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FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Olney Leite Fontes COLABORADORES Amarilys de Toledo Cesar Marco Vinícius Chaud Marcus Zulian Teixeira Margarete Akemi Kishi Valéria Ota de Amorim FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA HIPÓCRATES E O PRINCÍPIO DA SIMILITUDE As primeiras tentativas de criar uma teoria racional sobre a saúde e a doença ocorreram nas escolas médicas da Grécia Antiga. O maior repre- sentante do pensamento médico grego sem dúvida foi Hipócrates (468 a.C.-377 a.C.), considerado o pai da Medicina, responsável pelo estabele- cimento de uma atividade médica apoiada no conhecimento experimen- tal, desvinculada da religião, da magia e da superstição. Para Hipócrates, a terapêutica tinha por base o poder curativo da natureza, a vis medicatrix naturae, e as doenças deviam ser interpretadas considerando-se o quadro particular de cada indivíduo. Ele entendia a doença como a perturbação do equilíbrio, o qual mantinha o ser humano em harmonia consigo mesmo e com a natureza. Nesse sentido, não havia distinção entre a mente, o corpo e o cosmos, numa visão sintética do ser humano em suas relações com o meio ambiente. Hipócrates demonstrou que os sintomas são reações do organismo à enfermidade, e que o traba- lho dos médicos era ajudar as forças defensivas naturais orgânicas. Criou os padrões éticos da Medicina e estabeleceu as providências do diagnós- tico, do prognóstico e da terapêutica, que até hoje são determinantes na prática médica. A homeopatia se alicerça no seguinte aforismo enunciado por Hipó- crates: “A doença é produzida pelos semelhantes e pelos semelhantes o paciente retorna à saúde”. Como exemplo, afirmou que as próprias subs- tâncias que causavam tosse e diarreia, e provocavam vômito curavam doenças que apresentavam sintomas semelhantes, desde que utilizadas em doses menores. Nas obras atribuídas a Hipócrates e seus predecesso- res encontram-se em vários trechos referências à assertiva similia simili- bus curantur, ou seja, o semelhante será curado pelo semelhante, embora a norma geral na terapêutica adotada naquela época fosse contraria con- trariis curantur, ou seja, o contrário será curado pelo contrário. A medicina científica que se estabeleceu na época de Hipócrates teve por fato histórico a transposição da teoria da physis dos filósofos gregos às enfermidades. Uma vez que a essência das coisas (a physis) podia ser reconhecida pela razão, o mesmo poderia ser feito com as doenças por meio do raciocínio clínico. A medicina ocidental possui duas correntes terapêuticas fundamen- tadas nos princípios dos contrários e dos semelhantes. A tradicional alopatia emprega o princípio dos contrários para combater as doenças, por meio de substâncias que atuam contrariamente aos sintomas, como anti-inflamatórios e antitérmicos. A homeopatia baseia-se no princípio da similitude, apoiando-se na observação experimental de que toda subs- tância capaz de provocar determinados sintomas em um indivíduo sadio é capaz de curar, desde que em doses adequadas, um doente que apresente sintomas semelhantes. Embora tenha relatado o fenômeno da semelhança e observado a inversão da ação de uma mesma droga de acordo com a dose, Hipócrates não aprofundou seus estudos sobre o princípio da similitude. Coube a Samuel Hahnemann demonstrá-lo clinicamente e firmá-lo como método terapêutico, bem como dotá-lo de uma farmacotécnica própria. — Capítulo 1 HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA SAMUEL HAHNEMANN Christian Friedrich Samuel Hahnemann nasceu no dia 10 de abril de 1755, em Meissen, uma das cidades mais antigas da Saxônia, região oriental da Alemanha, em uma época em que o comércio de porcelanas era a maior fonte de riqueza. Filho de um casal de artesãos da porcelana, já na primeira infância observava os pais no preparo de tintas e esmaltes, o que lhe proporcionou um gosto todo especial por química. Como, na época, a profissão de maior prestígio era a de mercador de porcelanas, foi orientado pelo pai para o aprendizado de várias línguas. Hahnemann precocemente revelou seu grande