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A Hegemonia Americana: Expansão e Desestabilização do Sistema Mundial, Notas de estudo de História

José luís fiori discute a natureza compulsiva e autodestrutiva da hegemonia americana na política internacional, examinando as intervenções militares em cuba, vietnã e iraque, e as crises econômicas resultantes. Fiori argumenta que a ideia de um estado todo-poderoso ou hegemônico é necessária para a paz e estabilidade mundial, mas os estados unidos, apesar de sua posição dominante desde 1945, não conseguiram eliminar as guerras e crises econômicas. O texto questiona as teorias utópicas de carr, aron, kindelberger e gilpin sobre a hegemonia e a paz mundial.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 08/04/2010

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Estranha forma de governar o mundo
José Luís Fiori
"O desejo de todos os Estados, ou de seus governantes, é alcançar uma paz
perpétua, através da conquista de todo mundo, se isto fosse possível." - Immanuel
Kant, A Paz Perpétua, 1795.
Há quem associe a derrubada do presidente Kennedy, em 1963, ao fracasso da
intervenção americana em Cuba, em 1961, como no caso da renúncia do presidente
Nixon, em 1974, que seria impensável sem a derrota dos Estados Unidos na guerra do
Vietnã. Duas derrotas militares que dividiram o establishment norte-americano, como
está acontecendo de novo, neste momento, depois do fracasso do Oriente Médio.
Estas três intervenções militares mudaram radicalmente a história de Cuba e da
América Latina, depois de 1961; a história do Vietnã e do Sudeste Asiático, depois
1973; e a história do Iraque e do Oriente Médio, depois de 2003. O interessante é
que, nos três casos, quem tomou a iniciativa foram os Estados Unidos, e nos três
casos esta iniciativa desorganizou uma ordem estabelecida e acabou desfavorecendo
os próprios interesses americanos. Como explicar a repetição deste comportamento
"compulsivo" e "autodestrutivo" da superpotência que ficou responsável pela ordem
política mundial, depois da Segunda Grande Guerra?
Em 1939, o inglês Edward Carr - pai da teoria política internacional
contemporânea - reconheceu, pela primeira vez, a necessidade de um "superestado",
mais poderoso que todos os demais, para que pudesse existir no mundo uma paz
duradoura (1). A mesma tese defendida pelo sociólogo francês, Raymond Aron: "não
haverá paz mundial, enquanto a humanidade não tiver se unido num Estado
Universal” (2). Por outro lado, durante a crise econômica mundial dos anos 70, os
norte-americanos Charles Kindelberger (3) e Robert Gilpin (4) chegaram
separadamente à mesma conclusão, de que é indispensável a existência de uma
"potência hegemônica" no mundo, para que a economia internacional funcione de
forma adequada. Edward Carr e Raymond Aron estavam preocupados com as guerras,
e Charles Kindelberger e Robert Gilpin com as crises econômicas, mas existe um
denominador comum entre eles: a idéia de que um Estado todo-poderoso ou
hegemônico, seria indispensável para a obtenção da paz e da estabilidade econômica,
dentro do sistema mundial.
Agora bem, desde 1945, os Estados Unidos vêm concentrando em suas mãos
uma quantidade de poder cada vez maior e vêm ocupando uma posição hegemônica,
como potência política e econômica, tal como foi preconizado por Carr, Aron,
Kindelberger e Gilpin. Mas, apesar disto, as guerras e as crises econômicas não
desapareceram, e o que é pior, quase todas as grandes crises do sistema mundial,
neste período, foram provocadas pelo "superpoder" que deveria pacificar e estabilizar
o sistema. Foi o que ocorreu em Cuba, no Vietnã e no Iraque, mas foi também o que
ocorreu quando os Estados Unidos abandonaram o Sistema de Bretton Woods, em
1973, ou quando subiram suas taxas de juros em 1979, derrubando a economia
mundial. Em todos os casos, o que se observa é o mesmo movimento expansivo e
desestabilizador que ficou ainda mais visível depois de 1991, quando os Estados
Unidos se transformaram na única superpotência militar e econômica do mundo.
Nunca o mundo esteve tão perto de um "império mundial" como na década de 1990,
mas mesmo assim, seguiram-se as guerras, as crises econômicas e o aumento
geométrico dos arsenais militares. Sendo assim, como explicar esta distância tão
grande entre as expectativas teóricas de Carr, Aron, Kindelberger e Gilpin, e a
maneira em que funciona de fato o "governo do mundo"?
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Estranha forma de governar o mundo

José Luís Fiori

"O desejo de todos os Estados, ou de seus governantes, é alcançar uma paz perpétua, através da conquista de todo mundo, se isto fosse possível." - Immanuel Kant, A Paz Perpétua, 1795.

Há quem associe a derrubada do presidente Kennedy, em 1963, ao fracasso da intervenção americana em Cuba, em 1961, como no caso da renúncia do presidente Nixon, em 1974, que seria impensável sem a derrota dos Estados Unidos na guerra do Vietnã. Duas derrotas militares que dividiram o establishment norte-americano, como está acontecendo de novo, neste momento, depois do fracasso do Oriente Médio. Estas três intervenções militares mudaram radicalmente a história de Cuba e da América Latina, depois de 1961; a história do Vietnã e do Sudeste Asiático, depois 1973; e a história do Iraque e do Oriente Médio, depois de 2003. O interessante é que, nos três casos, quem tomou a iniciativa foram os Estados Unidos, e nos três casos esta iniciativa desorganizou uma ordem estabelecida e acabou desfavorecendo os próprios interesses americanos. Como explicar a repetição deste comportamento "compulsivo" e "autodestrutivo" da superpotência que ficou responsável pela ordem política mundial, depois da Segunda Grande Guerra?

