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Fundamentos_de_Bioquimica_-_Ricardo_Vieira
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Apresentação
A bioquímica é, sem dúvida, uma das ciências mais fascinantes porque desmonta o ser vivo em seus componentes básicos e tenta explicar o funcionamento ordenado das reações químicas que tornam possível a vida, freqüentemente adjetivada como milagre ou fenômeno. Entretanto, o processo químico muito bem organizado que estabelece toda a existência da vida em nosso planeta, tem sido desvendado, continuamente, por cientistas do mundo inteiro. Muito já se sabe, porém o desconhecido é a essência do conhecimento humano e a luta para desvendá-lo advém da natureza desbravadora da humanidade, que não se furta com explicações empíricas e procura a razão dos fatos ao invés de eternizá-los mitos. Os capítulos que se seguem representam a organização de informações básicas para o aprendizado de Bioquímica Humana, resultado do conteúdo das aulas que ministro há pouco mais de uma década. Como tal, possuem um caráter estritamente didático, não dispensando, de forma alguma, a consulta às referências bibliográficas sugeridas ao final de cada capítulo e outras, existentes na literatura especializada. Entretanto, não se tratam de “apostilas” repletas de dicas e “macetes” que tornam o ensino estereotipado. Pelo contrário, é um trabalho realizado com carinho e atenção para facilitar o aprendizado em bioquímica nos cursos de Farmácia, Medicina, Biologia, Biomedicina, Nutrição, Enfermagem, Odontologia e áreas afins. O formato eletrônico em arquivos PDF é uma alternativa econômica e prática de acesso aos meus textos originais, contornando dificuldades editoriais próprias de nossa região. Acima de tudo, este E-book (livro eletrônico) corresponde a um protótipo para uma futura publicação em formato tradicional e, como todo material didático, estes textos estão em constante atualização, sendo a sua opinião (informando falhas, sugerindo mudanças etc.) de extrema valia para a realização de um trabalho cada vez mais completo, possibilitando um retorno positivo para o processo ensino- aprendizagem.
Prof. Ricardo Vieira Universidade Federal do Pará Centro de Ciências Biológicas Laboratório de Genética Humana e Médica Av. Augusto Corrêa no^ 1 – Guamá Belém - Pará - CEP: 66.075- Fone/Fax: (091) 211- E-mail : jrvieira@ufpa.br HomePage: http://www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Belém-Pará 2003
Capítulo 1
O que estuda a Bioquímica?
O
estudo da Bioquímica infere um conceito nato de que exis- te uma química da vida , ou então que há vida pela química. Antes que um conceito filosófico ou religioso, a vida, aqui, deve ser tratada como o resultado da maximi- zação de fatores físicos e químicos presentes em um sistema aberto extremamente frágil: a célula. Neste microscópico tubo de ensaio estão os componentes necessários para que o ser vivo complete o clássico ciclo da vida, ou seja, nascer , crescer , reproduzir e morrer , tudo resultado de um processo natural de de- senvolvimento de reações químicas típicas com reagentes, produtos e catalisadores que, quanto melhor as condições ótimas de reação, melhor a eficácia com que serão executadas. Do ponto de vista químico, os seres vivos são constituídos de elementos bastante simples e comuns em todo o universo: carbo- no, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio (bases dos compostos orgânicos), além de uma infi- nidade de outros elementos presentes em quantidades relativamente menores, mas de funções imprescindíveis ao funcionamento celular (p.ex.: ferro, enxofre, cálcio, sódio, potássio, cloro, cobalto, magnésio etc.) O agrupamento desses elementos, em moléculas com funções distintas, foi um pas- so longo e decisivo para a afirmação do pro- cesso de vida em nosso planeta. O processo de obtenção de energia através da glicose na ausência de oxigênio, por exemplo, é um pro- cesso tão organizado que ele é exatamente o mesmo em todos os seres vivos, diferindo somente na forma como o produto final é pro- cessado, sendo que a maioria dos seres vivos prossegue com o metabolismo aeróbio, porém todos os seres vivos, sem exceção, realizam o metabolismo anaeróbio de degradação da gli- cose.
Existe uma relação direta entre a produ- ção de oxigênio pelas cianofíceas e o surgi- mento dos seres multicelulares levando a incrível diversidade de espécies dos dias atu-
ais. Sobre este aspecto, veja o que dizem Al- berts, B. et al. (1997).