gênio, tendo aos 12 anos de idade cursado humanidades e aos 14, a pedido de um de seus profes- sores, ministrado aulas de grego para sua turma. Encontrou certas dificuldades em seus estudos, uma vez que não podia, como plebeu, frequentar a biblioteca de sua escola. Todavia, recebeu ajuda do seu professor de línguas, dr. Miller, que era amigo do príncipe da região. Desse modo, pôde intensificar seu aprendizado assi- milando os mais importantes livros da biblioteca, particularmente os de botânica, química, matemática e física. Ganhou espaço entre seus colegas de classe por sua dedicação e gosto pelos estudos, e foi escolhido o orador da turma. Seu discurso feito em latim versava sobre “A curiosa construção da mão”. Nesse trabalho, além de abordar os aspectos anatômicos, Hahnemann destacou a importância espiritual da mão como canal terminal do corpo, prolongamento do pen- samento e do ato. Finalizou seus estudos em Meissen aos 20 anos, domi- nando fluentemente vários idiomas, entre eles francês, italiano, inglês, espanhol, latim, grego, árabe e sírio. A seguir, em 1775, foi para Leipzig estudar Medicina e, para susten- tar-se, ministrou aulas particulares de línguas estrangeiras e traduziu Capítulo 1 HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA & Entre 1779 e 1787, Hahnemann residiu em várias cidades, conquistando enorme clientela e excelente reputação como médico e farmacologista. Em Dessau, frequentou a “Pharmacia” do boticário Haesseler, onde conheceu Johanna Henriette Leopoldine Kiichler, com quem casou e teve onze filhos. Em Dresden, trabalhou como substituto do diretor de Saúde Pública. Nesse período, escreveu várias obras e artigos, em especial sobre Medicina, Química e Mineralogia, além das traduções que realizava roti- neiramente. Hahnemann teceu várias críticas à Medicina da época, que se apoiava, basicamente, em sangrias, fórmulas complexas e medicamentos tóxicos para o tratamento das doenças. Abandonou a Medicina em 1787 por julgá-la empírica demais. Desiludido, escreveu a um de seus amigos: “Para mim, foi uma agonia estar sempre no escuro quando tinha de curar o doente e prescrever de acordo com essa ou aquela hipótese arbitrária... renunciei à prática da Medicina para não correr mais o risco de causar danos à saúde alheia e dediquei-me exclusivamente à química e às ocu- pações literárias”. Para sobreviver, voltou a trabalhar como tradutor, passando a enfrentar grandes dificuldades financeiras. O NASCIMENTO DA HOMEOPATIA Em 1790, ao traduzir a Matéria médica, do médico escocês Willian Cullen, Hahnemann ficou indignado com o fato de esse autor atribuir a eficiência terapêutica da droga quina ao seu efeito tônico sobre o estôma- go do paciente acometido de malária. Não concordando com essa hipóte- se, resolveu fazer experiências ingerindo por vários dias certa quantidade de quina. Para sua surpresa, passou a apresentar uma série de sintomas típicos de malária: esfriamento da ponta dos dedos dos pés e das mãos, fraqueza e sonolência, taquicardia, pulsação rápida, ansiedade e temor intoleráveis, pulsação na cabeça, rubor nas faces, sensação de entorpe- cimento, enfim, um quadro que trazia a aparência global da febre inter- mitente, em paroxismo de 3 a 4 horas de duração. Ao suspender o uso da droga, sua saúde voltou à normalidade. Deveria haver, portanto, uma identidade entre a doença e a droga ingerida. O resultado desse experimento chamou a atenção de Hahnemann para o adágio hipocrático similia similibus curantur, ou seja, uma droga reconhecidamente eficiente no tratamento da malária era capaz de pro- duzir sintomas semelhantes aos da doença em um indivíduo sadio. Em seguida, experimentou a quina em seus familiares e amigos, notando que FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA o fenômeno se repetia. Passou a realizar experimentos com outras drogas, catalogando seus efeitos no organismo sadio. A partir da compilação dos sinais e sintomas que essas substâncias provocavam no homem sadio, decidiu fazer novas observações, agora no homem doente, para confirmar se o princípio da similitude funcionava na prática. Ao atender pacientes, passou