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Georges Ifrah - Os Números, Notas de estudo de Matemática

Georges Ifrah - Os números

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010
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| 4 milenar história dos nú- meros, desde a Idade da Pedra até a era dos computa- dores, reflete a preocupação do homem em representar e quantificar dados. Às vezes hesitante e descontínua, é a história de um acontecimento tão revolucionário quanto O domínio do fogo, a invenção da roda, da máquina a vapor ou a descoberta da eletricida- de. História de uma grande in- venção, mais exatamente de uma série de descobertas que, afinal, convergem para os nú- meros que hoje conhecemos. Em Os números, o leitor en- contrará diversas ilustrações; isso, aliado a um texto simples e objetivo, lhe permitirá des- cobrir como contavam nossos ancestrais mais antigos e co- mo as grandes civilizações do passado lidavam com algaris- mos. Será uma diversão retra- gar as etapas de uma multipli- cação egípcia ou de uma divi- são suméria, e entender por que as quatro operações da aritmética constituíram, du- rante dezenas de séculos, uma arte obscura e complexa, re- servada a poucos iniciados. Introdução DE ONDE VÉM OS ALGARISMOS O uso dos algarismos 1, 2, 3, 4,5,6,7,8,9,0 nos parece em geral tão evidente que chegamos quase a considerá-lo como uma aptidão inata do ser humano, como algo que lhe aconteceria do mesmo modo que andar ou falar. É preciso recordar o difícil aprendizado do manejo dos números (ah, decorar a tabuada!), para perceber que se trata na verdade de algo inventado e que tem de ser transmitido. Basta evocar nossas lembranças, às vezes fugidias, do sistema romano de numeração (esses famosos alga- rismos romanos que continuamos a utilizar para sublinhar algum número importante, como o do século), para perceber que nem sempre contamos da forma como se faz hoje ou escrevemos os algarismos do mesmo modo. Assim, é possível fazer uma história dos algarismos, e uma história universal. Pois, mesmo se é descontínua e hesitante, ou se a conhecemos apenas de modo fragmentário, ela converge para os algarismos que utilizamos hoje e para o sistema de nu- meração de posição que se propagou por todo o planeta. Esta é a história de uma grande invenção, ou melhor, de uma série de invenções, distribuída por vários milênios, talvez por várias de- zenas de milênios. De modo mais minucioso, já a contei na His- toire universelle des chiffres !, mas quis retraçar seus principais episódios para um público mais extenso. Logo, não haverá aqui 1. Ed. Seghers, Paris, 1981. do gp a ll ur abundância de detalhes ou referências que prejudicariam a cla- reza da exposição. Mas o leitor poderá acompanhar com facili- dade, sem simplificação abusiva, as linhas mestras de uma evo- lução multiforme e complexa, e descobrir, graças às numerosas ilustrações, curiosidades e reconstituições, como calculavam as grandes civilizações do passado: suméria, babilônica, egípcia, grega, romana, hebraica, maia, chinesa, indiana e, evidentemente, árabe. Será um verdadeiro entretenimento retraçar as etapas de uma multiplicação egípcia ou de uma divisão suméria; compreen- der por que as quatro operações de aritmética, que nos parecem hoje elementares, representaram durante dezenas de séculos, para milhões de homens, uma arte obscura e complexa, reservada para uma elite incomum, geralmente os sacerdotes; e perceber, talvez com espanto, que na Europa, há poucos séculos, ainda se cal- culava não com algarismos, más com os dedos da mão ou por meio de fichas sobre mesas, e que se fazia a contabilidade atra- vés de entalhes em madeira, Daí que, para dominar os mistérios da multiplicação e da divisão, o filho de um rico comerciante da Idade Média necessitava de vários anos de estudo e passava pelas vicissitudes de uma viagem por toda a Europa — em suma, o equivalente ao doutoramento atual. F Esta não