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HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA 5 Da Primeira Guerra a nossos dias Organização: ANTOINE PROST à ASA SA q E GÉRARD VINCENT 1 ENS E PES ES Sd ade y JEs ERA Tradução: AD ai UT Co Ea, DENISE BOTTMANN (es mBitt 3é5 «co, ES (2a ES ea 4 NS pá 7º reimpressão Vo Pe a 1 FRONTEIRAS E ESPAÇOS DO PRIVADO Antoine Prost A vida privada não é uma realidade natural, dada desde a origem dos tempos: é uma realidade histórica, construída de diversas maneiras por so- ciedades determinadas. Não existe uma vida privada de limites definidos para sempre, e sim um recorte variável da atividade humana entre a esfera privada e a esfera pública. A vida privada só tem sentido em relação à vida pública, e sua história é, em primeiro lugar, a história de sua definição: co- mo evoluiu a distinção entre vida privada e vida pública na sociedade fran- cesa do século xx? Como o domínio da vida privada variou em seu con- teúdo e abrangência? Assim, a história da vida privada começa pela histó- ria de suas fronteiras. ) É tanto mais importante na medida em que não é certo que vida privada/vida pública tenha o mesmo sentido em todos os meios sociais. Pata a burguesia da Belle Époque, não há nenhuma dúvida: “muro da vida privada” separa claramente dois domínios. Por trás desse muro protetor, a vída privada e a família coincidem com bastante exati- dão, Esse domínio abrange as fortunas, a saúde, os costumes, a religião: se os pais que querem casar os filhos consultam o notátio ou o pároco para “tomar informações” sobre a família de um eventual pretendente, é por- que a família oculta cuidadosamente ao público o tio fracassado, a irmã tísica, o irmão de costumes dissolutos c o montante das rendas. E Jaurês, respondendo a um deputado socialista que lhe censurava a comunhão so- lene da filha: “Meu caro colega, você sem dúvida faz o que quer de sua mulher, eu não”, marcava com grande precisão a fronteira entre sua cxis- tência de homem público e sua vida privad: Essa separação cra organizada por uma densa teia de prescrições. À baronesa Staffe, por exemplo, enumcera-as em detalhe: “Quanto menos re- lações mantemos com a vizinhança, mais merecemos a estima e a conside- ração dos que nos cercam..”, “no trem ou em qualquer outro local públi- co, as pessoas bem-educadas jamais travam conversa com desconhecidos. “não devemos falar de assuntos íntimos com os parentes ou amigos que 1 O apartamento ou a ca- sa burguesa, aliás, se caracterizam por uma nítida diferença entre as salas viajam conosco na presença de desconhecidos Página 12 Interior burguês, lado privado. Aqui mora uma família. Acolhe intimos, Farmiliaves, As fotos mumerosas, os cartões. postais não se referem às relações comuns. Do outro lado da porta dupla, adivinha-se um segundo sa divida mais público, onde se recebem as visitas. sem Esse interior de 1912 é de uma burguesia menos abastada. Acúmulo de objetos. O pato em seu canto. À mãe em sua poltrona. Onde estã o lugar do homem? 16 FRONTEIRAS E ESPAÇOS DO PRIVADO Rua de Nápoles. “Já não existe interior mem exterion.. E o exterior estã ligado do interior de uma maneira orgânica ” (Sarre) para as visitas e os demais aposentos. De um lado, o que a família mostra de si, o que pode vir a público, o que ela julga “aptesentável”; de outro, o que ela conserva ao abrigo de olhares indiscretos. O lugar da família pro- ptiamente dita não é no salão: as crianças não entram no aposento quando há visitas e, como explica a baronesa Staffe, as foros de família ficariam des- locadas nesse recinto. Ademais, as salas de visitas não são abertas a todos. Se toda dama da boa sociedade tem seu ““dia”” de receber — em 1907, 178 em Nevers? —, a visita à esposa de um figurão supõe uma apresenta- o ção prévia. As salas de recepção estabelecem, portanto, um espaço de tran- sição entre a vida privada propriamente dita e a existência pública. Se a vida privada constitui, assim, um domínio claramente delimita- do para a burguesia