a prescrever drogas que pro- duziam no homem sadio sintomas semelhantes aos dos enfermos para observar se ocorria o fenômeno da cura. Como a maioria dos resultados foi positiva, a hipótese de Hahnemann foi confirmada. A partir desse fato, reconheceu a necessidade da experimentação humana para poder prescrever cientificamente aos doentes os agentes terapêuticos capazes de curá-los. Seguindo as orientações de Haller, foi Samuel Hahnemann quem, pela primeira vez, introduziu a pesquisa objetiva e sistemática aplicada à Medicina, ao tomar como base fundamental para seus estudos a ação farmacológica das drogas sobre o homem sadio, para depois aplicá-las nos indivíduos doentes, segundo o princípio da similitude. Isso tudo muito antes do estabelecimento da fisiopatologia experimental de Claude Bernard. Hahnemann procurou traduzir sua terapêutica e seus experimentos na terminologia e no modelo da racionalidade científica moderna, sem abrir mão de sua convicção vitalista. De 1790 a 1796, Hahnemann experimentou numerosas substâncias, sempre em pessoas sadias, além de realizar extensa pesquisa na literatura médica sobre sinais e sintomas provocados por drogas tóxicas. Em 1796, no Jornal de Medicina Prática, dirigido por Hufeland, Hahnemann publi- cou seu primeiro trabalho sobre suas descobertas, denominado “Ensaio sobre um novo princípio para descobrir as propriedades curativas das substâncias medicinais, seguido de alguns comentários sobre os princí- pios admitidos até os nossos dias”. Com a finalidade de diminuir os efei- tos tóxicos e nocivos das drogas, adotou as doses infinitesimais (grandes diluições) para o tratamento de seus pacientes. Após muitos estudos, começou a fazer discípulos que o ajudaram a realizar as experimentações e a catalogar, nos mínimos detalhes, o poder farmacodinâmico e curativo das drogas testadas. Com isso, em 1805, publicou a primeira matéria médica homeopática, com 27 substâncias ensaiadas. No mesmo ano editou o livro Esculápio na balança, criticando a Medicina europeia. Com essa obra, acusou a prática médica de ser ine- ficaz e enganosa, criando, com isso, numerosos inimigos. O. is FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA A HOMEOPATIA NO BRASIL Em 1840, a homeopatia foi introduzida no Brasil pelo médico fran- cês, natural de Lyon, dr. Benoit Jules Mure, mais conhecido em nosso meio como Bento Mure, que logo garantiu discípulos entre os colegas brasileiros. As tinturas e substâncias utilizadas na homeopatia vinham da Europa e os próprios médicos manipulavam-nas, dada a inexistência de farmácias especializadas. O número de homeopatas foi crescendo e, por conseguinte, os far- macêuticos passaram a manifestar interesse pela doutrina, participando dos cursos organizados pelo dr. Mure e por seu colega, dr. João Vicente Martins. Por volta de 1851, a Escola Homeopática do Brasil, sob forte pressão dos farmacêuticos, aprovou a separação da prática médica da prática farmacêutica. Não existiam, até então, leis que regulamentassem a farmácia homeopática no Brasil, facultando a manipulação de medica- mentos homeopáticos aos proprietários leigos. Somente em 1886, com o Decreto n. 9.554, surgiu uma lei que dava o direito de manipulação apenas aos farmacêuticos. A partir de 1965 surgiram leis específicas para a farmácia homeopá- tica, até que, finalmente, pelos esforços de médicos e farmacêuticos, por meio do Decreto n. 78.841, de 25 de novembro de 1976, foi aprovada a parte geral da primeira edição da Farmacopeia homeopática brasileira. Em 1980, com a Resolução n. 1.000/80, a homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica. No Congresso Brasileiro de Homeopatia, realizado em Gramado (RS) em 1988, foi aprovada uma moção que culminou com a publicação do Manual de normas técnicas para farmácia homeopática, editado pela Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas (ABFH) em 1992. Esse manual foi aperfeiçoado três anos depois, contando com a colabora- ção de farmacêuticos de todo o Brasil, por meio de relatórios de grupos de estudos, trabalhos científicos, revisões bibliográficas e encontros regionais. A terceira edição