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Guias e Dicas
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Guia Dependencia da Internet, Notas de estudo de Análise de Sistemas de Engenharia

Guia Dependência da Internet

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 08/02/2015

gabbi-pimentaa-7
gabbi-pimentaa-7 🇧🇷

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Baixe Guia Dependencia da Internet e outras Notas de estudo em PDF para Análise de Sistemas de Engenharia, somente na Docsity!

Formato: 16x

Peso: 0,60 kg

Páginas: 344

ISBN: 9788536325705

Ano: 2011

Reúne grandes nomes mundiais e baseado em evidências

científicas. Discute o impacto cultural e global desse tema,

apresentando aos terapeutas as implicações clínicas,

métodos de avaliação e abordagens de tratamento mais

recentes no trabalho com clientes que sofrem desse

transtorno de dependência cada vez mais disseminado.

SAIBA MAIS

Dependência de Internet

Manual e Guia de Avaliação e

Tratamento

8 As propriedades de dependência do uso de internet DavID gREEnfIElD Muitos estudos confirmaram a existência de um uso compulsivo ou dependente de internet (Aboujaoude, Koran, Gamel, Large e Serpe, 2006; Chou, Condron e Belland, 2005; Greenfield, 1999a; Shaw e Black, 2008; Young, 2007). Young (1998a) foi a primeira a descobrir que o uso excessivo de internet por razões não acadêmicas e não profissionais estava associado a efeitos prejudiciais sobre o desempenho acadêmico e profissional. Green- field (1999b) descobriu que aproximadamente 6% das pessoas que usam a internet parecem fazê -lo compulsivamente, muitas vezes com consequências negativas sérias. Entretanto, ainda há muitas perguntas a serem respondidas antes de chegarmos a uma nosologia apropriada para rotularmos os efeitos do abuso de internet. Embora o termo da mídia mais popular atualmente pa- reça ser dependência de internet , outros termos utilizados incluem transtorno de dependência de internet, uso patológico de internet, abuso de internet, comportamento possibilitado pela internet, uso compulsivo de internet, com- pulsão de mídia digital e dependência virtual (Greenfield, 1999c). Essa lista não inclui todos os termos empregados, mas serve para ilustrar a complexida- de que enfrentamos atualmente de dar um nome a esse fenômeno clínico. Talvez os nomes mais exatos até o momento sejam comportamento com‑ pulsivo possibilitado pela internet ou compulsão de mídia digital , pois muitos comportamentos anteriormente associados apenas à internet foram agora incorporados a muitos dos aparelhos digitais mais recentes, tais como os as- sistentes pessoais digitais (PDAs, personal digital assistants ), iPhones, Black‑ Berries , MP3 Players , aparelhos de jogos de mesa/portáteis e smart phones co nectados à internet, assim como computadores de mesa, laptops e netbooks. Os fatores psicológicos básicos que explicam a natureza adictiva de internet se aplicam principalmente a essas tecnologias inter -relacionadas. Uma vez

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que a área da internet e da tecnologia de mídia digital está mudando rapida- mente, deixamos claro que quando nos referimos à internet incluímos todas as tecnologias digitais possibilitadas pela internet. A linha que define uso e abuso de internet começou a ficar indistinta, no sentido de que muitas tec- nologias de mídia e entretenimento utilizam a internet ou o acesso a ela e, portanto, compartilham muitos dos elementos adictivos que discutimos neste capítulo. Por uma questão de simplicidade, usaremos em todo o capítulo o ter- mo dependência de internet , e pode ser inferido que todos os aparelhos de mídia digital estão incluídos nessa classificação. Com relação à dependência de internet, continuaremos buscando uma terminologia apropriada. Esclare- cimentos adicionais são necessários para refletir o fenômeno psicofisiológico dos padrões de sintomas da dependência de internet e para refletir com maior exatidão o que acontece em termos comportamentais e fisiológicos no abuso de internet e da tecnologia de mídia digital.