"Evidências geológicas sugerem que houve mais de um bilhão de anos de intervalo entre o aparecimen- to das cianobatérias (primeiros organismos a libe- rar oxigênio como parte do seu metabolismo) e o período em que grandes concentrações de oxigênio começaram a se acumular na atmosfera. Esse in- tervalo tão grande deveu-se, sobretudo, à grande quantidade de ferro solúvel existente nos oceanos, que reagia com o oxigênio do ar para formar e- normes depósitos de óxido de ferro." Certamente, este processo lento de libe- ração de oxigênio como um dejeto indesejável dos primeiros habitantes de nosso planeta, foi responsável pelo surgimento de um outro orga- nismo adaptado em consumir este oxigênio como comburente de moléculas orgânicas libe- rando, assim, a energia térmica tão necessária para a manutenção da vida. Mas, descrever o processo complexo que é a vida não é tarefa tão simples quanto possa parecer. Na verdade desde que o universo surgiu há cerca de 20 bilhões de anos, a vida na Terra tem apresentado mecanismos ímpares de reprodução e desenvolvimento que muitas ve- zes são únicos na natureza e desafiam os con- ceitos bioquímicos como por exemplo os seres que habitam as fossas abissais vulcânicas do Pacífico, que sobrevivem à temperaturas supe- riores a 120oC; ou os vírus, que não possuem estrutura celular sendo formados, basicamente, apenas por proteínas e ácidos nucléicos. Um fato comum a todos os seres vivos, porém, é a presença de macromoléculas exclu- sivas dos seres vivos (carboidratos, lipídios, proteínas, vitaminas e ácidos nucléicos) deno- minadas de biomoléculas. Desta forma, a quí- mica da vida está atrelada a composição básica de todo ser vivo, uma vez que todos possuem pelo menos dois tipos de biomoléculas, como no caso dos vírus. Lavosier e Priestly (final do século XVIII), Pasteur, Liebig, Berzelius e Bernard (século XIX) foram pioneiros na pesquisa de qual seria a composição dos seres vivos , sendo
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o termo bioquímica introduzido em 1903 pelo químico alemão Carl Neuberg. Inicial- mente, esta nova ciência era denominada química fisiológica ou então química biológi- ca , tendo a Alemanha, em 1877, publicado a primeira revista oficial desta nova disciplina ( Zeitschrift für Physiologisce Chemile ) e, em 1906, a revista norte-americana Journal of Biological Chemistry consagrou-se como im- portante divulgadora das novas descobertas no campo da bioquímica, sendo editada até hoje. Após 1920, os Estados Unidos tiveram uma participação decisiva para o crescimento desta nova ciência com a descoberta, isola- mento, síntese e descrição do mecanismo de regulação biológica de incontáveis compostos bioquímicos com a utilização de isótopos ra- diativos como marcadores. Desde 1950, a bioquímica têm-se tornado, cada vez mais, uma das ciências que mais crescem no campo do conhecimento humano tendo papel decisi- vo na elucidação do mecanismo fisiológico e patológico de regulação de vários compostos bioquímicos de fundamental importância para a saúde do ser humano. Atualmente, os méto- dos de diagnóstico e tratamento da maioria das doenças, são estudados a partir de uma base bioquímica, revelando as causas, as con- seqüências e maneiras de se evitar o início ou a propagação das mais diversas patologias. Neste capítulo, serão apresentadas as principais moléculas envolvidas no processo da vida, introduzindo o estudo dos fundamen- tos de bioquímicas que será efetuado nos ca- pítulos posteriores.
As biomoléculas possuem caracterís- ticas químicas comuns às demais moléculas da natureza. Porém, quando associadas em um sistema biológico, possuem uma dinâmica própria de regulação e síntese, que proporcio- nam as características de cada ser vivo. O ambiente ideal para que ocorram estas reações é a célula, com uma série de organelas especi- alizadas nas mais variadas funções bioquími- cas. A princípio, os seres vivos dos cinco reinos da natureza ( Animalia, Plantae, Fungi,
Monera e Protista ) possuem mecanismos pró- prios de organização celular, de acordo com sua relação com o meio ambiente (as plantas são autótrofas, por exemplo) ou entre si (os Mone- ras e Protistas são unicelulares), ainda havendo distinção quanto à organização das organelas celulares (os moneras são procariotas, e portan- to, ao contrário dos demais, não possuem ne- nhuma estrutura intracelular de membrana). Apesar das diferenças, contudo, todos os seres vivos apresentam uma dinâmica bioquímica celular muitíssimo parecida, evidenciando o sucesso evolutivo dos processos experimenta- dos nos bilhões de anos de aperfeiçoamento. As vias metabólicas celulares constituem um ema- ranhado de reações químicas que se superpõem, mas, maravilhosamente, não se atropelam e sim se completam formando um complexo e preciso ciclo químico de consumo de reagentes (em bioquímica denominado de substratos ) e for- mação de produtos, como em uma reação quí- mica qualquer. A forma de regulação destas reações levam a uma intricada mecânica meta- bólica tendo ao centro a degradação (catabo- lismo) e síntese (anabolismo) de biomoléculas, Os vírus traduzem um capítulo à parte no estudo da bioquímica por apresentarem me- canismos únicos de reprodução e desenvolvi- mento. Possuem apenas dois tipos de biomolé- culas, proteínas e ácido nucléico (DNA ou RNA), necessitando do ambiente celular para seu desenvolvimento, podendo permanecer cristalizados por milhares de anos em estado de inércia quando fora do meio biológico. Alguns vírus mais complexos, possuem carboidratos e lipídios em sua composição oriundos da mem- brana do hospedeiro durante o processo lítico.
