato atentatório previsto em lei, vêem-se,
(^12) “Perante o nosso direito positivo, a porção disponível é fixa, invariável. Em qualquer hipótese, seja qual for a qualidade e o número dos herdeiros, compreenderá sempre a metade dos bens do testador. Assim não acontece, todavia, em outras legislações.” (MONTEIRO, Washington de Barros. Ob. cit., p. 10) E elenca, o saudoso escritor, ali, uma série de hipóteses verificáveis na legislação comparada.
posteriormente, afastados da sucessão. Mas até que sejam afastados, são herdeiros sucessíveis e gozam da proteção legal da reserva dos bens que comporão a legítima.^13 Mas, nesta sede agora em exame, isto é, a categoria dos herdeiros necessários, certamente a modificação de maior monta que deve ser referida, e que já há muito tempo era reivindicada pela doutrina nacional^14 é, indubitavelmente, a inclusão do cônjuge na classe dos herdeiros obrigatórios.^15 E nem poderia ser diferente, diante da nova ordem de vocação hereditária instituída pelo legislador civil e que traz o cônjuge concorrendo tanto na primeira quanto na segunda classe dos chamados a suceder. Assim, conseqüência lógica de tal modificação era a proteção da legítima também em seu favor, impedindo que a simples feitura de um testamento que dispusesse sobre a totalidade do acervo viesse a prejudicá-lo. Apesar destas benéficas modificações, perdeu o legislador a oportunidade de prever, de forma expressa, tal proteção também para o companheiro supérstite , já que garantira a este, por força do art. 1.790 do Código Civil atual, a concorrência com os filhos do de cujus ; na falta destes, com os ascendentes e colaterais do mesmo; e, por fim e na falta de parentes sucessíveis, o recolhimento do total da
(^13) Na deserdação, o herdeiro é “privado de uma vocação legitimária, por meio da vontade imperial do testador”, ao passo que a exclusão por indignidade resolve “uma vocação hereditária existente no momento da abertura da sucessão” (CAHALI, Francisco José [e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes]. Curso avançado de direito civil, v. 6, p. 384). (^14) Em especial por Caio Mário da Silva Pereira, como este relata à p. 17 de seu Instituições de direito civil, v. VI, em perspectiva histórica. (^15) “Compreendido o fenômeno da sucessão como uma exigência social de busca do melhor continuador da personalidade patrimonial do de cuius, conforme a sua vontade, e baseado o critério dessa busca em presuntiva proximidade pessoal do sucessível com o sucedido, justifica-se e explica-se o iter ascendente da vocação do cônjuge, dada a natural intimidade que da união do casal se espera resultar. Tal visão e tal critério estão a sugerir, ao mesmo tempo, que a evolução da ordem de vocação ainda está a obrar à procura de uma situação definitiva para o cônjuge, que satisfaça socialmente, sob todos os aspectos” (MORAES, Walter. Ob. cit., p. 138).
Quando da aprovação do projeto pelo Senado Federal, foi acrescido ao Capítulo I do Título I do Livro V um artigo que não constava do Anteprojeto de 1975, por força da Emenda nº 358. Este artigo, ora sob comento, dispõe acerca da sucessão em caso de união estável, sendo certo que o projeto finalmente aprovado modificou a redação original e atribuiu ao artigo o nº 1790, que encerra o presente capítulo.
Não obstante sua importância, parece, todavia, que a regra está topicamente mal colocada. Trata-se de verdadeira regra de vocação hereditária para as hipóteses de união estável, motivo pelo qual deveria estar situado no capítulo referente à ordem de vocação hereditária.
Sem firmar atenção ao histórico por que passou a união estável ao longo das últimas décadas em busca de reconhecimento social, judicial e legal, de resto cabível em outra sede, qual seja, a relativa ao direito de família, parece ser mais condizente e necessária uma análise das relações sucessórias entre o companheiro falecido e o supérstite, sem, no entanto, deixar de fazer referências outras que se tornem necessárias à elucidação do tema.
Assim é que, anteriormente a 1988, quando ainda se falava em concubinato e a reação social era no sentido, ainda que cada vez mais tímido, de se recriminar as uniões de fato entre homens e mulheres desimpedidos de contrair matrimônio, a jurisprudência foi, aos poucos e com base na lei 6858/80, garantindo à companheiro supérstite direito sucessório (tratava-se, em verdade de reconhecer o estatuto de dependente ) sobre os bens de origem previdenciária, bem como sobre os bens de pequeno valor.
