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historia medieval
Tipologia: Notas de estudo
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Compartilhado em 27/12/2013
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Copyright © by Hilário Franco Júnior Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora. 1ª edição, 1986 6 a^ reimpressão, 1999 2 a^ edição, revista e ampliada, 2001
Coordenação editorial: Marise Egger-Moellwald Coordenação de produção: Célia Rogalski Preparação: Felice Morabito Revisão: Marinete Pereira da Silva e Beatriz de Freitas Moreira Projeto gráfico e editoração: Produtores Associados Capa: Maurício Negro e Danilo Henrique
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Franco Júnior, Hilário, 1948- A Idade média : nascimento do ocidente / Hilário Franco Júnior. -- 2. ed. rev. e ampl. -- São Paulo : Brasiliense, 2001. ISBN 85-11-00055-
01-0207 CDD-940.
Índices para catálogo sistemático:
editora brasiliense s.a. Matriz: Rua Airi, 22 - Tatuapé CEP 03310-010 - São Paulo - SP Fone / Fax: (0xx11) 218. E-mail: brasilienseedit@uol.com.br www.editorabrasiliense.com.br
Prefácio Introdução As estruturas demográficas As estruturas econômicas As estruturas políticas As estruturas eclesiásticas As estruturas sociais As estruturas culturais As estruturas cotidianas As estruturas mentais O significado da Idade Média Conclusão Orientação para pesquisa Apêndices
A intenção do livro continua, portanto, a ser a da busca de equilíbrio entre as informações e suas interpretações. Claro que a escolha tanto de umas quanto de outras será sempre discutível. Mas ela não seguiu apenas preferências pessoais do autor: o critério básico foi acompanhar — nos limites de um pequeno manual — as tendências c as conquistas mais recentes da historiografia especializada. Não deixamos, porém, de apontar algumas questões polêmicas ou tópicos a serem ainda explorados pelo medievalistas. Tais indicações, apesar de rápidas, ficam como sugestões para eventuais pesquisas futuras por parte do leitor. A concepção do livro não segue a estrutura tradicional, cronológica, e sim temático-cronológica. Isto é, cada grande tema (economia, política, cultura etc.) corresponde a um capítulo, dentro do qual o assunto é desenvolvido cronologicamente. Contudo, é natural, todo capítulo faz referências freqüentes a assuntos tratados em outras partes. Desta forma, a relativa autonomia de cada capítulo não prejudica o fundamental, o sentido da globalidade. Na verdade, qualquer que fosse a arquitetura adotada por este trabalho, ela implicaria um fracionamento do objeto de estudo, o que é um recurso inevitável de análise. Para que se perca menos a totalidade histórica medieval, é recomendável a leitura completa do livro, mesmo quando o interesse imediato for por um assunto específico. Somente de posse de todos os fatos e análises é que se poderá ver melhor as articulações profundas, as linhas evolutivas básicas da Idade Média. Buscando aliviar o texto de definições que pareçam ser redundantes a muitos leitores, mas sem esquecer que elas podem ser imprescindíveis a muitos outros, optamos por assinalar tais palavras (na sua primeira aparição dentro de um item) com um asterisco. Este remete ao Apêndice 1, colocado no fim do livro, um glossário que também pode ser usado independentemente do texto, funcionando como uma espécie de minidicionário técnico, que esperamos possa ser útil mesmo a quem já tenha algumas noções de história medieval. Também em apêndice, foram incluídos quadros que, conforme a
necessidade, desenvolvem ou sintetizam matérias tratadas ao longo da obra. Ainda como instrumento de utilização deste manual, incluímos, além do índice geral dos capítulos, um índice de tabelas, mapas e figuras, um outro cronológico e por fim um temático. Se se deseja conhecer, por exemplo, a economia medieval e sua evolução, basta recorrer ao capítulo correspondente. Mas se se quer, por hipótese, ter uma visão global da Alta Idade Média, deve-se consultar o índice cronológico. Ou, se se quer estudar temas como feudalismo, heresias, França etc, deve-se utilizar o índice temático. Por economia de espaço, e para não dar um tom excessivamente acadêmico a este texto introdutório, suprimimos as tradicionais notas de rodapé. Contudo, não poderíamos deixar de indicar a origem de uma informação pouco divulgada ou de uma interpretação original e/ou polêmica. Para tanto, colocamos entre parênteses um número em negrito que indica a obra, listada na Orientação para pesquisa, seguido de outro número que aponta a página da qual se extraiu aquele dado ou aquela citação. No caso de artigos de revistas especializadas, aparecem três números: o primeiro refere-se ao periódico, o segundo ao ano de publicação do volume utilizado, o terceiro à página. Como nosso texto fornece apenas um primeiro contato, rápido mas que esperamos sólido, com a história medieval, no final de cada capítulo indicamos dez títulos da Orientação para pesquisa voltados para o assunto em pauta. Aos interessados em aprofundar ainda mais o tema, vêm a seguir outras cinco sugestões bibliográficas, de obras mais técnicas, mais especializadas, versando sobre determinados aspectos do capítulo em questão. O mesmo procedimento, com menor número de indicações, foi adotado também na Introdução, na Conclusão e nos Apêndices.