do Manual de normas técnicas para farmácia homeo- pática foi publicada em 2003, com o subtítulo “ampliação dos aspec- tos técnicos e práticos das preparações homeopáticas”. Farmacêuticos homeopatas de todo o Brasil puderam contribuir para sua elaboração. Os textos foram disponibilizados pela comissão científica da ABFH por meio eletrônico, para permitir a manifestação individual e coletiva sobre os temas estudados. As propostas aprovadas nas assembleias, coordenadas o Capítulo 1 HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA (5) pela diretoria da ABFH, foram sistematizadas pela comissão científica e transformadas no texto final da terceira edição do manual. Por meio de encaminhamento semelhante, em 2007, foi lançada a quarta edição desse importante compêndio. Em 19 de agosto de 1997, de acordo com a Portaria n. 1.180, do Minis- tério da Saúde, foi aprovada a Parte I da 2º edição da Farmacopeia homeo- pática brasileira. Por meio da Resolução-RDC n. 151, de 17 de junho de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi aprovado o Fascículo I da Parte II da segunda edição dessa farmacopeia. Vale res- saltar que os textos publicados no Fascículo I sobre as formas farmacêu- ticas anularam os publicados anteriormente na Parte I da segunda edição. Foram incluídos no primeiro fascículo: monografias, insumos inertes, métodos de análises e de ensaios, determinação de elementos e substân- cias pela análise na chama e conversão de normalidade em molaridade. A 3 edição da Farmacopeia homeopática brasileira foi aprovada pela Anvisa, em 2 de setembro de 2011, por meio da Resolução-RDC n. 39. Lançada no dia 6 de outubro de 2011, na cidade de Foz do Iguaçu, durante o VIII Congresso Brasileiro de Farmácia Homeopática, essa nova edição revoga todos os métodos gerais e monografias disponíveis em edições anteriores. O QUE É HOMEOPATIA? Homeopatia é uma especialidade médica e farmacêutica que consiste em ministrar ao doente doses mínimas do medicamento, de acordo com a lei dos semelhantes, para evitar a agravação dos sintomas e estimular a reação orgânica na direção da cura. Essa ciência tem por fundamento quatro princípios que, se bem compreendidos, tornam seu aprendizado bastante produtivo. A palavra homeopatia, criada por Hahnemann, oriunda do grego homoios, “semelhante”, e pathos, “sofrimento”, designa o método tera- pêutico baseado na lei natural de cura similia similibus curantur, ou seja, o semelhante será curado pelo semelhante. Trata-se de um sistema cien- tífico e filosófico bem determinado, com uma metodologia de pesquisa própria, que se apoia em dados da experimentação clínica de drogas e de medicamentos homeopáticos no homem sadio, para sua posterior apli- cação no homem doente. Esses experimentos podem ser reproduzidos de acordo com os modernos protocolos de pesquisa homeopáticos. Outro importante conceito para a compreensão da lei dos semelhan- tes é o de patogenesia. Se administrarmos uma substância em uma dose capaz de perturbar a homeostase orgânica, o organismo apresentará um grupo de sintomas relacionados à substância que está sendo testada. Esses sintomas são chamados patogenéticos. Para que o organismo produza sintomas é necessário que a dosagem da substância testada seja forte o bastante para promover seu desequilíbrio, ou que o organismo tenha alto grau de sen- sibilidade à substância testada. HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA | Patogenesia é o conjunto de sintomas, objetivos (físicos) e subje- tivos (emocionais e mentais), que um organismo sadio apresenta ao experimentar determinada substância medicinal. No exemplo citado, o medicamento Arsenicum album, prescrito na dose correta, será para esse doente o seu simillimum. É chamado de simillimum o “remédio” que abrange a totalidade dos sintomas de um homem doente, ou seja, aquele medicamento cuja pato- genesia melhor coincidir com os sintomas apresentados pelo doente. Portanto, a indicação de um medicamento homeopático depende das características pessoais e reacionais do paciente. O clínico homeopata deve- rá saber reconhecer a patogenesia que melhor se adapta às manifestações