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Hematologia e Oncologia, Notas de estudo de Biomedicina

Hematologia e Oncologia

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 22/01/2010

camila-sena-12
camila-sena-12 🇧🇷

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SEÇÃO
11
127 / ANEMIAS ................................................................... 837
Anemias causadas por sangramento .......................... 843
Anemia aguda pós-hemorrágica ......................... 843
Anemia crônica pós-hemorrágica ........................ 844
Anemias causadas por eritropoiese deficiente ............ 844
Anemias microcíticas .......................................... 844
Anemia por deficiência de ferro ................... 846
Anemia por deficiência do
transporte de ferro ................................... 848
Anemias por utilização de ferro ................... 848
Anemia da doença crônica........................... 849
Anemias normocrômicas-normocíticas ............... 849
Anemias hipoproliferativas .......................... 849
Anemia aplástica ......................................... 850
Anemia mielotísica ...................................... 851
Mielodisplasia .............................................. 852
Anemia macrocítica não megaloblástica ............. 853
Anemias macrocíticas megaloblásticas ................ 853
Anemia causada por deficiência de
Vitamina B12 ............................................ 853
Anemia causada por deficiência
de folato .................................................. 856
Anemia causada por deficiência
de vitamina C .......................................... 858
Anemias causadas por hemólise excessiva ................. 858
Hemólise causada por defeitos extrínsecos
das hemácias .................................................. 859
Anemia causada por hiperatividade
reticuloendotelial ..................................... 859
Anemias causadas por anormalidades
imunológicas ........................................... 860
Anemia causada por lesão mecânica ............ 862
Hemólise causada por defeitos intrínsecos
das hemácias .................................................. 863
Anemias causadas por alterações da
membrana das hemácias .......................... 863
Anemias causadas por distúrbios do
metabolismo das hemácias ...................... 864
Anemias causadas por síntese defeituosa
de hemoglobina ...................................... 865
Anemia falciforme .................................... 866
Doença da hemoglobina C ....................... 868
Doença da hemoglobina S-C .................... 868
Doença da hemoglobina E ....................... 868
Talassemias .............................................. 868
Doença da hemoglobina S-talassemia β ......... 870
128 / SOBRECARGA DE FERRO .......................................... 870
HEMATOLOGIA E
ONCOLOGIA
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Merck_11a.p65 02/02/01, 13:45835
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SEÇÃO

127 / ANEMIAS ................................................................... 837 Anemias causadas por sangramento .......................... 843 Anemia aguda pós-hemorrágica ......................... 843 Anemia crônica pós-hemorrágica ........................ 844 Anemias causadas por eritropoiese deficiente ............ 844 Anemias microcíticas .......................................... 844 Anemia por deficiência de ferro ................... 846 Anemia por deficiência do transporte de ferro ................................... 848 Anemias por utilização de ferro ................... 848 Anemia da doença crônica ........................... 849 Anemias normocrômicas-normocíticas ............... 849 Anemias hipoproliferativas .......................... 849 Anemia aplástica ......................................... 850 Anemia mielotísica ...................................... 851 Mielodisplasia .............................................. 852 Anemia macrocítica não megaloblástica ............. 853 Anemias macrocíticas megaloblásticas ................ 853 Anemia causada por deficiência de Vitamina B 12 ............................................ 853 Anemia causada por deficiência de folato .................................................. 856 Anemia causada por deficiência de vitamina C .......................................... 858 Anemias causadas por hemólise excessiva ................. 858 Hemólise causada por defeitos extrínsecos das hemácias .................................................. 859 Anemia causada por hiperatividade reticuloendotelial ..................................... 859 Anemias causadas por anormalidades imunológicas ........................................... 860 Anemia causada por lesão mecânica ............ 862 Hemólise causada por defeitos intrínsecos das hemácias .................................................. 863 Anemias causadas por alterações da membrana das hemácias .......................... 863 Anemias causadas por distúrbios do metabolismo das hemácias ...................... 864 Anemias causadas por síntese defeituosa de hemoglobina ...................................... 865 Anemia falciforme .................................... 866 Doença da hemoglobina C ....................... 868 Doença da hemoglobina S-C .................... 868 Doença da hemoglobina E ....................... 868 Talassemias .............................................. 868 Doença da hemoglobina S-talassemia β ......... 870

128 / SOBRECARGA DE FERRO .......................................... 870

HEMATOLOGIA E

ONCOLOGIA

835

836 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

  • 129 / TRANSFUSÃO
    • Coleta do sangue
    • Teste de pré-transfusão
    • Produtos sangüíneos
    • Técnica
    • Complicações
    • Hemaferese terapêutica
  • 130 / DISTÚRBIOS MIELOPROLIFERATIVOS
    • Policitemia vera - Eritrocitose secundária
    • Mielofibrose
    • Trombocitemia primária - Trombocitopenia secundária
  • 131 / HEMOSTASIA E DISTÚRBIOS DE COAGULAÇÃO
    • Distúrbios hereditários da coagulação - Hemofilia - Distúrbios hereditários incomuns da coagulação
    • Distúrbios adquiridos da coagulação - doença hepática Distúrbios da coagulação relacionados à - Coagulação intravascular disseminada - anticoagulantes circulantes Distúrbios da coagulação causados por
  • 132 / DISTÚRBIOS TROMBÓTICOS
  • 133 / DISTÚRBIOS PLAQUETÁRIOS
    • Trombocitopenia
    • Disfunção plaquetária
  • 134 / DISTÚRBIOS VASCULARES HEMORRÁGICOS
    • Púrpura simples
    • Púrpura senil
    • Telangiectasia hemorrágica hereditária
    • Púrpura de Henoch-Schönlein
    • Púrpura vascular causada por disproteinemias
    • Vasculite leucocitoclástica
    • Sensibilização auto-eritrocitária
  • 135 / LEUCOPENIA E LINFOCITOPENIA
  • 136 / DISTÚRBIOS EOSINOFÍLICOS
  • 137 / SÍNDROMES HISTIOCÍTICAS
  • 138 / LEUCEMIAS
    • Leucemia aguda
    • Leucemia crônica
    • Síndrome mielodisplásica
  • 139 / LINFOMAS
    • Doença de Hodgkin
    • Linfomas não-Hodgkin - Linfoma de Burkitt
    • Micose fungóide
  • 140 / DISCRASIAS PLASMOCITÁRIAS - indeterminada Gamopatia monoclonal de significação
    • Macroglobulinemia
    • Mieloma múltiplo
    • Doenças de cadeia pesada

838 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

T ABELA 127.1 – CARACTERÍSTICAS DAS ANEMIAS COMUNS

Etiologia ou tipoEtiologia ou tipoEtiologia ou tipoEtiologia ou tipoEtiologia ou tipo Alterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicas Características especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiais

Perda aguda de Normocrômica-normocítica, com policro- Na hemorragia grave pode haver hemácias sangue matofilia; medula hiperplásica nucleadas e desvio à esquerda dos leucócitos; leucocitose e trombocitose Perda crônica de Semelhante à anemia devido à deficiência de ferro; pode apresentar características de perda sangue aguda de sangue, caso tenha havido hemorragia intensa recente sobreposta Deficiência de Microcítica, aniso e poiquilocitose; reticulocito- Podem estar presentes: acloridria, língua careca ferro penia; medula hiperplásica, com hemo- e unhas baqueteadas; ausência de ferro globinização retardada corável na medula; Fe sérico baixo; capacida- de total de ligação de Fe aumentada; ferri- tina sérica baixa; ferritina eritrocitária baixa Deficiência de vi- Macrócitos ovais; anisocitose; reticuloci- Nível sérico de B 12 < 180pg/mL (< 130pmol/L); tamina B 12 topenia; leucócitos hipersegmentados; envolvimento GI e SNC freqüente; teste medula megaloblástica de Schilling positivo, bilirrubina sérica elevada; DHL aumentada; anticorpos para o fator intrínseco no soro (comum), secre- ção ausente do fator intrínseco gástrico Deficiência de Características semelhantes às da deficiên- Folato sérico < 5ng/mL (< 11nmol/L); folato folato cia de vitamina B 12 eritrocitário < 225ng/mL de hemácias (< 510nmol/L); deficiência nutricional e malabsorção (espru, gestação, lactân- cia, alcoolismo) Insuficiência me- Normocrômica-normocítica; reticulocitope- Pode ser idiopática (> 50%) ou secundária dular nia; aspirado de medula geralmente pre- à exposição a drogas tóxicas ou a agentes judicado ou pode mostrar hipoplasia da químicos tóxicos (por exemplo, cloranfenicol, série eritróide ou de todos os elementos quinacrina, hidantoínas, inseticidas)