ASPECToS DE DEPENDÊNCIA Do uSo DA INTERNET

A internet não é algo completamente novo. Não é novo porque não é a primeira atividade facilmente acessível, barata, capaz de distorcer o tempo, interativa, anônima e prazerosa à qual fomos expostos. O que é novo, todavia, é a intensidade, acessibilidade e disponibilidade com que todas essas carac- terísticas são utilizadas nas tecnologias possibilitadas pela internet. Para esse fim, a maioria das atividades (comportamentos) e substâncias que produzem efeitos prazerosos tende a ser repetida. A consequência de um comportamen- to ser positivamente reforçado é o que torna provável que ele seja repetido. O reforço positivo ocorre quando a presença de um reforço aumenta a probabi- lidade da resposta antecedente (Schwartz, 1984). Esse padrão segue princí- pios básicos de condicionamento operante (Ferster e Skinner, 1957). É muito natural que as pessoas aumentem o uso (e daí o abuso) de internet devido à sua natureza prazerosa e estrutura de reforço; essa estrutura de reforço será discutida com detalhes mais adiante no capítulo. O neurotransmissor que parece estar mais associado à experiência de prazer é a dopamina; sabemos, depois de anos de pesquisa, que drogas, ál- cool, jogos de azar, sexo, comida e até mesmo o exercício físico envolvem mudanças nesse neurotransmissor (Hartwell, Tolliver e Brady, 2009). Em es- sência, nos tornamos dependentes do intermitente e imprevisível fluxo de dopamina que passa a ser classicamente associado à substância ou comporta- mento que utilizamos. É aqui que a internet se encaixa. No caso do abuso ou dependência de substâncias ou álcool estão presen- tes outros fatores, incluindo intoxicação fisiológica, tolerância e abstinência.

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um impacto em uma ou mais esferas importantes da vida (relacionamentos, trabalho, desempenho acadêmico, saúde, finanças ou situação legal). Se o uso de internet não está influenciando nenhuma área importante da vida, provavelmente não constitui um problema que mereceria ser chamado de de- pendência. Muitas pessoas não abusam dessas tecnologias a ponto de sofrer consequências sérias, mas passam a experienciar um desequilíbrio de vida. É importante que isso seja salientado: mesmo que a dependência de inter- net não seja diretamente uma dependência capaz de causar lesão estrutural , a maioria dos efeitos prejudiciais se deve aos desequilíbrios criados pelo tempo excessivo gasto com a tecnologia.

Desejo de parar, incapacidade de parar,

tentativas ( attempts ) de parar e recaída (DIAR)

Um algoritmo simples de critérios de dependência bastante útil é o DIAR (Greenfield, 2009), que representa o desejo de parar, a incapacidade de parar, tentativas ( attempts ) de parar e a recaída no padrão prévio de uso. É esse o padrão que observamos em muitas, se não na maioria, das dependências. O DIAR é um notável marcador de dependência de internet, juntamente com os marcadores de tolerância e abstinência.

ToLERÂNCIA E ABSTINÊNCIA

Block (2007, 2008) sugere incluir a dependência de internet na catego- ria do espectro de transtornos compulsivo-impulsivos e defende sua inclusão na próxima revisão do Manual diagnóstico e estatístico ( DSM ) da APA, em parte porque um dos fatores mais notáveis na maioria das dependências, de qualquer tipo, é a presença de tolerância e abstinência. Está bem documen- tado que muitas, se não a maioria, das dependências de substâncias envolve um grau de tolerância fisiológica e psicológica a níveis preestabelecidos de consumo; juntamente com a tolerância, é tipicamente encontrada alguma forma de abstinência psicológica ou fisiológica (Young, 1998b). O resultado final é que a dependência de internet será incluída no apêndice do DSM -V para estudos adicionais. Na dependência de substâncias, a tolerância acaba levando a sintomas de abstinência fisiológicos e psicológicos quando o uso da substância diminui ou é interrompido. O paciente geralmente sente uma combinação de sinto- mas físicos desconfortáveis (que às vezes põem em risco a sua vida), jun- tamente com um desconforto psicológico significativo, incluindo ansiedade, irritabilidade, labilidade emocional e alterações de humor e comportamento.

