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LIVRO DE FERNANDO MORAES
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
Oferta por tempo limitado
Compartilhado em 22/07/2010
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Prefácio de Antônio Callado
Planejamento Gráfico e Produção Tereza R. Guilares Revisão Carlos A. L. Salum Direitos Reservados FICHA CATALOGRÁFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-Fonte, Câmara Brasileira do Livro, SP) Morais, Fernando, 1946- M825i A Ilha: Um repórter brasileiro no país de Fidel Castro; prefácio de Antônio Callado. São Paulo, Alfa-Omega, 1976. p. (Biblioteca Alfa-Omega de cultura universal Série 2 ª. Atualidade, v. 3)
SOBRE O AUTOR O mineiro Fernando Gomes de Morais nasceu há 29 anos em Mariana. Começou a trabalhar aos 13 anos, como repórter de um jornalzinho de bairro, em Belo Horizonte. Um ano depois, já profissionalmente, era redator de um "house-organ" local. Em 1965 mudou-se para São Paulo, trabalhando no jornal "A Gazeta", incorporando-se, um ano depois, ao recém-fundado "Jornal da Tarde", onde passou oito anos, sucessivamente como repórter, redator, sub-editor e repórter especial. Simultaneamente ao trabalho no "Jornal da Tarde", Fernando foi redator da "Folha de São Paulo", do Suplemento Feminino do jornal "O Estado de S. Paulo" e chefe de reportagem do Departamento de T ele jornalismo da TV Cultura de São Paulo. Foi um dos editores da revista "Bondinho" e colaborador do semanário "Opinião" e da revista "Status". Em 1970, juntamente com o repórter Ricardo Gontijo, recebeu o "Prêmio Esso de Reportagem", pela série "Transamazônica", publicada no "Jornal da Tarde" e posteriormente editada em livro pela Editora Brasiliense. Em 1974 deixou o "Jornal da Tarde", transferindo-se para a revista "Visão", de onde saiu para juntar-se à equipe que fundaria o semanário "Aqui São Paulo". Tem reportagens publicadas em Portugal e no México. Atualmente Fernando é editor- assistente da revista "Veja".
portanto criam ao seu redor uma barreira de desdém pelos demais, e o outro extremo, daqueles que, nada tendo, fecham-se numa barreira de inveja. Cuba seguiu o conselho em ritmo extremamente acelerado. Foi tão avassalador o crescimento, ali, da classe média, que já se torna difícil delimitá-la. Só se pode definir uma classe em relação a outras classes. Em Cuba vão deixando de existir, homogeneizadas num povo educado, saudável e, sobretudo, imune precisamente ao perigo da luta de classes, já que ninguém luta contra categorias abstratas. Perdem-se alguns anéis, em qualquer faina intensiva e inovadora como a dos cubanos. Mas os de Cuba deviam estar muito apertados nos dedos. Os índices de saúde do país melhoraram consideravelmente. A Ilha contém, aliás, excelente capítulo sobre Saúde na ilha. \E passo aqui ao leitor a reportagem de Fernando Morais, sólida e cerrada como uma fortaleza nos dados que apresenta mas ao mesmo tempo transparente, pois deixa ver dentro dos muros a alegre atividade de um povo empenhado na autoria de si mesmo. ANTÔNIO CALLADO
O COTIDIANO A bordo de um quadrirreator Ilyushin- 62 vendido pela Aerojlot à Cubana de Aviación (ainda com a marca soviética pintada na fuselagem) a aeromoça oferece, em lugar dos tradicionais jornais diários, um suplemento de 64 páginas sobre a vida do guerrilheiro Camilo Cienfuegos, um dos combatentes da Sierra Maestra, morto em 1960. Estou a caminho de Cuba. No avião, que saíra de Madri, viajam, entre outros passageiros, dezoito pescadores da Companhia Pesqueira Cubana, vindos das costas do Canadá, depois de oito meses longe de casa. O serviço de bordo é espartano como a decoração do jato: presunto, salaminho, queijo, cerveja e café. Depois da sobremesa, charutos Romeo y Julieta. Os alto-falantes transmitem música ambiente e Roberto Carlos me surpreende com Jesus Cristo, eu estou aqui, cantando em espanhol. Peço papel