novação diária de 1/120 das células. A total cessa- ção da eritropoiese resulta em um declínio ao re- dor de 10% de hemácias por semana (1% ao dia). A eritropoiese deficiente resulta em reticulo- citopenia relativa ou absoluta. Quando os valores de hemácias caem > 10% por semana (ou seja, 500.000 hemácias/μL) sem hemorragia, a hemóli- se é um fator causal. Uma abordagem conveniente para a maioria das anemias que resultam de eritropoiese deficiente é o exame das alterações na forma e tamanho celulares. Assim, as anemias microcíticas-hipocrômicas (ver Avaliação Laboratorial, adiante) sugerem síntese de- ficiente de heme ou globina (por exemplo, deficiên- cia de ferro [Fe], talassemia e defeitos de síntese relacionados à hemoglobina, anemia da doença crô- nica). Em contraste, anemias normocrômicas-nor- mocíticas sugerem um mecanismo hipoproliferativo ou hipoplásico. Algumas anemias são caracteriza- das por macrócitos (grandes hemácias), que suge- rem um defeito na síntese do DNA. Geralmente, estas anemias são causadas por metabolismo defei- tuoso da vitamina B 12 ou do ácido fólico, ou por

uma interferência na síntese de DNA devido a agen- tes quimioterápicos citorredutores. A resposta ade- quada da medula óssea à anemia é evidenciada pela reticulocitose ou policromatofilia sangüínea. Do mesmo modo, alguns mecanismos pouco comuns de destruição aumentada (por exemplo, seqüestro esplênico, hemólise mediada por anti- corpos, função defeituosa da membrana das he- mácias e hemoglobina anormal) são de grande auxílio no diagnóstico diferencial de anemias hemolíticas. Um princípio crítico para o tratamento das ane- mias é administrar tratamento específico, o que implica na necessidade de um diagnóstico especí- fico. A resposta ao tratamento corrobora o diag- nóstico. Embora o tratamento com múltiplas dro- gas (ou seja, “tratamento ao acaso”) possa forne- cer uma resposta transitória da anemia, tal trata- mento não é justificável, pois apresenta risco de seqüelas sérias. A transfusão de hemácias pro- porciona uma forma de correção instantânea, que deve ser reservada para pacientes com sintomas cardiopulmonares, sinais de sangramento ativo

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 839

T ABELA 127.1 – CONTINUAÇÃO

Etiologia ou tipoEtiologia ou tipo Etiologia ou tipoEtiologia ou tipoEtiologia ou tipo Alterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicasAlterações morfológicas Características especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiaisCaracterísticas especiais

Anemia sidero- Geralmente hipocrômica, mas dimórfica Defeito metabólico congênito ou adquirido; Fe blástica normocítica e macrocítica; medula hi- medular corável (em quantidade adequada); perplásica, com hemoglobinização retar- resposta à B 6 (rara); comumente parte da dada; sideroblastos anelados síndrome mielodisplásica

Hemólise aguda Normocrômica-normocítica; reticulocitose; Bilirrubina sérica e DHL aumentadas; urobi- hiperplasia eritróide da medula linogênio aumentado nas fezes e na urina; hemoglobinúria nos casos fulminantes; hemossiderinúria

Hemólise crônica Normocrômica-normocítica; reticulocitose; Bilirrubina sérica e DHL aumentadas; ciclo vital hiperplasia eritróide da medula; das hemácias diminuído; “turnover” de Fe pontilhado basófilo (especialmente na radioativo aumentado; hemossiderinúria intoxicação por chumbo)

Esferocitose here- Micrócitos esferóides; hiperplasia eritróide Concentração média de hemoglobina eritrocitária ditária normoblástica aumentada; fragilidade aumentada de hemá- cias; ciclo vital de hemácias marcadas di- minuído; radioatividade aumentada do baço (excede a do fígado)

Hemoglobinúria Normocítica (pode ser hipocrômica devido Urina escura pela manhã; hemossiderina; tes- paroxística no- à deficiência de Fe); a medula pode ser tes de hemólise ácida (Ham) e de açúcar- turna hiper ou hipocelular água positivos

Crio-hemoglobinú- Normocrômica-normocítica Após exposição ao frio; causada por uma ria paroxística crioaglutinina ou hemolisina; geralmente associada à sífilis ou a outras infecções

Anemia falciforme Aniso e poiquilocitose; algumas hemácias fal- Bastante restrita a negros; isostenúria urinária; ciformes no esfregaço; falcização com- a eletroforese mostra hemoglobina S; po- pleta na preparação com hipoxia ou ex- dem ocorrer crises vasoclusivas dolorosas posição hiperosmolar e úlceras das pernas; alterações ósseas visí- veis ao raio X

Talassemia Microcítica; células afiladas; células-alvo; Fragilidade eritrocitária diminuída; hemoglobinas pontilhado basofílico; aniso e poiquiloci- A 2 e F geralmente elevadas; comumente tose; hemácias nucleadas em homozigotos associada a ancestrais do Mediterrâneo; os homozigotos são anêmicos desde a lactân- cia; esplenomegalia; alterações ósseas visí- veis ao raio X

Infecção ou infla- Normocrômica-normocítica inicialmente, Fe sérico diminuído; capacidade total de liga- mação crônica a seguir microcítica; medula normoblás- ção de Fe diminuída; ferritina sérica nor- tica; depósitos de Fe adequados mal, ferritina eritrocitária normal e con- teúdo de Fe normal na medula

Invasão medular Aniso e poiquilocitose; hemácias nucleadas; Infiltração medular com granulomas infeccio- (mielotísica) precursores granulocíticos precoces; a sos, neoplasia, fibrose ou histiocitose aspiração medular pode estar prejudi- lipídica; hematomegalia e esplenomegalia cada, ou mostrar leucemia, mieloma ou presentes; pode-se demonstrar alterações células metastáticas ósseas; a captação de Fe radioativo é maior no baço e no fígado do que no sacro

Fe = ferro; DHL = desidrogenase láctica.

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 841

das orelhas ou, em lactentes, a superfície plantar do calcanhar são rapidamente puncionados com uma lanceta estéril descartável, penetrando-se em profun- didade suficiente para assegurar um fluxo espontâ- neo de sangue. Deve-se evitar pressão indevida que possa fazer com que os líquidos teciduais diluam o sangue durante a coleta da amostra. Em algumas circunstâncias, os tubos com EDTA são utilizados para testes de coagulação. Indepen- dentemente do anticoagulante usado, uma vez que a anemia significante (Ht < 20%) ou a policitemia (Ht > 50%) pode afetar os resultados da coagula- ção, o volume da amostra deve ser ajustado, após serem conhecidos os dados do hemograma. Para a anemia significante, pode-se adicionar menos san- gue à quantidade fixa de anticoagulante, retirando- se o sangue em uma seringa; para a policitemia, a quantidade de anticoagulante deve ser reduzida (ver T ABELA 127.3). Hemograma completo – O hemograma com- pleto é uma avaliação básica que geralmente in- clui Hb, Ht, contagem de leucócitos, contagem diferencial de leucócitos, contagem de plaquetas e uma descrição do esfregaço sangüíneo, relativa à morfologia e grau de policromatofilia, e dis- persão e arquitetura de plaquetas. Freqüentemen- te, inclui-se a contagem dos eritrócitos, espe- cialmente quando se deseja o cálculo dos índices hematimétricos. As indicações para um hemograma completo in- cluem suspeita de doença hematológica neoplásica, inflamatória, ou infecciosa, e triagem de lactentes < 1 ano, mulheres grávidas, idoso mantido em institui- ção e pacientes com anormalidades nutricionais. É controverso seu valor durante a avaliação de rotina do paciente que será internado. Podem-se detectar anemia, eritrocitose, leuce- mia, insuficiência da medula óssea, infecção, in- flamação ou reações colaterais de drogas. O exa- me do esfregaço sangüíneo pode auxiliar na de- tecção de outras anormalidades (por exemplo, trom- bocitopenia, parasitas da malária e outros parasi- tas, formação significativa de “rouleaux” e a pre- sença de hemácias nucleadas ou granulócitos imaturos, inclusões em hemácias ou granulóci- tos), que podem ocorrer apesar de contagens nor- mais. A avaliação do esfregaço sangüíneo é im- portante para a avaliação da morfologia de hemá- cias e leucócitos anormais. Com a tecnologia automatizada, as contagens de hemácias, Hb, Ht e plaquetas encontram-se dis- poníveis em 30 segundos. Em casos raros, as con- tagens sangüíneas também são feitas misturando- se um volume medido de sangue com um diluente apropriado ou agente que induz lise, e a contagem é feita em uma câmara sob microscopia. A Hb pode