físicas, emocionais e mentais presentes no doente para, em seguida, pres- crever o simillimum. Ele tratará o paciente como uma unidade corpo-men- te, que recebe continuamente influências dos ambientes natural e social. Para a homeopatia, enfermidade é o resultado da reação insuficiente do organismo diante da doença. Assim, faz-se necessário estimular a rea- ção orgânica para que esta possa sobrepujar a força da doença. Quando se administra uma droga que provoca sintomas semelhantes aos que o paciente está sentindo, observa-se, em um primeiro momento, aumento transitório dos sintomas. Entretanto, com o fim do efeito farmacológico, após a droga ter sido eliminada, nota-se um efeito biológico de sinal con- trário, traduzido pela reação orgânica à droga. Como a droga e a doença provocam sintomas semelhantes, haverá aumento sincrônico da reação orgânica, que proporcionará a melhora ou a cura do paciente. Para evitar a piora inicial do paciente e estimular ainda mais a reação orgânica, os farmacêuticos lançam mão do processo de dinamização. Com isso, pode- -se utilizar substâncias tóxicas sem causar malefícios aos pacientes. (2) FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA Hahnemann expõe assim o princípio da similitude no $ 19 do Orga- non da arte de curar: Visto que as doenças não são mais do que alterações do estado de saúde do indivíduo sadio, expressando-se por meio de sinais mórbidos, e a cura, igualmente, só é possível com a conversão desse estado em saúde, vê-se, então, sem dificuldade, que os medicamentos não poderiam curar as doenças de modo algum, se não possuíssem a força de alterar o estado de saúde do homem, baseado em sensações e funções e mais: vê-se que unicamente nesta sua força de alterar o estado de saúde é que se deve basear seu poder de cura. No $ 27 de sua obra principal, Hahnemann complementa a afirmação anterior: A capacidade curativa dos medicamentos baseia-se, por conseguinte, nos seus sintomas semelhantes aos da doença e superiores a ela em força, de modo que cada caso individual de doença só pode ser eliminado e removido de maneira mais certa, profunda, rápida e duradoura, com um medicamento capaz de, por si mesmo, produzir a totalidade de seus sintomas no estado de saúde do ser humano, de modo muito semelhante e completo e de, ao mesmo tempo, superar, em forças, a doença. EXPERIMENTAÇÃO NO HOMEM SADIO Para a homeopatia, a única forma de conhecer de maneira confiável os efeitos farmacológicos de uma substância medicinal é experimentando-a no organismo humano sadio. Não são utilizados testes em animais, pois cada espécie apresenta uma reação própria muito diferente da reação dos seres humanos, por serem distintas as suas constituições. Para o elefante, a beladona é mortal em pequenas doses. Todavia é inócua para uma série de pequenos animais. A noz-vômica e o acônito são inofensivos para suínos e cães, respectivamente, mas podem matar um homem. Além disso, apenas os sintomas mais grosseiros podem ser registrados, uma vez que os animais não se expressam por palavras. Os testes em doentes também não são tolerados, pois a mistura dos sintomas provocados pela doença natural com os sintomas provoca- dos pela droga-teste impede uma avaliação correta do experimento. Coube a Hahnemann, por meio do método experimental indutivo, pela análise minuciosa dos fenômenos, conferir ao princípio da seme- o FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA Cs (emocionais e mentais). Cabe ainda ressaltar que os sintomas devem ser modalizados, ou seja, qualificados quanto às circunstâncias de seu apare- cimento, a manifestação de agravação ou melhora, a característica da dor (dilacerante, picante, queimante etc.) a lateralidade (esquerda ou direita) e o ritmo. Como exemplo de modalidade, uma dor dilacerante que piora de madrugada e melhora pelo repouso absoluto, principalmente quando se deita do lado doloroso, é um sintoma típico do medicamento Bryonia alba. Uma dor de cabeça que se manifesta do nascer ao pôr do sol, como uma clava sobre o lado esquerdo, é outro exemplo de modalidade, que corresponde ao medicamento Natrium muriaticum. Para obter