para anotações e a aeromoça me oferece o verso de um bloco de declaração de bagagem, sorrindo: "Já ouviu falar na crise de papel?". Na cadeira ao lado, José Antônio Vacas Cubas, 22 anos, negro, pescador de atum, puxa conversa e é o primeiro de uma longa série de cubanos surpresos com a insólita presença de um brasileiro em seu país. Doze horas depois, o avião pousa no ensolarado Aeroporto José Marti, em Havana. Passo pela alfândega sem dificuldades e, em vez de reter meu passaporte até o dia de minha saída, como faziam até há poucos anos com todos os jornalistas estrangeiros, apenas perguntam sobre eventuais sintomas de meningite: há quanto tempo saí do Brasil, se tenho sentido dores de cabeça fortes, ânsia de vômito, endurecimento do pescoço, se fui vacinado contra a doença. Cuba surpreende de novo: de um país que oferece biografias de guerrilheiros como leitura de bordo espera-se encontrar como recepcionista no aeroporto, no mínimo, um barbudo armado. Mas quem me recebe cordialmente é Ricardo, jovem diplomata recém-formado, cabelo escovinha, metido numa impecável camisa engomada. Ao saber dele que sou convidado oficial do governo durante a visita, explico que, como se trata de um trabalho profissional, prefiro eu próprio pagar minhas despesas. "Bem — diz ele — se é assim, consultarei de novo a chancelaria e, à noite, falarei de novo com você". Numa pequena agência do Banco Nacional de Cuba troco cem dólares. Com um dólar americano, consegue-se comprar apenas 82 centavos de peso cubano. __ Como em qualquer país capitalista, há out-doors, cartazes de rua. O que
da viagem eu veria que a promessa tinha sido cumprida. Na manhã seguinte viajei para Varadero, uma espécie de Guarujá cubano — uma das praias mais famosas do país. Chamam a atenção dois edifícios mandados construir pessoalmente por Fidel Castro. Numa de suas viagens à URSS, o primeiro-ministro disse que Cuba, evidentemente, não tinha condições de dar qualquer contribuição à tecnologia espacial soviética, mas que o país ajudaria no que pudesse. Mandou construir uma colônia de férias exclusivamente para cosmonautas e suas famílias, à beira-mar. Ao lado dela está sendo levantado um edifício, com trabalho voluntário, com capacidade para hospedar duas mil pessoas, oferecido por Fidel à "Confederação Mundial de Juventudes Democráticas", para receber filhos de operários do mundo inteiro — mesmo de países não ligados à organização — que passarão férias ali, por conta do governo cubano. A mão de Fidel está presente em quase tudo neste país. Um dia, por exemplo, ele entrou num restaurante de Havana e quis comer coelho assado. Não havia — nem assado, nem cozido, simplesmente não havia coelho. Fidel estranhou que, num país onde a produção de coelhos é significativa, um restaurante não tivesse essa carne para oferecer aos fregueses. E sugeriu que se criasse um restaurante que só servisse coelho. Hoje o Conejito (coelhinho), em Havana, tem filas enormes. E deve ser um dos poucos restaurantes do mundo que serve exclusivamente coelho — feito de mais de vinte maneiras diferentes (e servido a 45 cruzeiros a porção). Logo depois que Fidel chegou ao poder, o turismo externo praticamente acabou em Cuba. De um lado, pouca gente se "arriscava" a passar férias lá, em plena revolução. Do lado cubano, o governo acabou com os grandes atrativos que levavam à Ilha, anualmente, 250 mil estrangeiros — na maioria norte-americanos: foram fechados os cassinos, os grandes bordéis. Os traficantes de drogas fugiram ou foram presos. E, além disso, o governo fazia sérias restrições à entrada de ianquis no país mesmo antes do bloqueio: afirmava-se que os grupos de turistas poderiam ocultar "contra- revolucionários e agentes da CIA". A infra-estrutura montada durante todos os governos anteriores (o turismo era a terceira fonte de divisas de Cuba, depois do açúcar e do tabaco) foi aproveitada para o turismo interno ou para receber delegações estrangeiras, convidadas oficialmente. Hoje o INIT — Instituto Nacional de Indústria Turística — administra tudo isso, e organiza, junto à Central de Trabalhadores de Cuba, um sistema de distribuição das vagas em hotéis e motéis — alguns luxuosíssimos — entre as famílias de trabalhadores em férias. A diária de um apartamento de casal no Hotel Internacional de Varadero