ser medida colorimetricamente, após tratamento com ácido clorídrico diluído, que permite a com- paração colorimétrica ou espectrofotométrica com padrões de hematina ou cianometemoglobina, res- pectivamente. O Ht é medido através de centrifu- gação de um volume de sangue e determinação da porcentagem de hemácias em relação ao volume sangüíneo total. A contagem diferencial de leucó- citos é feita após corar-se uma gota de sangue, em uma lâmina de vidro, com um corante meta- cromático (por exemplo, corante de Wright) e exa- minando-a sob microscopia de imersão em óleo. Conta-se um mínimo de 100 leucócitos e cada tipo é relatado em porcentagem. Alguns instrumentos automatizados também fazem contagens diferen- ciais através de reconhecimento de padrões. O número de plaquetas pode ser estimado no esfre- gaço sangüíneo (utilizando-se 20.000/μL para cada plaqueta observada num dado campo de imersão em óleo [90×]). Os valores normais para a contagem total de leu- cócitos variam entre 4.300 e 10.800/μL; os valores normais para a contagem diferencial de leucócitos são: neutrófilos segmentados 34 a 75%, neutrófi- los em faixa ≤ 8%, linfócitos 12 a 50%, monócitos 3 a 15%, eosinófilos ≤ 5% e basófilos ≤ 3%. Contagem de hemácias – O valor normal, ao ní- vel do mar, é de 5,4 ± 0,8 milhões/μL para homens e 4,8 ± 0,6 milhões/μL para mulheres. Ao nascimento, esta contagem é ligeiramente maior; por volta do ter- ceiro mês, cai para níveis ao redor de 4,5 ± 0, milhões/μL, elevando-se gradativamente, após os 4 anos de idade até a puberdade.

T ABELA 127.3 – AJUSTE DO VOLUME DE
UMA AMOSTRA SANGÜÍNEA PARA O
HEMATÓCRITO EM UM TESTE DE
COAGULAÇÃO

Volume sangüíneo paraVolume sangüíneo paraVolume sangüíneo paraVolume sangüíneo paraVolume sangüíneo para 0,5mL de anticoagulante0,5mL de anticoagulante0,5mL de anticoagulante0,5mL de anticoagulante0,5mL de anticoagulante

Ht (vol %)Ht (vol %)Ht (vol %)Ht (vol %)Ht (vol %) AAAAA DULTOSDULTOSDULTOSDULTOSDULTOS CCCCC RIANÇASRIANÇASRIANÇASRIANÇASRIANÇAS

10 3,0 1, 12 3,0 1, 14 3,1 1, 16 3,2 1, 18 3,3 2, 20 3,4 2,

20, < 50 4,5* 2,7* 50 Utilizar um tubo especialmente preparado com volume redu- zido de anticoagulante

  • Quando se deixa o tubo encher passivamente, o vácuo no mesmo deverá retirar automaticamente este volume.

842 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

O nível normal da Hb é de 16 ± 2g/dL para ho- mens e de 14 ± 2g/dL para mulheres. O Ht (ou seja, o volume de hematócrito), é de 47 ± 5% para homens e de 42 ± 5% para mulheres. Os critérios diagnósticos para anemia, em homens, são: hemácias < 4, milhões/μL, Hb < 14g/dL ou Ht < 42%; para mulhe- res, estes critérios são: hemácias < 4 milhões/μL, Hb < 12g/dL ou Ht <37%. Contagem de reticulócitos – A reposição diá- ria de hemácias (40.000 a 50.000/μL) representa 0,5 a 1,5% da contagem total de eritrócitos. Es- sas células podem ser identificadas como células policromatofílicas nas colorações de rotina (co- rantes de Wright ou de Giemsa coram os resquí- cios de RNA) ou reticulócitos em coloração su- pravital, os quais reconhecem o material reti- cular endoplasmático dentro das células. A con- tagem de reticulócitos é feita, utilizando-se al- gumas gotas de sangue inicialmente coradas com azul de metileno fresco e contracoradas com corante de Wright. Sob imersão em óleo, conta- se o número de 1.000 hemácias consecutivas com retículo corado em azul e expresso em porcenta- gem (normalmente 0,5 a 1,5%). Os reticulócitos podem ser enumerados utilizando-se contadores diferenciais automatizados. Uma vez que os reticulócitos representam uma população de células jovens, a contagem de reti- culócitos é um critério importante da atividade medular, que pode ser considerado como uma resposta à necessidade de renovação de hemá- cias. A contagem aumentada de reticulócitos (re- ticulocitose) sugere uma resposta restauradora após sangramento agudo ou após tratamento es- pecífico para anemias causadas por eritropoiese deficiente (ou seja, anemias por deficiência de vitamina B 12 , ácido fólico e ferro). A reticuloci- tose é particularmente intensa em anemias he- molíticas e em sangramento agudo e grave. Pode indicar o início da remissão de uma anemia aplástica ou leucemia. Uma contagem normal de reticulócitos numa anemia indica incapacidade da medula óssea em responder apropriadamente. Tal reticulocitopenia geralmente se deve a uma deficiência nutricional ou hormonal que resulta em eritropoiese deficiente; um mecanismo dra- mático é a presença de infecções virais (espe- cialmente o parvovírus B19 humano) como cau- sa da grave diminuição de produção, mas transi- tória, de eritrócitos. Índices hematimétricos – O tipo de anemia pode ser indicado pelos índices hematimétricos: volume corpuscular médio [VCM], hemoglobi- na corpuscular média [HCM] e a concentração de hemoglobina corpuscular média [CHCM]. As

populações de hemácias são denominadas micro- cíticas (VCM < 80fL ou macrocíticas (VMC

95fL). O termo hipocromia refere-se a popu- lações de hemácias com conteúdo de HCM < 27pg/hemácias ou CHCM < 30%. Estas rela- ções quantitativas geralmente podem ser reco- nhecidas num esfregaço de sangue periférico e, juntamente com os índices, permitem a classifi- cação das anemias que se correlacionam com a classificação etiológica (ver T ABELA 127.1) e auxiliam muito o diagnóstico. Técnicas eletrônicas automatizadas medem di- retamente a Hb, o conteúdo de hemácias e o VCM, enquanto o Ht, a HCM e a CHCM são calculados a partir destes dados. Assim, o VCM tornou-se o índice hematimétrico mais impor- tante no diagnóstico diferencial de anemias, ten- do declinado a confiança nos valores derivados (especialmente Ht). Um histograma de anisoci- tose (variação do tamanho celular) pode ser ex- presso automaticamente como o coeficiente de variação de amplitude do volume de distribuição (RDW) de hemácias. Também pode ocorrer poiquilocitose (variação no tamanho). Podem-se identificar evidências de lesão das hemácias diretamente em seus fragmen- tos, porções de células rotas (esquistócitos), as- sim como evidências de alterações significativas das membranas das células ovais (ovalócitos) ou células esferocíticas. As células-alvo (células afiladas com uma mancha central de Hb) são cé- lulas que apresentam Hb insuficiente ou excesso de membrana. Aspiração e biópsia da medula óssea – Es- ses estudos proporcionam observação direta da atividade e maturação eritrocitária dos precurso- res das hemácias, maturidade anormal (dispoiese) das células e semiquantificação da quantidade, distribuição e padrão celular do conteúdo de fer- ro (Fe). É útil em anemias e quando se suspeita de leucemia ou mielotísica. A cultura simultânea do aspirado de medula óssea proporciona um excelente instrumento para o diagnóstico em pa- cientes com febre de origem desconhecida. Além disso, podem-se fazer análises citogênica e mo- lecular no material aspirado em neoplasias he- matopoiéticas ou outras, ou em lesões congêni- tas suspeitas. Pode-se realizar a fluxocitometria em estados linfo ou mieloproliferativos para de- finir o imunofenótipo. Como a aspiração e a biópsia da medula óssea não são difíceis, nem apresentam risco signifi- cante, podem ser realizadas logo quando se sus- peita de doenças hematológicas. Em geral, am- bas podem ser realizadas em um único procedi-

