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Guias e Dicas
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A Educação Escolar Quilombola em Mato Grosso: Desafios e Perspectivas, Manuais, Projetos, Pesquisas de História

Análise de pesquisas em comunidades quilombolas de Mato Grosso, com foco na questão ambiental, territorial e educacional. Destaca a importância da escola dialogar com as necessidades específicas dessas comunidades, contribuindo para a afirmação da identidade quilombola. Aborda os desafios, como a reprodução de uma educação colonialista e a necessidade de políticas afirmativas e formação de professores qualificados. Discute o currículo, recursos didáticos e projeto político pedagógico da Escola Maria de Arruda Müller, evidenciando a importância da multiculturalidade e da busca pela identidade negra.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2024

Compartilhado em 20/05/2024

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
AUGUSTA EULÁLIA FERREIRA
EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: UMA PERSPECTIVA IDENTITÁRIA A
PARTIR DA ESCOLA ESTADUAL MARIA DE ARRUDA MULLER.
CUIABÁ-MT
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Baixe A Educação Escolar Quilombola em Mato Grosso: Desafios e Perspectivas e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para História, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AUGUSTA EULÁLIA FERREIRA

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: UMA PERSPECTIVA IDENTITÁRIA A

PARTIR DA ESCOLA ESTADUAL MARIA DE ARRUDA MULLER.

CUIABÁ-MT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AUGUSTA EULÁLIA FERREIRA

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: UMA

PERSPECTIVA IDENTITÁRIA A PARTIR DA ESCOLA

ESTADUAL MARIA DE ARRUDA MULLER.

CUIABÁ-MT

estavam sempre dispostos e pacientes, ainda que fosse para responder as mesmas perguntas pela terceira vez. Às mulheres que me acompanharam, foram sagrados os momentos que passei com vocês. Serei eternamente agradecida pelos risos e pelas lágrimas compartilhadas. A todos os professores, alunos e funcionários da Escola Maria de Arruda Muller que aceitaram participar desta investigação. Agradeço pela atenção e paciência, pois sem a vossa colaboração a coleta dos dados seria impossibilitada. Aos professores, Ivo e Esmeraldino, meus agradecimentos por estarem disponíveis todas as vezes que os procurei e pelas histórias e ideias partilhadas que enriqueceram esse trabalho. Às professoras Armezina e Nathália pelos anos dedicados à escola e principalmente por terem socializado comigo todas as vossas experiências fantásticas como educadoras. A vocês toda minha admiração. Aos Amigos e amigas do Conselho Indigenista Missionário - Cimi, principalmente à querida tia Edina, pela colaboração dada durante todo o curso, por terem me estimulado a prosseguir, mesmo diante dos obstáculos. Às queridas amigas Marluce e Dalva, por terem me socorrido nos momentos de apuro. Agradeço ao meu grande companheiro, Gilberto Vieira que esteve sempre presente nos momentos de angústia e de descobertas, acompanhando cada passo da pesquisa. Agradeço principalmente por me encorajar. A você, mais essa conquista. Finalmente, ao meu amado filho Pedro Wyrã, que soube compreender minhas ausências.

Resumo

Este estudo resulta de uma pesquisa etnográfica realizada na comunidade Abolição, situada em território quilombola, pertencente ao Município de Santo António de Leverger - MT. Tem como objetivo descrever o sentido da Educação Escolar Quilombola como específica e diferenciada neste território e as relações estabelecidas entre os saberes locais e tradicionais desenvolvidas na Escola Estadual Maria de Arruda Muller, situada dentro desta comunidade. Para tal objetivo, discorro sobre o papel desta escola no fortalecimento e participação dos sujeitos nos processos políticos, na afirmação de uma identidade, de pertença ao território quilombola e nas lutas por direitos enquanto grupo social. Tomo como aporte central os conceitos de Geertz (2012) sobre Etnografia, cujas interpretações e análises serão a partir dos discursos apreendidos, das observações e entrevistas, expressos pelos gestores, professores, alunos e moradores da comunidade Abolição, num esforço de torná-los importantes elementos teóricos para os estudos em favor de uma educação para as Relações Etnicorraciais em território quilombola. Esta pesquisa revela parte do conflito que permeia a comunidade. Conflito este que se configura como importante fator para a compreensão da dinâmica de uma identidade em gestação vivenciada na Escola Maria de Arruda Muller. Os resultados obtidos revelam alguns entraves na efetivação a partir dos sujeitos na relação com a escola, o papel desta enquanto mediadora da formação ou fortalecimento da identidade quilombola e das relações etnicorraciais no seu sentido amplo. Estes entraves se vinculam diretamente a reprodução da educação colonialista e eurocêntrica que ainda hoje marca a educação escolar em geral e, também, esta escola quilombola. Esta reprodução se materializa nas limitações para a implantação de uma escola que, mesmo garantindo a estrutura física, não garante uma educação em sintonia com a história e territorialidade da comunidade.