(a praia preferida pelos milionários de Miami, até 1959) exista aproximadamente 70 cruzeiros. Nesse preço estão incluídos o almoço e o jantar, servidos no Restaurante das Américas, um pequeno palácio construído pela família americana Dupont, equipado com aeroporto e no meio de uma praia particular de seis quilômetros de extensão. "Particular antes do triunfo da revolução", faz questão de esclarecer o porteiro. O chefe do clã Dupont não esperou a expropriação. Fugiu e deixou a casa para a revolução, com tudo o que havia dentro: móveis de cedro entalhados em Portugal, um órgão belga, uma requintada adega, uma biblioteca de dois mil volumes. Ficou lá, também, uma raridade digna de museu: restos da primeira bandeira cubana, abandonada numa das praias próximas após uma batalha contra os espanhóis. A antiga casa dos Dupont foi inicialmente transformada em "república" para estudantes bolsistas — mas a idéia não deu certo. Móveis e objetos de arte estavam sendo destruídos pelos jovens, que acabaram retirados de lá. Assim como ocorreu com o legado dos Dupont, dezenas de outras mansões construídas e abandonadas por milionários cubanos no litoral foram aproveitadas como local de férias gratuitas para quem se oferecia ao trabalho voluntário — por exemplo, no corte de cana. Terminada a safra, o voluntário tinha direito a férias com sua família em Varadero, ou em qualquer outra praia do país. Em Miramar e Laguitos — bairros de Havana — os antigos clubes privativos de algumas famílias, de frente para o mar, com piscinas naturais de água salgada, foram transformados em Centros Sociais Operários para reuniões de fins de semana, bailes e piqueniques. Cada clube operário foi entregue a uma indústria, a um conjunto de repartições públicas ou a um sindicato. Nos últimos cinco anos, Cuba foi se reabrindo gradativa-mente para o turismo externo. Os primeiros vôos charter vieram de países da Europa Oriental. Em 1970 a Cubatur (empresa encarregada de divulgar o turismo no exterior) iniciou os primeiros contatos com o Canadá — e, só em 1974, cerca de 46 mil turistas canadenses visitaram o país. Telésphoro Prates, o jovem diretor do INIT, afirma com orgulho que, para que o turismo rendesse à economia cubana, só em 1974, algumas centenas de milhões de pesos, o país não teve de "abrir mão de seus princípios": — As regras do nosso jogo são muito claras. Aqui ninguém vai encontrar prostitutas, drogas, cassinos. O que temos a oferecer são praias lindas, preços muito baixos, clima bom o ano inteiro. E em Cuba não há gorjetas e impostos, não há doenças infecciosas. Compramos iates e ônibus no exterior
Guevara e Camilo Cienfuegos, heróis nacionais — barbudos e guerrilheiros. Cheguei a ouvir pelo menos três versões para a quase total ausência de jovens barbudos no país. A primeira foi de Ricardo, o diplomata que me acompanhava: — É que as cubanas, na verdade, preferem os homens de cara lisinha, de barba feita. Assim como a minha. A explicação de uma estudante de Química era mais convincente: — Não é nada disso. O que acontece em Cuba é que a barba tornou-se uma marca registrada, uma característica muito forte: esta revolução foi feita por barbudos, e a barba virou um símbolo. Então os rapazes, por receio de parecerem pretensiosos, têm uma certa vergonha de usar barba. Por outro lado, a barba transformou-se numa coisa da moda. E moda aqui em Cuba não pega. A terceira versão, de um motorista de táxi: — A verdade é que a barba é proibida nas escolas