da Belle Époque, não ocorre necessariamente o mes- As condições de vida dos camponeses, dos ope- rários ou das camadas mais baixas das cidades não lhes permitiam abrigar mo nos outros meios sociais de olhares estranhos uma parte de sua vida, que é justamente o que faz com que ela se torne “privada”. Sigamos, por exemplo, Jean-Paul Sartre num passeio pelas ruas populares de Nápoles:? “O andar térreo de cada casa é dividido numa infinidade de pequenos cômodos que dão diretamente para a rua, e cada um desses pequenos cômodos abriga uma família. [...] Os cômodos servem para tudo, e lá eles dormem, comem e trabalham em seus ofícios. Apenas [...] a rua atrai as pessoas. Elas saem, por economia, para não precisar acender as lâmpadas, para tomar a fresca e também, creio eu, pot humanismo, para se sentir participando do bulício com os demais. Póem cadeiras e mesas na rua ou encavalitadas na soleira do quarto, meio para dentro, meio para fora, e é nesse mundo intermediário que realizam os principais atos de sua vida. A tal ponto que já não existe mais o interior nem o exterior, e a rua é o prolongamento do quarto; enchem-na com seus odores íntimos c scus móveis. E com sua história também. [...] E o exterior está ligado ao interior de uma maneira orgânica. [...] Ontem, vi um pai e uma mãe que jantavam do lado de fora, mas, dentro, o bebé dormia num berço perto da cama de casal dos pais e, numa outra mesa, a filha mais ve- lha fazia seus deveres, à luz de uma lâmpada a querosene. [...] Quando uma mulher adoece e fica na cama durante o dia, isso é às claras e todos podem olhá-la [...]". É evidente que a vida privada não tem o mesmo sentido nem o mes- mo conteúdo para o povo napolitano e para os burgueses franceses da Bcl- Je Époque. Pode-se, certamente, refutar tal comparação. As tradições culturais são diversas, essa interpenetração do interior e do exterior, ilustrada pelas ruas de Nápoles, pode ser vista como traço de uma cultura mediterrânea que poderia se encontrar nas cidades, pequenas ou grandes, do Sul da França. Nem por isso: as moradias de Roubaix, os bairros da região mineira, os imó- veis da Croix-Rousse ou as vilas de Berry ou de Lorena praticamente não permitiam que seus habitantes erguessem uma parede entre sua vida pri- vada c os olhares dos vizinhos; toda a existência deles transcorria de forma mais ou menos aberta para a coletividade. Num certo sentido, ter uma vi- da privada era um privilégio de classe: o de uma burguesia folgada que, em muitos casos, vivia de rendas. Por força das circunstâncias, as classes tra- balhadoras conheciam formas variadas de interpenetração de sua vida pri- vada e de sua vida pública; as duas não se diferenciavam de todo. Nesta perspectiva, o século xx veria se generalizar lentamente em toda à popu- lação uma forma de organização da vida com dois domínios opostos e cla- famente distintos: o público e o privado. À história da vida privada seria, então, a história de sua democratização. Mas que não se entenda essa democratização de maneira mecânica e simplista. A vida privada a que acedem os operários ou os agricultores do final do século xx não é a mesma dos burgueses do início do século. O que, ao mesmo tempo, se constitui fora dessa vida privada enfim conquistada, e que se pode dizer público, é regido por normas novas. A maior diferen- ciação entre o privado e o público no conjunto da sociedade modifica tan- to a vida pública quanto a vida privada. Ambas já não se desenrolam da mesma maneira, nem segundo as mesmas regras. Enquanto suas ftontei- tas se deslocam e se definem com maior precisão, simultaneamente sua subs- tância se transforma. Isso significa uma história complexa que deve captar como a vida pti- vada se constitui e se erige sobre uma existência largamente coletiva e, ao mesmo tempo, como cla se organiza no interior de suas fronteiras. Progra- ma, na verdade, tanto menos factível na medida em que, além disso, deve- se levar em conta as diferenças relativas aos meios sociais e às