844 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

choque. A transfusão sangüínea, a única maneira confiável de restaurar rapidamente o volume san- güíneo, é indicada para sangramento intenso com ameaça de colapso vascular. O plasma é o substitu- to temporário mais satisfatório do sangue. As ten- tativas com agentes químicos (principalmente per- fluoroquímicos) capazes de transportar O 2 têm tido apenas um limitado sucesso. A infusão de solução salina ou dextrose tem somente efeito benéfico tran- sitório. Indicam-se repouso absoluto, líquidos por via oral (conforme a tolerância) e outras medidas padrão para o tratamento do choque. O tratamento subseqüente pode incluir Fe para repor a quantida- de perdida no sangramento.

ANEMIA CRÔNICA

PÓS-HEMORRÁGICA

É uma anemia microcítica causada por hemorra- gia moderada e prolongada, como a que ocorre no sangramento GI crônico (por exemplo, úlce- ra péptica ou hemorróidas) ou em um sítio uro- lógico ou ginecológico. As características clínicas e o tratamento da anemia crônica pós-hemorrágica serão discuti- dos mais adiante, no tópico Anemia por Defi- ciência de Ferro.

ANEMIAS CAUSADAS POR

ERITROPOIESE DEFICIENTE

ANEMIAS MICROCÍTICAS

A síntese deficiente ou defeituosa da heme ou da globina produz uma população de hemácias microcíticas. Entretanto, as alterações iniciais po- dem ser mínimas. O diagnóstico diferencial (ver T ABELA 127.4) inclui anemia por deficiências de Fe, de transporte de Fe e anemias da utiliza- ção de Fe, anemia da doença crônica e talasse- mias (ver adiante Anemias Causadas por Síntese Defeituosa da Hemoglobina). O termo anemia microcítica foi substituído por anemia hipocrô- mica-microcítica, uma vez que o grau de hipo- cromia varia.

Distúrbios no metabolismo de ferro

O Fe é distribuído nos “pools” ativo metabó- licos e de armazenamento. O Fe corpóreo total no homem adulto sadio está por volta de 3,5g e na mulher, 2,5g; a diferença está relacionada ao tamanho corpóreo e à ausência comum de um “pool” significante de Fe de armazenamento nas mulheres. O conteúdo aproximado no “pool” ativo

de um homem normal é de 2.100mg na Hb, 200mg na mioglobina, 150mg nas enzimas teciduais (heme e não heme) e 3mg no compartimento de transporte de Fe. O Fe é armazenado nas células teciduais como ferritina (700mg) e hemosside- rina (300mg). Absorção de Fe – A dieta média americana, que contém 6mg de Fe/kcal de alimento, é muito adequada para a homeostasia do Fe. Contudo, a variação significativa na biodisponibilidade do Fe dietético altera acentuadamente a absorção. A absorção de Fe é melhor quando o alimento con- tém Fe heme (carne). A absorção de Fe não heme é reduzida por uma variedade de outros alimen- tos (como fitatos e polifenóis de fibras vegetais, tanatos de chás, incluindo fosfoproteínas, fare- lo). Assim, muitas interações entre alimentos re- sultam em biodisponibilidade. O ácido ascórbi- co é o único elemento alimentar comum que, sabidamente, é capaz de aumentar a biodisponi- bilidade do Fe não heme. Dos 10mg ao dia de Fe disponível na dieta, no adulto apenas 1mg é absorvido, o qual é essen- cialmente equivalente à perda diária pela desca- mação celular da pele e intestino. Na depleção de Fe, a absorção aumenta mas raramente para

6mg de Fe, exceto que seja adicionado Fe su- plementar. Durante a infância, existe um aumen- to significativo das necessidades de Fe e parece que as crianças estão num equilíbrio de Fe-posi- tivo para cobrir estas necessidades. Embora a absorção de Fe ocorra no duodeno e parte superior do jejuno, outras atividades GI afetam a absorção. Assim, o Fe não heme da dieta é reduzido ao estado ferroso e liberado dos ligantes alimentares pelas secreções gástricas. Ainda não são claros os mecanismos reais de absorção do Fe. Contudo, a regulação da absor- ção é mediada de alguma maneira importante pelas células da mucosa intestinal. O sinal pri- mário para a célula intestinal parece estar rela- cionado ao “pool” total de Fe corpóreo. A con- centração de ferritina sérica está inversamente relacionada à quantidade de Fe absorvida; a fer- ritina (ou transferrina) pode fornecer este sinal. A eritropoiese aumentada (por exemplo, anemia hemolítica congênita) também pode afetar a re- gulação da captação e retenção de Fe pelas célu- las da mucosa intestinal. Metabolismo do Fe – O Fe das células da mu- cosa intestinal é transferido para a transferrina , que é uma proteína transportadora de Fe com dois sítios de ligação, sintetizada no fígado; este siste- ma é capaz de captar o Fe das células (intestinais, macrófagos) e liberá-lo aos receptores específicos nos eritroblastos, células placentárias e hepáticas.

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 845

A transferrina liga-se aos receptores específicos de membrana nos eritroblastos, o complexo transfer- rina-Fe entra no precursor eritrocitário por endoci- tose e o Fe é transferido para a mitocôndria, que insere o Fe na protoporfirina para transformá-lo em heme. A transferrina (com uma meia-vida plasmá- tica de 8 dias) é expulsa para reutilização. O Fe não utilizado pela síntese eritrocitária é transferido pela transferrina para o “pool” de ar- mazenamento, que possui duas formas. A mais importante é a ferritina (uma família heterogênea de proteínas formada ao redor de um núcleo de Fe), que é uma fração de armazenamento solúvel e ati- va encontrada no fígado (nos hepatócitos), medula óssea, baço (nos macrófagos), hemácias e no soro. O “pool” de ferritina tecidual é muito lábil e está prontamente disponível para qualquer exigência corpórea de Fe. A ferritina circulante (soro) parece ter sua origem no sistema fagocitário mononuclear (reticuloendotelial) e sua concentração circulante é paralela ao das reservas corpóreas (1ng/mL é equi- valente a 8mg de Fe no “pool” de armazenamen- to). O segundo “pool” de armazenamento de Fe está na hemossiderina , um “pool” relativamente inso- lúvel armazenado primariamente no fígado (nas cé- lulas de Kupffer) e na medula (nos macrófagos). Como a absorção de Fe é muito limitada, o cor- po possui um mecanismo altamente conservador para manejar suas necessidades diárias. Com a ida- de, as hemácias sofrem fagocitose por parte dos fagócitos mononucleares. A digestão resulta em Fe disponível, que é captado pela transferrina para reutilização. Este sistema de reutilização do Fe é tão eficiente que cerca de 97% das necessidades diárias de Fe (cerca de 25mg) são obtidas deste “pool” de armazenamento; outra 1mg deriva da absorção intestinal.