secundárias e nos cursos pré-universitários, assim como o cabelo grande. Depois, quando o sujeito está adulto, usa barba se quiser. Quem tem vergonha, não usa. O Estado não é dono da vontade de ninguém. O Estado respeita os direitos individuais, mas já domina cerca de 96% do PNB, o que inclui o Banco Nacional, todas as indústrias, quase todos os táxis, os restaurantes, os hotéis, as bancas de jornais, os cinemas, os teatros. E, como todas as coisas são do Estado ("isto é — do povo", repetiam-me sempre), os hotéis de "curta permanência" também são. Esta deve ser uma das características do que os comunistas ortodoxos apelidaram de "socialismo tropical": em Cuba não existe o forte moralismo com que freqüentemente se costuma caracterizar os regimes comunistas. A pílula anticoncepcional é vendida em qualquer farmácia, o aborto é livre até os três meses de gravidez e existe o divórcio. Mas apesar disso, e do "machismo" cubano, de que muito me falaram, lá é praticamente impossível ter uma garçonnière. "Um país com problemas habitacionais não pode se dar ao luxo de oferecer apartamentos para esse tipo de desfrute, enquanto há famílias necessitadas", disse um jornalista divorciado, que vive num hotel. O Estado se encarregou de dar abrigo aos casais apaixonados e não casados legalmente. Em Havana e nas outras capitais de províncias, o INIT criou e passou a administrar as posadas ou albergues. São pequenas kitchnettes alugadas a preço fixo em todo o país: as três primeiras horas de permanência custam 30 cruzeiros e cada hora adicional custa mais Cr$ 1,80. Se o apartamento tiver ar condicionado, cada hora a mais passa a custar 4 cruzeiros. Nenhuma posada chega a ter, evidentemente, a sofisticação dos
hoteizinhos da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, por exemplo. Além de ar condicionado e água quente, o único luxo oferecido é, em alguns casos, uma discreta entrada de carros depois de um portão de garage. O casal entra num pátio que dá acesso ao apartamento, sem ser visto por ninguém. Isso desde que não esteja num carro oficial, cuja entrada é proibida nos albergues e posadas. O interesse despertado por esses hoteizinhos é grande: nos fins de semana é possível ver às suas portas, por exemplo, pequenas filas de casais, de mãos dadas, esperando a hora de entrar.
Luzia, onde a atriz principal vive simultaneamente os papéis de três mulheres cubanas trabalhando em atividades diferentes, e La Nueva Escuela um filme sobre a revolução educacional realizada em Cuba. "Filmar tudo o que acontece de importante e guardar as películas", disse um jovem cineasta, "'foi um conselho que nos deram os cineastas soviéticos logo após o triunfo da revolução. Hoje somos capazes de montar filmes sobre tudo o que se passou de importante no país após janeiro de 1959". A influência do leste europeu na cultura cubana não se manifesta apenas no cinema. Os três canais de televisão de Cuba apresentam todos os dias, pelo menos um documentário produzido na Europa Oriental. Dois telejornais — um às 12 e outro às 19 horas — apresentam noticiário nacional e internacional. A televisão cubana só entra em cadeia nacional para Fidel falar ou para transmitir uma partida importante de baseball (lá chamado de pelota), o esporte nacional. Com o esporte profissional abolido pela revolução, todos os times cubanos são amadores, compostos por operários, estudantes, médicos, pessoas de todas as categorias. Quem atua num time provincial tem direito à folga no trabalho para os treinos. Três anos após a amadorização dos esportes no país, Cuba tornou-se campeã mundial de baseball, título que ainda detém. E, nos últimos Jogos Panamericanos, realizados no México, o país só perdeu para os Estados Unidos — superando, no entanto, o Canadá, o México, o Brasil, a Argentina e todos os outros 18 países concorrentes. Hoje os esportes em Cuba são amadores para quem joga e para