É o composto químico mais abundante (de 60 a 85% do peso total da maioria dos teci- dos) sendo o solvente adequado para os com- postos minerais e bioquímicos (Figura 1-1). Apesar de não ser uma biomolécula verdadeira (existe em grande quantidade livre na natureza, independente, até, da existência organismos vivos - existe água na lua e livre no vácuo do espaço), graças à sua polaridade, a água conse- gue dissolver a maioria das biomoléculas (ex- ceção às gorduras) criando uma capa de solva-
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prima para o fitoplâncton produz carboidra- tos, aminoácidos (e outros nutrientes) e o O 2 , essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico da Terra.
São as biomoléculas mais abundantes, possuindo inúmeras funções, dentre elas a indispensável função catalisadora exercida pelas enzimas, sem a qual não seria possível a maioria das reações celulares (apesar de al- gumas moléculas de RNA possuírem ação catalítica idêntica a enzimas). São formadas por aminoácidos ligados por ligações químicas extremamente fortes entre seus grupamentos funcionais amino (NH 2 ) e ácido carboxílico (COOH), as liga- ções peptídicas (Figura 1-2).
Figura 1-2: A ligação peptídica entre dois aminoáci- dos é extremamente rígida e não gira, porém pode doar ou receber prótons quando em meio básico ou ácido. Outras ligações ocorrem entre o res- tante da cadeia carbonada dos aminoácidos, como ligações covalentes entre os grupamen- tos -SH de dois aminoácidos cisteína, for- mando uma ponte dissulfeto, pontes de hidro- gênio entre grupamentos polares da cadeia carbonada, ou até ligações fracas do tipo de van der Waals, mas que garantem uma incrí- vel estabilidade e conformação tridimensional única às proteínas, relacionada diretamente com sua função (Figura 1-3).
Figura 1-3: A estrutura tridimensional da mioglobina, proteína especializada em liberar o O 2 que transporta, somente em baixa pO 2 o que traduz sua importância no metabolismo muscular. ( Adaptado de Campbel, M.K., 1995 )
Extremidade amino-terminal
Extremidade carboxila-terminal
Ligações peptídicas
α-aminoácidos (^) De fato, essa propriedade de assumir formas variadas proporciona um papel impor- tante na estereoquímica celular, onde as reações são quase todas enzimáticas e ocorrem com uma especificidade da enzima ao substrato ga- rantida pela forma tridimensional final das pro- teínas. Quaisquer modificações nesta estrutura modificará a afinidade da enzima pelo substrato e isso será utilizado pela célula para regular a ação enzimática. As proteínas normalmente abastecem e suprem as necessidades corpóreas de aminoáci- dos e do nitrogênio neles contido. Toda proteí- na presente na dieta de seres humanos é digeri- da e entra na circulação como aminoácidos individualizados ou mesmo como dipeptídeos (compostos por dois aminoácidos), indo ao fígado que inicia seu processo metabólico. Os animais são capazes de sintetizar somente 10 dos 20 aminoácidos necessários para a síntese protéica (os aminoácidos deno- minados não-essenciais: glicina, alanina, seri- na, prolina, cisteína, ácido aspártico, ácido glu- tâmico, asparagina, glutamina e tirosina), e os outros 10 são incapazes de serem sintetizados e devem estar presente na alimentação (os ami- noácidos essenciais: treonina. lisina, metioni- na, arginina, valina, fenilalanina, leucina, trip- tofano, isoleucina e histidina).
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Alguns aminoácidos podem ser sinte- tizados no organismo mas a uma taxa que o torna essencial na alimentação, como é o caso da arginina que é utilizada quase que inte- gralmente na síntese da uréia e da histidina que é produzida em quantidade insuficiente para a síntese protéica, porém tornam-se qua- se que desnecessários na dieta de adultos, quando o crescimento (e, portanto, a fase de maior síntese de proteínas estruturais) chega ao fim. Em contrapartida, os aminoácidos ditos não-essenciais cisteína e tirosina são sintetizados a partir dos aminoácidos essenci- ais metionina e fenilalanina, o que os torna, de cera maneira, dependentes da presença desses aminoácidos essenciais. No fígado, os aminoácidos absorvidos no processo digestivo são convertidos nas proteínas plamáticas: 1) albumina (função de transporte); 2) α1-globulina (glicoproteínas e lipoproteínas de alta densidade); 3) α2- globulinas (haptoglobinas, transportadoras de hemoglobina que saem das hemácias); 4) β- globulinas (transferrina, lipoproteínas de bai- xa densidade) e 5) fatores da coagulação san- güínea (fibrinogênio e protrombina). No plasma sangüíneo encontra-se, ainda, uma infinidade de proteínas produzidas em outros locais do organismo, como é o caso das γ- globulinas (os anticorpos) que são sintetizadas por linfócitos e outras proteínas teciduais. Alguns aminoácidos são convertidos, no fígado, em bases nitrogenadas (para a sín- tese de ácidos nucléicos) e outros produtos nitrogenados. Em vários tecidos, possuem funções das mais diversas, como base de sín- tese de hormônios e neurotransmissores. A parte nitrogenada dos aminoácidos metabolizada no fígado de mamíferos, anfí- bios adultos, e tartarugas é convertida em uréia e excretada pelos rins. Aves, répteis, insetos e invertebrados terrestres excretam o nitrogênio protéico como ácido úrico, enquan- to que peixes, invertebrados aquáticos, anfí- bios na forma larvária excretam na forma de amônia (crocodilos sintetizam, também, amô- nia e tartarugas uréia a partir do nitrogênio protéico). A cadeia carbonada dos aminoácidos é convertida em intermediários do metabolismo energético celular, porém esta função corres-
ponde a uma pequena fração do poderio bioló- gico das proteínas que são, sem dúvida nenhu- ma, as biomoléculas de maior número de fun- ções em um organismo vivo. A função energé- tica é prioridade de duas outras moléculas: os carboidratos e os lipídios.
