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A história da produção acadêmica de pesquisas históricas na universidade de são paulo (usp), com ênfase no perfil característico dessa área de estudos, influências francesas e brasileiras, temas abordados e pesquisadores notáveis. A usp é reconhecida por sua produção erudita, rigor metodológico, interdisciplinaridade e busca de coerência interna no trabalho.
Tipologia: Notas de estudo
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Por:
Maria Helena Rolim Capelato; Raquel Glezer; Vera Lúcia Amaral Ferlini
O início da escola uspiana de história deve ser compreendida na complexa conjuntura nacional dos anos trinta que, de um lado, levou à criação da Faculdade de Filosofia e, de outro, propôs repensar o país, através da reflexão sobre o passado.
A Faculdade de Filosofia visava à formação de professores para o ensino secundário e, como decorrência de suas próprias necessidades internas, a formação de docentes- pesquisadores. Se lido de forma estreita, o surgimento de pesquisas históricas na USP pode ser entendido como total oposição a padrões vigentes. Contudo, a análise mais acurada e menos apaixonada, revela que sólidos estudos, questões polêmicas e propostas conflitantes de análise e interpretação da história nacional serviram como fertilizadores de campo profissional que se estruturava em São Paulo.
Diversamente de outras especialidades, que foram praticamente iniciadas com a Faculdade de Filosofia, ou, pelo menos, que se vêem como tal, os estudos históricos partiram de um sólido e rico patamar-prévio, passível de ser questionado, mas proponente de questões básicas e ordenadoras de pesquisas e polêmicas.
Os estudos históricos no Brasil iniciaram-se há, pelo menos, um século e meio, se utilizarmos como marco instaurador a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, que estabeleceu, entre seus objetivos, a formulação da história nacional e o estudo do seu passado e foi seguido por vários institutos criados nas Províncias, desde então.
A rica e variegada atuação dos Historiadores, entre os meados do século XIX e as primeiras décadas do século XX, estabeleceu temas, objetos e formas de trabalho. Seus nomes, suas obras, as análises que realizaram fazem parte, não apenas do universo dos Historiadores, mas da cultura nacional.
Histórico
O atual Departamento surgiu na Reforma Universitária de 1969, tendo por base as cátedras desmembradas em 1955/56 do curso de Geografia e História, antiga 5ª subsecção de Ciências da FFCL, existente desde 1934 (1). Conta, hoje, com um curso de graduação, bacharelado em História (complementado com a Licenciatura, cursada na Faculdade de Educação) e dois cursos de pós-graduação, História Econômica e História Social, implantados em 1971, ambos com conceito A, nas avaliações Capes. Seu quadro é
composto por 52 docentes ativos e 13 aposentados, com atividades de pós-graduação e pesquisa.
Em sessenta anos, o Departamento gerou produção numerosa, abrigando, ao mesmo tempo, a continuidade de temas e a incorporação de novas abordagens. Buscando compreender as especificidades do campo, tomamos, por critério de análise, os doutorados, recuperando as matrizes, os pesquisadores e as características dos cursos de pós-graduação (2).
Embora múltipla e eclética, é possível destacar o perfil característico dessa produção: base erudita; rigor metodológico; a procura de coerência interna do trabalho; tradição de interdisciplinaridade; o cuidado de buscar o relacionamento constante entre a pesquisa empírica e a reflexão teórica, fugindo dos esquemas e modelos pré-estabelecidos.
Os contatos com os dados da produção do período 1934-1993 levou-nos a estabelecer uma periodização por gerações, que não se identifica, linearmente, com a cronologia.
A reconstituição de linhagens historiográficas evidenciou três momentos diferenciados: o da formação dos Historiadores uspianos, o da primeira geração orientada pelos formadores e o da segunda geração, orientada por alguns formadores, mas principalmente pelos doutores da primeira geração, correspondendo ao processo de mudança institucional significativa, que extinguiu as cátedras e introduziu os cursos de pós-graduação.
Para a implantação do Curso de Geografia e História foram contratados professores franceses, que, ao lado de renomados Historiadores brasileiros, formaram e selecionaram as primeiras turmas, orientaram e examinaram as primeiras teses, e, prepararam docentes para serem seus sucessores.
