Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

livro saude seguranca site, Trabalhos de Engenharia de Telecomunicações

Segurança do trabalho

Tipologia: Trabalhos

2016

Compartilhado em 08/01/2016

elivaldo-pereira-de-matos-4
elivaldo-pereira-de-matos-4 🇧🇷

1 documento

1 / 196

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe livro saude seguranca site e outras Trabalhos em PDF para Engenharia de Telecomunicações, somente na Docsity!

SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO

NA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA

Autores:

Alessandro da Silva

Giovani Lima de Souza

Ilan Fonseca de Souza

Luiz Alfredo Scienza

Miguel Coifman Branchtein

Sebastião Ferreira da Cunha

Vitor Araújo Filgueiras

Wilson Roberto Simon

Agosto 2015

Vitor Araújo Filgueiras (Org.)

Sobre os autores

Alessandro da Silva Juiz do Trabalho em Santa Catarina, mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, integrante de grupo de pesquisa Trabalho e Capital da FADUSP.

Giovani Lima de Souza Bacharel em Física (UFRGS). Auditor-Fiscal do Trabalho.

Ilan Fonseca de Souza Procurador do Ministério Público do Trabalho. Mestrando em Direito pela Universi- dade Católica de Brasília. Especialista em Processo Civil pela Faculdade Jorge Amado (UNIJORGE, Bahia), integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”.

Luiz Alfredo Scienza Engenheiro civil. Engenheiro de Segurança do Trabalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com exercício no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina.

Miguel Coifman Branchtein Engenheiro civil (UFRGS). Engenheiro de Segurança do Trabalho (PUCRS).Especia- lista em Física (UFRGS). Auditor Fiscal do Trabalho, integrante da Comissão Nacio- nal Tripartite Temática da NR-35 (Trabalho em Altura), participante na Comissão de Estudo de Equipamento Auxiliar para Trabalho em Altura (CE-32:004.04) do Comitê Brasileiro de Equipamentos de Proteção Individual (CB-32) da ABNT.

Sebastião Ferreira da Cunha Professor e pesquisador no ITR/UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janei- ro). Doutor em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP (Universidade de Cam- pinas), grupo de pesquisa “Economia, Desenvolvimento e Sociedade”, e integrante do grupo de pesquisa “Relações de Trabalho e Sindicalismo” do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) da UNICAMP.

Vitor Araújo Filgueiras Doutor em Ciências Sociais (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Pós-doutoran- do em Economia (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP). Pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) da UNICAMP e Pesqui- sador Visitante no SOAS (School of Oriental and African Studies), Universidade de Londres. Auditor Fiscal do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”.

Wilson Roberto Simon Engenheiro Mecânico (UNITAU). Consultor, projetista e executor de sistemas de an- coragem. Consultor convidado da Comissão Nacional Tripartite Temática da NR-35, participante na Comissão de Estudo de Equipamento Auxiliar para Trabalho em Al- tura (CE-32:004.04) do Comitê Brasileiro de Equipamentos de Proteção Individual (CB-32) da ABNT.

Agradecemos aos Auditores Fiscais do Trabalho de todo o Brasil que mandaram fotos com situações de flagrantes riscos e irregularidades espalha- das pelos canteiros de obra do país, nomeadamente: Ana Caroline Miranda, Áurea Macedo, Carla Gabrieli, Fabrício Dzierva, Filipe Nascimento, Leandro Vagliati, Lilian Carlota, Marcelo Campos, Marcos Monteiro, Maurício Marti- nez, Pedro Freitas, Rubens Patruni, Rodrigo Oliveira, Sara Araújo, Sebastião Reis, Sebastião Pelada e Thiago Monteiro. Foram enviadas centenas de fotos, contudo, além da limitação de espaço, por questões técnicas de resolução e impressão, grande parte não pode ser incluída. Esperamos que tamanho esforço coletivo e completamente voluntário (nenhum dos envolvidos em qualquer das etapas da produção deste livro recebeu qualquer valor; o livro só teve custos de impressão) ajude a divulgar problemas e promover o debate acerca do trágico cenário descrito e ilustrado neste livro.