Palavras-Chave: Políticas Públicas, Educação Escolar Quilombola e Identidade.

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO..................................................................................................................
  • PÚBLICAS.......................................................................................................................... CAPÍTULO I - EDUCAÇÃO E QUILOMBO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS
  • 1.1 - PARA NEGRO, SOBRE NEGRO, COM O NEGRO.................................................
  • 1.2 - DIREITOS CONQUISTADOS....................................................................................
  • QUILOMBOLA................................................................................................................... 1.3 - POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR
  • GROSSENSE....................................................................................................................... 1.4 - A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO MATO-
  • 1.5 - A IMPLEMENTAÇÃO................................................................................................
  • CAPÍTULO II - DEMARCAÇÕES METODOLÓGICAS.............................................
  • 2.1 - INDO A CAMPO.........................................................................................................
  • 2.2 - ORIENTAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS....................................................
    • 2.2.1 Método: etnografia.........................................................................................
    • 2.2.2 - Istrumento de coleta de dados.....................................................................
  • CAPÍTULO III - A COMUNIDADE ABOLIÇÃO.........................................................
  • TERRITÓRIO MATO-ROSSENSE.................................................................................... 3.1 - PARA COMPREENDER A COMUNIDADE ABOLIÇÃO: A OCUPAÇÃO DO
  • 3.2 - PARA COMPREENDER A COMUNIDADE ABOLIÇÃO: AS SESMARIAS........
  • 3.3 - SANTO ANTÔNIO DE LEVERGER: UM REFERENCIAL HISTÓRICO..............
  • 3.4 - A COMUNIDADE ABOLIÇÃO.................................................................................
  • 3.5 - PERCORRENDO O TERRITÓRIO ABOLIÇÃO......................................................
  • 3.6 - A MEMÓRIA HISTÓRICA DA COMUNIDADE ABOLIÇÃO................................
  • 3.7 - TERRITORIALIDADE, DESTERRITORIALIDADE E RETERRITORIALIDADE
  • NEGRAS DE ABOLIÇÃO.................................................................................................. 3.8 - DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS
  • CAPÍTULO IV - IDENTIDADE E CULTURA NA COMUNIDADE ABOLIÇÃO...
  • 4.1 - A IDENTIDADE NEGRA...........................................................................................
  • 4.2 - AS IDENTIDADES NA COMUNIDADE ABOLIÇÃO.............................................
  • 4.3 - AS CULTURAS DA COMUNIDADE ABOLIÇÃO...................................................
  • CAPÍTULO V – A ESCOLA MARIA DE ARRUDA MULLER...................................
  • 5.1 - EDUCAÇÃO QUILOMBOLA OU EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA?
  • 5.2 - A ESCOLA MARIA DE ARRUDA MULLER E SUA HISTÓRIA...........................
  • 5.3 - A ESCOLA MARIA DE ARRUDA MULLER HOJE.................................................
  • 5.4 - OS PROFESSORES.....................................................................................................
  • 5.5 - OS ESTUDANTES.......................................................................................................
  • 5.6 - O CURRÍCULO DA ESCOLA....................................................................................
  • 5.7 - OS RECURSOS DIDÁTICOS DA ESCOLA..............................................................
  • 5.8 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E A PRÁTICA...........................................
  • 5.9 – CURRÍCULO EM AÇÃO – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.......................................
  • Considerações finais...................................................................................................
  • Referências bibliográficas..........................................................................................
  • Anexos..........................................................................................................................