quem vê: nenhum estádio cobra ingressos, todos os jogos são realizados com portões abertos. Ninguém fala em esportes em Cuba sem referir-se com orgulho a Teófilo Stevenson, um operário de quase dois metros de altura, medalha de ouro em Box peso-pesado nas Olimpíadas de Munique (quando derrotou justamente um americano, Duane Bobby) e nos últimos Jogos Panamericanos. Nas Olimpíadas de Munique, um grupo de managers de Box dos Estados Unidos ofereceu-lhe um milhão de dólares para mudar-se para Los Angeles e profissionalizar-se (seus três antecessores no título olímpico peso-pesado, Muhammad Ali, em 1960, Joe Frazier, em 1964, e George Foreman, em 1968, acabaram sendo campeões mundiais como profissionais). Stevenson — não se cansam de repetir os cubanos — preferiu voltar a ser operário e boxeur amador em Cuba. O esporte amador parece ser uma das formas com que Cuba facilita sua aproximação com países de todo o mundo. O movimento de atletas canadenses, búlgaros, russos e de uma infinidade de outros países, é intenso em Havana e nas províncias do interior. Muitos deles vivem em Cuba, como é o caso do húngaro Karoly Laky, de 64 anos, treinador da equipe cubana de
pólo aquático. Ã exceção desses treinadores de esportes e de alguns instrutores militares, a presença de europeus orientais no dia a dia cubano não é tão intensa e ostensiva como o noticiário dos jornais dá a entender. Pode-se, entretanto, ouvir nas ruas algumas expressões russas, como tovaritch (camarada), niet (não), mescladas ao espanhol, da mesma forma que usamos no Brasil palavras inglesas como yes, ok, bye-bye. Fora isso, não se percebe no cotidiano cubano a presença soviética. Até os caminhões Gaz e Zil já começam a ficar em minoria nas estradas, depois da chegada dos Mercedes- Benz argentinos. O mesmo ocorre com os Zhugulin-Fiat produzidos na Rússia — agora perdidos no meio dos 45 mil Ford Falcon, Chevy e Dodge 1.500 que Perón vendeu a Cuba há dois anos, e dos Alfa-Romeo italianos. Não se vêem russos nas ruas. Sua presença em Cuba (6 mil ao todo, segundo autoridades cubanas, e 10 mil, segundo estatísticas americanas) está mais restrita aos acordos de ajuda científica e militar. E, apesar da participação da URSS no processo cubano, os russos residentes em Cuba não têm privilégio em relação aos técnicos de outros países. As boas relações de Cuba com o mundo socialista — e não apenas com a Europa Oriental — podem ser medidas pelo número de delegações estrangeiras que diariamente chegam e saem do país. Durante minha viagem, quase todas as edições dos jornais Granma c Juventud Rebelde anunciavam a presença de uma missão estrangeira. Comparadas com as do início da década de 60, as relações atuais do governo cubano com a Igreja podem ser consideradas muito boas. Dois anos depois da revolução, Fidel Castro mandou expulsar do país o Núncio Apostólico, acusado de envolvimento no contrabando de armas para os grupos que lutavam contra o governo. A paz entre o Estado e a Igreja veio, segundo se diz em Cuba, depois que se estabeleceu um princípio: "Os padres não se metem na revolução e os revolucionários não vão à missa". Quando Fidel Castro esteve no Chile, em 1971, disse, em conversa com um grupo de padres católicos, que a revolução sempre teve para com a Igreja uma atitude indulgente, mesmo nos casos em que a acusação contra seus membros era a mais grave de todas em Cuba: traição. Quando um padre era acusado de traição, o governo o expulsava do país. Pelo mesmo crime, qualquer outra pessoa seria condenada à morte. Há dois anos, Dom Cesare Zacchi, o atual Núncio, liderando um grupo de seminaristas, participou pessoalmente de um período de trabalho voluntário no corte de cana. E, alguns meses antes, o chanceler do Vaticano, Dom Carmine Rocco, interrompeu uma missa que rezava durante sua visita ao país para atender a um telefonema de saudações do próprio Fidel Castro.
