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DUSSEL, Enrique, -Filosofia da Libertação na América Latina, Notas de estudo de História

Adobe Acrobat Document - 16,1MB - 13/04/15

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 23/06/2015

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antonio-bezerra-moraes-9 🇧🇷

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li Hi / Ci! E tt) Pt ti O | e, j, , j A AMÉRICA LATINA Ceia ZA “Edições “Loyola Coreção REFLEXÃO LATINO-AMERICANA — 3, 1 FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO ENRIQUE D. DUSSEL FILOSOFIA NA AMÉRICA LATINA FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO Uma co-edição de: EDIÇÕES LOYOLA São Paulo ey ger EDITORA UNIMEP Cx. Postal 68 13400 Piracicaba, SP Título do original castethano Filosofia de la Liberación & Editorial Edicol, S. A, México 1977 Tradução de: LUIZ JOÃO GAIO Capa de: ALDIVINO A. ENEIAS COM APROVAÇÃO ECLESIÁSTICA Todos os direitos reservados EDIÇÕES LOYOLA Rua 1822 nº 347 — Caixa Postal 42.335 — Tel: 639695 — São Paulo IMPRESSO NO BRASIL PALAVRAS PRELIMINARES O que segue é dirigido ao que se inicia em filosofia. Por isso, este curto trabalho, sem bibliografia alguma, porque os livros de minha biblioteca estão longe, na pátria, escrito na dor do exílio, «quer ser sentencioso, quase oracular. Não pretende ser uma expo- sição completa, mas antes um discurso que vai travando tese após tese, proposta após proposta. É somente um marco teórico filosó- fico provisório. Escrito da periferia para homens da periferia, dirige-se contu- do também ao homem do centro, como filho alienado que protes- ta contra o pai que vai ficando velho; isto é, o filho vai se tornando adulto. A filosofia, patrimônio exclusivo do Mediterrâneo, desde os gregos, e na Idade moderna só européia, começa pela primeira vez seu processo de mundialização real. Por isso, este marco teóri- co filosófico ou conjunto de simples teses para permitir pensar de um certo modo, quer iniciar um diálogo mundial da filosofia. Par- te, evidentemente, da periferia, mas ainda usa a linguagem do cen- tro. Nem pode ser de outra forma, como o escravo que fala a lín- gua do senhor quando se revolta, ou a mulher que sem saber se exprime dentro da ideologia machista quando se liberta. Filosofia da libertação, filosofia pós-moderna, popular, fe- minista, da juventude, dos oprimidos, dos condenados da terra, condenados do mundo e da história. E.D. México, 1976-1980 1. HISTÓRIA Sirva esta curta introdução como mero exemplo de um mo- mento da filosofia da libertação, que sempre deveria começar por apresentar a gênese histórico-ideológica do que pretende pensar, dando preponderância à sua impostação espacial, mundial. 1.1. GEOPOLÍTICA E FILOSOFIA 1.1.1. Sentido da questão 1.1.1.1. Desde Heráclito até von Clausewitz ou Kissinger, “a guer- ra é a origem de tudo”, se por tudo se entende a ordem ou o siste- ma que o dominador do mundo controla pelo poder e pelos exér- citos. Estamos em guerra. Guerra fria para os que a fazem; guerra quente para os que a sofrem. Coexistência pacífica para os que fa- bricam as armas; existência sangrenta para aqueles que são obriga- dos a comprá-las e usá-las. O espaço como campo de batalha, co- mo geografia estudada para vencer estratégica ou taticamente o ini- migo, como âmbito limitado por fronteiras, é algo muito diferen- te da abstrata idealização do espaço vazio da física de Newton, ou do espaço existencial da fenomenologia. Tais espaços são ingênuos irreais, não conflitivos. O espaço de um mundo dentro de um hori- zonte ontológico é o espaço do centro, do estado orgânico e auto- consciente sem contradições porque é o estado imperial. Não fala- mos do espaço do claustrófobo ou do agorófobo. Falamos do es- paço político, daquele que compreende todos os espaços, os fí- sicos existenciais, dentro das fronteiras do mercado econômico, no qual se exerce o poder sob o controle dos exércitos. A filosofia não nasceu neste espaço. Nasceu nos espaços periféricos em seus tempos criativos. Aos poucos, foi para o centro em suas épocas clássicas, nas grandes ontologias, até degradar-se na má consciên- cia das idades morais, ou melhor, moralistas. 