latim “bárbaro”. A arte medieval, por fugir aos padrões clássicos, também era vista como grosseira, daí o grande pintor Rafael Sanzio (1483-1520) chamá-la de “gótica”, termo então sinônimo de “bárbara”. Na mesma linha, François Rabelais (1483-1553) falava da Idade Média como a “espessa noite gótica”. No século XVII, foi ainda com aquele sentido filológico que passou a prevalecer a expressão medium aevum, usada pelo francês Charles de Fresne Du Cange em 1678 (13). Mas o sucesso do termo veio com o manual escolar do alemão Christoph Keller (1638-1707, conhecido também pela latinização de seu nome, Cellarius), publicado cm 1688 c intitulado Historia Medii Aevi a temporibus Constantini Magni ad Constantinopolim a Turcis captam deducta. Esse livro completava outros dois do autor, um dedicado aos tempos “antigos” e outro aos “modernos”. Portanto, o sentido básico mantinha-se renascentista: a “Idade Média” teria sido uma interrupção no progresso humano, inaugurado pelos gregos e romanos e retomado pelos homens do século XVI. Ou seja, também para o século XVII os tempos “medievais” teriam sido de barbárie, ignorância e superstição. Os protestantes criticavam-nos como época de supremacia da Igreja Católica. Os homens ligados às poderosas monarquias absolutistas lamentavam aquele período de reis fracos, de fragmentação política. Os burgueses capitalistas desprezavam tais séculos de limitada atividade comercial. Os intelectuais racionalistas deploravam aquela cultura muito ligada a valores espirituais. O século XVIII, antiaristocrático e anticlerical, acentuou o menosprezo à Idade Média, vista como momento áureo da nobreza e do clero. A filosofia da época, chamada de iluminista por se guiar pela luz da Razão, censurava sobretudo a forte religiosidade medieval, o pouco apego da Idade Média a um estrito racionalismo e o peso político de que a Igreja então desfrutara. Sintetizando tais críticas, Denis Diderot (1713-1784) afirmava que “sem religião seríamos um pouco mais felizes”, Para o marquês de Condorcet (1743-1794), a
humanidade sempre marchou em direção ao progresso, com exceção do período no qual predominou o cristianismo, isto é, a Idade Média. Para Voltaire (1694-1778), os papas eram símbolos do fanatismo e do atraso daquela fase histórica, por isso afirmava, irônico, que “é uma prova da divindade de seus caracteres terem subsistido a tantos crimes”. A posição daquele pensador sobre a Idade Média poderia ser sintetizada pelo tratamento que dispensava à Igreja: “a Infame”.