informações confiáveis sobre a farmacodinâmica das dro- gas e dos medicamentos obtidos a partir delas, os institutos de pesquisa homeopáticos adotam modernos protocolos de experimentação patoge- nética. O ensaio deve ser realizado de acordo com o método duplo-cego. Com essa metodologia, não se sabe quais experimentadores receberam a droga e quais receberam o placebo. Além disso, apenas o diretor do expe- rimento conhece a substância que está sendo ensaiada e quais sujeitos de pesquisa receberam medicamento ou placebo. Geralmente, a expe- riência tem início com a administração da substância a ser testada em doses ponderais. Somente depois de anotados todos os sintomas e não havendo mais nenhuma manifestação sintomática é que se passa à dose seguinte, que é uma dinamização sempre mais diluída que a anterior. Os sintomas vão sendo anotados para cada uma das doses, nas três esferas: física, emocional e mental. Na conclusão do experimento, os sintomas são sistematizados pelo diretor e apresentados aos experimentadores para discussão, sendo retirados dos registros os sintomas proporcionados pelos indivíduos que receberam placebo. As patogenesias são compiladas em livros denominados matérias médicas homeopáticas. Para a elaboração dessas obras, além das patoge- nesias são incluídos os sintomas extraídos dos livros de toxicologia e os sintomas que desapareceram depois que o medicamento produziu a cura. Resumindo, a experimentação no homem sadio é um método natural para investigar os efeitos que as drogas e os medicamentos produzem, para saber quais enfermidades eles estão aptos a curar. DOSES MÍNIMAS Hahnemann revolucionou a ciência com a aplicação do método experimental na Medicina para conhecer com detalhes a farmacodiná- Capítulo 1 HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA E) mica de uma droga antes de indicá-la ao ser humano doente. Todavia, ele se preocupava com a intensidade das reações iniciais que uma droga provocava ao ser ingerida. Estas, dependendo da natureza do paciente, poderiam ser muito violentas. É importante mencionar que, no início de sua carreira como homeopata, Hahnemann não usava as doses diluí- das e potencializadas pela dinamização. Ele empregava doses elevadas de medicamentos, sobretudo na forma de tintura. Assim, antes que o organismo doente começasse a reagir, ocorria uma agravação inicial dos sintomas, pelo somatório dos sintomas naturais provocados pela doença com os sintomas artificiais provocados pelo medicamento. Isso era muito desagradável para o paciente, levando muitos deles a abandonar a tera- pêutica homeopática. Com a finalidade de diminuir os efeitos negativos da agravação dos sintomas, Hahnemann realizou uma série de experiências, chegando a resultados extremamente interessantes. A princípio, empregou doses pequenas, diluindo os medicamentos em água ou álcool, de acordo com determinadas proporções. Entretanto, observou que se o medicamento não era forte o suficiente para produzir a agravação dos sintomas, não era capaz de promover satisfatoriamente a reação orgânica. Como os resulta- dos não foram os esperados, continuou os experimentos. Além de diluir os medicamentos, passou a imprimir agitações violentas, chamadas por ele de sucussões. Hahnemann notou que, além da diminuição da agrava- ção dos sintomas e dos efeitos tóxicos das altas doses, ocorria aumento da reação orgânica. Certamente os conhecimentos que tinha de alquimia, da essência das substâncias, contribuíram muito para que chegasse a esses resultados. Todavia, Hahnemann nunca forneceu detalhes de como des- cobriu o processo da dinamização. A partir desse experimento, o criador da homeopatia passou a utilizar diluições infinitesimais e potencializadas pelas fortes agitações que impri- mia na manipulação dos medicamentos homeopáticos. Esse processo far- macotécnico, conhecido como dinamização, promove curas mais rápidas e suaves. A diluição do insumo ativo, sempre intercalada pelas sucussões, obedece a uma progressão geométrica, promovendo diminuição de sua concentração química e aumento de sua ação dinâmica, que estimula a reação do organismo na direção da