dobro do produto das regiões Norte e Sul juntas. A região Sudeste produziu duas vezes mais trabalhos acadêmicos em relação à região Centro Oeste, conforme pode ser conferido no quadro a seguir, elaborado pelos autores. Os resultados apresentados indicam como está situada a temática, ou seja, o interesse de pesquisa que envolve a questão da educação quilombola por regiões brasileiras e, consequentemente, os investimentos materiais de construção de saberes relacionados ao tema, tanto pelos pesquisadores, quanto pelas universidades brasileiras.

Quadro 1 - Incidência dos estudos de acordo com as regiõesArruti, 2011 - A Temática Quilombola no Banco De Teses Da Capes – 1990 a 2009. Fonte: Cardoso e – Relatório.

Este quadro, que representa um total de 40 trabalhos em âmbito nacional, nos confirma o baixo índice de produção científica na região Centro-Oeste sobre o tema em questão, no período de 1990 a 2009, considerando o alto índice de territórios quilombolas nela existentes. Na revisão por mim realizada, que compreende o período de 2005 a 2012, foram localizadas 5 teses de doutorado, 46 dissertações de mestrado e 9 artigos, percebe-se nestes dados um leve aumento do número de estudos se comparado á quantidade dos estudos encontrados pelos autores acima citados. Deste total, selecionamos 2 teses, 8 dissertações e 4 artigos (14 publicações) que apresentaram mais informações no que tange à prática pedagógica diferenciada de escolas inseridas em Quilombos e que se referem às contribuições do movimento social quilombola para a sua efetivação. Quanto às pesquisas desenvolvidas em comunidades situadas no Estado de Mato Grosso, localizei 3 teses de doutorado e 9 dissertações de mestrado que trazem como foco principal a questão ambiental e territorial em diálogo com a educação, não aprofundando os aspectos mais específicos da educação escolar quilombola, os quais priorizamos.

É importante destacar que dessas 14 publicações, apenas 6 se referem ao Estado de Mato Grosso, uma das pesquisas foi realizada por Moura (2011), trata da situação das escolas inseridas nas comunidades quilombolas pertencentes ao município de Poconé e cinco tiveram como locus de pesquisa a comunidade Negra Rural Mata-Cavalo – MT, situada no município de Nossa Senhora do Livramento. Ou seja, das 70 comunidades existentes no Estado apenas essas foram contempladas por pesquisas. Esse fato indica a necessidade de novos estudos que contemplem outras comunidades. Quanto ao objeto dos estudos selecionados, podemos resumir que os mesmos abordam: a) currículo e sua dissonância com a cultura local; b) identidade e autoafirmação; c) a contribuição do Movimento Negro para os avanços da luta quilombola; d) a estrutura da escola e sua precariedade física e pedagógica. Entre as 14 publicações selecionadas para este estudo, 6 abordam a importância do currículo em sintonia com a realidade vivenciada pela comunidade em favor da identidade étnica. A dissociação entre currículo oficial da escola e a comunidade demonstra limites no acompanhamento dos trabalhos dos professores (CAVALCANTE, 2010; CASTILHO, 2008; MELO, 2007; NASCIMENTO, 2011; PINTO, 2005; SANTANA, 2005). Todas reforçam, ainda, a importância da educação quilombola para o fortalecimento da identidade. Carvalho (2008) vai além e afirma a importância de se trabalhar os aspectos identitários desde as brincadeiras infantis. Nesta mesma direção, Martendal (2011) e Silva (2005) destacam o papel fundamental da mulher na construção da identidade do grupo e na relação entre o território, o sagrado e a escola. Os estudos de Castilho (2008), Santana (2005), Senra (2009) e Silva (2005) citam o importante papel do Movimento Negro frente os avanços da Educação Escolar para as comunidades quilombolas, que se configura de forma específica em cada estado brasileiro. Oliveira (2009) e Santos (2007) discutem esta relação de forma mais intensa, enfatizando a necessidade de sua maior participação na definição da Política de Educação. No geral, os estudos apontam a precariedade das estruturas físicas e pedagógicas das escolas nas comunidades. Melo (2007) e Moura (2011) destacam essa problemática, enfatizando a importância de um espaço físico adequado dentro da própria comunidade, como espaço gerador de aprendizagem. Os quatro artigos (CAVALCANTE, 2010; MELO, 2007; MOURA, 2011; PARÉ, 2007) foram selecionados para esta pesquisa, tendo em vista que eles trazem reflexões pertinentes à