8 tiais”, incultos — porque não têm a cultura do centro —, selva- gens. . . subdesenvolvidos. 1.1.2.2. Esta ontologia não surge do nada. Surge de uma experiên- cia anterior de dominação sobre os outros homens, de opressão cultural sobre outros mundos. Antes do ego cogito existe o ego conguiro to “eu conquisto” é o fundamento prático do “eu pen- so"). O centro se impôs sobre a periferia há cinco séculos. Mas, até quando? Não terá chegado ao seu fim a preponderância geopolí- tica do centro? Podemos vislumbrar um processo de libertação crescente do homem da periferia? 1.1.3. Espacialidade geopolítica e história da filosofia 1.1.3.1. A filosofia não pensa a filosofia, quando é realmente filosofia e não sofística ou ideologia. Não pensa textos filosóficos, e se deve fazê-lo é só como propedêutica pedagógica para instru- mentar-se com categorias interpretativas. A filosofia pensa o não- “filosófico: a realidade. Mas porque é reflexão sobre sua própria realidade, parte do que já é, de seu próprio mundo, de seu siste- ma, de sua espacialidade. O certo é que a filosofia parece ter sur- gido sempre na periferia, como necessidade de se pensar a si mes- ma perante o centro e perante a exterioridade total, ou simples- mente diante do futuro da libertação. 1.1.3.2. Desde a periferia política, porque dominados ou colon veis, desde a periferia econômica, porque colonos, desde a perife- ria geopolítica, porque necessitados de exércitos do centro, apa- receu o pensamento pré-socrático na atual Turquia ou no Sul da itália e não na Grécia. O pensamento medieval emerge das fronteiras do Império; os Padres gregos são periféricos, e da mes- ma forma os latinos. Já no renascimento carolíngio, a renovação vem da periférica Irlanda. Da periférica França surge um Des- cartes,e da distante Kgnigsberg irrompe Kant. Os homens distan- tes, os que têm perspectiva da fronteira para o centro, os que de- vem definir-se diante do homem já feito e diante de seus irmãos bárbaros, novos, os que esperam porque ainda estão fora, estes homens têm a mente límpida para pensar a reatidade. Nada têm que ocultar. Como teriam de ocultar a dominação se a sofrem? Como seria sua filosofia uma ideologia, se sua práxis é de liber- tação diante do centro que combatem? A inteligência filosófica 10 nunca é tão verídica, límpida, tão precisa como quando parte da opressão e não tem privilégio nenhum a defender, porque não tem nenhum. 1.1.4. O centro, a ontologia clássica e o sistema 1.1.4.1. O pensamento crítico que surge na periferia — à qual se deveria acrescentar a periferia social, as classes oprimidas, os lumpen — termina sempre por dirigir-se ao centro. É sua morte como filosofia: é seu nascimento como ontologia acabada e como ideologia. O pensamento que se refugia no centro termina por ser pensado como a única realidade. Fora de suas fronteiras está o não-ser, o nada, o barbárie, o sem-sentido. O ser é o próprio funda- mento do sistema ou a totalidade de sentido da cultura e do mun- do do homem do centro. 