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Na dependência de internet há algumas variações singulares na experiência de tolerância e abstinência. Na tolerância, há diversos fatores no consumo (uso) de internet e outras tecnologias de mídia digital que parecem imitar o que ocorre nas dependências de substâncias. O potencial de dependência de uma substância é aumentado pela rapidez de sua absorção pela corrente sanguínea; parece, também, que o rápido acesso e a curta latência entre clicar e receber imagens, sons e outros conteúdos digitais aumentariam o potencial de dependência de internet. A alta velocidade com que surge a imagem ou o conteúdo desejado parece aumentar sua natureza adictiva – aumentando assim o grau dos sintomas de abstinência. Os sintomas de abstinência parecem variar dependendo do indivíduo, mas a abstinência de internet quase sempre inclui um grau de protesto verbal quando a tecnologia é removida, especialmente se a dita remoção é feita por um dos pais ou uma pessoa amada. Tipicamente, esses protestos incluem ex- plosões de forte emoção, frustração, sentimento de perda, separação, intran- quilidade e o sentimento de que falta alguma coisa. Às vezes, podem ocorrer expressões físicas de raiva e manipulação, coação ou chantagem. O padrão dominante de sintoma parece ser o de ansiedade (Young, 1998b). Pode haver desobediência; isso é frequentemente observado em crianças e adolescentes cujos pais removeram a tecnologia. Na verdade, há muitos relatos de crianças e adolescentes que se tornaram física ou verbalmente violentos quando foram proibidos de usar a internet. Outros sintomas de abstinência incluem aumento de ansiedade, raiva, depressão, irritabilidade e isolamento social. A dificuldade, em relação à ex- periência de abstinência de internet e outras tecnologias de mídia digital, é que é quase impossível atingir um nível de abstinência total. A vida moderna impede isso. A abstinência como resultado desejado, que geralmente é o obje- tivo no tratamento do abuso de álcool e substâncias, não é uma probabilidade prática na dependência de internet. Em vez disso, o que se espera atingir é um padrão de uso moderado. Esse padrão moderado foi chamado de usar o computador de forma consciente (Greenfield, 2008). Usar o computador com consciência significa desenvolver e integrar um uso saudável de internet e da tecnologia de mídia. Esse conceito foi primeiramente observado nas nume- rosas organizações beneficentes alemãs que instruíram o público e lançaram materiais de prevenção sobre comportamentos saudáveis de uso do computa- dor. Um padrão moderado permite um maior grau de autocontrole consciente e uso equilibrado, e é esse uso consciente que permite o maior autocontrole e uso equilibrado. Os objetivos do tratamento, então, passam a ser a educação e a preven- ção, para ajudar a restabelecer (dentro de limites razoáveis) um padrão de uso moderado. O uso consciente e a autoconsciência são o processo crítico pelo qual essa mudança acontece. Tais mudanças comportamentais não são

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  1. Fatores de conteúdo
  2. Fatores de processo e acesso/disponibilidade
  3. Fatores de reforço/recompensa
  4. Fatores sociais
  5. Fatores da Gen-D