São os principais substratos energéticos da célula, através da degradação da glicose por via anaeróbia e aeróbia (Figura 1-4). Popular- mente são chamados de açúcares em virtude do seu mais conhecido representante, a sacarose, formada por um molécula de glicose e outra de frutose com sabor doce característico. O amido (um polímero linear ou ramificado de glicose), entretanto, é a forma de carboidrato mais co- mum na alimentação, representando cerca de 90% dos carboidratos da dieta. Em mamíferos, a lactose (formada por glicose e galactose) é importante fonte energética presente no leite, apesar da maioria dos mamíferos utilizarem o leite como única fonte de alimento somente em seus primeiros períodos de vida (em ratos al- guns dias, em humanos cerca de um ano).
Figura 1-4: A molécula de glicose (uma hexose - car- boidrato de seis carbonos) em sua forma cíclica.
De qualquer forma, os carboidratos são as principais biomoléculas energéticas, uma vez o metabolismo glicolítico anaeróbio é via co- mum de todos os seres vivos (à exceção dos vírus por não terem estrutura celular, sendo considerados por muitos autores como formas intermediárias entre seres vivos e partículas químicas de transmissão de infecções, assim como os príons , estes compostos apenas de proteínas).
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Figura 1-5: Os lipídios energéticos. O ácido esteárico possui 18 carbonos sem nenhuma dupla ligação (satu- rado); o carbono 1 é denominado alfa (α) e contém o grupamento funcional (COOH); o segundo denomina- se β e o último carbono (18) é denominado ômega- (ω), sendo o carbono 17 denominado ω-2, o 16 de ω- e assim sucessivamente.
Além de conferir um sabor caracterís- tico aos alimentos e de proporcionar uma sen- sação de saciedade, a dieta lipídica veicula as vitaminas lipossolúveis e supre o organismo dos ácidos graxos essenciais poli-insaturados que o ser humano é incapaz de sintetizar, co- mo o ácido linoléico (ω-6); linoléico (ω-6 e 9); aracdônico (20:4). Os ácidos graxos saturados (presente nas moléculas de triglicerídeos) fornecem energia quando as fontes de carboidratos se esgotam, sendo bem mais calóricos que os insaturados. O excesso da utilização dos lipí- dios para o metabolismo energético fornece uma quantidade de um composto energético alternativo, os corpos cetônicos , que suprem músculos e neurônios na falta de glicose (neu- rônios só consomem glicose e corpos cetôni- cos como combustível energético), porém trazem complicações clínicas quando produ- zidas em excesso (como a degeneração da bainha mielínica de proteção dos neurônios e a queda do pH plasmático). O colesterol (Figura 1-6) é encontrado exclusivamente em gorduras animais, sendo a gema do ovo a principal fonte, mas não possui função energética e acumula-se nos vasos sangüíneos quando a ingestão diária supera a quantidade de 1g. Atualmente, o Ministério de Saúde tem proibido a divulgação do rótulo “não contém colesterol” que comumente eram colocados em frascos de óleos vegetais,
o que corresponde a uma redundância, uma vez que nenhum óleo de origem vegetal contém colesterol , mas leva as pessoas a relacionarem a ausência colesterol com uma melhor qualida- de do óleo, o que não é verdade (a qualidade de um óleo vegetal está em uma maior quantidade de ácidos graxos poli-insaturados, menos caló- ricos).
Ácido esteárico (18:0)
Figura 1-6: A molécula de colesterol está presente exclusivamente em gorduras animais. Quimicamente, é um álcool de cadeia longa, mas que é classificado como lipídio em virtude de sua insolubilidade na água.
O excesso de lipídios da alimentação induz a uma rápida deposição dos triglicerídeos nos adipócitos e a saturação do fígado na de- gradação do colesterol. A não realização de exercícios físicos para compensar uma ingestão aumentada de lipídios, pode refletir-se em so- brepeso e até a obesidade, principalmente quando a alimentação ocorre em períodos de baixa atividade física (como à noite, antes do sono).
Os ácidos desoxirribunucléico (DNA) (Figura 1-7) e ribonucléico (RNA) são as molé- culas informacionais, através das quais são sin- tetizadas todas as proteínas do organismo. O processo de replicação (síntese do DNA) é rea- lizado de forma extremamente cuidadosa para que não resulte em erros na seqüência de DNA do genoma das células filhas e, consequente- mente, erros na produção de proteínas, uma vez que durante o ciclo de vida de uma célula, há a síntese de RNAm (mensageiro) a partir de um molde da molécula de DNA. Este processo (transcrição) está intimamente atrelado à sínte- se de proteínas (tradução), onde o RNAm é processado de maneira tal a se encaixar nos RNA dos ribossomos (RNAr) e favorecer a adição de aminoácidos que chegam transporta- dos pelos RNA transportadores (RNAt).