tradições cul- turais. Aqui, portanto, não pretendemos realizar essa tarefa impossível, Já nos sentiríamos satisfeitos em destacar os grandes eixos dessa evolução, em colocar os principais problemas, em esboçar os matizes mais importantes, esperando que trabalhos menos ambiciosos, mas mais precisos, venham à verificar ou alterar nossas hipóteses. NOTAS (1) Baronesa Staffe, Usages du monde. Rêgles du savoir-vivre dans la sociêtê moderne, Paris, Vicior-Lavard, 1893, pp. 342, 317 e 320. (2) G. Thuilier, Pour une bistoire du quotidien, Patis, Mouton, 1977, p. 178. (6) JP Sartre, Lettres au Castor et à quelgues auires, Paris, Gallimard, 1983, LT po 79. Uma rua da CroixRousse, hoje residencial, que ontem ressoava com Os imóveis foram concebidos em função dos teares: tetos altos, famelas grandes e numerosas Aqui, trabalho e vida famitiar se entrelaçavam. o xumabir dos teares. O TRABALHO A primeira grande evolução do século xx diz respeito ao trabalho. Ele emigra globalmente da esfera privada e ingressa na esfera pública. Trata-se de um duplo movimento. Em primeiro lugar, um movimento de separação e especialização dos espaços: os locais de trabalho já não são mais os da vida doméstica. Mas essa diferenciação dos locais vem acompa- nhada por uma diferenciação das notmas: o universo doméstico se liberta de regras anteriormente ligadas ao trabalho que ali se realizava, ao passo que o mundo do trabalho passa a ser regido, não mais por normas de ordem privada, e sim por contratos coletivos. A ESPECIALIZAÇÃO DOS ESPAÇOS Não se tem dado atenção suficiente aos locais de trabalho. No co- meço do século, porém, havia uma grande diferença entre trabalhar na própria casa ou na casa dos outros. O ideal, para uma jovem, é ficar na casa dos pais sem trabalhar. Se precisar, o melhor é que trabalhe perma- necendo na casa dos pais, por exemplo costurando por encomenda. É so- mente nas camadas mais baixas da escala social que uma jovem vai traba- Ibar fora: na fábrica, na oficina ou na casa de um particular, como do- méstica. ! Ora, no começo do século, quase dois terços e certamente mais da metade dos franceses trabalhavam em casa. No final do século, pelo con- trário, quase todos os franceses trabalham fora. É uma transformação de- cisiva. A RETRAÇÃO DO IRABALHO EM CASA No começo do século, trabalhar em casa corresponde a duas situa- ções distintas, ainda que exista uma gama de situações intermediárias e seja fácil a transi o entre elas. Pode-se trabalhar em casa, mas para outra pessoa: é a situação dos trabalhadores em domicílio. Mas pode-se tam- bém trabalhar por conta própria, no caso dos trabalhadores independen- Com à oficina, aqui no setor de confecção de luvas de Grenoble, o espaço do trabalho se especializa e escapa à vida privada. Mas a cidade entrelaça intimamente os locais de trabalho e os alojamentos. Várias casas, por volta de 1920, dão para esse canteiro de ferro-veiho. OS OPERÁRIOS EM DOMICÍLIO tes. Ora, sob essas duas formas, o trabalho em casa sofre uma retração ine- xotável ao longo do século. É muito difícil calcular o número daqueles que trabalham em casa. Mas, no começo do século, totalizam vários milhões. Os recenscamentos da época registram os chamados ““isolados”": em 1906, somam 1502 mil, Entre eles, sem dúvida, incluem-se diatistas ou jornaleiros sem emprega- dor fixo, que deixam o domicílio para ir trabalhar ora na casa de um, ora na casa de outro. À maioria, porém, trabalha em casa. No setor têxtil, de vestuário, calçados e luvas, mas também em outros setores, como fabrica- ção de óculos, jóias etc., os comerciantes fornecem o material para nume- o eles rosos operários — e operárias —, que trabalham em domicílio. Ora que levam a matéria-prima ou o material para acabamento, e vão buscar o serviço pronto; ora é ofa operário/a que vai buscar o trabalho na casa do comerciante, é depois entrega o produto acabado. Nos dois casos, o operá- rio recebe por tarefa. A situação dos operários em domicílio é muito diversificada. De mo- do geral, são