Fatores de conteúdo

Na internet há uma superabundância de conteúdos extremamente es- timulantes (adictivos). A maior parte desses conteúdos não é exclusiva de internet. Os aspectos mais adictivos de internet hoje, em termos da porcenta- gem de pessoas que precisam de tratamento clínico, são o conteúdo sexual e os jogos de vídeo ou computador. O abuso dessas duas áreas de conteúdo não é novo nem se limita à internet; entretanto, quando são acessadas pela inter- net, ocorre um processo de sinergia pelo qual o potencial de dependência des- sas áreas de conteúdo é significativamente aumentado. Quando o conteúdo é consumido virtualmente e através de outras tecnologias de mídia digital, ele se torna, essencialmente, a matéria-prima psicoativa da dependência. Sabe- mos que o meio virtual, em si, tem propriedades que aumentam a dependên- cia e que o conteúdo consumido na internet costuma ser divertido e desejável. Os conteúdos mais comuns consumidos incluem música, informação, espor- tes, compras, notícias financeiras e outras, jogos de azar, jogos, conteúdo se- xual, e assim por diante. Muitas, se não a maioria, dessas áreas de conteúdo são inerentemente prazerosas; jogos, apostas, compras e sexo talvez estejam no topo da lista, e sabemos que há muito tempo são excessivamente usadas, abusadas e podem envolver dependência (Young, 1998a). Com o advento da tecnologia de internet, a possibilidade de acessar fácil e frequentemente esses conteúdos aumentou muito seu potencial de de- pendência. Se o conteúdo é a matéria-prima, o meio de internet é a seringa psicológica que introduz o conteúdo no nosso sistema nervoso para que seja consumido. Nunca houve um input mais eficiente e direto em nossa mente e sistema nervoso do que a internet. Agora, com o advento e a proliferação de conexões de alta velocidade e aparelhos móveis de internet como os smart phones , PDAs, iPhones, BlackBerries e muitos outros portáteis, a acessibilida- de aumentou ainda mais. Até os iPods e outros MP3 players estão atualmente ligados à internet. A facilidade de acesso à internet, de qualquer lugar, torna o usuário uma parte da rede de internet em si. As pessoas, literalmente, se tornaram nodos em um vasto sistema de rede impessoal, e esse sistema agora é móvel e portátil. A mobilidade do atual acesso à internet se baseia no nosso desejo de con- veniência e de um senso de liberdade e escolha; é esse desejo que alimenta

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a ilusão de que maior acesso e oportunidade equivalem a um estilo de vida melhor/mais feliz – de que mais é melhor. Mas isso é um paradoxo. Parece que quanto mais escolhas temos, menos sadios nos tornamos. Quanto mais escolhas temos, maior o nosso estresse (Weissberg, 1983). Observamos esse mesmo fenômeno com a disponibilidade de inúmeras escolhas de produtos alimentares. Mais simplesmente não é melhor. A disponibilidade e a variedade de conteúdos previamente inacessí- veis, ilegais ou difíceis de encontrar aumentam consideravelmente a atrati- vidade de internet. Encontrar o que queremos, em especial se for uma coisa difícil de achar, é muito excitante. Além disso, a ausência de adiamento da gratificação na possibilidade de acessarmos esses conteúdos potentes e difí- ceis de encontrar torna a internet muito mais compelidora. “Deus em uma caixa” (Greenfield, 2007) é um termo empregado em algumas discussões do uso de internet. Parece quase uma experiência mágica ter um pensamento, uma curiosidade ou um desejo e simplesmente clicar e se deparar com a transformação quase instantânea do pensamento em realidade. Isso tam- bém captura o nível quase divinizado de adoração que a internet e outras tecnologias digitais provocam. Na internet, o limiar que cruzamos é muito estreito e fácil de atravessar, e do outro lado desse limiar está o conteúdo mais estimulante do mundo. É nisso que reside grande parte do poder e da potência de internet.

Fatores de processo e acesso/disponibilidade

Poder sentir o próprio poder (estendido e ampliado graças à internet) ao experienciar uma fantasia ou encenar uma persona é extremamente ine- briante. A experiência de encenar uma fantasia sexual com a relativa facili‑ dade, desinibição e anonimidade possibilitadas pela internet é muito poderosa (Cooper, Delmonico e Burg, 2000; Greenfield e Orzack, 2002). Jogos entre múltiplos jogadores, que utilizam a internet para interatividade social e lú- dica, parecem ser ainda mais adictivos quando eles utilizam a plataforma de internet. A maioria dos jogos na internet acrescenta outros elementos bas- tante atrativos, como interação social, competição em tempo real, desafios, realização, hierarquia social e conteúdo estimulante – juntamente com um esquema de recompensa variável muito sofisticado. O conteúdo do jogo em si pode ser muito estimulante e adictivo, mas quando combinado com a moda- lidade de internet o efeito sinérgico parece produzir uma experiência adictiva ainda mais forte. A internet opera com um alto grau de imprevisibilidade e novidade, e é essa imprevisibilidade que facilita a sua natureza compelidora.