é, assim, uma história abstrata e linear, como se imágina às vezes, e erradamente, a história da matemática: uma sucessão impecável de conceitos encadeados uns aos outros. Ão contrário, é a história das necessidades e preocupações de grupos sociais ao buscar recensear seus membros, seus bens, suas perdas, seus prisioneiros, ao procurar datar a fundação de suas cidades e de suas vitórias utilizando os íneios disponíveis, às vezes em- píricos, como o entalhe, às vezes estranhamente mitológicos, como no caso dos egípcios. E, assim fazendo, estes grupos manifestam amplamente seus preconceitos. Alguns se revelam utilitaristas e limitam suas ambições a objetivos puramente contábeis; outros, para se situar no ilimitado e na eternidade, buscam inventariar o céu e a terra, exprimir a quantidade de dias, de meses e de anos desde a criação do mundo, ou pelo menos a partir de qualquer data otiginal cujo sentido desde então se perdeu. Aos nossos olhos, são estes últi- mos, que gostaríamos de chamar de sonhadores, que têm razão, pois, ao se impor a obrigação de representar números muito 10 do iagm ee cagçss e até com divindades, benéficas ou maléficas segundo o caso, € sua simbólica foi inserida como um elemento essencial do nome e do indivíduo. Sabe-se, por exemplo, que os magos da Babilô- nia atribuíam um número a cada deus de seu panteão, segundo uma ordem decrescente que traduzia a hierarquia das persona- gens (60 associado a Anu, deus do céu; 50 a Enlil, deus da terra; 40 a Ea, deus das águas etc.). Talvez eles quisessem desse modo acusar a superioridade ontológica dos deuses sobre os homens, emprestando-lhes como figuração os conceitos mais abstratos a seu alcance: os números cujos algarismos constituem precisa- mente seu revestimento. A lógica não foi, assim, o fio condutor desta história. Foram as preocupações de contadores, mas também de sacerdotes, de astrônomos-astrólogos e somente em último lugar de matemáti- cos, que presidiram à invenção e à evolução dos sistemas de numeração. E estas categorias sociais, notoriamente conservado- ras pelo menos no que diz respeito às três primeiras, sem dúvida retardaram tanto seu derradeiro aperfeiçoamento quanto sua vul- garização. Quando um saber, mesmo tão rudimentar a nossos olhos mas tão sutil aos de nossos ancestrais, confere um poder, parece temível e até ímpio partilhá-lo. Sobre este ponto, mas em outros domínios, os costumes de um certo mandarinato talvez não tenham mudado. Mas há quiras explicações. Uma invenção, uma descoberta só se desenvolve se vem atender à necessidade social de uma civilização; enquanto a ciência fundamental, por sua vez, res ponde a uma necessidade histórica interiorizada na consciência dos sábios. E, em contrapartida, ela transforma ou abala esta civilização. Assim, antigos avanços científicos só não se desen- volveram porquê a demanda social os recusava. Destas longínquas preocupações dos matemáticos permanece- ram, ao longo dos tempos, inumeráveis traços em certos usos dos algarismos: místicos, divinatórios, poéticos e até licenciosos. De- les encontraremos alguns testemunhos nestas páginas, pois estes usos integraram a prática. dos algarismos de diferentes povos. Estes ecos demonstram que os algarismos, longe de serem os veto- res de nossa sociedade técnica e estatística, foram também, atra- vés dos tempos, suportes de sonho, de fantasia, de especulação metafísica, objeto da literatura, sondas do futuro incerto ou, pelo iz menos, do desejo de predizer. Os algarismos são uma substância poética, permeados de humanidade. São talvez as crianças que têm melhor percepção quando aprendem a descobrilos. Aliás, minha pesquisa começou com uma pergunta de criança. Quando ensinava matemática, um dia me fizeram uma pergunta temerária e inocente: “De onde vêm os números? Como se contava antigamente? Quem inventou o zero?” Quase humilhado, ao improvisar uma resposta canhestra, « percebi toda a extensão de minha ignorância