A tradição francesa, de um grande trabalho de doutorado, marcou o Departamento, e, acoplada ao sistema de cátedra vitalícia, definiu seu perfil acadêmico, de 1934 até o início da década de 1970. Nesse período, a produção científica esteve ligada à carreira individual, altamente especializada. Com a Reforma Universitária de 1969, novos padrões de produção científica passaram a vigorar, com parcial influência do modelo norte-americano.
Os formadores
Consideramos formadores, os primeiros Historiadores uspianos, alunos e professores das primeiras turmas da Faculdade e que representaram a conjunção das preocupações intelectuais correntes no Brasil na época com a orientação dos mestres da missão francesa (3).
A ação dos franceses floresceu num ambiente intelectual propício. Se de um lado traziam a experiência com o trabalho metodologicamente orientado e os ares renovadores dos Annales, por outro, encontraram caldo de cultura fértil, patente em produção historiográfica tradicional, de grande erudição, voltada para os temas paulistas, expressa nas obras de Taunay e Alfredo Ellis Jr. Em múltiplos aspectos, essa época corresponde a um repensar do Brasil, que produziu trabalhos de importância como os de Caio Prado Jr., Sérgio Buarque
do Estado e suas vinculaçôes sócio-político-econômicas. Seus estudos sobre cultura brasileira cruzam a tradição da crítica literária com as análises históricas eruditas.
A primeira geração
Consideramos primeira geração o conjunto de doutorados produzidos, grosso modo, entre 1951 e 1973, orientados pelos formadores e defendidos, ainda, no sistema do antigo regime da pós-graduação (9).
Entre 1951 e 1973, foram defendidas 83 teses de doutorado, nas seguintes matérias: História Antiga; História Medieval; História Moderna; História Contemporânea; História da América; História do Brasil Colônia; História do Brasil Império; História do Brasil República (10).
Do ponto de vista metodológico, a influência dos Annales persistiu. Mas não se tratava apenas de continuidade, pois a incorporação de reflexões de natureza marxista representou mudança significativa nas pesquisas.
Em História Social, História das Idéias e História Econômica, fizeram-se presentes os tratamentos seriais e quantitativos, que chegaram por caminhos diversos: na discussão sobre Revolução Francesa e conjuntura (Labrousse) e nas análises do comércio colonial (Braudel, Godinho, Mauro e Chaunu).
Outras propostas dos Annales, através dos trabalhos de Pierre Vilar e Albert Soboul, vieram ao encontro de preocupações presentes na sociedade brasileira, como a questão do desenvolvimento, da inserção no capitalismo e da mudança social, marcando as reflexões da passagem do Antigo Regime para a Sociedade Burguesa, vista do ângulo colonial. A idéia de revolução (burguesa) constituiu o pano de fundo de grande parte das discussões e pesquisas, refletindo leituras de Dobb, Sweezy, Baran, Hill, Heckscher, centradas, principalmente, na transição do feudalismo, essencial para a compreensão da natureza da colonização, da sociedade por ela gerada e das formas de inserção do Brasil no capitalismo (11). Nesse momento, as análises de Caio Prado Jr. constituíram referencial importante.
Os responsáveis pela formação do maior número de doutores, a partir dos anos cinqüenta, foram Eurípedes Simões de Paula, Eduardo d'Oliveira França e Sérgio Buarque de Holanda (12).
Eurípedes Simões de Paula orientou doutorados nas seguintes áreas/temas: Antigüidade Clássica — Economia, Questão Agrária, Judaísmo; História Medieval — Bizâncio/relação com o poder papal, Legislação Econômica e Social na Época da Peste Negra, Relação Judeus e Russos, Cultura Judaica, Formação da Inglaterra, História Ibérica; História das Religiões — Teólogos e Estudos Bíblicos, Budismo no Japão; História das Ciências — teorias científicas do início da Época Moderna (13); Estudos Orientais (14) — Cultura, Língua e Literatura, (Russa, Armênia, Chinesa, Árabe e Islâmica).