cura. Para uma explanação inicial do processo de preparação do medica- mento homeopático, apresentamos o seguinte esquema: * Uma parte do insumo ativo + 99 partes do insumo inerte + sucussões = primeira dinamização centesimal hahnemanniana (1CH). Capítulo 1 HISTÓRIA, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA HOMEOPATIA [4) codinâmicas da substância testada. Não se experimentam várias drogas ao mesmo tempo. Por isso, Hahnemann administrava os medicamentos isoladamente, um por vez, por ser mais racional e para impedir as inte- rações entre os diferentes medicamentos. Só mudava a prescrição se o quadro sintomático sofresse uma alteração e depois que o primeiro medi- camento administrado já não atuava no organismo doente. Para tanto, pesquisava na matéria médica homeopática a patogenesia capaz de cobrir a totalidade dos sintomas do momento. O clínico homeopata procura, sempre que possível, individualizar o quadro sintomático do paciente para encontrar o seu simillimum. Se ele utilizar em um mesmo paciente, de uma só vez, mais de um medi- camento, estes mobilizarão conjuntamente os mecanismos de defesa do organismo, em uma competição. Pelo princípio da similitude, apenas um deve cobrir a totalidade dos sintomas apresentados pelo doente. Além disso, com o uso simultâneo de dois ou mais medicamentos, fica impossível determinar, cientificamente, qual foi o responsável pela cura. Entretanto, na prática, nem sempre é possível encontrar o simillimum. O remédio único constitui um dos fundamentos mais importantes da homeopatia do ponto de vista médico-científico e o mais difícil de ser realizado na prática, pois exige do clínico conhecimentos bastante pro- fundos da matéria médica homeopática. ESCOLAS MÉDICAS HOMEOPÁTICAS Vários foram os motivos pelos quais foram sendo criadas diferentes escolas médicas homeopática, cada uma prescrevendo a seu modo. Entre os principais motivos, destacamos: a complexidade da doença observada, a imprecisão dos sintomas, o desconhecimento dos princípios homeo- páticos, o processo de industrialização do medicamento homeopático, a inexistência de patogenesias capazes de cobrir a totalidade dos sintomas observados no doente, a necessidade do estudo constante e a experiência clínica particular de alguns homeopatas. As principais escolas homeopá- ticas são o unicismo, o pluralismo, o complexismo e o organicismo. No unicismo, o clínico prescreve um único medicamento, à maneira de Hahnemann, com base na totalidade dos sintomas do doente (o simillimum). Exemplo de receita unicista: Pulsatilla nigricans 6 LM Tomar 1 colher (chá) a cada 2 horas. o FARMÁCIA HOMEOPÁTICA: TEORIA E PRÁTICA Outro exemplo: Sepia 12CH Pingar 10 gotas diretamente na boca, 2 vezes ao dia. . Existe uma variante do unicismo hahnemanniano, trata-se do kentismo. Os seguidores de James Tyler Kent (1849-1916), médico norte-americano responsável por realizar experiências com altíssimas potências, além do remédio único, usam uma única dose, geralmente em potências superiores a 1.000 EC (milésima potência preparada por aparelho de fluxo contínuo). Exemplo de receita kentiana: Phosphorus 10.000 FC líquida Tomar todo o conteúdo do frasco, de uma só vez, em jejum. No pluralismo, também conhecido por alternismo, o clínico prescreve dois ou mais medicamentos para serem administrados em horas distin- tas, alternadamente, com a finalidade de um complementar a ação do outro, atingindo, assim, a totalidade dos sintomas do paciente. Exemplo de receita pluralista: Barium carbonicum 6CH, 20 mL, 1 frasco Phytolacca decandra 6CH, 20 mL, 1 frasco Pingar 5 gotas de cada medicamento, diretamente na boca, a cada 2 horas, alternando-os a cada tomada. No complexismo, o clínico prescreve dois ou mais medicamentos para serem administrados simultaneamente ao paciente. Exemplo de receita complexista: Hydrastis canadensis 6CH, 20 mL, 1 frasco Hepar sulfur 6CH, 20 mL, 1 frasco Kalium bichromicum 6CH, 20 mL, 1 frasco Pingar 5 gotas de cada um dos medicamentos, diretamente na boca, a cada 2 horas. Outro exemplo: Eupatorium SCH Bryonia alba 6CH , àã ...qsp... 30 mL Allium cepa 6CH Tomar 5 gotas 4 vezes ao dia.