Em 1939, o inglês Edward Carr - pai da teoria política internacional contemporânea - reconheceu, pela primeira vez, a necessidade de um "superestado", mais poderoso que todos os demais, para que pudesse existir no mundo uma paz duradoura (1). A mesma tese defendida pelo sociólogo francês, Raymond Aron: "não haverá paz mundial, enquanto a humanidade não tiver se unido num Estado Universal” (2). Por outro lado, durante a crise econômica mundial dos anos 70, os norte-americanos Charles Kindelberger (3) e Robert Gilpin (4) chegaram separadamente à mesma conclusão, de que é indispensável a existência de uma "potência hegemônica" no mundo, para que a economia internacional funcione de forma adequada. Edward Carr e Raymond Aron estavam preocupados com as guerras, e Charles Kindelberger e Robert Gilpin com as crises econômicas, mas existe um denominador comum entre eles: a idéia de que um Estado todo-poderoso ou hegemônico, seria indispensável para a obtenção da paz e da estabilidade econômica, dentro do sistema mundial.

Agora bem, desde 1945, os Estados Unidos vêm concentrando em suas mãos uma quantidade de poder cada vez maior e vêm ocupando uma posição hegemônica, como potência política e econômica, tal como foi preconizado por Carr, Aron, Kindelberger e Gilpin. Mas, apesar disto, as guerras e as crises econômicas não desapareceram, e o que é pior, quase todas as grandes crises do sistema mundial, neste período, foram provocadas pelo "superpoder" que deveria pacificar e estabilizar o sistema. Foi o que ocorreu em Cuba, no Vietnã e no Iraque, mas foi também o que ocorreu quando os Estados Unidos abandonaram o Sistema de Bretton Woods, em 1973, ou quando subiram suas taxas de juros em 1979, derrubando a economia mundial. Em todos os casos, o que se observa é o mesmo movimento expansivo e desestabilizador que ficou ainda mais visível depois de 1991, quando os Estados Unidos se transformaram na única superpotência militar e econômica do mundo. Nunca o mundo esteve tão perto de um "império mundial" como na década de 1990, mas mesmo assim, seguiram-se as guerras, as crises econômicas e o aumento geométrico dos arsenais militares. Sendo assim, como explicar esta distância tão grande entre as expectativas teóricas de Carr, Aron, Kindelberger e Gilpin, e a maneira em que funciona de fato o "governo do mundo"?

Começando pelo reconhecimento de que o ponto fraco das suas teorias é seu caráter excessivamente normativo, quase utópico. Movem-se no campo do "dever ser" e não tomam em conta o fato de que a "hegemonia" é sempre uma posição relativa que foi conquistada, durante algum tempo, por algum Estado em particular, através da competição e da luta com outros Estados que ambicionam a mesma posição. E tampouco tomam em conta o fato de que esta competição, e esta luta, não param no momento que uma das grandes potências vence e conquista transitoriamente a posição hegemônica, porque os derrotados não abandonam a competição e porque sempre surgem novos candidatos dispostos a lutar por um lugar ao sol. Por isto, ao analisar o expansionismo norte-americano e a questão mais geral do "governo do mundo", deve-se reconhecer e partir de algumas premissas fundamentais:

i) dentro do sistema mundial, formado pelos Estados nacionais, todo e qualquer "superpoder" ou "potência hegemônica", estará sempre condenado a expandir seu poder de forma contínua, para manter sua posição relativa dentro do sistema;

ii) esta expansão ou acumulação de poder se faz através da competição e da luta com os demais Estados que também almejam a conquista - em última instância - de um "império mundial", que nunca poderá ser alcançado sem o automático desaparecimento do próprio sistema mundial que vive da competição entre os Estados;

iii) por isto mesmo, a competição e a luta entre as grandes potências se reproduz de forma permanente, e nenhum "superpoder" será jamais capaz de estabilizar o sistema mundial, porque ele mesmo precisa da competição e da "guerra virtual crônica" para poder seguir expandindo o seu poder;

iv) neste sentido, se pode dizer que é a própria potência ganhadora quem desestrutura sua "situação hegemônica", porque só ela tem condições de se desfazer das regras e instituições que construiu em algum momento - como no caso das Nações Unidas e de Bretton Woods - toda vez que estas regras e instituições obstaculizam seu caminho expansivo;

v) por fim, o segredo mais bem guardado deste sistema político mundial, que nasceu na Europa, nos séculos XVII e XVII e se globalizou na segunda metade do século XX: na maioria dos casos, é o próprio "poder expansivo" ou hegemônico que cria ou inventa os seus competidores e adversários, porque - como já vimos - o "superpoder" ou "hegemon" não pode crescer e se expandir sem ter concorrentes, mesmo quando seu poder pareça absoluto e incontestável.

Notas. (1) Carr, E. (1939), The Twenty Year´ Crisis: 1919-1939, Perennial, London; (2) Aron, R. (1962) Paz e Guerra entre as Nações, Ed. Univ. Brasília, p: 47; (3) Kindelberger, C. (1973), The World in Depression 1929-1939, University of Califórnia Press, Berkeley; (4) Gilpi, R. (1972), “The politics of transnational economic relations”, in: Keohane, R. & Nye, J., Transnational Relations and world politics, Harvard University Press, Cambridge.

José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e editor do livro "O Poder Americano" (Editora Petrópolis). Escreve mensalmente, às quartas- feiras, no jornal Valor Econômico. Este texto (com pequenas alterações) foi publicado no dia 28 de março de 2007.