1.1.4.2. Para Aristóteles, o grande filósofo da época clássica, de uma formação social escravista autocentrada, o grego é o homem; não o é o bárbaro europeu porque lhe falta habilidade, como tam- bém não o é o asiático, porque lhe falta força e caráter; também não são homens os escravos; as mulheres o são às meias e a criança o é em potência. Homem é o varão livre das pólis da Hélade. Para Tomás de Aquino, o senhor feudal exerce um (us dominativum sobre o servo de seu feudo, da mesma forma o varão sobre a mu- lher (já que Eva embora tivesse pecado não poderia transmitir o pecado original, porque a mãe só administra a matéria, mas é O homem que dá o ser ao filho). Para Hegel, o Estado que traz o espírito é o “dominador do mundo” diante do qual todo outro Es- tado “não tem nenhum direito frechtlos)”, Por isso a Europa se constitui na “missionária da civilização” no mundo. 1.1.4.3. A ontologia, o pensamento que exprime o ser — do sis- tema vigente e central —, é a ideologia das ideologias, é o funda- mento das ideologias do império, do centro. A filosofia clássica de todos os tempos é o acabamento e a realização teórica da opres- são prática das periferias. 1.1.4.4. Por isso a filosofia, como o centro da hegemonia ideoló- gica das classes dominantes, quando é filosofia da dominação, de- sempenha um papel essencial na história européia. Pelo contrário, 1” 1.1.6. O pensar mediterrâneo diante da antigiiidade e da modernidade. 1.1.6.1. O homem da periferia foi, neste caso, o pobre beduíno do deserto arábico, não mais o indo-europeu que, atravessando com seus cavalos a estepe euroasiática, invadiu um dia a Grécia, Roma, a Índia. O beduino e pastor do deserto experimenta o ser não já como a luz, mas como proximidade, face-a-face, junto ao irmão da mesma raça, do estrangeiro a quem se dá hospedagem. Este beduino forma um dia os reinos da Acádia, Assíria, Babilô- nia; partirá exilado para o Egito. Libertar-se-á com Moisés. Será a origem da visão do mundo que Maomônides poderá definir séculos depois como a “filosofia da criação”. Metafísica teórica que justi- fica a revolução prático-política dos escravos e oprimidos (3.4.4.). 1.1.6.2. Desde a periferia, o ser como a liberdade que irrompe diante do ouvido atento que escuta, também triunfará em suas épocas clássicas: em Constantinopia desde o século |V, em Roma desde o século VI, em Bagdá desde o século IX, em Córdova des- de o século X, em Paris desde o século XI. O mundo semita (cris- tão, muçulmano e judeu) também terá sua ontologia, sua ideolo- gia fundamental expressa. Tendo começado por declarar “bem- -aventurados os pobres”, e tendo compreendido que Abel nunca construiu sua cidade, como dizia Agostinho na Civitas Dei, ter- minaram por identificar novamente o ser com o sistema vigente, a cidade terrestre (medieval ou dos califados) com a cidade de Deus. A criação, que permitia compreender as coisas, os úteis, os sistemas e os reinos como contingentes e possíveis, e por isso mutáveis (3.4.5.2), veio justificar o sistema medieval me- diterrâneo: Deus quis as coisas assim. A ideologização da me- tafísica subversiva e política da criação foi o começo de seu fim; o começo de sua fossilização; da revolução moderna cen- tro-européia. 1.1.6.3. Da mesma forma, o pensamento metódico semita cris- tão, que começou por ser articulado às tribos nômades e austeras do deserto, terminou por justificar o mundo do feudalismo medie- val, a Classe dominante. Não faltaram os críticos à maneira de pro- dução feudal, estrutura tributária recessiva, mas com frequência terminaram nas mãos do Santo Ofício da Inquisição. 