Os trabalhos de História Antiga, História Medieval, História das Ciências e História das Religiões, por ele orientados, constituem parcela significativa dos doutorados do período: produção eclética, com diversidade de temas, qualitativamente desigual. A preocupação teórica não foi predominante nessas teses, que tiveram por característica a erudição, o conhecimento de outras línguas e o uso rigoroso de fontes. Alguns trabalhos incorporaram análises refinadas, com discussões conceituais, como a noção de modo de produção e as reflexões sobre História e temporalidades. Esse esforço de formação de doutores em História Antiga e Medieval teve o mérito de atrair pesquisadores para essas áreas e consolidar núcleo formador das especialidades, no Brasil.
Eduardo d'Oliveira França formou doutores nas seguintes áreas/ temas: História Ao Brasil Colonial — Comércio Colonial, Questão Agrária, Inquisição, Crise do Sistema Colonial, com ênfase nas questões teóricas (natureza do capitalismo, revolução, formação do Estado Nacional) e desdobramentos para o campo das idéias e dos movimentos políticos; História Ibérica — Monarquia Portuguesa na Época da Expansão e Aspectos Econômicos do Império Espanhol. Os trabalhos mais significativos, orientados por Eduardo d'Oliveira França abordaram a História do Brasil.
A presença de Joaquim Barradas de Carvalho, nos anos sessenta e setenta, reforçou esse direcionamento teórico, através das aulas, seminários e pesquisas de iniciação científica, que objetivavam o estudo do significado da Expansão Portuguesa e da Colonização.
Na docência da cadeira de História da Civilização Brasileira, Sérgio Buarque de Holanda orientou mestrados e doutorados, destacando-se, nestes últimos, as seguintes áreas/temas: História do Brasil Colonial — Economia, Povoamento e Movimentos de População, Composição Social, especialmente sobre São Paulo; História do Brasil Império — Cultura/ Ensino, Formação do Estado Nacional, Historiografia/Identidade Nacional, Escravismo em São Paulo e Imigração; História do Brasil República — Composição Política e Historiografia. Sua presença veio dar novo perfil às pesquisas em História do Brasil, introduzindo discussões sofisticadas, com utilização de referenciais weberianos, do historicismo, da escola psicossocial alemã. Essas reflexões enriqueceram as análises e matizaram matrizes marxistas. Além disso, retomou, em perspectiva crítica e enriquecedora, temas da História de São Paulo, buscando relativizar o peso do café como elemento gerador do enriquecimento da Província, apontando a importância da lavoura canavieira e do comércio de muarés. Enfatizou a necessidade de análise da historiografia do século XIX, tanto na vertente romântica dos ingleses, como no repensar da produção nacional e na leitura do processo político do Império.
A análise dos doutorados defendidos a partir de 1951 até o final do chamado antigo regime de pós-graduação (cujas últimas defesas foram em 1973), aponta algumas peculiaridades. Nícia Vilela Luz e Emilia Viotti da Costa não fizeram doutorado e apresentaram teses de livre-docência, em 1964.
Embora a maioria dos trabalhos tenha sido dirigida pelos formadores, também doutores por eles formados, como Manuel Nunes Dias e Myriam Ellis, que orientaram trabalhos nesse mesmo período, assumiram cátedras e constituem o que chamamos de 1ª geração precoce.
Considerações finais
A análise da produção do Departamento de História, nesses sessenta anos, através das linhagens, revela a existência de uma escola de Historiadores uspianos, com alto grau de inbreeding. Essa endogenia, contudo, não deve ser considerada fator negativo, pois permitiu a consolidação de uma tradição de pesquisa histórica diferenciada.
O arejamento necessário tem sido garantido tanto pela entrada de professores orientadores com formação externa, como pelo constante processo de atualização em estágios de pós- doutorado no exterior.
Nesses sessenta anos, a partir da Faculdade de Filosofia, consolidou-se a formação de Historiadores, com características comuns, que os diferenciam de outros existentes: a escola uspiana de estudos históricos, que formou seus próprios quadros e quadros para tantas outras escolas, no país. Seu estilo profissional de trabalho a diferencia dos autodidatas, dos Institutos Históricos e das Academias e dos Historiadores geopolíticos do Itamaraty.
O cruzamento do modo francês de fazer história, com a historiografia tradicional brasileira e com a preocupação de explicar, de forma ampla, o passado, incentivou os estudos de História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, iniciou os estudos de História da América, valorizou e redimensionou o Período Colonial, abriu novas perspectivas para a análise do Império e sedimentou a historiografia sobre o Brasil Contemporâneo. Mas, além disso, definiu uma forma de trabalho com marcas características: base erudita, rigor metodológico, coerência interna do trabalho, interdisciplinaridade e relacionamento.