Avaliação laboratorial

Fe e capacidade de ligação do Fe – Ambos os testes devem ser realizados, já que a relação entre seus valores é importante. Existem diversos testes e a variação do normal depende do método a ser utilizado. Geralmente, o Fe sérico normal é de 75 a 150 μg/dL (13 a 27μmol/L) para homens e 60 a 140 μg/dL (11 a 25μmol/L) para mulheres; a capa- cidade total de ligação de Fe varia de 250 a 450 μg/dL (45 a 81μmol/L). A concentração de Fe sérico é baixa na deficiência de Fe e na anemia da doença crônica e elevada nos estados hemolíticos e síndromes de sobrecarga de Fe (ver Cap. 128). Os pacientes recebendo tratamento com Fe por via oral podem apresentar Fe sérico normal, apesar da deficiência existente; em tais circunstâncias, um tes- te válido requer a suspensão da terapia com Fe por 24 a 48h. A capacidade de ligação de Fe (ou trans-

ferrina) é elevada na deficiência de Fe, mas redu- zida na anemia da doença crônica. A ferritina sérica , que é medida através de métodos de radioimunoensaio, é uma glicoproteí- na de armazenamento de Fe que existe como isoferritina específica de tecidos. A variação do normal, na maioria dos laboratórios, é de 30 a 300ng/mL e a média geométrica é de 88 para ho- mens e 49 para mulheres. As concentrações séricas de ferritina relacionam-se estreitamente com as re- servas corpóreas totais de Fe; assim, as concentra- ções baixas (< 12ng/mL) ocorrem somente nos es- tados de deficiência de Fe e as concentrações ele- vadas ocorrem nos estados de sobrecarga de Fe. Nos casos de lesão hepática (ou seja, hepatite) ou de algumas neoplasias (especialmente leucemia aguda, doença de Hodgkin e tumores do trato GI), quando a ferritina pode ser semelhante a um rea- gente de fase aguda, as concentrações séricas de ferritina também estão elevadas. Deste modo, as concentrações baixas de ferritina sérica sempre identificam a deficiência de Fe, mas podem estar falsamente elevadas devido à lesão hepatocelular ou à presença de uma resposta de fase aguda. O receptor sérico de transferrina pode ser ava- liado por ensaio imunoabsorvente ligado à enzima

  • método imunoenzimático (ELISA), utilizando um anticorpo monoclonal contra o receptor solúvel. Uma vez que o ELISA calcula a massa corpórea total dos receptores teciduais, esta é uma medida relativa da porção proliferativa ativa do éritron. A variação do normal é de 3,0 a 8,5μg/mL. Os níveis estão aumentados na deficiência inicial de Fe teci- dual e em casos de eritropoiese aumentada. Os ní- veis são normais na anemia da doença crônica. A ferritina eritrocitária pode ser medida cole- tando-se sangue em heparina e separando as he- mácias dos leucócitos e plaquetas (que também contêm ferritina) através de centrifugação Hypaque. Após hemólise, o radioimunoensaio da ferritina eritrocitária indica o estado do armazenamento du- rante os 3 meses anteriores (ou seja, o período de vida das hemácias). A ferritina eritrocitária normal varia com o teste empregado, mas geralmente está entre 5 e 48ag/hemácia. Este valor é < 5ag/hemácia nas anemias por deficiência de Fe e está acentua- damente elevado (quase sempre > 100ag/hemácia) nos estados de sobrecarga de Fe (ver Cap. 128). O nível não é afetado pela função hepática ou outras doenças agudas. Protoporfirina eritrocitária livre – A protopor- firina eritrocitária livre está mensuravelmente aumen- tada nos casos de síntese alterada na heme (por exem- plo, deficiência de Fe, intoxicação por chumbo). Entretanto, tem utilidade limitada, já que não dife- rencia a deficiência de Fe devido à anemia de uma

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 847

de reservas de Fe na medula. Outros achados labo- ratoriais seguem um padrão previsível dos estágios fisiopatológicos. A baixa concentração de ferritina sérica (< 12ng/mL) identifica deficiência de Fe. Entretanto, os níveis de ferritina são elevados na presença de lesão hepática e em algumas neopla- sias e devem ser interpretados com cuidado. O au- mento do receptor de transferrina sérica para

8,5μg/mL e concentrações reduzidas de ferritina nas hemácias (< 5ag/mL) proporciona uma avalia- ção não invasiva excelente do estado do Fe. Uma vez que a deficiência de Fe limita a eritro- poiese, ocorre a reticulocitopenia. A presença de policromatofilia em um esfregaço sangüíneo peri- férico, em um paciente com características de defi- ciência de Fe, sugere que o Fe se tornou recente- mente disponível. Não estando presente uma fonte exógena, as possíveis causas são o sangramento proximal ao duodeno (local de absorção de Fe), sangue peritoneal livre de uma gravidez ectópica e Fe de um estado hemolítico intravascular (por exemplo, hemoglobinúria noturna paroxística).

Tratamento

O tratamento com Fe, sem a busca da causa, é uma má prática; o local de sangramento deve sempre ser pesquisado, mesmo em casos de anemia leve.

O Fe pode ser fornecido por vários sais de ferro (por exemplo, sulfato, fumarato ou gluconato ferroso) Fe sacarato VO 30min antes das refeições (ali- mentos ou antiácidos podem reduzir sua absor- ção). A adição de ácido ascórbico (500mg) au- mentará a absorção de Fe sem agravar o descon- forto gástrico. O Fe em cápsulas entéricas com revestimento não é bem absorvido e não tem lugar na terapia. O Fe por via oral é mais seguro que o parenteral, embora a taxa e padrão de resposta de Hb sejam os mesmos. O Fe parenteral deve ser reservado a pacientes que não toleram ou não inge- rem o Fe por via oral, ou para aqueles que perdem grandes quantidades de sangue de forma contínua, devido a distúrbios capilares ou vasculares (por exemplo, telangiectasia hemorrágica hereditária). A resposta máxima de reticulócitos geralmente ocorre 7 a 10 dias após o início da reposição de Fe. O grau de reticulocitose é menor que o atingido na reposição com B 12 ou ácido fólico nas anemias me- galoblásticas. O reconhecimento de policromato- filia progressiva no esfregaço sangüíneo permite documentar o processo de reparo com menos es- forço e custo do que o exigido na contagem real de reticulócitos. Durante duas semanas, a Hb eleva-se pouco, mas a elevação subseqüente deve ser de 0, a 1g/semana na anemia grave. Uma resposta sub-

T ABELA 127.4 – DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA ANEMIA MICROCÍTICA

DeficiênciaDeficiênciaDeficiênciaDeficiênciaDeficiência DeficiênciaDeficiênciaDeficiênciaDeficiênciaDeficiência no transporteno transporteno transporteno transporteno transporte UtilizaçãoUtilizaçãoUtilizaçãoUtilizaçãoUtilização ReutilizaçãoReutilizaçãoReutilizaçãoReutilizaçãoReutilização de ferrode ferrode ferrode ferrode ferro de ferrode ferrode ferrode ferrode ferro de ferrode ferrode ferrode ferrode ferro de ferrode ferrode ferrode ferrode ferro

Sangue periférico Microcitose (M) versus hipocromia (H) M > H M > H M > H M > H Células-alvo policromatofílicas Ausentes Ausentes Presentes Ausentes Hemácias pontilhadas Ausentes Ausentes Presentes Ausentes Amplitude do volume de distribuição ↑ ↑ ↑ Normal de hemácias Ferro sérico Ferro sérico: capacidade de ligação de ferro ↓:↑ ↓:↓ ↑:Normal ↓:↓ Saturação da transferrina (%) < 10 0 > 50 > 10 Ferritina sérica (normal, 30 – 300ng/mL) < 12 Sem dados > 400 30 – 400 disponíveis Ferritina eritrocitária (normal, 5 – 48ag/hemácia) < 5 Sem dados > 50 5 – 45 disponíveis Medula óssea Relação eritrócito-granulócito 1:1 – 1:2 1:1 – 1:2 1:1 – 5:1 1:1 – 1: (normal, 1:3 – 1:5) Ferro medular Ausente Presente ↑ Presente Sideroblastos anelados Ausentes Ausentes Presentes Ausentes

↑ = aumentada; ↓ = diminuída.

848 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

normal pode ser resultante de hemorragia contínua, infecção de base ou doença maligna, ingestão in- suficiente de Fe ou, muito raramente, malabsorção de Fe por via oral. Conforme a Hb aproxima-se de seu valor normal, seu ritmo de aumento diminui; a anemia deve estar corrigida em 2 meses. O trata- mento deve ser continuado por ≥ 6 meses para re- por as reservas teciduais.