O RACIONAMENTO Pelo menos duas vezes por semana os jornais anunciam que um novo gênero alimentício deixou de ser racionado e que já pode ser comprado por la libre (fora da tabela a que todo cubano está sujeito)/ "O racionamento já foi pior" — diz dona Eliana, mulher de um agrônomo e mãe de três filhos, que vive em Havana. "Hoje a quantidade a que cada um tem direito é mais abundante e acredito que em um ano o racionamento tenha acabado. Pelo menos a gente tem a certeza de que não há discriminação. O racionamento é igual para todos. E esta mesma fila que faço neste supermercado é enfrentada pela mulher do ministro do Interior, de libreta na mão". Quem vê um ministro cubano nas ruas passa a acreditar nisso. Eles, de fato, se confundem com o povo, sempre em mangas de camisa, nos restaurantes, nas repartições públicas. A libreta, dizem, "é o osso atravessado na garganta da revolução". Ou, nas palavras de um gerente de supermercado em Havana: "Fidel disse que quando a revolução estivesse terminada, ele cortaria a barba. Acho que no dia em que a libreta for eliminada, ele corta". Para que a produção agrícola do país dê para abastecer os 9,2 milhões de habitantes, é que existe o racionamento. Com isso, todos os cubanos têm direito à mesma quota mensal de alimentos Até o fim da década passada, conta-se que o mercado negro era feroz, pois o governo ainda não havia assumido o controle total do abastecimento e da comercialização de gêneros no país. Em 1968, por exemplo, um leitão que custava 135 cruzeiros pela libreta era vendido no mercado negro por quase Cr$ 3 mil. Hoje, com toda a distribuição e comercialização nas mãos do Ministério do Comércio Interior, só se compra com libreta. E para os produtos considerados "não essenciais" — como cigarros e bebidas — o Estado arranjou uma solução sui-generis, adotada recentemente pelo governo do Vietnã na reconstrução do país: assumiu o mercado negro. Assim, cada cubano tem direito a apenas um maço de cigarros por semana, ao preço de Cr$ 1,80. Se quiser fumar mais, tem de pagar o maço a 18 cruzeiros. A garrafa de rum, que custa 22 cruzeiros pela libreta (uma por mês, para cada adulto), é vendida a 198 cruzeiros por Ia libre. Cada cubano tem direito a um charuto por semana que lhe custa dois cruzeiros — quem quiser fumar mais, paga nove cruzeiros a unidade.
Juan Martinez Tinguao, amigo pessoal de Fidel, a quem ajudou a editar um jornalzinho clandestino antes da revolução, é hoje funcionário do Instituto Nacional da Indústria Turística. Fuma de dez a quinze charutos "Cazadores" por dia, e paga caro: "Sinto-me como se estivesse sustentando um filho que vivesse em Paris. O preço é o mesmo". Quando perguntei a Gilberto, o motorista que trabalhava comigo, se não era caro demais um maço de cigarros custar 18 cruzeiros por Ia libre, ele tirou do bolso seu maço de "Populares" e mostrou-me algo que vem impresso sob a marca: — Está vendo? 'Fumar faz mal à sua saúde". Não é necessário. Em Cuba um maço de cigarros custa 18 cruzeiros, mas a gente se consola sabendo que toda criança até sete anos de idade e todo velho de mais de 65 tem direito a um litro de leite por dia, por lei. Uma coisa paga a outra. Para racionalizar a distribuição e evitar que o mesmo produto falte num lugar e sobre em outro, cada supermercado serve a determinado número de moradores de um bairro. Por exemplo: um supermercado do bairro de Vedado, em Havana< vende a 6 mil famílias residentes naquela região. Isso significa que um morador da rua 23, por exemplo, só pode comprar ali seus alimentos racionados. Por Ia libre ele compra onde quiser. Com o controle total do Estado sobre o abastecimento do país, o governo consegue manter estáveis os preços ao consumidor há catorze anos, desde que foi baixada a segunda lei da reforma agrária. Um quilo de arroz, por exemplo, continua custando 2,60 cruzeiros desde 1962/ embora nesse período o preço da tonelada do produto tenha aumentado de 864 para 3.600 cruzeiros no mercado internacional. A diferença é subsidiada pelo Estado. Para reduzir o gasto de divisas, Cuba tem forçado a diminuição do consumo interno de seus produtos de exportação — o que explica os preços altos do rum, do charuto e dos cigarros. Com os preços internos estáveis, o que pode sofrer uma pequena variação é a quantidade a que cada cubano tem direito. Se uma safra é boa (ou se os preços de algum gênero importado caem no mercado internacional), a quota de cada um aumenta, e vice-versa. "Mas sempre mantendo um mínimo necessário à alimentação das pessoas" — assegura o gerente de um supermercado. Pregada>à porta dos armazéns há sempre uma tabela* com a quantidade por pessoa e o respectivo preço — tabela que é a mesma em Pinar Del Rio, no oeste do país, ou em Santiago, capital da província de Oriente. Em março de 1975, esta era a tabela em vigor no país (convertida em cruzeiros):