O Romantismo da primeira metade do século XIX inverteu, contudo, o preconceito em relação à Idade Média. O ponto de partida foi a questão da identidade nacional, que ganhara forte significado com a Revolução Francesa. As conquistas de Napoleão tinham alimentado o fenômeno, pois a pretensão do imperador francês de reunir a Europa sob uma única direção despertou em cada região dominada ou ameaçada uma valorização de suas especificidades, de sua personalidade nacional, de sua história, enfim. Ao mesmo tempo, tudo isso punha em xeque a validade do racionalismo, tão exaltado pela centúria anterior, e que levara a Europa àquele contexto de conturbações, revoluções e guerras. A nostalgia romântica pela Idade Média fazia com que ela fosse considerada o momento de origem das nacionalidades, satisfazendo assim os novos sentimentos do século XIX. Vista como época de fé, autoridade e tradição, a Idade Média oferecia um remédio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exagerado ao cientificismo. Vista como fase histórica das liberdades, das imunidades e dos privilégios, reforçava o liberalismo burguês vitorioso no século XIX. Dessa maneira, o equilíbrio e a harmonia na literatura e nas artes, que o Renascimento e o Classicismo do século XVII tinham buscado, cedia lugar à paixão, à exuberância e à vitalidade encontráveis na Idade Média. A verdade procurada através do raciocínio, que guiara o Iluminismo do século XVIII, cedia lugar à valorização dos sentidos, do instinto, dos sonhos, das recordações.
Michelet.
Finalmente, passou-se a tentar ver a Idade Média como os olhos dela própria, não com os daqueles que viveram ou vivem noutro momento. Entendeu-se que a função do historiador é compreender, não a de julgar o passado. Logo, o único referencial possível para se ver a Idade Média é a própria Idade Média. Com base nessa postura, e elaborando, para concretizá-la, inúmeras novas metodologias e téc- nicas, a historiografia medievalística deu um enorme salto qualitativo. Sem risco de exagerar, pode-se dizer que o medievalismo se tornou uma espécie de carro-chefe da historiografia contemporânea, ao propor temas, experimentar métodos, rever conceitos, dialogar intimamente com outras ciências humanas. Isso não apenas deu um grande prestígio à produção medievalística nos meios cultos como popularizou a Idade Média diante de um público mais vasto e mais consciente do que o do século XIX. O que não significa que a imagem negativa da Idade Média tenha desaparecido. Não é raro encontrarmos pessoas sem conhecimento histórico ainda qualificando de “medieval” algo que elas reprovam. Pior, mesmo certos eruditos não conseguem escapar ao enraizamento do sentido depreciativo atribuído desde o século XVI à Idade Média. Ao analisar as dificuldades do fim do século XX, o francês Alain Minc falou mesmo em uma “Nova Idade Média”. No entanto, de forma geral, os tradicionais juízos de valor sobre aquele período parecem recuar. Isso não quer dizer, é claro, que os historiadores do século XX tenham resgatado a “verdadeira” Idade Média. Ao examinar qualquer período do passado, o estudioso necessariamente trabalha com restos, com fragmentos — as fontes primárias, no jargão dos historiadores — desse passado, que portanto jamais poderá ser integralmente reconstituído. Ademais, o olhar que o historiador lança sobre o passado não pode deixar de ser um olhar influenciado pelo seu
presente. Na célebre formulação de Lucien Febvre, feita em 1942 no seu Le problème de l'incroyance au XVI siècle. La religion de Rabelais, “a História é filha de seu tempo”, por isso cada época tem “sua Grécia, sua Idade Média e seu Renascimento”. De fato, a historiografia é um produto cultural que, como qualquer outro, resulta de um complexo conjunto de condições materiais e psicológicas do ambiente individual e coletivo que a vê nascer. Daí a história política ter-se desenvolvido nas cidades-Estado gregas, a história de hagiografias* nos mosteiros medievais, a história dinástica e nacional nas cortes monárquicas modernas, a história econômica no ambiente da industrialização dos séculos XIX-XX, a história das mentalidades no contexto das inquietações e esperanças da segunda metade do século XX. Logo, apesar de neste momento fazermos uma história medieval baseada em maior disponibilidade de fontes e em técnicas mais rigorosas de interpretação dessas fontes, não podemos afirmar que a leitura da Idade Média realizada pelo século XX é a