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Figura 1-7: A descoberta da estrutura de dupla héli- ce em espiral da molécula de DNA em 1953 por Wat- son e Crick, trouxe informações importantíssimas para desvendar o papel dos ácidos nucléicos para o metabo- lismo de todos os seres vivos.
Tanto o RNAr quanto o RNAt (assim como os RNAm), são sintetizados a partir de uma ou mais seqüências de nucleotídeos de DNA (unidade de polimerização dos ácidos nucléicos, formados por uma pentose, uma base nitrogenada e um grupamento fosfato). Estas seqüências que codificam uma informa- ção (proteínas ou moléculas de RNA) são demoninadas de genes , as unidades básicas das característas genéticas. O cromossomo é formado por uma única molécula de DNA superenovelada e que possui um tamanho enorme, perto das propor- ções microscópicas da célula. Se uníssemos todos os 23 pares de cromossomos do ser hu- mano, por exemplo, teríamos uma molécula de cerca de 1,5m (imagine tudo isso enovela- do dentro do núcleo celular!). Entretanto, a- penas cerca de 95% de todo esse DNA cor- respondes a genes (regiões codificadoras de informação). A grande maioria do DNA cons- titui-se de regiões que não codificam nenhu- ma informação (síntese de proteínas ou RNA), mas possui função de espaçamento entre os genes (possibilitando um enovela- mento ordenado do cromossomo) além de conter regiões de controle da expressão gêni- ca e zonas de DNA repetitivo (utilizadas na
identificação individual tal como uma "impres- são digital de DNA"). Dentro das seqüências codificadoras dos genes (os éxons ) existem outras que não codifi- cam absolutamente nada (os íntrons ), mas que podem possuir funções de regulação da expres- são do gene bem como informações que são utilizadas no estudo da evolução molecular que permite relacionar a caracterização de espécies, gêneros e grupos filogenéticos bem definidos, estabelecendo os caminhos evolutivos que as espécies atuais devem ter percorrido, o que faz de seu estudo uma poderosa ferramenta da pa- leontologia, antropologia ou qualquer ramo da biologia evolutiva. A tecnologia da manipulação da molé- cula de DNA (p.ex.: síntese in vitro , reações de hibridização) tem sido utilizada com grandes vantagens no diagnóstico de doenças metabóli- cas de cunho genético e doenças infecciosas (pela identificação de DNA de microorganis- mos em amostras biológicas). Entretanto, os custos e da mão-de-obra altamente qualificada para sua execução, ainda restringem a maioria das técnicas à laboratórios de pesquisa. Contu- do, há um futuro bastante promissor para esta próxima década na popularização dos métodos diagnósticos por biologia molecular.
Fazem parte de um grupo de biomolécu- las não sintetizadas pelo ser humano e que pre- cisam estar presentes em pequeníssimas con- centrações na célula para que ocorram várias reações celulares indispensáveis para a vida, (a maioria funcionando como co-fatores enzimáti- cos), o que garante o elo indispensável entre os animais e vegetais na cadeia alimentar, uma vez que são produzidas por vegetais, bactérias, fun- gos e animais, tornando-se indispensáveis na alimentação. Quimicamente, as vitaminas são difíceis de serem classificadas, uma vez que pertencem às mais variadas classes químicas (p.ex.: a vi- tamina A é um terpeno, a B1 é uma amina, a C um ácido carboxílico). De uma maneira geral, classificamos as vitaminas, quanto às caracte- rísticas de solubilidade, como hidrossolúveis (B1, B2, B6, B12, C, biotina, ácido fólico, áci- do pantotênico) e lipossolúveis (A, D, E, e K).
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 10
eletrolítico, levando a diarréias e a conseqüen- te desidratação, que muitas vezes é fatal.
É a unidade morfo-fisiológica dos se- res vivos, possuindo estruturas como as mito- côndrias (em todos os seres vivos, com exce- ção dos procariotas) e glioxiomas (vegetais e uns poucos protistas) que são a sede da pro- dução de energia da célula (Figura 1-8). Nas células das folhas dos vegetais existem os cloroplastos , estruturas semelhan- tes às mitocôndrias responsáveis pela fotos- síntese (Figura 1-9). Existe uma semelhança estrutural muito grande entre mitocôdrias e cloroplastos, apesar das funções diametral- mente opostas (produção de energia a partir de biomoléculas e captação de energia para a produção de biomoléculas, respectivamente). Acredita-se que tais organelas eram organis- mos independentes, em um passado evoluti- vo muito distante, mas que criaram uma rela- ção simbiótica com algumas células primiti- vas gerando as atuais células vegetais e ani- mais atuais. De fato, a existência de DNA comple- tamente diferente do núcleo, qualifica essas organelas como candidatas às primeiras estru- turas vivas auto-suficientes, no sentido ener- gético, a surgirem na história da vida na Ter- ra.
Figura 1-8: A mitocôndria é a sede das reações ener- géticas em eucariotas.