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extensão, certamente é isso que ocorre quando estamos nos comunicando pela internet. O uso compulsivo da rede significa, essencialmente, funcionar em um estado de consciência alterado. Além disso, a possibilidade de acessar aspectos ocultos ou subconscientes da própria personalidade ou persona que normalmente não são acessíveis parece ter efeitos fortemente adictivos. A fan- tasia e o desempenho de papéis via internet são muito atraentes e se notam principalmente nos jogos, bate -papo sexual ( cibering ) e em situações de redes sociais. Outra área que se inclui na categoria de acesso/disponibilidade é o custo relativamente baixo de acessar conteúdos de internet (Cooper, 1998). Assim, o acesso é intensificado pelo custo relativamente baixo, facilitando o uso e abuso de internet. É mais fácil abusar de coisas que são baratas. Nenhuma discussão sobre os fatores de acesso e disponibilidade estaria completa sem a inclusão do fator de conveniência. A internet está disponível de forma praticamente ilimitada e livre 24 horas por dia, sete dias por sema- na. A facilidade de acesso e disponibilidade está aumentando com a ampla adoção do acesso portátil e móvel de banda larga. Telefones celulares, PDAs, aparelhos portáteis de jogos e MP3, além de laptops e do seu novo primo, o netbook , todos permitem aplicações de internet. A possibilidade de, instantaneamente, obter qualquer coisa e gratifi- car qualquer impulso intelectual, de comunicação ou de consumo torna a internet quase irresistível para muitas pessoas. Isso vale especialmente para conteúdos e experiências sexuais. O limiar a ser atravessado desde o impul- so (desejo) até a ação (o que é visto, baixado, jogado ou comprado online ) é imensamente reduzido quando estamos conectados. Lá, praticamente não precisamos atravessar barreiras, pois o tempo necessário para escolher e cli- car é muito curto. Também há menos responsabilidade devido à percepção (na verdade inexata) de anonimidade e privacidade. O grau de resistência a buscar a satisfação de uma fantasia ou desejo desaparece ou diminui muito quando a pessoa está conectada, e isso pode ter o efeito de distorcer a realida- de. Para o dependente de internet, a distorção da realidade frequentemente é percebida como uma consequência desejável, pois sustenta a experiência de fantasia através da interface virtual de internet. Uma vez dependente, o indivíduo pode tender a ver sua realidade virtual como mais válida do que sua vida em tempo real. Isso vale especialmente para os jogos de internet e de computador. Essa distorção sustenta um nível global de negação que pode impedir a pessoa de reconhecer qualquer impacto negativo em sua vida. Isso é intoxicação na sua forma mais pura! A inércia psicológica geralmente é sentida como prazerosa (alimentan- do o ciclo de dependência), pois bloqueia o que poderíamos ver como auto- derrota e teríamos de enfrentar. A internet muda tudo isso porque não há praticamente nenhum limiar a atravessar, nenhuma demora, e nós a sentimos como uma forma de gratificação instantânea. A necessidade de esperar ou de

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modular nosso desejo geralmente está ausente quando usamos a internet. Em certo sentido, o pensamento se transforma em realidade, instantaneamente, o que é extremamente estimulante. O construto final de acesso/disponibilidade se refere às fronteiras. Não há fronteiras nos conteúdos de internet. Todas as outras formas de mídia têm um início e um fim claros. Quase sempre há marcadores da passagem do tem- po ou limites de conteúdo em jornais, revistas, programas de televisão, livros ou outras formas de mídia. Em contraste, jamais terminamos qualquer coisa na internet. Não há marcadores de tempo quando estamos conectados, o que frequentemente é comparado a estar em um cassino com muitos estímulos, recompensas variáveis e nenhuma estrutura temporal. Sempre existe um ou- tro link , site ou referência a serem encontrados; sempre um outro e ‑mail a ser aberto, uma nova imagem a ser vista ou outra música a ser baixada. Sempre existe mais. Para o cérebro, essa disponibilidade interminável de conteúdo representa uma atividade não terminada, e isso é altamente estimulante. O cérebro tende a concluir todas as tarefas – a completar a Gestalt chamada de efeito Zeigarnik (Zeigarnik, 1967). Essa atenção inconsciente a informações não terminadas ou incompletas (e a internet está repleta delas) é mais uma característica compelidora dessa forma de mídia.