Desvelo ainda se estes aspectos são considerados pela escola como fatores preponderantes para o fortalecimento e participação dos sujeitos nos processos políticos, na afirmação de uma identidade, de pertença ao território quilombola e nas lutas por direitos enquanto grupo social. Stuart Hall (2011, 2013) se apresenta como eixo norteador para discutir aspectos identitários da comunidade Abolição. Com o intuito específico de identificar elementos que caracterizam a Educação Escolar como uma modalidade de ensino a partir de seu currículo próprio em favor de uma educação emancipatória e decolonizadora, busco apoio em Nilma Lino Gomes (2012, 2003), Glória Moura (2007, 2005), Castilho (2011) e Kabengele Munanga (2007, 2005). A partir dessas referências, considero que a Educação é um processo que faz parte da humanidade e está presente em toda e qualquer sociedade. Ouso dizer que a Educação Quilombola é aquela própria de um povo, diversa e vinculada a uma especificidade cultural. Embora com algumas semelhanças entre comunidades, em suas maneiras de estabelecer processos educativos, cada uma tem sua dinâmica influenciada pelas formas tradicionais de organização social. Na maioria dessas comunidades, a socialização dos conhecimentos, das tradições, do “ser quilombola”, se dá a partir da convivência e observação dos mais velhos, tendo a tradição oral como o mais importante meio de transmissão do conhecimento. É um processo amplo de relações que inclui família, membros da comunidade, relações de trabalho, relações com o sagrado e as vivências inclusive nas escolas, nos movimentos sociais ou em outras organizações. (CASTILHO, 2008; SILVA, 2005 e OLIVEIRA, 2009). Podemos afirmar, portanto, que a Educação Quilombola é aquela ‘original’, marcada pela liberdade de ser de um povo. E aqui o conceito de “Educação” adquirirá um sentido mais amplo e complexo, uma vez que ela abriga sentidos subjetivos e marcantes para os indivíduos envolvidos na relação, (SANTANA, 2005, p.121) permeando assim o exercício de cidadania de um povo. Por outro lado, a Educação Escolar como instituição, como sistema de ensino no seu sentido histórico, no primeiro momento se posta como negadora do ser quilombola, pois tende a se vincular a um processo negador da diferencialidade. Enquanto a Educação Quilombola procura a possibilidade de agregar um aprendizado associado ao desenvolvimento de valores como solidariedade, comunalidade e afetividade, a Escola formal, historicamente, traz como possibilidade um saber alheio ao sujeito e muitas vezes distante do seu cotidiano (IDEM, p 114).

Como parâmetro para analisar os contornos pedagógicos da Escola Maria de Arruda Muller, elementos centrais desta pesquisa, seguirei à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, que segue as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. De acordo com tais Diretrizes:

Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnicocultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, bem como nas demais, deve ser reconhecida e valorizada a diversidade cultural.