extremamente mal remunerados, e ganham menos do que os operários de fábrica. Precisam trabalhar desde o amanhecer até altas horas da noite, para sobreviver de maneira miserável. A família de Mémé Santerre? nos oferece um exemplo extremo. Na verdade, esses tecelães de Santerre constituem resquícios de um modelo econômico anterior, pois às vésperas de 1914 a tecelagem fabril já é um fenômeno generalizado. Aliás, eles só trabalham em seus teares nos seis meses de inverno; na primavera, vão se empregar numa fazenda de Seine-Inféricure, de onde retornam no outono com ganhos que lhes permitem saldar as dívidas contraídas duran- tco inverno: trabalhar como empregado na casa dos outros dá mais dinheiro do que ser tecelão na própria casa. De nada lhes vale possuir o tear e a ha- bilidade: a tecelagem já não lhes permite viver. No entanto, eles e impõem condições terríveis de vida c de trabalho: levantando às quatro da manhã o pai e os filhos descem ao porão, para seus teares; a mãe prepara as tra- mas, e os teares zumbem até as dez da noite — quinze horas de trabalho efetivo, na umidade e amiúde à luz de velas. Fazem um intervalo de ma nhã para uma xícara de café de chicória com pão, uma sopa ao meio-dia e outra no final da tarde. Aos domingos, como católicos fervorosos, eles vão à missa, mas trabalham durante o resto do dia. Trabalham até no dia do casamento de Catherine Santerre, e podemos ter uma idéia da pobreza deles ao saber que esse dia tão festivo foi comemorado com costeletas de carnei- ro, à guisa de banquete... Ao lado desses casos miseráveis, é verdade que se encontram situações bastante favoráveis. Por exemplo, os confeccionistas de luvas que trabalham em domicílio, em Millau, constituem uma aristocracia operária nos anos e tem de limpar a mesa de refeições para começar a costurar ou pata per- mitir que o gatoto faça suas lições de casa.? A cxigiúidade da moradia po- pular é tal, tanto no século x1x quanto na primeira metade do século xx, que raramente permite reservar uma mesa ou um local específico para o trabalho. O fato de o trabalho ser feito em casa gera uma relativa abertura do espaço doméstico aos estranhos. A costureira às vezes recebe seus fregue- ses; o tecelão e o confeccionista de luvas abrem a porta aos comerciantes ou seus empregados. Local de trabalho, a sala onde mora a família até po- de se converter em local dos conflitos de trabalho. Assim, Jean Guéhenno guardou uma dramática lembrança de infância. Seus pais moravam em Fou- gêres c faziam sapatos em casa, com formas recortadas que iam buscar às dúzias na casa dos fabricantes. Durante uma greve do setor de calçados, no começo do século, seu pai, já no fim de seus recursos, acabou cedendo e foi buscar formas para coser. Os grevistas ficaram sabendo c irromperam na casa dos Guéhenno, para repreender o fura-greve.! Assim, os conflitos mais públicos podem ter como palco um local privado. De certo modo a pessoa, quando trabalha em casa, já não tem sua própria casa. O trabalho domiciliar se retraiu não apenas por razões econômicas, embora estas tenham sido incontestavelmente determinantes. O desejo de ganhar mais e com maior regularidade é, de fato, acompanhado pelo de- sejo de reduzir o tempo dedicado ao trabalho: quando a pessoa trabalha numa fábrica, ela sabe o momento em que o trabalho vai parar. O tempo que escapa ao patrão, e cuja importância aumenta ao longo do século, per- tence à pessoa, que pode dispor inteiramente dele. Trabalhar fora de casa é também estar plenamente em casa na hora em que sc está em casa. Nes- se sentido, a retração do trabalho domiciliar responde à reivindicação de uma vida privada. Isso não significa, porém, que o trabalho em domicílio tenha desa- parecido de todo. No recenseamento de 1936, contam-se ainda 351 mil ope- rários que trabalham em casa. Com efeito, há outros fatores que contribuem para renovar esse grupo. Durante a crise dos anos 30, por exemplo, devido a uma política que tendia a limitar o acesso dos estrangeiros ao