13 1.1.7. A filosofia moderna -europeia 1.1.7.1. A modernidade começa quando se desmorona o mile- nar Mediterrâneo. Desde os cretenses e fenícios, até os árabes e venezianos, o Mediterrâneo era o mar central; era o centro da história mundial. Todavia, estando a Europa germano-latina en- curralada pelo mundo árabe turco (que ia desde o Sul da Espanha em Andaluzia, até às portas de Viena, depois da queda de Constan- tinopla), não podia expandir-se pelo amplo mundo. As cruzadas medievais foram a primeira tentativa expansionista européia, mas os árabes eram suficientemente fortes para trazer as fronteiras à situação anterior. Chegado o século XIV, começam primeiro os portugueses e depois os espanhóis a penetrar no Atlântico norte (que será desde fins do século XV até hoje o centro da história). A Espanha e Portugal desenclausuram a Europa no sentido oci- dental; a Rússia o fará no sentido oriental. No século XVI, a Es- panha descobre o Pacífico pelo ocidente e a Rússia pelo oriente. O mundo árabe é então enclausurado, e perde a centralidade que tinha exercido durante quase mil anos. A Espanha e Portugal dei- xarão depois lugar ao Império inglês. A Europa é agora o centro. A partir da experiência desta centralidade conseguida pela espada e pela dor, o europeu chega a julgar-se um “eu” constituinte. 1.1.7.2. A partir do “eu conquisto” ao mundo azteca e inca, a to- da a América; a partir do “eu escravizo" aos negros da África ven- didos pelo ouro e pela prata conseguida com a morte dos índios no fundo das minas; desde o “eu venço” das guerras realizadas na In- dia e na China até a vergonhosa “guerra do ópio”; a partir deste “eu” aparece o pensamento cartesiano do ego cogito. Esse ego será à única substância, divina em Spinoza. Com Hegel, o ich denke de Kant assumirá também a divindade acabada no absolute Wissen. Saber absoluto que é o próprio ato da totalização como tal: Deus na terra. Se a fé, o culto perfeito da religião absoluta na Filosofia «la religião, é a certeza de que a representação do entendimento é a hlúia absoluta, tal certeza é aquela dos dominadores do mundo de serem a manifestação na terra da própria divindade. Os impérios «do centro, a Inglaterra e a França como potências coloniais, a Ale- manha nazista, e posteriormente os Estados Unidos com a sua GIA, possuem assim mais uma vez uma ontologia que os justifica; uma sutil ideologia que lhes dá boa consciência. O que é Nietzsche “ndo Uma apologia do homem conquistador e guerreiro? O que é 14 dura, horrível e áspera servidão”. Trata-se, como se pade obser- var, da dialética explícita do senhor e escravo, publicada em 1552 em Sevilha na Brevísima relación de la destrucción de las Indias. Assassinaram o índio; mas quando deixam algum com vida, opri- mem-no com horrível servidão. O texto indica além disso que dei- xam com vida a mulher para se amancebarem com ela (domina- ção erótica) e as crianças, para a educação na cultura européia (dominação pedagógica). E assim em nome do novo deus (o ouro e a prata, o dinheiro, as libras esterlinas e o dólar) foram imola- dos ao deus do mercantilismo primeiro, ao do primeiro imperia- tismo financeiro e ao atual imperialismo das multinacionais, muitos mais milhões de homens da periferia do que os que o lirni- tado Império dos aztecas imolou (com tanto horror e espanto da culta e religiosa Europa), a seu deus Huitzilopochtli. 1.1.8.1.2 A filosofia que souber pensar esta realidade, a realidade mundial atual, não a partir da perspectiva do centro, do poder político, econômico ou militar, mas desde além da fronteira do mundo atual central, da periferia, esta filosofia não será ideoló- gica (ou ao menos o será em menor medida). Sua realidade é a terra toda e para ela são (não são o não-ser) realidade também os “condenados da terra”. 1.1.8.2. Filosofia colonial mercantilista 1.1.8.2.1 Denominamos filosofia colonial não só a que se faz na América Latina, África e Ásia, nesta primeira etapa a partir do século XVI (já em 1552 foram fundadas as universidades do Mé- xico e Lima, com igual grau acadêmico das universidades de Alcalá e Salamanca), mas especialmente ao espírito de pura imitação ou repetição na periferia da filosofia vigente no centro. 