Quando a atual Constituição Federal entrou em vigor e garantiu, legitimando, uma verdadeira revolução de costumes em que as uniões de fato passaram a ser cada vez menos recriminadas, para serem, já hoje, uma constante, da qual muitas vezes, nem se pergunta a origem da relação entre os membros da família – tudo como parece ter querido o constituinte –, não era demasiado propugnar uma ampla e total igualdade de direitos e deveres entre os
companheiros relativamente aos direitos e deveres exigidos dos membros de um casal unido pelo matrimônio.
No campo do direito sucessório essa igualdade, se não se operou totalmente, chegou muito próximo disso em alguns pontos e avançou muito, inclusive, em outros. 16 Daí porque o companheiro adquiriu não só direito à meação dos bens comuns para os quais tenha contribuído para a aquisição de forma direta ou indireta, ainda que em nome exclusivo do falecido (art. 3°), como também adquiriu direito a um usufruto em tudo muito semelhante ao usufruto vidual, isso sem se falar na sua colocação na terceira ordem de vocação hereditária logo após os descendentes e os ascendentes, tudo isto por força da lei 8.971, de 29.12.1994, que em seu art. 2°, assim estabeleceu:
I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos deste ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III – na falta de descendentes ou de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Tendo se esquecido, o legislador infra-constitucional – sempre no que se refere ao direito sucessório – de garantir o direito real de habitação relativo ao imóvel que servia de residência para a família, sendo o único desta natureza, editou a lei 9278/96 que em seu art. 7°, parágrafo único, assim redigido, o previu: “ dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família ”.
(^16) O que foi motivo para acerbadas críticas por parte da doutrina. Veja- se, por último, VELOSO, Zeno. Direito sucessório dos companheiros, in Direito de Família e o novo Código Civil, p. 225-237.
esta que, para adaptar uma expressão de Zeno Veloso a uma outra realidade, “não tem lógica alguma, e quebra todo o sistema”. 18 Não estabelece o Código Civil atual o direito real de habitação previsto pela lei 9.278/96, devendo-se, por isso, e em analogia com a situação garantida ao cônjuge e autorizada pela Constituição Federal, ter o dispositivo do art. 7°, parágrafo único, desta lei como não revogado.
Por fim, andou ainda mal o legislador ao aprovar o dispositivo, da forma como está, por recriar o privilégio dos colaterais até o quarto grau, que passam a concorrer com o companheiro supérstite na 3ª classe da ordem de vocação hereditária. Assim, morto alguém que vivia em união estável, primeiros a herdar serão os descendentes em concorrência com o companheiro supérstite. Na falta de descendentes, serão chamados os ascendentes em concorrência com o companheiro sobrevivo. Na falta também destes e inexistindo, como é óbvio, cônjuge que amealhe todo o acervo, serão chamados os colaterais até o quarto grau ainda em concorrência com o companheiro, uma vez que, afinal, são também os colaterais parentes sucessíveis. E só na falta destes será chamado o companheiro remanescente para, aí sim, adquirir a totalidade do acervo. É flagrante a discrepância.
Bem por isto pede-se autorização para reproduzir neste tópico um trecho de extrema lucidez, tão comum na obra de Zeno Veloso:
“Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4° grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro, que vai começar a vigorar no 3° milênio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem
(^18) VELOSO, Zeno. Ob. cit., passim.
descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4° grau do de cujus. Temos de convir. Isto é demais! [...] “Haverá alguma pessoa, neste país, jurista ou leigo, que assegure que tal solução é boa e justa? Por que privilegiar a este extremo vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos vínculos do amor, da afetividade? Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo, devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é comparável à família conjugal) do hereditando? “Sem dúvida, neste ponto o C.C. não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incumbe de destruir a obra legislativa que não seguiu os ditames do seu tempo, que não obedeceu as indicações da histórica e da civilização. “Aproveitando que o C.C. está na vacatio legis , urge que seja reformado na parte que foi objeto deste estudo. “Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais.”^19 No que diz respeito à sucessão do companheiro, em concorrência com os herdeiros de primeira vocação, isto é, os descendentes, observa-se que o legislador civil atual pretendeu, efetivamente , dar distinto tratamento a essa sucessão concorrente, aplicando distintas imposições matemáticas se os descendentes fossem filhos do companheiro supérstite e do companheiro falecido, ou se, por outro lado, fossem descendentes exclusivos do autor da herança (incisos I e II do art. 1790 NCC, respectivamente), fazendo-o herdar a mesma porção deferida aos filhos comuns e metade da porção
(^19) VELOSO, Zeno. Ob. cit., ps. 236-237.
afetiva com terceiro, hipótese esta que se qualifica, ainda, pela especial condição de ter advindo prole de ambos os relacionamentos vividos.