e compreendi as | imperfeições de um ensino em que a história das ciências infe- ; lizmente não desfruta de seus direitos. Após vários anos de tra- | balho e de investigação, que me levaram em pessoa ou em espí- | rito através dos cinco continentes, não posso pretender respon- der exaustivamente, mas pelo menos de modo mais preciso que antigamente. Este livro, que é dedicado aos jovens espíritos curiosos, é a plena expressão de minha paixão e minha verda- deira resposta à pergunta de então. É preciso prestar muita atenção às perguntas pretensamente “ingênuas” das crianças. É preciso tentar respondê-las. Mas, se;|| nossa curiosidade está alerta, elas podem nos levar muito longe, |! muito mais longe do que poderíamos imaginar. Sob esse aspecto, | os alunos podem às vezes se revelar excelentes professores. Ao longo desses anos fui também incentivado pelas pergun- tas dos auditórios para os quais fazia conferências e pelo enco- rajamento e preciosas informações de inúmeros sábios a quem devo toda a minha ciência. Devo acrescentar também que, sem a cooperação de meu editor e amigo Gérard Klein, cujas perguntas, conselhos e críti- cas foram meus melhores guias, talvez eu nunca tivesse conse- guido desbravar certas regiões deste país por tanto tempo inex- plorado. Pois foi depois que ele me fez um dia uma dessas per- guntas “inocentes”, e ao tentar respondê-la, que encontrei a so- lução de um delicado problema que atormentara os arqueólogos desde o início do século: o da decifração dos símbolos numéricos empregados no Irã há quase cinco mil anos. No essencial, o presente livro resume o material reunido em minha Histoire universelle des chiffres. Mas, como toda pes- quisa é movimento, pude acrescentar sobre vários pontos preci- sões inéditas — em particular a respeito do fascinante e delica- 13 1 A PRE-HISTÓRIA DOS NÚMEROS Onde e quando esta fantástica aventura da inteligência hu- mana começou? Na Ásia, na Europa ou em algum lugar na África? Na época do homem de Cro-Magnon, há trinta mil anos? Ou no tempo do homem de: Neandertal;» há quase cinquenta milênios? Ou ainda há cem mil anos, talvez quinhentos mil, ou até, por que não, um milhão de anos? Não sabemos de nada. O acontecimento se perde na noite dos tempos pré-históricos, e dele não resta hoje traço algum. No entanto, o fato é certo: houve um tempo em que o ser humano não sabia contar. A prova: atualmente existem airida homens incapazes de conceber qualquer número abstrato e que não sabem nem que dois e dois são quatro! NO TEMPO EM QUE O NÚMERO ERA “SENTIDO” Inúmeras hordas “primitivas” se encontram, ainda hoje, nesse “grau zero” -— se assim podemos dizer — quanto ao co- nhecimento dos números. É, por exemplo, o caso dos zulus e dos pigmeus, da África, dos aranda e dos kamilarai, da Austrá- lia, dos aborígines das ilhas Murray e dos botocudos, do Brasil. Um, dois e... muitos constituem as únicas grandezas numéricas desses indígenas que ainda vivem na idade da pedra. Eles só conhecem dois “nomes de números” propriamente ditos: um para a unidade e um outro para o par. Dentre eles, 15 os melhores em aritmética chegam certamente a exprimir os nú- meros 3 € 4 articulando algo como: dois-um e dois-dois. Mas não avançam mais. Além daí é a imprecisão, a confusão: empre- gam então palavras ou expressões que poderíamos traduzir por muitos, vários, uma multidão. E é tão difícil para eles imaginar um número superior ou igual a 5 quanto é para nós representar quantidades como um trilhão de bilhões. De tal modo que, quando se trata de mais de 3 ou 4, alguns deles se contentam em mostrar a cabeleira, como se dissessem: “E tão inumerável quanto os cabelos da cabeça!” Na verdade, o número não é concebido por eles sob o ân- gulo da abstração. Ele é “sentido”, de modo um tanto qualita- tivo, um pouco como percebemos um cheiro, uma cor, um ruído ou a presença de um indivíduo ou de uma coisa do mundo exte- rior. O número se reduz, no espírito