Fatores de reforço/recompensa

Conforme observamos previamente, a tecnologia de internet funciona em um esquema de reforço de razão variável (ERRV). Todos os aspectos da informação buscados e encontrados na internet acontecem nesse ambiente de reforço de razão variável. A internet opera com um alto grau de imprevisibili- dade e novidade, é essa imprevisibilidade que facilita a natureza compelidora da sua atratividade. O fator de reforço/recompensa parece ser o elemento que contribui mais significativamente para a natureza adictiva de internet e de outras tecnolo- gias de mídia digital. Jogos, conteúdos sexuais, e ‑mail , compras ou navega- ção em busca de informações, tudo isso sustenta estruturas de recompensa imprevisível e variável. A saliência e desejabilidade do conteúdo buscado na internet, assim como o tempo e a frequência em que esse conteúdo poderá ser obtido, tudo isso afeta a experiência de dependência do conteúdo. Nume- rosos fatores sinérgicos parecem ocorrer quando o ERRV é combinado com conteúdos que elevam o humor ou são estimulantes, cimentando ainda mais o ciclo de dependência. A internet é adictiva, em parte, devido às suas propriedades psicoativas. Os ganhos secundários decorrentes de um padrão habitual de prazer – aqui, a dependência de internet e uso compulsivo da mídia – são inerentes a qual-

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tação e satisfação sexual. Esse padrão possibilitado pela internet geralmente acelera o desenvolvimento de comportamentos sexuais compulsivos. E aqui podemos ver o processo sinérgico pelo qual o conteúdo estimulante do mate- rial sexual é intensificado pela natureza psicoativa do meio virtual em si. No tipo secundário, geralmente não existe nenhuma história prévia de comportamento sexual compulsivo, mas o desenvolvimento do padrão com- pulsivo parece iniciar quase concorrentemente com a introdução de internet. É como se fosse acionado um ciclo espontâneo de excitação/compulsão, mui- tas vezes originado das sementes de curiosidade, desejo sexual e facilida- de de acesso/disponibilidade e anonimidade. Nos compulsivos secundários normalmente não há história de dependência ou compulsão sexual anterior; aqui, a internet parece ativar um processo de desinibição e estimular o ciclo de dependência. Nesses casos, o processo de internet parece diminuir o limiar de certos indivíduos de desenvolver um problema que eles provavelmente não desenvolveriam sem o meio virtual. É essa, simultaneamente, a força e a fragilidade de internet, no sentido de que a imediação da gratificação pode afetar a capacidade da pessoa de inibir impulsos e desejos previamente ad- ministrados. A maior parte dos fabricantes de computador e jogos pela internet, as- sim como da indústria do sexo, conhece esses princípios comportamentais e sabe usá-los para criar jogos ou outras mídias estimulantes, tais como porno- grafia. A maioria das questões que encontramos na dependência de internet envolve o uso inconsciente e compulsivo dessa tecnologia, com pouca ou ne- nhuma percepção da passagem do tempo (dissociação/distorção do tempo) e das consequências negativas dessa distorção (Suler, 2004). Sabemos, a partir da análise clínica, que grande parte do efeito prejudicial do uso pesado de internet parece vir do uso dissociado da tecnologia e do desequilíbrio que isso cria na nossa vida.

Fatores sociais

A internet, ao mesmo tempo, nos conecta e nos isola socialmente (Gre- enfield, 1999a -c; Kimkiewicz, 2007; Kraut e Kiesler, 2003; van den Eijnden, Meerkerk, Vermulst, Spijkerman e Engels, 2008; Young, 2004). Essa afirma- ção revela uma das maiores atrações de internet. Ela nos permite uma co- nexão social calculada dentro de um ambiente de rede social extremamente circunscrito. Em certo sentido, o usuário pode ajustar seu grau de interação social de modo a maximizar seu conforto e mediar a conexão, enquanto mini- miza a ansiedade social e limita as deixas contextuais sociais necessárias. No caso dos usuários pesados (especialmente nas populações de estu- dantes de ensino médio e jovens adultos) a internet é uma maneira fácil de