Os ribossomos são formados por RNAr e são a sede da síntese protéica, libe- rando-as para o retículo endoplasmático e, posteriormente, aparelho de Golgi onde as proteínas poderão ser liberadas para o uso
celular ou extracelular. Os peroxiomas são importantes para desdobrar os radicais livres formados pelo oxigênio evitando assim o enve- lhecimento e a morte celular. Os lisossomas , por sua vez, contêm enzimas hidrolíticas que degradam alimentos ou a própria célula (apop- tose = morte celular programada ) sendo importante para determinar o tempo de vida útil de uma célula. As células eucariotas possuem um nú- cleo organizado que regula as atividades de reprodução e síntese protéicas (através do DNA). A maioria das reações bioquímicas o- correm no citosol, que mantém relação com o meio externo e com as organelas através de um sistema de membranas lipídico-protéico, idên- tico à membrana plasmática. Os procariotas não possuem sistema de membrana intracelular organizado, não possu- indo as organelas que apresentam esta estrutura (p.ex.: núcleo, mitocôndrias). Possuem (assim como os vegetais) uma parede celular extre- mamente resistente formada de polissacárides. Compreender os mecanismos que levam à interação das biomoléculas com o sistema celular, seja na síntese, metabolismo ou degra- dação, é função da Bioquímica. Utilizando-se de conceitos interdisciplinares (Biologia, Histo- logia, Fisiologia etc.), a Bioquímica procura explicar o funcionamento da célula a partir de um ângulo molecular, possibilitando, inclusive, a manipulação in vitro de condições exclusivas das células vivas, podendo recriar o processo da química da vida com o advento da engenharia genética. Estamos vivendo tempos de mudan- ças extremamente importantes no pensar cientí- fico acerca de questões vitais para a perpetua- ção de nossa espécie - ameaçada de extinção pela superpopulação e destruição desgovernada do ecossistema. A compreensão dos mecanis- mos básicos de manutenção da vida no ambien- te celular, é indispensável para o profissional da área de saúde e ciências biológicas para que possa se posicionar em assuntos vitais e, inclu- sive, éticos dentro do exercício de sua profis- são. Na Figura 1-9 representa as principais organelas de uma célula eucariota.
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 11
Figura 1-9 - Representação esquemática de uma célula eucariota.
O estudo da bioquímica já rendeu 63 ganhadores do Prêmio Nobel de Química e Medicina , a mais importante premiação cien- tífica, instituída desde 1901. Dentre eles, está um dos únicos cientistas que ganhou duas vezes o prêmio Nobel: é Frederick Sanger que em 1958 descobriu a estrutura da insulina e em 1980 desenvolveu técnicas de seqüencia- mento de DNA. Linus Pauling também ga- nhou dois prêmios: em 1954 por seus estudos com ligações químicas de biomoléculas e em 1962 o prêmio Nobel da Paz. Neste seleto clube de ganhadores de mais de um prêmio Nobel consta, ainda, Marie S. Curie em 1911 ganhou o Nobel de Química e em 1903 o de Física. A seguir, a listagem completa dos ga- nhadores do Prêmio Nobel de Química e Me- dicina com estudos bioquímicos.
Capítulo 2
Bioquímica dos Alimentos
A evolução das espécies sempre se apoiou em novas maneiras de se obter energia das mais variadas fontes para assim melhor aproveitar as matérias primas que a natureza oferece aos seres vivos. Seres mais sofistica- dos na forma de obter energia, têm-se mostra- do superiores nesta escala evolutiva e seus descendentes impõem-se na pirâmide evoluti- va. Um grupo numeroso de seres vivos especializou-se em captar a energia luminosa e convertê-la em energia química para sintetizar algumas moléculas energéticas: são os autó- trofos. As matérias-primas bases para essa síntese de alimentos eram compostos abundan- tes na atmosfera primitiva, como o gás carbô- nico (CO 2 ), amônia (NH 3 ), água (H 2 O). Com a ajuda de energia proveniente das radiações luminosas do sol, por fotossíntese, começou- se a acumular um composto até então escasso na atmosfera: o oxigênio (O 2 ) que era expelido pelos organismos fotossintéticos como dejeto metabólico.
Acontece que os compostos alimenta- res são sintetizados em tamanha quantidade que esses seres se viram obrigados a armaze- nar parte de dele e excretar o excesso junto com oxigênio (sem dúvida, um “lixo de luxo” deste processo metabólico). Entretanto, o apa- recimento de oxigênio livre na atmosfera de- morou cerca de um bilhão de anos desde o aparecimento dos primeiros organismos fotos- sintéticos, as cianobactérias, como pode ob- servar nos registros geológicos. Somente após esse longo período outro grupo de seres vivos, especializou-se em obter a energia necessária para suas reações orgâni- cas alimentando-se dos nutrientes produzidos pelos organismos autótrofos e o O 2 da atmos- fera: são os heterótrofos. As formas primitivas eram, entretanto, unicelulares, sendo necessá- rio mais um bilhão de anos para a organização em seres multicelulares mais complexos (Figu- ra 2-1).