Para compreendermos esse diálogo entre escola e espaço quilombola, sem considerar neste momento as possibilidades desta se tornar um instrumento potencializador para esta sociedade, é importante ter como base a trajetória da luta pela inclusão educacional do negro. Iniciemos pelos movimentos isolados do próprio negro buscando a sua escolarização no sentido de apropriação da leitura e da escrita. Inclusive, segundo Cunha (1999), vários destes negros letrados tiveram um papel importante no movimento abolicionista e pós-abolicionista. Enquanto o Estado permaneceu omisso ao assunto, passaram-se muitos anos para que passos mais concretos fossem dados no âmbito da legislação. Desses passos, um dos que considero mais largos, foi o da ONU (Organização das Nações Unidas) que em 1966 realizou em Nova York a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, estabelecendo formas de intervenção para a superação do racismo e suas consequências, destacando o papel da educação para a garantia do respeito aos direitos, incluindo a análise das causas e das consequências do racismo (Sodré, 1999, p. 21 ). Esta formulação foi importante, pois levou vários países, inclusive o Brasil, a repensar suas condições e formularem políticas de superação. Mais recentemente no Brasil, em 2003, como resultado de luta do Movimento Negro no geral e quilombola em particular, foi sancionada a Lei Federal 10.639/03 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar da educação básica. Em consequência, cria as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais que estabelecem a inclusão de conteúdos sobre a História e a Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo e orienta novas práticas e atitudes pedagógicas no processo de formação nacional (SODRÉ, 1999, p. 22 ).

apresenta as diretrizes para a Educação Quilombola (SECAD, 2006). Essas políticas demonstram que há avanços em termos de políticas curriculares, mas há que se realizar pesquisas mais amplas para verificar como elas vêm sendo efetivadas para uma Educação que atenda as necessidades das comunidades em suas especificidades. Este trabalho está edificado em cinco capítulos. O primeiro é uma análise histórica e política de como vem sendo configurada a Educação Escolar Quilombola no Estado, a partir das Políticas Públicas conquistadas pelo movimento negro, com o objetivo de compreender como esta reflete na comunidade Abolição, mais precisamente na escola Maria de Arruda Muller. No segundo capítulo descrevo os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, ou seja: (1) a revisão sistemática referente aos estudos sobre Educação Escolar Quilombola, com a finalidade de me apropriar das últimas pesquisas sobre essa modalidade de ensino; (2) as orientações teórico-metodológicas utilizadas na construção da pesquisa, a partir da abordagem qualitativa por meio do método etnográfico e (3) apresento os instrumentos utilizados para a coleta de dados. No terceiro, cuido de contextualizar, tanto de modo histórico como conjuntural, a comunidade pesquisada, ou seja, a comunidade Abolição. Apresento elementos políticos, geográficos e históricos com o objetivo de situar da melhor maneira a escola pesquisada. Neste capítulo se encontra a chave que desvela a trama a qual permeia a educação escolar quilombola na comunidade Abolição, pois apresento três claras “divisões” na estrutura de suas relações: o grupo de moradores negros, aos quais me refiro neste trabalho como moradores tradicionais, o grupo de moradores que aos poucos foram se estabelecendo em função da geração de emprego no local (chamados aqui como estabelecidos) e ainda os antigos moradores negros, em sua maioria parentes dos moradores tradicionais que organizados buscam ansiosamente retornar para a comunidade Abolição. Estes, que apesar de morarem nas cidades vizinhas, se identificam como quilombolas de Abolição e lutam pelo retorno, reconhecimento e demarcação desse território que eles reconhecem como tradicionalmente ocupados por negros escravizados. A estes identificarei como os “Outsiders”, me apropriando assim dos termos utilizados por Norbert Elias (2000). No quarto capítulo descrevo os aspectos da cultura e da identidade dos moradores da comunidade e também dos professores, com o intuído de facilitar a compreensão dos elementos identitários e culturais que permeiam a escola, dando um caráter de desvelamento para a pesquisa, no que tange a identidade cultural negra do território lócus da pesquisa.

Para finalizar, no quinto capítulo a descrição da escola a partir dos aspectos políticos, culturais e identitários dos professores, estudantes e moradores, como também do currículo materializado na sala de aula. Desse modo, apresento observações feitas a partir dos materiais pedagógicos utilizados como também do projeto político pedagógico da escola, a dinâmica dos alunos no cotidiano dentro e fora da sala de aula, desvelando o currículo em ação em função de um ensino antirracista, em processo de descoberta de si mesmo.