deles, a uma noção global bastante confusa — a “pluralidade material” — e assume o as- pecto de uma realidade concfeta indissociável da natureza dos seres e dos objetos em questão. Isto significa que estes indígenas não têm consciência, por exemplo, de que um grupo de cinco homens, cinco cavalos, cinco carneiros, cinco bisões, cinco dedos, cinco cocos Ou cinco canoas apresentam uma característica comum, que é precisamente “ser cinco”, As possibilidades numéricas dessas hordas se reduzem a esta espécie de capacidade natural que. chamamos comumente de percepção direta do número ou, mais simplesmente, de sen- sação numérica. Aptidão natural que evidentemente não se deve confundir com a faculdade abstrata de contar, que por sua vez diz respeito a um fenômeno mental muito mais complicado e constitui uma aquisição relativamente recente da inteligência humana. UM E DOIS: OS PRIMEIROS NÚMEROS INVENTADOS Sem dúvida. não mais dotado que esses indígenas, o homem das épocas mais remotas desta história devia também ser incapaz de conceber os números em si mesmos: E suas possibilidades numéricas deviam, do mesmo modo, resumir-sé numa apreciação global do espaço ocupado pelos seres e pelos objetos vizinhos. 16 Ainda mais: na língua dos sumérios, os termos empregados para 1,2 e 3 eram, respectivamente, gesh, min e esh. O primeiro significava também “o homem, o macho, o membro viril”, e o segundo tinha como sentido suplementar “a mulher”; quanto ao termo esh (três), ele tinha também o sentido de “muitos” e servia normalmente como sufixo verbal para marcar o plural (mais ou es menos como o “s” português). Existe na língua francesa uma aproximação evidente entre a palavra trois (três), o advérbio três (“muito”, que marca, para um adjetivo ou advérbio, uma intensidade elevada a seu mais alto grau) e a preposição de origem latina trans, que significa especificamente “além de”. Em francês antigo, o termo três era empregado como preposição, com o sentido de “até”, e o verbo transir significava “falecer” (no sentido de “ir para O além”). Em latim, a palavra tres (três) e o prefixo trans evidente- mente tinham o mesmo radical, enquanto fer servia não só para indicar o sentido de “três vezes” mas também a idéia de uma certa pluralidade. Em inglês, a palavra thrice tem também duas significações: “três vezes” e “vários”. Enquanto as palavras three (três), throng (multidão) e through (através) têm visivelmente a mesma raiz etimológica, Do mesmo modo, o antigo termo anglo-saxão thria (“três”, do qual derivaram, no sentido indicado, a palavra in- glesa three e as do germânico antigo dri, drio e driu, que por sua vez deram origem ao termo drei, do alemão atual) tem uma raiz comum com a palavra throp (amontoado), outrora utilizada em frâncico (língua dos antigos francos .aparentada com o velho- saxão e com as línguas germânicas ocidentais). Deste último ter- mo derivam, de um lado, o advérbio francês trop (muito) e seu homólogo italiano troppo (no sentido de “muito”, “demais”), e, de outro, o antigo termo do latim medieval troppus (rebanho, bando), que deu origem, por sua vez, aos termos franceses trou- pe (grupo de pessoas ou tropa) e tropeau (rebanho), ao espanhol tropa, ao italiano truppa, ao inglês troop e ao alemão Trupp. Desde a noite dos tempos o número 3 foi, assim, sinônimo de pluralidade, de multidão, de amontoado, de além, e constituiu, consegiientemente, uma espécie de limite impossível de conceber ou precisar. O que significa que, no espírito do homem, a in- venção dos números fez uma primeira pausa not2 18 O NUMERO E A CRIANÇA PEQUENA É o que ilustra, aliás, o estudo do comportamento do homem desde pequeno, já que no desenvolvimento da criança se encon- tram as diversas etapas da evolução da inteligência humana. Entre seis e doze meses, um bebê adquire mais ou menos uma certa capacidade de apreciação global do espaço ocupado pelas coisas ou pelas pessoas próximas. Ele assimila então