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participar de um ambiente social bem controlado, com menor necessidade de interação social em tempo real (Ferris, 2001; Leung, 2007). A internet limi- ta e simplifica as deixas de inteligência socioemocional necessárias para um nível de interação mais manejável. Para a maioria dos usuários, ela diminui e atenua os níveis de atenção, interação, risco emocional e conexão íntima necessários no relacionamento social. Ela reduz o se relacionar a um nível to- lerável. Para pessoas com dificuldades de aprendizagem, transtorno de déficit de atenção, transtornos desenvolvimentais globais, ansiedade social e fobias, a internet passa a ser um ambiente seguro, previsível, circunscrito. Ela prende a nossa atenção, apresenta novidades estimulantes intermináveis, minimiza a interação social em tempo real, e nos fornece reforço e recompensas sociais ilimitadas. Não surpreende que muitos pacientes tenham tanta dificuldade em modificar alguma coisa que é tão divertida e tão adaptativa. É importante observar aqui que há espaço para um uso saudável e equi- librado de internet e da mídia digital, incluindo redes sociais, textos, mensa- gens instantâneas, e ‑mails , e assim por diante. Peltoniemi (2009), na Finlân- dia, usa a internet, mensagens de texto e redes sociais para ajudar crianças e jovens adultos a aprender a moderar seu uso e abuso; para atingir seu público, a sua organização, ICT-Services for Media Addiction, Prevention and Treatment in Finland, utiliza a mesma tecnologia que está tentando limitar. Peltoniemi a usa porque esse é o principal meio de comunicação dessa gera- ção digital, ou Gen‑D (Greenfield, 2009). Essas modalidades de comunicação digital passaram a ser a norma para a maioria dos nossos jovens (Walsh, Whi- te e Young, 2008) e, se bem manejadas, podem se tornar menos prejudiciais e continuar sendo uma parte da interação social moderna. Jamais existiu antes uma tecnologia que nos conecta socialmente e, ao mesmo tempo, nos desconecta. É a primeira vez na história que a possibilida- de de se expressar e se difundir está literalmente nas mãos de qualquer um que tenha acesso à internet. A possibilidade de se difundir (conforme eviden- ciado por níveis virais de blogging e YouTube‑ing ) é inebriante e fornece, pela primeira vez, a possibilidade de difusão para qualquer pessoa do planeta. Os 15 minutos de fama para qualquer pessoa aumentaram exponencialmente, e quem mais adota essa tecnologia são os jovens da geração digital. A possibili- dade de participar de uma rede social é sustentada pela popularidade de sites como o Facebook, MySpace, Twitter, Friendster e outras integrações de rede social/consumidor. Todos esses sites são a base da eficácia social de internet e representam algumas das suas maiores forças, por sua capacidade de permitir e intensificar eficientemente a interação social em um instante. Entretanto, há claros inconvenientes nessa eficiência. Em primeiro lu- gar, participar dessa rede social é ao mesmo adictivo e consome muito tempo, o que acaba provocando um desequilíbrio.

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as formas de interação social digitais e pela internet são insuficientes e infe- riores. E a maioria das pessoas não se torna dependente dessas tecnologias, embora muitas abusem delas. Mas a crescente disponibilidade, facilidade de acesso e normalização dessas tecnologias aumenta o potencial de ocorrência de problemas. A possibilidade de mandar um e ‑mail ou texto para um amigo ou mem- bro da família ou de mandar instantaneamente uma mensagem para alguém não precisa, necessariamente, ser problemática. Essas novas tecnologias de comunicação, em certo sentido, substituíram os hábitos das gerações passa- das de conversar ao telefone, se encontrar no bar ou no shopping. A pergunta crucial parece ser quanto é demais e quanto definimos como demais. Muitas pessoas, incluindo pais, professores e cônjuges, perguntam: quanto é demais? A resposta sempre tem a ver com o impacto sobre o equilíbrio global e a qua- lidade de vida. Ninguém busca tratamento se não houver alguma consequ- ência prejudicial em alguma esfera importante da sua vida. Geralmente, uma consequência negativa inicial é um afastamento considerável ou um impacto negativo em um ou mais dos relacionamentos importantes da pessoa, uma queda no desempenho profissional ou escolar ou alguma consequência legal negativa. Na Alemanha existe um movimento ativo de educação pública e preven- ção, oferecido pelo governo e agências de serviço social sem fins lucrativos, que defende o uso saudável do computador. O governo alemão incluiu a de- pendência de internet e de mídia em seu programa de educação/tratamento da dependência de drogas e álcool. Na Espanha as autoridades estão introdu- zindo programas para tratar e evitar a dependência de internet e estão orga- nizando seminários para treinamento profissional. Os Estados Unidos ainda não tem esse mesmo nível de consciência pública e programas de prevenção organizados. Em parte, isso se deve a como os americanos usam e abusam de internet; a maior parte do uso é na privacidade do lar e não em áreas públi- cas como em muitos outros países. E também, nos Estados Unidos o sistema de saúde, a filosofia de prevenção e o sistema de valores são diferentes. Em muitos países asiáticos, como China, Coreia e Singapura, existem níveis quase epidêmicos de dependência de internet, e eles começaram a tratar o proble- ma como uma ameaça de saúde pública.