definitiva. Feitas essas ressalvas metodológicas obrigatórias, o que devemos entender por Idade Média, pelo menos no atual momento historiográfico? Trata-se de um período da história européia de cerca de um milênio, ainda que suas balizas cronológicas continuem sendo discutíveis. Seguindo uma perspectiva muito particularista (às vezes política, às vezes religiosa, às vezes econômica), já se falou, dentre outras datas, em 330 (reconhecimento da liberdade de culto aos cristãos), em 392 (oficialização do cristianismo), em 476 (deposição do último imperador romano) e em 698 (conquista muçulmana de Cartago) como o ponto de partida da Idade Média. Para seu término, já se pensou em 1453 (queda de Constantinopla e fim da Guerra dos Cem Anos), 1492 (descoberta da América) e 3517 (início da Reforma Protestante). Sendo a História um processo, naturalmente se deve renunciar à busca de um fato específico que teria inaugurado ou encerrado um determinado período. Mesmo assim os problemas permanecem, pois
concepção de obrigações recíprocas entre chefe e guerreiros, do deslocamento para o norte do eixo de gravidade do Ocidente, que perdia seu caráter mediterrânico. O cristianismo, por sua vez, foi o elemento que possibilitou a articulação entre romanos e germanos, o elemento que ao fazer a síntese daquelas duas sociedades forjou a unidade espiritual, essencial para a civilização medieval. Isso foi possível pelo próprio caráter da Igreja nos seus primeiros tempos. De um lado, ela negava aspectos importantes da civilização romana, como a divindade do imperador, a hierarquia social, o militarismo. De outro, ela era um prolongamento da romanidade, com seu caráter universalista, com o cristianismo transformado em religião do Estado, com o latim que por intermédio da evangelização foi levado a regiões antes inatingidas. Completada essa síntese, a Europa católica entrou em outra fase, a Alta Idade Média (meados do século VIII-fins do X). Foi então que se atingiu, ilusoriamente, uma nova unidade política com Carlos Magno, mas sem interromper as fortes e profundas tendências centrífugas que levariam posteriormente à fragmentação feudal. Contudo, para se alcançar essa efêmera unidade, a dinastia Carolíngia precisou ser legitimada pela Igreja, que pelo seu poder sagrado considerava-se a única e verdadeira herdeira do Império Romano. Em contrapartida, os soberanos Carolíngios entregaram um vasto bloco territorial italiano à Igreja, que desta forma se corporificou e ganhou condições de se tornar uma potência política atuante. Ademais, dando força de lei ao antigo costume do pagamento do dízimo à Igreja, os Carolíngios vincularam-na definitivamente à economia agrária da época. Graças a esse temporário encontro de interesses entre a Igreja e o Império, ocorreu uma certa recuperação econômica e o início de uma retomada demográfica. Iniciou-se então a expansão territorial cristã sobre regiões pagãs — que se estenderia pelos séculos seguintes — reformulando o mapa civilizacional da Europa. Por fim, como resultado disso tudo, deu-se a transformação do latim nos idiomas
neolatinos, surgindo em fins do século X os primeiros textos literários em língua vulgar. Mas a fase terminaria em crise, devido às contradições do Estado Carolíngio e a uma nova onda de invasões (vikings, muçulmanas, magiares). A Idade Média Central (séculos XI-XIII) que então começou foi, grosso modo, a época do feudalismo, cuja montagem representou uma resposta à crise geral do século X. De fato, utilizando material histórico que vinha desde o século IV, aquela sociedade nasceu por volta do ano 1000, tendo conhecido seu período clássico entre os séculos XI e XIII. Assim reorganizada, a sociedade cristã ocidental conheceu uma forte expansão populacional c uma conseqüente expansão territorial, da qual as Cruzadas são a face mais conhecida. Graças à maior procura de mercadorias e à maior disponibilidade de mão-de-obra, a economia ocidental foi revigorada e diversificada. A produção cultural acompanhou essa tendência nas artes, na literatura, no ensino, na filo- sofia, nas ciências. Aquela foi, portanto, em todos os sentidos, a fase mais rica da Idade Média, daí ter merecido em todos os capítulos deste livro uma maior atenção. Mas aquelas transformações atingiram a própria essência do feudalismo — sociedade fortemente estratificada, fechada, agrária, fragmentada politicamente, dominada culturalmente pela Igreja. De dentro dela, e em concorrência com