Notas
1 História da Civilização Antiga e Medieval, História da Civilização Moderna e Contemporânea, História da Civilização Americana, História da Civilização Brasileira e as matérias anexas.
2 A opção pela análise dos doutorados levou em consideração que: nas primeiras décadas era a tônica de expressão da pesquisa acadêmica, tendo em conta o modelo francês; através deles podemos rastrear os pesquisadores seniors e suas linhas. A partir dos anos 80 nossos cursos de pós-graduação têm predominantemente formado doutores, em nível nacional.
3 Ver Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado — A l'origine de la collaboration universitaire franco-brésilienne: une mission française à la Faculté de Philosophic de São Paulo. Préfaces, Paris, 14:100-105, juillet/septembre 1989.
4 Nesse sentido, destacou-se a atuação de Jean Gagé, orientador da maioria das teses defendidas nos anos 40.
5 Cabe lembrar que La Mediterranée... de F. Braudel foi publicado em 1949, mas seu projeto remontava a 1929. Devemos ter em conta, que nesse período, Braudel esteve duas vezes ministrando cursos na Faculdade, (cf. Guy Bourdé et Hervé Martin — Les écoles historitptes. Paris, Seuil, 1983, p. 186.
6 A tese de cátedra, Portugal na Época da Restauração (1951), de Eduardo d'Oliveira França, revela influências mais amplas: Febvre, Hazard, Huizinga. Teoricamente, conceitos de matriz weberiana, já esboçados no doutorado, apareceram mais desenvolvidos: sociedade estamental e estado patrimonialista. Destaque-se a abertura, para o que atualmente denominamos, história da cultura e das mentalidades.
7 Alice Canabrava marcou significativamente os trabalhos de História Econômica do Brasil na 1ª e na 2ª gerações, tornando-se catedrática de História da Faculdade da Economia. Seu trabalho apresentado para o concurso de cátedra de História da Civilização Americana, A indústria do açúcar nas ilhas inglesas e francesas do mar das Antilhas (1946), além do estudo acurado das fontes econômicas, apontou análise pioneira de história das técnicas.
8 Sérgio Buarque de Holanda ingressou na Faculdade em 1958, embora desde 1946, na direção do Museu Paulista, mantivesse contato com a produção historiográfica da USP.
9 O chamado "antigo regime'' da pós-graduação não estava enquadrado em formalidades administrativas (matrículas, disciplinas, créditos, prazos), pautando-se pela orientação individual e direta da pesquisa, sob responsabilidade dos catedráticos.
10 A produção do período está assim distribuída: História Antiga, nove teses; História Medieval, 14 teses; História Moderna, duas teses; História Contemporânea, uma tese; História da América, seis teses; História do Brasil Colonial, 24 teses; História do Brasil Império, 19 teses; História do Brasil República, oito teses.
11 Essas questões tomavam fôlego no curso de Sociologia, a partir das reflexões do grupo de Horestan Fernandes, Maria Sylvia C. Franco, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e outros, voltados sobretudo para a análise da transição do trabalho escravo para o trabalho livre e que se articularam com pesquisas, como as de Emilia Viotti da Costa e Fernando A. Novais. Estes participavam de grupos informais de estudos sobre marxismo.
12 Outros professores desenvolveram atividades de orientação, no período. Alfredo Ellis Jr., que regeu a cátedra de História da Civilização Brasileira até 1957, orientou, na lª geração, pesquisas sobre economia colonial, tendo sido responsável pelas teses de Mafalda Zemella, O abastecimento das Minas Gerais no século XVIII (1951) e a de Myriam Ellis, O monopólio do sal no Brasil (1955), sob orientação formal de Astrogildo de Mello. Este exerceu atividades docentes e orientou alguns trabalhos. Pedro Moacir Campos dedicou-se à docência em História Medieval, orientando trabalhos, formando mestres, iniciando a formação de doutores na área e incentivando as reflexões sobre História da Cultura (especialmente iconografia).
13 Essas pesquisas iniciaram um núcleo pioneiro de História da Ciência.