Anemia por deficiência do

transporte de ferro

(Atransferrinemia) A anemia por deficiência do transporte de ferro é extremamente rara e ocorre quando o Fe não pode se mover dos locais de armazenamento (células mucosas, fígado, etc.) para os precursores eritro- poiéticos. O mecanismo presumível compreende a ausência da proteína transportadora de Fe, a trans- ferrina, ou a presença de uma molécula defeituosa de transferrina. Além da anemia, a hemossiderose do tecido linfóide é proeminente, especialmente ao longo do trato GI.

Anemias por utilização de ferro

As anemias por utilização de ferro são causa- das por utilização inadequada ou anormal do Fe intracelular para a síntese de Hb, apesar das quan- tidades adequadas ou aumentadas de Fe dentro das mitocôndrias dos precursores das hemácias em desenvolvimento. Este defeito inclui hemo- globinopatias , primariamente do tipo talassêmi- co e anemias sideroblásticas ou mieloblásticas. Já que outras características clínico-laboratoriais auxiliam a definir as circunstâncias da talassemia, o termo sideroblástica geralmente é aplicado para o segundo subgrupo. Como os estados sideroblásticos (ou idiopáticos) primários são atualmente definidos como parte da síndrome mielodisplásica, o termo sideroblastose é utilizado apenas por alguns para inferir-se todas as formas verdadeiramente displásicas. Embora a anemia sideroblástica seja comumente microcítica e hipocrômica, uma alta amplitude de volume de distribuição (RDW) de hemácias re- sulta da população dimórfica (grande e pequena) de células circulantes; a heterogeneidade celular é reconhecível ao exame do esfregaço sangüíneo periférico. Uma evidência importante para a sín- tese defeituosa da heme no sangue periférico é a presença de hemácias-alvo, policromatofílicas e pontilhadas (ou seja, siderócitos). Outras caracte- rísticas laboratoriais incluem aumento da concen- tração de Fe e ferritina séricos e saturação da trans- ferrina. A hiperplasia eritróide com característi-

cas displásicas está presente na medula óssea; a coloração do ferro revela a característica morfo- lógica patognomônica de mitocôndrias paranu- cleares carregadas de Fe nas hemácias em desen- volvimento (sideroblastos anelados). Nas formas adquiridas, especialmente a forma idiopática ou primária, outras características de mielodisplasia são evidentes com granulocitopoiese e megaca- riócitos uninucleados. Estas anemias caracterizam-se particularmente pela evidência de eritropoiese ineficaz, definida clinicamente como anemia e reticulocitopenia re- lativa ou absoluta na presença de hiperplasia eri- tróide. O Fe radiomarcado transfere-se rapidamen- te da transferrina plasmática para a medula, mas não reaparece normalmente nas hemácias circu- lantes numa taxa normal. Os estudos ferrocinéti- cos fornecem evidências de eritropoiese ineficaz, implicando em que a dispoiese aumenta a morte intramedular de hemácias.

Etiologia e fisiopatologia Os mecanismos fisiopatológicos específicos que produzem sideroblastos reconhecíveis são desco- nhecidos. A lista de doenças que estão ocasional- mente associadas com sideroblastose é impressio- nante e virtualmente todas produzem outros defei- tos mais típicos de eritropoiese. A anemia sideroblástica pura, sem alterações na arquitetura e produção de plaquetas e leucócitos, é extremamente rara. Virtualmente, todos os casos com essas alterações estão associados com o esta- do mielodisplásico.

Prognóstico e tratamento Os melhores resultados de um tratamento são obtidos após reconhecimento e remoção de uma causa específica (especialmente álcool). Apesar dos raros casos congênitos responderem à piri- doxina, na dose de 50mg, 3 vezes ao dia VO, a correção completa da anemia não é obtida. Ten- tativas semelhantes, em casos adquiridos, não produziram respostas. Em geral, os casos idio- páticos devem ser tratados sintomaticamente como parte da abordagem à mielodisplasia. Se a anemia produz sintomas cardiopulmonares, as transfusões de concentrados de hemácias podem ser necessárias. As transfusões podem ser evita- das em pacientes cuja eritropoietina (EPO) séri- ca seja menos que apropriada para a Hb medida. A reposição de EPO pode produzir estímulo ade- quado ao aumento dos valores de hemácias pró- ximos ao normal evitando a necessidade de trans- fusões. Devido à sobrecarga já significativa de Fe, tais transfusões aceleram o surgimento de sintomas clínicos secundários à hemossiderose,

850 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

O mecanismo fisiopatológico das anemias hipoproliferativas parece ser a diminuição de pro- dução relativa ou absoluta de eritropoietina ou um estado hipometabólico com resposta prejudi- cada à EPO. Conforme mencionado anteriormen- te, as anemias por deficiência de Fe e da doença crônica são hipoproliferativas, uma vez que apre- sentam hiperplasia eritróide restrita e diminuição da produção de EPO e da responsividade medu- lar. A hipoproliferação está comumente associada a anemias de doença renal, estados hipometabóli- cos (por exemplo, hipotireoidismo, hipopituita- rismo) e insuficiência protéica, todos reduzem a produção de EPO.

ANEMIA DA DOENÇA RENAL

A gravidade da anemia correlaciona-se com a extensão da disfunção renal. A produção renal de EPO geralmente equipara-se à função excretora renal; ocorre anemia quando o “clearance” de crea- tinina é < 45mL/min. A produção diminuída de eri- tropoietina, resultante de EPO reduzida é expres- sa como reticulocitopenia periférica e resposta medular subnormal (ausência de hiperplasia eritrói- de para o grau de anemia). As lesões renais primá- rias da região glomerular (por exemplo, amiloido- se, nefropatia diabética) geralmente resultam em anemia mais grave, devido a seu grau de insufi- ciência excretora. O termo anemia da insuficiência renal refere- se apenas ao mecanismo hipoeritropoieticonê- mico hipoproliferativo, mas outros mecanismos podem aumentar a gravidade deste distúrbio. Na uremia, é comum a hemólise leve; sua base é incerta, mas está relacionada com a retenção dos “debris metabólicos da uremia” que, de alguma forma, lesam as hemácias. Menos comum, po- rém, mais facilmente reconhecível, é a anemia associada à fragmentação de hemácias (anemia hemolítica traumática), que ocorre quando o endotélio renal vascular é lesado (por exemplo, na hipertensão maligna, poliarterite nodosa ou necrose cortical aguda). A hemólise traumática pode ser reconhecida no esfregaço de sangue pe- riférico pela fragmentação de hemácias e geral- mente com trombocitopenia associada. Em crian- ças, esta pode ser uma doença aguda, geralmente fatal e chamada de síndrome hemoliticourêmica (ver PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA T ROMBÓTICA- S ÍNDROME H EMOLITICOURÊMICA no Cap. 133). O tratamento é dirigido para a doença renal de base. Caso se restabeleça a função renal adequada, corrige-se a anemia. Em pacientes em diálise a lon- go prazo, ocorre eritropoiese aumentada, mas esta raramente reverte-se ao normal. A EPO humana

recombinante, iniciando-se com 50 a 100U/kg IV ou s.c. 3 vezes por semana é o tratamento de esco- lha. Devem ser administrados suplementos de Fe para se atingir uma resposta adequada à EPO. Vir- tualmente, todos os valores eritrocitários aumenta- rão até o normal, ou quase, em 8 a 12 semanas. A manutenção em doses reduzidas (cerca de metade da dose de indução) pode ser dada 1 a 3 vezes/semana. As transfusões raramente são indicadas, exceto quando se desenvolvem sinais e sintomas cardio- pulmonares.

ANEMIA DA DEPLEÇÃO PROTEICA

Os achados laboratoriais e clínicos imitam aque- les dos estados hipometabólicos e da hipoeritro- poietinemia. O mecanismo foi relacionado com o hipometabolismo geral. O papel exato da proteína na hematopoiese não é claro.

Anemia aplástica

(Anemia hipoplástica)

É a anemia resultante da perda de precursores eri- tróides devido a defeito no “pool” de células- tronco ou a lesão ao microambiente que man- tém a medula, e quase sempre com valores de VCM próximos ao limite superior. O termo anemia aplástica , implica comumente em pan-hipoplasia da medula com leucopenia e trombocitopenia associadas. Esta confusão na no- menclatura levou ao termo aplasia pura de hemá- cias , que define a redução acentuada e seletiva ou a ausência dos precursores eritróides. Embora am- bos os distúrbios sejam incomuns, a anemia aplás- tica é mais comum.