Não há, na nova Lei Civil, uma disposição que regulamente esta situação híbrida quanto à condição dos filhos do falecido (comuns e exclusivos), com os quais deva concorrer o companheiro supérstite.
Neste caso, restou inafastavelmente a dúvida: ou bem se fazia o companheiro supérstite concorrer com os descendentes de ambas as condições (comuns e exclusivos) como se fossem todos descendentes comuns aos dois , herdando, portanto a mesma quota cabível a cada um dos filhos, ou bem se fazia o companheiro supérstite concorrer com os mesmos herdeiros como se fossem todos descendentes exclusivos do autor da herança , percebendo, portanto, a metade dos bens que couber a cada qual.
Não bastassem essas duas modalidades exegéticas para a apreciação da circunstância híbrida (existência de filhos comuns e de filhos exclusivos, em concorrência com o companheiro sobrevivo), outras duas , aos menos, se apresentaram na consideração doutrinária inaugural: uma que buscou compor as disposições contidas nos incisos I e II do art. 1790, atribuindo uma quota e meia ao companheiro sobrevivente – equivalente à soma das quotas que a ele seriam deferidas, na hipótese de concorrer com filhos comuns (uma) e com filhos exclusivos (meia) –, e outra que igualmente buscou compor as duas regras, dividindo proporcionalmente a herança em duas sub-heranças , atribuíveis a cada um dos grupos de filhos (comuns ou exclusivos) incorporando, em cada uma delas, a concorrência do companheiro sobrevivo.
Seja qual for a formulação ou critério que se escolha, contudo, a verdade é que parece torna-se impossível conciliar, do ponto de vista matemático, as disposições dos incisos I e II deste artigo 1.790.
Parece mesmo não haver fórmula matemática capaz de harmonizar a proteção dispensada pelo legislador ao companheiro sobrevivo (fazendo-o receber o mesmo quinhão dos filhos que tenha tido em comum com o autor da herança) e aos herdeiros exclusivos do falecido (fazendo-os herdar o dobro do quanto dispensado ao companheiro que sobreviver).
Dessa forma, na realidade, são quatro as propostas de tentativas de composição dos dispositivos do Código Civil envolvidos no assunto relativo à sucessão de filhos (comuns ou exclusivos) em concorrência com o companheiro sobrevivente.
► 1ª proposta : identificação dos descendentes como se todos fossem filhos comuns , aplicando-se exclusivamente o inciso I do art. 1.790 do Código Civil: Por esta via, a divisão patrimonial obedeceria à simples regra de igualar os filhos de ambos os grupos, tratando-os como se fossem filhos comuns a ambos os companheiros.
Certamente não pode prosperar essa solução simplista, pois se, por um lado, trata de manter igualadas as quotas hereditárias atribuíveis aos filhos (de qualquer grupo), conforme determina o art. 1.834 do Código, por outro lado, fere na essência o espírito do legislador do Código Civil que quis dar tratamento diferenciado às hipóteses de concorrência do companheiro sobrevivo com os descendentes do de cujus de um ou de outro grupo (comuns ou exclusivos).
► 2ª proposta : identificação dos descendentes como se todos fossem filhos exclusivos do autor da herança, aplicando-se, neste caso, apenas o inciso II do art. 1.790 do Código Civil: Da mesma forma com a qual se cuidou de refutar a proposta anterior, também aqui, por via desta divisão patrimonial, se chegaria à mesma conclusão, vale dizer, o espírito do legislador do Código Civil restaria magoado, tendo em vista a inobservância da diferença que quis dar às hipóteses de concorrência do companheiro sobrevivo com os descendentes do de cujus de um ou de outro grupo (comuns ou exclusivos).
Nessa hipótese por segundo considerada – e como é possível observar – privilegiar- se-iam os filhos em detrimento do companheiro sobrevivo, que seria tido, sob todos os aspectos como não ascendente de nenhum dos herdeiros, recebendo, então, apenas a metade do que aqueles herdariam. Por outro lado, naquela primeira proposta formulada, o companheiro sobrevivente acabaria por ser privilegiado, na medida em que participaria da herança recebendo quota absolutamente equivalente às quotas atribuíveis aos descendentes de qualquer grupo.