agru- pamentos relativamente restritos de seres e objetos que lhe são familiares pela natureza e pelo número. Em geral, nesta idade ele pode também reunir num único grupo alguns objetos análogos previamente separados. E, se falta algo a um desses conjuntos familiares, o bebê logo percebe. Mas o número simplesmente sentido e percebido não é ainda concebido por ele de modo abstrato, e ele nem sequer terá a idéia de se servir de seus dez dedos para designar um dos primeiros números. Entre doze e dezoito meses, a criança aprende, pouco a pouco, a fazer distinção entre um, dois e muitos objetos, e a discernir com um só golpe de vista a importância relativa de dias coleções reduzidas de seres ou de objetos. Mas sua capa- cidade numérica ainda permanece nó interior de limites tão estreitos que lhe é impossível fazer uma diferença nítida entre os números e as coleções das quais eles são parte. Em seguida, um fato admirável que pude pessoalmente ob- servar diversas vezes: entre dois e três anos, quando a criança já adquiriu o uso da fala e aprendeu a nomear Os primeiros núme- ros, ela esbarra durante certo tempo numa grande dificuldade de conceber e dizer o número 3. Ao contar, ela começa pelo 1 e 2, mas esquece em seguida o terceiro número: 1, 2, 4! OS LIMITES DA SENSAÇÃO NUMÉRICA Determinadas espécies animais também são dotadas de um tipo de percepção direta dos números. Em alguns casos, esta ca- pacidade natural lhes permite reconhecer que um conjunto (ni- mericamente reduzido), observado pela segunda vez, sofreu uma modificação depois que um ou vários componentes foram retira- dos ou acrescentados. Assim, um pintassilgo que aprendeu a escolher seu alimento entre dois pequenos montes de grão geralmente consegue distin- 19 mais nada. Há quinze ou vinte pratos nesta pilha, treze ou ca- torze carros alinhados na calçada, onze ou doze arbustos nesta moita, dez ou quinze degraus nesta escada, nove, oito ou mesmo seis janelas nesta fachada? É preciso contar para saber. O olho não é um “instrumento de medida” suficientemente. preciso: seu poder de percepção direta dos números ultrapassa muito rara- mente — para não dizer nunca — o número 4! TIE Uma primeira ilustração deste fato nos é dada pela existên- cia de várias tribos na Oceania com o costume de declinar as formas gramaticais do singular, dual, trial, quaternal e... do plural. Nestes povos, a capacidade de individuação dos nomes comuns limita-se a quatro !. Até quatro, com efeito, os nomes dos seres e dos objetos são nitidamente expressos em cada uma das línguas e designados por uma característica própria; mais além, tanto os nomes como os números são privados de declinação e de personalidade, e assumem o caráter vago e pouco preciso da plu- 1. Em nossas gramáticas atuais, esta capacidade é ainda mais limitada, pois se detém na unidade! 21 ralidade material. Mais ou menos como se, por exemplo, em fran- cês, exprimíssemos a diferença entre um, dois, três, quatro € vá- rios jumentos, dizendo algo como baudet (jumento) para “um jumento”, baudeta para “dois jumentos”, baudeti para “três ju- mentos”, baudeto para “quatro jumentos” e baudeis (com um “s” no final) para “jumentos”. Outro exemplo: em latim, os nomes dos quatro primeiros números (unus, duo, tres, quatuor) eram os únicos declináveis; a partir do quinto, os nomes de número não tinham mais decli- nação nem gênero. Da mesma forma, os nomes que os romanos costumavam dar a seus filhos do sexo masculino (as meninas não recebiam nome na época) eram, até o quarto, designações particulares e normalmente compostas, como Appius, Aulius, Gaius, Lucius, Marcus, Servius etc, Mas, a partir do quinto, eles se contenta- vam em chamar seus filhos por simples números: Quintus (o quinto), Sextus (o sexto), Octavios (o oitavo), Decimus (o déci- mo), ou mesmo Numerius (numeroso). Pensamos, por exemplo, no matemático Quintus Fabius Pictor, no poeta Quintus Hora- tius Flaceus (mais conhecido pelo nome de Horácio), em Sextus Pompeius Magnus (filho do Grande Pompeu), assim como no poeta satírico Tuvenal, que se chamava na verdade Decimus Ju- nius Juvenalis, Observamos também que os quatro primeiros meses do ano romano primitivo (conhecido como de Rômulo) eram os únicos com nomes particulares (Martius, Aprilis, Maius, Junius), pois a partir do quinto passavam a ser apenas números ordinais: Quin- tilis, Sextilis, September, October, November, December |. 