mercado de trabalho, um imigrante tinha mais facilidade em encontrar serviço por encomenda do que um emprego assalariado. Como isso também coinci- dia com o interesse dos fabricantes em reduzir os custos e com as tradições eo modo de vida de inúmeros imigrantes da Polônia ou da Europa Cen- tral, ocorreu então um aumento no número de trabalhadores em domicí- lio na indústria parisiense de couro e peles. O grupo Manouchian iria en- contrar bons recrutas entre esses individualistas, amiúde judeus. O trabalho domiciliar hoje aparece como um fenômeno marginal e residual. De fato, ele é incompatível com a organização atual da vida pri- vada, que reserva a ela o espaço doméstico e o tempo “livre” conquistado sobre o trabalho. Como alguém, hoje em dia, aceitaria trabalhar em casa O TRABALHO Diversidade do trabalho domiciliar Febricante de leques em um meio urbano e bequeno-burguês, cabeleireira e costureira em um meio rural, Nos dois casos, O trabalho se sobrepõe à vida cotidiana e femiliar 28 FRONTEIRAS E ESPAÇOS DO PRADO A RETRAÇÃO DAS EMPRESAS FAMILIARES pregar assalariados, manifesta-se a contradição entre seu caráter privado e sua função econômica, pública por definição: os assalariados ficam sujei- tosa perder o emprego na esteira de acontecimentos puramente privados, como a morte do empresário. Unido pela necessidade de sua função econômica, esse tipo de famí- lia desempenha um papel determinante tanto na educação dos jovens quan- to no atendimento dos velhos. Seja na herdade, na oficina ou na loja, o filho aprende o ofício com os pais ou amigos dos pais, e a própria aprendi- zagem é concebida como uma telação familiar, de ordem privada. No ou- tro extremo da vida, os velhos incapazes de se sustentar encontram abrigo na casa de um dos filhos. Não que a família seja aquela família patriarcal descrita por uma mitologia complacente: na maioria das regiões da Fran- ça, à exceção do Sudoeste, o lar camponês se reduz ao casal e filhos, àquilo que os sociólogos chamam de família nuclear; o casal de avós fica moran- do não muito longe, num arrendamento menor, mas mantendo sua pró- pria casa pelo tempo que for possível; quando já não dá mais, principal- mente quando a avó morre antes do marido, o velho vai morar com os fi- lhos. Assim, além da função econômica, a família desempenha uma função educativa e uma função assistencial. Podemos ver como o desenvolvimento do trabalho assalariado retira a função econômica da família e como a emigração do trabalho, saindo da esfera doméstica, vem acompanhada por uma socialização crescente da fun- ção educativa e da função assistencial. A escolarização dos aprendizados pro- fissionais e a Previdência Social substituem a família. Mas as causas dessa evolução são menos simples do que suas consequências. As razões econômicas são, sem dúvida, determinantes tanto para o tra- balho independente quanto para o trabalho domiciliar. Os pequenos sí- tios ou as pequenas lojas de comércio não conseguem garantir a oferta dos produtos agrícolas ou de mercadorias de largo consumo a preços competi- tivos. O protecionismo e o atraso da economia francesa contiveram por mui- to tempo a retração dessas empresas familiares. Por outro lado, desde a Se- gunda Guerra Mundial, ela foi acelerada pelo esforço de modernização e, apesar dos sobressaltos dos camponeses ou lojistas lutando pela sobrevivência c reivindicando a preservação de diversas vantagens (preços mínimos, re- dução de impostos), com manifestações espetaculares organizadas, por exemplo, pela TNSEA, pelo movimento Poujade (1953-1956) ou pelo ciD- unarI de Gérard Nicoud, o mercado impõe sua lei inexorável, parcamen- te atenuada em um ou em outro aspecto por medidas sociais ou por leis como a de 1973, que reduzia as implantações de grandes superfícies. A evolução social também é importante. A retração das empresas fa- miliares está ligada ao desenvolvimento dos benefícios sociais obtidos pe- los assalariados. O fato já é visível na agricultura, onde o filho que, hoje,