► 3ª proposta : composição dos incisos I e II pela atribuição de uma quota e meia ao companheiro sobrevivente: Por esta via, a divisão patrimonial obedeceria a seguinte regra: somar-se-ia o número total de filhos comuns e de filhos exclusivos do autor da herança, acrescentar- se-ia mais um e meio (uma quota deferida ao companheiro sobrevivente, no caso de concorrência com filhos comuns, e meia quota deferida ao mesmo sobrevivo, no caso de concorrência com filhos exclusivos do falecido), dividindo-se, depois, a herança por
das formulações legislativas, deferiu, ao companheiro sobrevivo, uma quota hereditária maior do que a que coubesse a qualquer dos herdeiros com quem concorresse. Na melhor das hipóteses (inciso I), o legislador pensou em igualar o quinhão do companheiro sobrevivo ao quinhão do herdeiro, desde que fosse filho seu e do autor da herança, mas nunca pensou em privilegiar o companheiro com quota maior do que a deferida ao herdeiro. Assim – segundo quer me parecer – se aplicado esse critério aqui desenhado, o resultado obtido ao final de uma partilha seria um resultado absolutamente dissociado do espírito do legislador de 2002. Penso não ser possível produzi-lo assim simplesmente, tout court. ► 4ª proposta : composição dos incisos I e II pela sub-divisão proporcional da herança, segundo a quantidade de descendentes de cada grupo: Por esta via, a divisão patrimonial obedeceria a seguinte regra: primeiro se dividiria a herança a ser partilhada entre filhos comuns e filhos exclusivos em duas partes (sub- heranças) proporcionais, cada uma delas, ao número de filhos de um ou de outro grupo. A seguir se introduziria, em cada uma dessas sub-heranças, a concorrência do companheiro, conforme a determinação do inciso I ou do inciso II do art. 1790, respectivamente. Depois disso, se somariam as quotas do companheiro supérstite – obtidas em cada uma dessas sub-heranças – formando o quinhão a ele cabível. Aos filhos herdeiros caberia a quota que houvesse resultado da aplicação das regras legais em cada uma das sub-heranças, conforme proposto.
É fácil verificar, se esse fosse o critério a ser utilizado, que os quinhões dos filhos de um grupo seriam proporcionalmente maiores que os quinhões dos filhos do outro grupo. Quinhões desigualados equivalem, entretanto, ao desatendimento do art. 1834 NCC, dispositivo de caráter constitucional.
“Além disso, a atribuição ao companheiro de uma quota relativa à sub-herança dos filhos comuns e de meia quota da sub-herança dos filhos exclusivos do falecido, acabaria por resultar numa somatória de valor superior ao que caberia ao companheiro, se estivesse a concorrer somente com filhos comuns (por exemplo: herança de 50, com 2 herdeiros filhos, sendo um, em comum e outro, exclusivo; cada filho teria a sub- herança de 25; concorrendo com o primeiro, o companheiro concorrente teria uma quota igual à do filho, ou seja, 12,5; concorrendo com o segundo, o companheiro concorrente teria a metade de sua quota, ou seja, 8,3; a soma das quotas do companheiro
sobrevivo resulta em 20,8, superior, portanto, à quota de 16,6 à qual ele teria direito, se estivesse concorrendo com dois filhos, havidos em comum com o falecido)”. 21
Assim – segundo quer me parecer, nesta nova proposta de partição da herança^22 – se aplicado o critério matemático aqui desenhado, o resultado obtido ao final de uma partilha seria um resultado absolutamente dissociado , não apenas do espírito do
(^21) Esta passagem é de Euclides de Oliveira e se contém em correspondência pessoal que manteve com a autora deste trabalho acerca deste artigo. Sua reprodução, neste viés, está devidamente autorizada. (^22) Euclides de Oliveira, na correspondência mencionada em nota anterior, deixou consignado que é possível se levar em conta “uma variante da 3a. proposta, supra, considerando-se que a lei manda atribuir ao companheiro sobrevivente cota igual à do filho comum e só meia quota do filho exclusivo do falecido, seria aplicar a média desses valores, chegando-se à quota de 0,75%, para as situações de filhos de híbrida origem. Seria mais justo e adequado à mens legis, pois, em tal circunstância, estaria sendo preservada a quota do companheiro, ainda que proporcional, e os filhos não sofreriam desigualação em seus quinhões”.(reprodução autorizada pelo jurista em comento). Tal pensamento deve ser levado em consideração, sem dúvida.