1. O amo romano primitivo (304 dias) compreendia apenas dez meses e começava com Martius (março). Em seguida ele foi prolongado por mais dois meses suplementares, aos quais se deu os nomes de Januarius e Februarius, que se tornaram nossos atuais janeiro e fevereiro. Quando Júlio César fez sua reforma do calendário, o início do ano passou de 1.º de março para 1.º de janeiro e o ano romano passou a ter 365 dias. Depois se decretou que o mês Quintilis (o quinto do ano primitivo), quando nasceu César, receberia em sua honra o nome de Julius, origem de nosso julho. Um pouco mais tarde, o mês Sextilis (o sexto do ano primitivo) foi denominado Augustus (que se transformou em seguida em nosso agosto atual), em homenagem aos serviços prestados pelo imperador do mesmo nome durante este mês. (N. do A.) 22 manos, eles usaram então um princípio quinário para a repre- sentação dos números de 6 a 9: I Y NI EoRds v vI vi vm vm i 2 3 4 5 6 7 8 9 6+10) 6+2) 6+3 6+9) Última confirmação: quando um comerciante de vinho ou de cerveja mantém um quadro de seus clientes fazendo num pequeno cartão os traços correspondentes aos pedidos ainda não pagos para cada um, ele efetua em geral uma operação segundo as etapas sucessivas do procedimento a seguir: 11 sr 1 Wu Hr Ar o 214 7H 12 HF HH O 3 8 mr HI 13 HF HF DI 4 mM 9 ar UM 14 HH HH DU 5 HE 10 HF Hr 15 + Hr HH É a mesma coisa que faz um prisioneiro ao contar seu tempo de prisão gravando na parede de sua cela os traços correspon- dentes aos dias de detenção. Nestas condições não cabe nenhuma dúvida: as faculdades humanas de percepção direta dos números não vão além do nú- mero 4! Como uma capacidade numérica rudimentar mal ultra- passa a de cértos animais, este é o núcleo primitivo de nossa arit- mética atual. Se o espírito humano se tivesse restrito a esta única aptidão, sem sombra de dúvida ele nunca teria tido acesso, como esses animais, à abstração do cálculo. Felizmente, o homem foi capaz de ampliar suas tão limi- tadas possibilidades da sensação numérica inventando um certo número de procedimentos mentais. Procedimentos que teriam de se revelar fecundos, pois iriam oferecer à espécie humana a possibilidade de progredir no universo dos números... 24 2 COMO O HOMEM APRENDEU A CONTAR Erigida sem dúvida sobre bases empíricas, a invenção dos números deve ter correspondido a preocupações de ordem prá- tica e utilitária. Aqueles que guardavam rebanhos de carneiros ou de cabras, por exemplo, precisavam ter certeza de que, ao voltar do pasto, todos os animais tinham entrado no curral. Os que estocavam ferramentas ou armas, ou que armazenavam te- servas alimentares para atender a uma vida comunitária, deviam estar aptos a verificar se a disposição dos víveres, armas ou ins- trumentos era idêntica à que eles haviam deixado anteriormente. Aqueles, afinal, que mantinham relações de inimizade com grupos vizinhos necessitavam saber, ao final de cada expedição militar, se o efetivo de seus soldados estava completo ou não. Os que praticavam uma economia de troca direta deviam estar aptos a “avaliar” para poder trocar um gênero ou mercadoria por outro... O PRIMEIRO PROCEDIMENTO ARITMÉTICO Tudo começou com este artifício conhecido como corres- - pondência um a um, que confere, mesmo aos espíritos mais des- providos, a possibilidade de comparar com facilidade duas cole- ções de seres ou de objetos, da mesma natureza ou não, sem ter de recorrer à contagem abstrata. Um exemplo simples nos permitirá a familiarização com 25