Etiologia e patogênese Cerca de metade dos casos de anemia aplástica verdadeira (mais comum em adolescentes e adultos jovens) é idiopática. As causas reconhecidas são os agentes químicos (por exemplo, benzeno, arsênico inorgânico), radiação e drogas (por exemplo, antineo- plásicos, antibióticos, drogas antiinflamatórias não esteróides [DAINE], anticonvulsivantes). O mecanis- mo é desconhecido, mas a base parece ser uma hiper- sensibilidade seletiva (talvez genética). Uma forma muito rara de anemia aplástica, anemia de Fanconi (um tipo de anemia aplástica familiar com alteração óssea, microcefalia, hipogonadismo e pigmentação marrom da pele), ocorre em crianças com cromos- somos anormais. Portanto, não é feito um diagnósti- co específico até sobrevir alguma doença. Tais doen- ças (especialmente infecções agudas ou distúrbios in- flamatórios) podem resultar em citopenias periféri- cas. Com o desaparecimento do evento causal, os

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 851

valores periféricos retornam ao normal, independen- temente da massa medular reduzida. A aplasia pura de hemácia s implica em um me- canismo que, seletivamente, destrói os precursores eritróides. A eritroblastopenia aguda é um desapa- recimento reversível breve de precursores eritrói- des na medula, durante uma variedade de doenças virais agudas, especialmente em crianças. A infec- ção por parvovírus humano parece ser a causa mais comum desse evento. Esta pode ser reconhecida for- tuitamente, uma vez que a anemia tem uma dura- ção maior que a infecção aguda. A aplasia crônica de hemácias tem sido associada a distúrbios hemo- líticos (eritroblastopenia aguda), timomas e lesão imunológica e menos freqüentemente a drogas (por exemplo, tranqüilizantes, anticonvulsivantes), toxinas (fosfatos orgânicos), deficiência de riboflavina e leu- cemia linfocítica crônica. Uma forma congênita rara, a síndrome de Blackfan-Diamond , que se pensa- va originalmente manifestar-se na infância, tem sido diagnosticada na idade adulta. A presença de anor- malidades ósseas dos polegares ou dedos e baixa estatura sugerem o diagnóstico.

Sintomas, sinais e achados

laboratoriais

Apesar do início da anemia aplástica ser geral- mente insidioso, em geral, ocorrendo durante se- manas ou meses após a exposição a uma toxina, ocasionalmente é explosivo. Os sinais variam com a gravidade da pancitopenia. Os sintomas gerais da anemia usualmente são graves. A palidez cérea da pele e das membranas mucosas é característica. Os casos crônicos podem mostrar considerável pig- mentação marrom da pele. Pode ocorrer trombocitopenia grave, com san- gramento das membranas mucosas e da pele. São freqüentes as hemorragias do fundo de olho. A agra- nulocitose, com infecções potencialmente fatais, é comum. Não há esplenomegalia, a não ser que in- duzida por hemossiderose transfusional. As hemácias são normocrômicas e normocíti- cas (algumas vezes, marginalmente macrocíticas). A contagem de leucócitos ≤ 1.500/μL 3 é comum, a redução ocorre principalmente nos granulócitos. As plaquetas, em geral, estão acentuadamente re- duzidas. Os reticulócitos estão diminuídos ou au- sentes, mesmo quando há hemólise coexistente. O aspirado de medula óssea é acelular. O Fe sérico está elevado. Os sintomas da aplasia pura de hemácias são geralmente mais leves e relativos ao grau da ane- mia ou ao distúrbio de base. A celularidade e a maturação da medula podem ser normais, exceto pela ausência completa de precursores eritróides.

Tratamento A globulina antitimocítica (ATG) eqüina, em dose de 15mg/kg diluída em 500mL de solução salina e infundida IV durante 4 a 6h, por 10 dias consecutivos, tem produzido respostas em cerca de 60% dos pacientes; ela se tornou o tratamento de escolha para pacientes idosos ou aqueles sem um doador compatível. Como a ATG é um pro- duto biológico, podem ocorrer reações alérgicas e doença do soro; todos os pacientes necessitam de teste cutâneo (para identificar alergia a soro eqüino) e corticosteróides concomitantes (pred- nisona 40mg/m 2 ao dia VO iniciando no 7º dia, por 10 dias ou até cederem os sintomas). A ci- closporina (5 a 10mg/kg ao dia VO) é tão eficaz quanto a ATG e tem produzido uma resposta em cerca de 50% onde a ATG falhou, sugerindo que seu mecanismo de ação pode ser diferente. A combinação de ciclosporina e ATG também é eficaz. Atualmente, a eficácia desses agentes li- mitou o transplante aos casos muito graves ou que não obtiveram resposta. Os pacientes não responsivos ao tratamento com ATG ou ciclos- porina podem responder ao tratamento com cito- cinas (EPO, fator estimulante de colônia de gra- nulócitos ou fator estimulante de colônia de granu- lócitos e macrófagos). O transplante de medula óssea de um gêmeo idêntico ou parente HLA-compatível é um trata- mento comprovado da anemia aplástica, particu- larmente naqueles < 30 anos de idade. No diag- nóstico, devem-se avaliar os irmãos quanto à com- patibilidade dos antígenos linfocíticos humanos (HLA). Como as transfusões sangüíneas repre- sentam um risco para um transplante satisfatório subseqüente, os produtos sangüíneos devem ser utilizados somente quando essenciais. A aplasia pura de hemácias tem sido satisfa- toriamente tratada com imunossupressores (pred- nisona, ciclosporina e ciclosfosfamida), especial- mente quando uma base imunológica está impli- cada. Já que os pacientes com aplasia pura de he- mácias, associada a timoma, melhoram após timectomia, deve-se pesquisar a presença de tal le- são através de tomografia computadorizada (TC), devendo-se considerar a cirurgia.

Anemia mielotísica

É a anemia causada por infiltração e substituição do espaço medular normal por células anormais ou não hematopoiéticas. Normocromia, anisocitose, poiquilocitose e a presença de hemácias nucleadas no esfregaço são as marcas registradas da anemia mielotísica; tam-

CAPÍTULO 127 – ANEMIAS / 853

anemia sintomática pode ser tratada com terapia de EPO. É particularmente bem-sucedida em pacien- tes cujos níveis de EPO sérica são menores do que o esperado para o grau de anemia. Uma vez que a eri- tropoiese defeituosa está presente e a anemia não é causada por diminuição da secreção de EPO, são necessárias doses farmacológicas; cerca de 50% de pacientes respondem, eliminando assim a necessi- dade de transfusões.

ANEMIA MACROCÍTICA NÃO

MEGALOBLÁSTICA

A forma não megaloblástica da anemia macrocíti- ca (ou seja, VCM > 95fL/célula) é heterogênea, na qual as alterações macrocíticas periféricas não estão associadas com as características laboratoriais, bio- químicas e clínicas típicas da megaloblastose. A anemia macrocítica não megaloblástica ocorre em vários estados clínicos, nem todos conhecidos. A macrocitose com excesso de membrana eritrocitária ocorre em pacientes com doença hepática crônica, nos quais a esterificação do colesterol é defeituosa. Como a modelagem da membrana eritrocitária ocor- re no baço, após liberação de células da medula, as hemácias podem estar levemente macrocíticas após esplenectomia, embora essas alterações não estejam associadas com a anemia. A ingestão crônica de ál- cool tem-se associado com os índices macrocíticos eritrocitários (geralmente VCM de 95 a 105fL/célula); essas alterações não são causadas por deficiência de ácido fólico ou outro mecanismo metabólico identi- ficável. Há macrocitose leve também na anemia aplástica (ver anteriormente), especialmente quando ocorre a recuperação. Em cada uma dessas circuns- tâncias, a anemia relaciona-se aos distintos mecanis- mos da macrocitose, e a medula não se encontra me- galoblástica. Uma evidência adicional para a base da macrocitose é a ausência de macrovalócitos típicos no esfregaço periférico e o aumento da RDW, típico da anemia megaloblástica clássica. Finalmente, as alterações macrocíticas são comuns na mielodisplasia, na qual a heterogeneidade celular é enfatizada por RDW elevada e anisocitose acentua- da. A medula óssea contém precursores eritróides megaloblastóides (também comuns na doença hepá- tica avançada), o que denota padrões de cromatina nuclear densos e grosseiros que diferem das altera- ções da anemia megaloblástica típica.