Fatores Gen-D

Há numerosos fatores que parecem contribuir para a dependência de in- ternet, e muitos deles estão no contexto social e familiar. De uma perspectiva clínica, a maioria dos casos de tratamento envolve consequências negativas nos relacionamentos primários ou familiares. Dentro da constelação familiar

dePendência de internet 185

geralmente acontece uma inversão da hierarquia geracional. As crianças e os adolescentes foram criados com a internet e a tecnologia digital. Eles são a Generation ‑Digital ou Gen ‑D (Greenfield, 2009). Eles estão extremamente fa- miliarizados com o computador, a internet e muitos outros aparelhos digitais, e geralmente se sentem mais à vontade e confiantes no manejo dessa tecno- logia do que os pais. O mais comum é os pais transmitirem conhecimentos e experiência para a geração mais jovem. Aqui temos exatamente o oposto. A internet funciona, para as crianças da nossa Gen ‑D , de maneira fácil e natural, e elas geralmente sabem muito mais sobre a internet e a tecnologia digital que seus pais. Pela primeira vez na história moderna, a hierarquia de conhecimento e poder geracional foi invertida. Essa maior familiaridade e tranquilidade, junto a elevados níveis de uso, cria um desequilíbrio de po- der no sistema familiar, o que tem um impacto significativo sobre como a tecnologia é manejada em casa. Muitas vezes, os pais têm pouco ou nenhum conhecimento do que está acontecendo ou de como tudo isso funciona, e não percebem o nível de atividade ou abuso. Os pais não sabem o que é normal ou razoável, e não querem que os filhos fiquem para trás na curva de desenvol- vimento digital. Essa falta de conhecimento e de poder tecnológico contribui ainda mais para um possível abuso e dependência dessas tecnologias. No caso das crianças, adolescentes e adultos jovens, o papel do tera- peuta é orientar e dar poder aos pais, cuidadores, pessoal da escola e empre- gadores, fazendo -os entender como essas tecnologias funcionam; instruí-los sobre a internet/ videogames , jogos de azar, sexualidade virtual, redes sociais, e também sobre questões gerais de uso excessivo ou abuso de internet e de outros aparelhos de mídia digital. Sem essas informações fica difícil recuperar o equilíbrio de poder dentro do sistema familiar e controlar de modo apro- priado a tecnologia usada pela família.

CoNCLuSÃo

Vivemos em tempos que estão mudando. O nosso mundo está ficando cada vez menor e deveríamos nos sentir mais conectados com as pessoas que nos cercam, mas às vezes as próprias tecnologias digitais que parecem nos conectar com os outros nos alienam, isolam e nos tornam dependentes. Essas tecnologias digitais de comunicação e entretenimento (internet, e ‑mail , telefones celulares, PDAs, iPods, aparelhos de jogos) são divertidas e podem ser úteis para nós, mas todas apresentam propriedades de dependên- cia e de abuso que podem alterar o nosso humor e a nossa consciência, nos distrair e nos fornecer uma saída da vida que estamos levando no presente. Esses aparelhos podem nos amortecer e alterar o tempo, levando a nossa atenção do presente para algum outro lugar.