Figura 2-1 - A idade da terra é estimada em cerca de 4,5 bilhões de anos, sendo proposto que por volta do primeiro bi- lhão tenha surgido as primeiras células fotossintéticas autótrofas. No entanto, o O 2 atmosférico necessário para o surgi- mento dos autótrofos só torna-se disponível cerca de 2 bilhões de anos depois, devido à absorção do oxigênio produzido pelo ferro da superfície da terra, fato comprovado pela existência de enormes depósitos de óxido de ferro nos sedimen- tos mais antigos do planeta. Os seres muticelulares demoraram cerca de 3 bilhões para surgirem, o que mostra a dificul- dade da organização celular parcialmente possibilitada pelo metabolismo aeróbio. ( Adaptado de Biologia Molecular da Célula - Albert B. et al., p.16, 1997. )
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos (^) 14
Desta forma, começa-se a desenhar a complexa rede de relacionamento ecológico entre produtores e consumidores , havendo total harmonia entre eles, uma vez que os compostos nitrogenados produtos da degrada- ção dos heterótrofos eliminados para o meio (amônia, uréia, nitritos, nitratos) juntamente com o CO 2 produto das oxidações biológicas, passam a ser a principal fonte de matéria- prima para a fotossíntese. Uma série de organismos especializou- se em reciclar os dejetos metabólicos desses organismos (p.ex.: fezes e urina), assim como os seus corpos após a sua morte: os decompo- sitores )
Forma-se, então, um elo importante entre os seres vivos, construindo a complexa teia alimentar que faz com que a Terra funcio- ne como um gigantesco ser vivo e prossiga, lentamente, seus passos evolutivos. O relacionamento entre consumidores e produtores está ligado à disponibilização de carbono o oxigênio para os processos metabó- licos, enquanto que os decompositores forne- cem, principalmente, o nitrogênio reciclado dos tecidos mortos e dejetos, apesar de o ciclo dos nitrogênio, carbono e oxigênio ser comum para todos os seres vivos, de certa forma (Fi- gura 2-2).
Figura 2-2: O ciclo do carbono entre produtores (vegetal), consumidores (animal) e decompositores (fungos e bactérias). Consumidores e produtores trocam entre si, principalmente, carbono e oxigênio enquanto que os decompositores reciclam o nitrogênio.
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tas, sendo utilizados secundariamente como produtores de energia. Tabela 2-1: Calor de combustão e energia disponíveis nas fontes de alimentos mais importantes.
Calor de Combus- tão in vitro (bomba calorimé- trica) em kcal/g
Oxidação humana ( in vivo ) em kcal/g Proteínas 5,4 4,1 () Lipídios 9,3 9, Carboidratos 4,1 4, Etanol 7,1 7, () (^) Oxidação das proteínas corrigidas pela perda dos
aminoácidos excretados na urina. Fonte: Harper, 1994, p. 608.
A capacidade energética dos alimentos dá- se devido ao alto calor de combustão das li- gações C-C (cerca de 54 kcal). No capítulo 3 sobre Bioenergética, serão abordados te- mas relativos ao poder calórico das biomo- léculas.
b) Plásticos ou estruturais: atuam no cresci- mento, desenvolvimento e reparação de te- cidos lesados, mantendo a forma ou prote- gendo o corpo. Novamente, proteínas, lipí- dios e carboidratos são os principais repre- sentantes, estando presentes na membrana celular e região intersticial. Em vegetais, o carboidrato celulose (um polímero de glico- se) representa o principal composto da pa- rede celular que garante a forma da célula vegetal, mesmo em períodos de excesso ou escassez de água. O depósito cumulativo de celulose em algumas árvores apresenta re- sistência comparada aos metais resistentes como o ferro. A quitina é um polímero muitíssimo parecido com a celulose (a ex- ceção de um grupamento -OH substituído por um NH 2 no C2) e que confere extrema resistência ao exoesqueleto dos artrópodes. A água e os sais minerais representam os componentes da alimentação que não são exclusivos de organismos vivos, mais pos- suem funções estruturais importantíssimas.
c) Reguladores: aceleram os processos orgâ- nicos, sendo indispensáveis ao ser humano. São as vitaminas, água, sais minerais e fi- bras vegetais_._ Favorecem a dinâmica celular como catalisadores (vitaminas) ou propor-
cionando a concentração exata dos substra- tos (água), bem como agentes estabilizado- res de várias enzimas ou mesmo regulando a quantidade de água intracelular ou a exci- tabilidade da membrana (minerais). Apesar de não serem digeridas ou absorvidas, as fi- bras vegetais desempenham função impor- tante no processo digestivo, como será visto ainda neste capítulo.