1.1.8.2.2 A filosofia colonial latino-americana foi cultivada na periferia hispânica. A Espanha, como nenhum outro poder metro- politano (por influência do Renascimento e do “século de ouro” ibérico), fundou em suas colônias americanas mais de trinta cen- tros superiores que expediam licença em filosofia (em sua maio- ria com o fim exclusivo de continuar os estudos eclesiásticos). As mais famosas faculdades de filosofia foram as do México, cujos professores publicaram suas obras em Louvain, Leipzig, Veneza e outros grandes centros editoriais da Europa, como no caso da 16 Lógica mexicana de Antonio Rubio (1548-1615) que era usada como livro de texto em Alcalá (e teve, entre dezenas de edições, a de 1605 de Kóln) e a de Lima. Isso não impediu que se culti- vasse a filosofia em outros centros, e assim um Juan Espinoza Me- drano (1632-1688) publicou seu famoso Cursus philosophicus em 1688. Cabe mencionar aqui as faculdades de Santa Fé de Bogotá, Guatemala, Quito, Santiago do Chile, Córdoba, Tucumán etc. Todavia, toda ela foi, ainda que em parte criativa, o reflexo da segunda escolástica hispânica. No século XVII, a cultura barroca jesuíta, com suas imponentes reduções de índios (as mais famo- sas no Paraguai), deu passos importantes em filosofia física, mate- mática e política. Mas não chegou a superar a imitação, e O proces- so foi duplamente ideológico: de um lado, por ser já ideológica na Europa, e, por outro, por repetir-se na periferia ocultando a domi- nação que se sofria. 1.1.8.2.3 A etapa colonial mercantilista nas colônias portuguesas e as primeiras colônias inglesas não contemplou a fundação de centros filosóficos na periferia. Em Coimbra ou em Londres formavam-se elites coloniais. Foi o começo de uma dominação cul- tural que se aperfeiçoaria mais adiante. 7.1.8.3. Pensamento da emancipação colonial mercantilista 1.1.8.3.1 Há dois séculos, exatamente em 1776, começa o proces- so da emancipação contra o mercantilismo das metrópoles. Em New England um grupo de corajosos colonos se levanta contra a metrópole Inglaterra e assim começa a guerra da emancipação na- cional. Este processo continuará na América hispano-portuguesa, desde 1810 até 1898 — desde a emancipação da Argentina e Peru, até a do México, para terminar no Caribe. Porto Rico passará de colônia espanhola a “Estado livre associado” (contradíctio termi- norum!) dos Estados Unidos, assim como meio século antes estes tinham anexado o Texas, Novo México e Califórnia, tirando-as do México. Desde Washington, até Hidalgo, Bolívar e San Martin, brilhou neles um pensamento emancipatório que não chegou a ser uma filosofia explícita. Bentham viu isso em fins do século XVII e Hegel o concebe em sua Filosofia do direito em 1821:“A Ingla- terra compreendeu que lhe era mais útil a emancipação das co- lônias do que mantê-las dependentes”. O império inglês compreen- deu que poupava capital ao retirar sua burocracia e seus exércitos 17 se lhes apresenta: a partir do centro interpretam a periferia. Mas os filósofos coloniais da periferia repetem uma visão que lhes é estranha, que não lhes é própria: vêem-se a partir do centro como não-ser, nada, e ensinam a seus discípulos, que ainda são algo (visto que são analfabetos dos alfabetos que se lhes quer impor), que na verdade nada são; que são como nadas ambulantes da história. Quando terminaram seus estudos (como alunos que ainda eram algo, porque eram incultos da filosofia européia), ter- minam como seus mestres coloniais por desaparecer do mapa (geo- politicamente não existem, e muito menos filosoficamente). Esta triste ideologia com o nome de filosofia é a que ainda se ensinava na maioria dos centros filosóficos da periferia pela maioria dos professores. 