ela, desenvolveu-se um segmento urbano, mercantil, que buscava outros valores, que expressava e ao mesmo tempo acelerava as mudanças decorrentes das próprias es- truturas feudais. Aquela sociedade passava da etapa feudo-clerical* para a feudo-burguesa*, na qual o segundo elemento ia lenta mas firmemente sobrepujando o primeiro: emergiam as cidades, as universidades, a literatura vernácula, a filosofia racionalista, a ciência empírica, as monarquias nacionais. Os conservadores, como Dante Alighieri, lamentavam tais transformações. Inegavelmente caminhava-se para novos tempos. A Baixa Idade Média (século XIV-meados do século XVI) com suas crises e seus rearranjos, representou exatamente o parto
“mito* do eterno retorno”. Ou seja, as primeiras sociedades só registravam o tempo biologicamente, sem transformá-lo em História, portanto sem consciência de sua irreversibilidade. Isso porque, para elas, viver no real era viver segundo modelos extra-humanos, arquetípicos. Assim, tanto o tempo sagrado (dos rituais) quanto o profano (do cotidiano) só existiam por reproduzir atos ocorridos na origem dos tempos. Daí a importância da festa de Ano-Novo, que era uma retomada do tempo no seu começo, isto é, uma repetição da cosmogonia, com ritos de expulsão de demônios e de doenças. Tal concepção sofreu sua primeira rejeição com o judaísmo, que vê em Iavé não uma divindade criadora de gestos arquetípicos, mas uma personalidade que intervém na História. O cristianismo retornou e desenvolveu essa idéia, enfatizando o caráter linear da História, com seu ponto de partida (Gênese), de inflexão (Natividade) e de chegada (Juízo Final). Portanto, linear mas não ao infinito, pois há um tempo escatológico* — que só Deus conhece — limitando o desenrolar da História, isto é, da passagem humana pela Terra. Contudo, se o cristianismo reinterpretou a História, não pôde deixar de sentir seu peso, inclusive da mentalidade* cíclica, daí a liturgia cristã basear-se na repetição periódica e real de eventos essenciais como Natividade, Paixão e Ressurreição de Jesus: ao participar da reprodução do evento divino, o fiel volta ao tempo em que ele ocorreu. Ou seja, a cristianização das camadas populares não aboliu a teoria cíclica, pelo contrário, influenciou o cristianismo erudito e reforçou certas categorias do pensamento mítico. Em virtude disso, pelo menos até o século XII os medievos não sentiam necessidade de maior precisão no cômputo do tempo, o que expressava e acentuava a falta de um conceito claro sobre sua própria época. De maneira geral, prevalecia o sentimento de viverem em “tempos modernos”, devido à consciência que tinham do passado, dos “tempos antigos”, pré-cristãos. Estava também presente a idéia de que se caminhava para o Fim dos Tempos, não muito distante. Espera difusa, que raramente se concentrou em momentos precisos. Sabemos
hoje que os pretendidos “terrores do ano 1000” foram uma criação historiográfica, pois não houve nenhum sentimento especial e generalizado de que o mundo fosse acabar naquele momento. Mas c inegável que a psicologia coletiva* medieval esteve constantemente (ainda que com flutuações de intensidade) preocupada com a proximidade do Apocalipse. Catástrofes naturais ou políticas eram freqüentemente interpretadas como indícios da chegada do Anticristo. Havia uma difundida visão pessimista do presente, porém carregada de esperança no iminente triunfo do Reino de Deus. Nesse sentido, a visão de mundo medieval trazia implícita em si a concepção de um tempus medium, precedendo a Nova Era. Tempo não monolítico, dividido em várias fases. A quantidade e a caracterização delas não eram, contudo, consensuais. A periodização mais comum, ao menos entre o clero, concebia seis fases históricas, de acordo com os dias da Criação. Como no sétimo dia Deus descansou, na sétima fase os homens descansarão no seio de Deus. Assim pensavam muitos, de Santo Agostinho (354-430) e Isidoro de Sevilha (560-636) até Fernão Lopes (1380-1460). Também teve sucesso uma concepção trinitária da História, surgida no século IX com João Escoto Erígena (ca. 830-ca.
Bibliografia básica: 2, 4, 17, 67, 98. Bibliografia complementar: M. CARRUTHERS, The book of memory. A study of memory in medieval culture, Cambridge. CUP, 1990; B. GUENÉE, Histoire et culture historique dans l'Occident Médiéval, Paris, Aubier, 1980; E. MITRE. Historiografia y mentalidades históricas en la Europa medieval, Madri, Universidad Complutense, 1982.