ANEMIAS MACROCÍTICAS

MEGALOBLÁSTICAS

Os estados megaloblásticos resultam de uma síntese defeituosa de DNA. A síntese de RNA

continua, resultando em aumento da massa cito- plasmática e maturação. As hemácias macrova- locíticas entram na circulação e todas as células apresentam dispoiese, na qual a maturidade cito- plasmática é maior que a maturidade nuclear, produzindo megaloblastos na medula. A dispoiese aumenta a morte celular intramedular (eritropoie- se ineficaz) com resultantes hiperbilirrubinemia indireta e hiperuricemia. Como a dispoiese afeta todas as linhagens ce- lulares, podem ocorrer leucopenia e trombocito- penia com a anemia, embora geralmente tardias em seu desenvolvimento. Outra característica tí- pica do estado megaloblástico é a reticulocito- penia decorrente da eritropoiese. A hipersegmen- tação dos leucócitos polimorfonucleares é um achado padrão dos estados megaloblásticos; o mecanismo de sua produção é desconhecido. Além do reconhecimento morfológico das alterações megaloblásticas, o teste de supressão de desoxiuri- dina pode demonstrar a síntese defeituosa de DNA em nível bioquímico. Os mecanismos que causam os estados megalo- blásticos, na maioria das vezes, incluem deficiên- cia ou utilização defeituosa da vitamina B 12 ou de ácido fólico; drogas citotóxicas (geralmente anti- neoplásicas ou imunossupressoras), que interferem na síntese de DNA, e uma forma neoplásica autô- noma rara, a síndrome de Di Guglielmo , conside- rada como uma mielodisplasia que se converte em uma forma de leucemia mielóide aguda. A identi- ficação da etiologia e dos mecanismos fisiopatoló- gicos das anemias megaloblásticas é crucial.

Anemia causada por deficiência

de vitamina B 12

A molécula da vitamina B 12 consiste do nucleo- tídeo 5,6-dimetilbenzimidazol ligado em ângulos retos a quatro anéis de pirrol com um átomo de cobalto (núcleo corrina). Na natureza ocorrem di- versas cobalaminas (compostos da vitamina B 12 ), que variam apenas no ligante unido ao átomo de cobalto (ver T ABELAS 1.2 e 1.3 para as fontes e doses diárias recomendadas). A metilcobalamina (MeCbl) e adenosilcobalamina (AdoCbl), coenzimas fisiológicas da cobalamina, de- sempenham os papéis químicos da B 12. A MeCbl age no metabolismo do ácido nucléico sendo o co-fator envolvido na síntese defeituosa do DNA. A AdoCbl serve como um sistema varredor para o catabolismo de aminoácidos alifáticos, membranas lipídicas e pre- cursores do propionato; ela pode ser o co-fator envol- vido na síntese alterada e reparo da mielina. A vitamina B 12 está disponível na carne e alimen- tos protéicos animais. Sua absorção é complexa;

854 / SEÇÃO 11 – HEMATOLOGIA E ONCOLOGIA

T ABELA 127.5 – CAUSAS DE DEFICIÊNCIA
DE VITAMINA B 12 *

CausaCausa CausaCausaCausa FonteFonteFonteFonteFonte

Dieta inadequada Alimentação vegetariana, amamentação de bebês por mães vegetarianas, alcoo- lismo crônico (raro), die- tas da moda Absorção inadequada Falta de fator intrínseco (ane- mia perniciosa, destruição da mucosa gástrica, endo- crinopatia), inibição do fator intrínseco, distúrbios do intestino delgado (doen- ça celíaca, espru, neopla- sia, drogas, malabsorção de vitamina B 12 ), compe- tição pela vitamina B (^12) (tênia de peixe, síndrome da alça cega) Utilização inadequada Antagonistas, deficiências enzimáticas, doença orgâ- nica (fígado, rim, neopla- sia, desnutrição), anorma- lidade da proteína de trans- porte Necessidade aumentada Hipertireoidismo, lactância, infestação parasitária, α-talassemia Excreção aumentada Ligação inadequada no soro, doença hepática, doença renal

  • A maioria dos pacientes tem absorção inadequada. Adaptado a partir de Herbert VD, Colman N: “Folic acid and vitamin B 12 ”, in Modern Nutrition in Health and Disease , 7ª ed., editado por ME Shils e VR Young. Philadelphia, Lea & Febiger, 1988, pp. 388-416.

ocorre no íleo teminal e requer um fator intrínseco , secreção das células parietais da mucosa gástrica, para o transporte através da mucosa intestinal. A vi- tamina B 12 alimentar liga-se a proteínas ligantes (ligantes R) na saliva, os quais protegem a vitamina B 12 no amiente ácido do estômago. Quando o com- plexo B 12 (ligantes R-B 12 ) entra no intestino delga- do, é clivado pelas enzimas pancreáticas e a vitami- na B 12 liga-se ao fator intrínseco. A vitamina B 12 está presente no plasma com MeCbl, 5’-desoxiAdoCbl e hidroxicobalamina, li- gadas a proteínas específicas, ranscobalaminas I e II. A transcobalamina I é uma forma de armazena-

mento, ao passo qe a transcobalamina II é aproteí- na fisiológica de transporte de B 12. A concentração plasmática de vitamina B 12 é normalmente de 200 a 750pg/mL (150 a 550pmol/L), o que representa apenas cerca de 0,1% do conteúdo corpóreo total de B 12 , a maior parte no fígado. A excreção ocorre principalmente pela bile e, em menor extensão, pelos rins. A perda diária total é de 2 a 5μg; ocorre alguma reutilização êntero-hepática. Devido à lenta taxa de utilização e às reservas consideráveis de vitamina B 12 , a deficiência (uma queda nas reservas teciduais < 0,1mg, nível sérico < 150pg/mL [< 110pmol/L]), geralmente leva de meses a anos para aparecer. As reservas de B 12 , no fígado, normalmente, são suficientes para manter as necessidades fisiológicas durante 3 a 5 anos na ausência de fator intrínseco e, por um período de vários meses a 1 ano, na ausência da capacidade total de reabsorção êntero-hepática. Entretanto, quando as reservas hepáticas podem estar limita- das e a demanda da taxa de crescimento é alta, al- terações hematológicas e neurológicas são passí- veis de ocorrer rapidamente (por exemplo, na ama- mentação em mães vegetarianas).

Etiologia e fisiopatologia A absorção diminuída de B 12 é o principal meca- nismo fisiopatológico e pode ser causada por um den- tre diversos fatores (ver TABELA 127.5 e Cap. 30). A anemia causada por deficiência de vitamina B 12 é, freqüentemente, utilizada como sinônimo de ane- mia perniciosa. Classicamente, o termo anemia per- niciosa define a deficiência de B 12 causada por perda de secreção de fator intrínseco (ver GASTRITE no Cap. 23). A competição pela disponibilidade de B 12 e cli- vagem de fator intrínseco pode ocorrer na síndrome da alça cega (devido à utilização bacteriana de B 12 ) ou na infestação por tênia do peixe. Os sítios absortivos podem estar congenitamente ausentes ou destruídos por enterite regional inflamatória ou ressecção cirúr- gica. As causas menos comuns de deficiência de absor- ção de B 12 incluem pancreatite crônica, síndromes de malabsorção, certas drogas (por exemplo, drogas orais de quelantes do cálcio, ácido aminossalicílico, bigua- nidas), ingestão inadequada de B 12 (geralmente em vegetarianos) e, muito raramente, aumento do meta- bolismo da B 12 no hipertireoidismo de longa dura- ção. Uma causa muito comum de deficiência de B 12 , na velhice, é a absorção inadequada de alimentos li- gados à B 12 na ausência de um dos mecanismos ante- riores; a B 12 é absorvida, mas a liberação de alimen- tos ligados à B 12 é defeituosa. As alterações degene- rativas no sistema nervoso são referidas como doen- ça sistêmica combinada. As alterações degenerati- vas na substância branca cerebral e nervos periféri- cos, envolvendo axônios e bainhas mielínicas, geral-