O organismo requer nutrientes suficien- tes para proporcionar energia livre correspon- dente às necessidades diárias. A manutenção do peso corporal constante é o melhor indica- dor de que existe energia suficiente na dieta e cada grupo alimentar fornece energia própria à sua composição química, com as necessidades individuais de energia dependendo de vários fatores próprios do alimento e outros fatores inerentes de quem se alimenta. A ingestão dos nutrientes deve ser feita de forma balanceada de modo a permitir a ab- sorção sem carências ou excessos, pois caso isso não seja observado, sobrevêm a desnutri- ção e a obesidade, respectivamente, que são distúrbios patológicos oriundos da alimentação inadequada seja qualitativa ou quantitativa- mente. A desnutrição constitui-se um grave distúrbio alimentício inerente a ingestão de quantidades insuficientes para manter o meta- bolismo basal. As substâncias de reserva são rapidamente esgotadas e os subprodutos meta- bólicos acarretam vários distúrbios que podem deixar seqüelas graves, apesar de, na maioria dos casos, o restabelecimento da dieta normal, promove a volta às condições de normalidade metabólica do indivíduo. São comuns doenças nutricionais em crianças (principalmente por um fator social, típico de países do terceiro mundo) e em adul- tos em processo de emagrecimento espontâneo realizado por meio de dietas que levam em consideração simplesmente a privação da ali- mentação calórica. Na ocorrência de desnutrição calórica associada a carência de proteínas, estabele- cem-se as síndromes de má-nutrição conheci- das como kwashiakor e marasmo.
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O kwashiakor é caracterizado por e- dema (devido a baixa quantidade de proteínas no sangue o que leva à retenção de água nos tecidos), lesões na pele, despigmentação do cabelo, anorexia, hepatomegalia. É conse- qüência ingestão inadequada de proteínas, mesmo com quantidade suficiente de calorias. O marasmo caracteriza-se pela ausência de edema, para no crescimento e perda muscular extrema e é resultante de uma deficiência caló- rica prolongada com uma alimentação protéica adequada. Freqüentemente, uma síndrome desnutricional resultante da combinação dessas duas doenças leva o indivíduo à morte. A obesidade , por outro lado, corres- ponde a uma doença dos maus hábitos alimen- tares, onde o excesso de lipídios e carboidratos (que se convertem em lipídios no fígado, como veremos em capítulos posteriores) leva a um acúmulo de lipídios nos adipócitos acima dos níveis normais de massa corpórea para o indi- víduo. Este acúmulo promove a duplicação do número de adipócitos favorecendo o aumento da massa corpórea além nos limites normais para o indivíduo. Isso se dá devido ao tipo de tecido adiposo existente nas primeiras fases da vida, o tecido adiposo multilocular ou verme- lho, que desaparece rapidamente podendo permanecer, entretanto, até a adolescência. Já no início da maturação sexual, entre- tanto, há somente o tecido adiposo do tipo unilocular ou amarelo, que não mais se dupli- ca, mas aumenta de tamanho até 100 vezes levando a um aumento no volume do tecido adiposo sem, no entanto, o aumento no núme- ro de células. Um fato interessante é observado quando um pré-adolescente obeso é submetido a dieta hipocalórica e perde uma quantidade significativa de massa corporal em um curto período. Nestes casos, é observado o esvazia- mento progressivo das reservas de lipídios dos adipócitos, sendo este estímulo desencadeante do processo de divisão celular o que faz com que haja um número maior de adipócitos após o término da dieta, apesar de conterem menos lipídios do que anteriormente. Entretanto, esse número duplicado de adipócitos permite uma maior absorção de lipídios quando o indivíduo retorna às condições alimentícias normais an- terior à dieta, fazendo com que aumente a
massa corporal mais rapidamente do que o tempo que levou para perdê-la, e em quantida- de, freqüentemente, superior àquela observada antes da dieta. Em adultos, o aumento da massa gor- durosa se dá pelo aumento do volume dos adi- pócitos, o que torna o esvaziamento brusco, no caso das dietas exageradas, um fator de flaci- dez para o tecido adiposo que fica propício a ser reposto em seu volume quando termina a dieta. Desta forma, para o controle da obesi- dade (exceto para as formas geneticamente determinadas) o controle da massa corporal só é possível por um programa de reeducação alimentar aliado a incorporação de hábitos de atividades físicas para “queimar” o excesso de alimentos calóricos ingeridos diariamente. Na figura 3-1 está apresentada a fórmu- la de cálculo do índice de massa corporal (IMC) e as faixas de limite inferior e superior do peso ideal para um indivíduo, levando em consideração sua altura e peso.
[altura(m)]
peso(kg)
≤ 18,5 = subpeso 18,5 – 24,9 = normal 25 – 29,9 = sobrepeso >30,0 – 39,9 = obeso ≥ 40 = obeso grave (obesidade mórbida)
Limite inferior de peso: 20 x [altura (m)]^2 Limite superior de peso: 25 x [altura (m)]^2
Figura 2-3 - Fórmula de cálculo de índice de massa corpórea (IMC) e limites de peso a partir do peso e altura de um indivíduo. ( Fonte: software Biobrás para consultas médicas - http://www.biobras.com.br)
Alguns tipos de câncer estão intima- mente relacionados com o tipo de dieta, como o câncer de esôfago, estômago, intestino gros- so, mama, pulmão e próstata. Aparecem, ge- ralmente, entre os 70 e 80 anos sendo que 15% têm sobrevida de 5 anos. Outros fatores ambientais e genéticos influenciam na gênese desses tipos de câncer, porém é observado que em países onde a inci- dência de um tipo de câncer é baixa observa-se que os imigrantes para países onde a incidên- cia do câncer á alta, passam a ter um aumento na incidência da doença, o que sugere a rela-