1.1.8.5 Pensamento da emancipação neocolonia! imperialista inglesa e francesa 1.1.8.5.1 Chegada a segunda guerra mundial, emerge um novo po- der mundial. Os Estados Unidos repartem o mundo em Yalta. Re- partem-se então as colônias do império inglês e o que resta do francês e de outras nações européias. Os heróis da emancipação neocolonial têm um espaço político ambigúo. Mahatma Gandhi na fndia, Abdel Nasser no Egito, Patrício Lumumba na África, pensam na liberdade, mas não têm consciência de que passarão das mãos da Inglaterra, França ou Bélgica para as mãos dos Es- tados Unidos. Como na etapa do primeiro colonialismo (1.1.8.3), a filosofia tem um rito material para ser pensado filosoficamente. A liberdade é mais uma utopia distante do que uma realidade próxima. Todavia, não houve uma firme e expressa filosofia da emancipação nacional anticolonial. Somente houve manifestos, panfletos, obras políticas (que incluem: implicitamente uma filo- sofia, mas que não é filosofia em sentido estrito). Este pensamen- to foi o mais completo do pensamento periférico moderno mundial. Ele se situou no adequado lugar hermenêutico; na pers- pectiva correta. Mas ainda não era filosofia, embora um Franz Fanon já fosse um começo. 1.1.8.6 A periferia dependente do imperialismo e das multinacionais 1.1.8.6.1 O novo imperiatismo, fruto da terceira revolução indus- 19 trial (se a primeira foi mecanista, a segunda financeira monopolis- ta, a terceira é a da gestão internacional das multinacionais que es- truturam por dentro suas colônias), divide o mundo em duas par- tes. A partir de Yalta, a periferia não depende da Rússia, por isso em sua luta enfrentará os Estados Unidos. Agora, pela primeira vez, o imperialismo tem necessidade de não perder os mercados. Uma nação que passe para o âmbito contrário, já é um mercado que não pode ser explorado pelas multinacionais. Estas já não ocupam os territórios com seus exércitos nem criam burocracias. Agora são proprietários das empresas chaves, direta ou indireta- mente, que produzem as matérias-primas, as indústrias e os servi- cos da periferia. Além disso, tal imperialismo controla politica- mente as suas neocolônias, os seus exércitos. Mas, o que nunca tinha acontecido, o império possui uma política de produção dos dese- jos, das necessidades (4.3.3). Isso o leva, pela publicidade dos meios de comunicação de massa, a dominar os povos periféricos, suas próprias oligarquias nacionais. Trata-se também de um impe- rialismo ideológico (4.2.7 e 5.7). 1.1.8.6.2 A filosofia progressista no centro, quando é simples mente repetida na periferia (e não pensamos já na fenomenologia ou no existencialismo, nem sequer no funcionalismô ou na teoria crítica, mas também no marxismo que não redefine os seus prin- cípios a partir da dependência) (5.9.1.2 — 5) torna-se ideologia encobertadora. A ontologia e a crítica parcial (como a que pensa que a ciência não pode ser ideologia, seja por seus pressupostos, seja pelo projeto real inconfessado) são assim os fundamentos ideológicos últimos da ideologia imperialista (3.3.6). 1.1.8.7 Filosofia da libertação 1.1.8.7.1 Trata-se da libertação neocolonial do último e mais avançado grau de imperialismo. O imperialismo norte-america- no. O imperialismo que pesa sobre parte da Ásia, sobre quase toda a África e América Latina. Somente China ou Vietnam na Ásia, Cuba na América Latina e algum país africano têm um mínimo de liberdade, certamente muito maior do que outras nações periféricas. É claro que devem saber utilizar a divisão geopolítica estabelecida por Yalta (1945); saber como apoiar- -se no poder político militar que controla o âmbito que está 20