Raymundo Lima Ribeiro Junior Procurador-Chefe do MPT em Sergipe

Vitor Araújo Filgueiras Organizador

SUMÁRIO

9 Apresentação

15 Saúde e segurança do trabalho na construção civil brasileira Vitor Araújo Filgueiras

41 Perfil do mercado de trabalho brasileiro e dos trabalhadores na construção civil Sebastião Ferreira da Cunha

61 Terceirização e acidentes de trabalho na construção civil Vitor Araújo Filgueiras

87 A responsabilidade do dono da obra nos acidentes do trabalho Alessandro da Silva

105 Estratégias de enfrentamento às irregularidades trabalhistas no setor da construção civil: Ministério Público do Trabalho Ilan Fonseca de Souza

129 Tecnologia para quê(m)? Resistência empresarial

e reprodução das mortes na construção civil Luiz Alfredo Scienza Vitor Araújo Filgueiras

159 Sistema de proteção ativa contra quedas com linha de vida Horizontal flexível Miguel Coifman Branchtein Giovani Lima de Souza Wilson Roberto Simon

APRESENTAÇÃO

O

livro que ora apresento é fruto de vários esforços e ob- jetivos que, somados, caminham numa mesma direção: combater os acidentes de trabalho, que ocorrem aos milhões, todos os anos, em nosso país, apesar de serem plenamente evitáveis. A viabilidade e necessidade de combater os acidentes de trabalho, que parecem consenso entre os especia- listas sobre o tema, precisam ser claramente debatidas à luz da análise dos fatores que promovem a perpetuação dos eventos catastróficos. Na doutrina e jurisprudência trabalhistas, a justificação da relevância da proteção da saúde e segurança do trabalhador é farta, no entanto, existe lacuna no uso de literatura científica que analise questões técnicas e da con- juntura dos fatores relacionados aos acidentes de trabalho. Os operadores do direito, os representantes dos trabalhadores e também as empresas precisam de instrumental prático para refletir e agir concretamente nas suas atividades de campo e nos tribunais. Para este primeiro livro, escolhemos analisar o setor da construção civil, porque é a atividade econômica na qual morreram mais trabalhadores no Brasil em decorrência de acidente de trabalho nos últimos anos. As abor- dagens dos capítulos focam mais a segurança do trabalho (e não as doenças ocupacionais), pois os acidentes típicos são a face mais visível da relação entre trabalho e morte, as fontes e dados disponíveis são menos distorcidos e seus fatores associados são mais evidentes. Ao longo dos próximos sete capítulos, veremos reiteradamente que os acidentes de trabalho são muitos, as causas conhecidas, mas os desafios para reduzir esse cenário, gigantescos. Acreditamos que a difusão do conhecimento e o debate aberto podem colaborar para evitar que as mortes e demais lesões ao trabalhador continuem. Para isso, é necessário ser crítico, e autocrítico. Se os acidentes são evitáveis, mas continuam acontecendo aos milhões, algo (ou muito) tem que mudar nos agentes e nas relações que interagem para que eles sejam gerados. Cada autor que integra este livro apresentou seu ponto de vista indi- vidual (ou do grupo responsável) no capítulo redigido. Contudo, existe um ponto em comum em todos os trabalhos: analisar criticamente a realidade vigente. Tendo em vista a incompatibilidade entre uma proposta de redução dos acidentes e a manutenção do atual cenário que gera os infortúnios, pensa- mos que a análise crítica e fundamentada dos processos e formas de atuação de agentes e instituições pode contribuir para alterar o quadro existente. Escreveram este livro profissionais das três instituições de regulação do direito do trabalho no Brasil: Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério

Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, além de professores e profissionais com expertise em saúde e segurança do trabalho. Todos os autores têm am- plo e reconhecido know how nos temas abordados e a maioria deles trabalha diretamente na regulação da saúde e segurança do trabalho na construção civil brasileira, atuando em campo, convivendo, analisando e intervindo na realidade, inclusive em cooperação com o Ministério Público do Trabalho, seja em ações conjuntas, inspeções, eventos, palestras ou cursos. Vitor Filgueiras, organizador do livro, é docente colaborador da Escola Superior do Ministério Público da União, onde tem ministrado cursos sobre saúde e segurança do trabalho na construção civil para Procuradores do Trabalho e da República. No âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região, ministrou curso prático sobre NR-18 no ano de 2012, quando foram capacitados Procuradores do Trabalho. Já participou de inúmeras ações fiscais e procedimentos, palestras, debates e campanhas em conjunto com Procuradores do Trabalho em vários estados do país. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado em Londres cujo tema é justamente a segurança e saúde do trabalho na construção civil, buscando comparar as condições de trabalho no Brasil e no Reino Unido. A propósito, destacamos que o curso ministrado na Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região deu bastante frutos, especialmente pela postura do Procurador do Trabalho Emerson Albuquerque Resende, que, juntamente com este subscritor e outros Procuradores lotados na citada Procuradoria, instruíram as investigações em curso sobre NR-18 e ajuizaram diversas ações civis públicas com base em relatórios ministeriais repletos de provas do descumprimento grave da legislação protetiva da saúde e segurança do trabalhador da construção civil, ações estas bem acolhidas pela Justiça do Trabalho em Sergipe. Luiz Scienza, Miguel Branchtein e Giovani Lima são Auditores Fiscais do Trabalho com décadas de atuação na fiscalização das condições de segu- rança na construção civil, com imenso know how , assim como Wilson Simon, profissional especializado no ramo. Scienza também é docente colaborador da Escola Superior do Ministério Público da União e possui longo histórico de colaborações com o Ministério Público do Trabalho. Ilan Fonseca é Procurador do Trabalho e tutor de cursos sobre saúde e segurança do trabalho na construção civil na Escola Superior do Ministério Público da União, possuindo larga experiência em fiscalizações de canteiros de obras desde os tempos em que era Auditor Fiscal do Trabalho. Alessandro da Silva é Juiz do Trabalho e Professor na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), além de pesquisar a acidentalidade em sua dissertação de mestrado. Sebastião Cunha é doutor em economia, professor da Universidade Federal Rural (RJ) e pesquisador do mercado de trabalho em nosso país.

trabalho na construção civil brasileira. Fundamentado em grande volume de dados, ele argumenta que a estrutura do mercado de trabalho na construção civil não mudou, permanecendo diversos elementos de precariedade, apesar do crescimento do emprego nos anos 2000. No terceiro capítulo, Vitor Fil- gueiras analisa a relação entre terceirização e acidentes de trabalho. O autor apresenta uma miríade de fontes e dados, com diferentes formas de tratamento, para argumentar que os empregados terceirizados estão mais propensos a se acidentar na construção civil, e que isso decorre do fato de que essa forma de contratação reduz as chances de regulação que poderiam proteger a saúde dos trabalhadores. Os dois capítulos seguintes versam sobre a regulação do direito do trabalho pela Justiça e pelo Ministério Público. Alessandro da Silva defende o avanço da jurisprudência em relação à responsabilidade dos donos de obra nos acidentes de trabalho. Ele foca sua crítica na OJ 191 da SDI-1 do TST, à luz dos princípios do direito do trabalho, comparando os progressos do instituto da responsabilidade civil. Ilan Fonseca faz uma análise da atuação do próprio Ministério Público do Trabalho, iniciativa que consideramos fundamental para a evolução da instituição, concordemos ou não com suas conclusões. O autor apresenta uma série de casos de assinatura de termos de ajuste de conduta e estuda a dinâmica do comportamento empresarial com o firmamento desses instrumentos. Os dois últimos capítulos podem ser chamados de mais “práticos”, versando sobre artefatos e componentes técnicos comumente presentes nos canteiros de obra em todo o país. Luiz Scienza e Vitor Filgueiras fazem uma análise sociotécnica dos equipamentos utilizados em obras e do compor- tamento empresarial em relação ao emprego de tecnologia que versa sobre segurança do trabalho e à regulação do tema, com foco nos elevadores de obra tracionados por cabo de aço e as plataformas conhecidas como bandejas. Em seguida, Souza, Simon e Branchtein apresentam os sistemas de proteção ativa contra quedas com linha de vida horizontal flexível, os con- ceitos relacionados, descrição de seus componentes e exemplos de projetos. O capítulo busca subsidiar avaliações práticas desses sistemas, com material para orientar projetos e aplicações, além de servir como introdução ao público em geral sobre eles. Enfim, desejamos uma ótima leitura e que os ensinamentos e experiên- cias contidos neste livro possam contribuir para a melhoria efetiva das con- dições de trabalho nos milhares de canteiros de obra espalhados pelo Brasil.

Aracaju, agosto de 2015 Raymundo Lima Ribeiro Junior Procurador-Chefe do MPT em Sergipe

SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA^1

Vitor Araújo Filgueiras

INTRODUÇÃO

No Brasil, milhões de trabalhadores sofrem acidentes ou adoecem anualmente em decorrência do seu trabalho. Apenas os casos apurados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) têm totalizado mais de 700 mil infortúnios a cada ano. Contudo, esse indicador está muito distante do número efetivo de vítimas. A literatura sobre o tema apresenta estimativas de que os acidentes não notificados (incluindo doenças ocupacionais e acidentes de trajeto) pe- los empregadores podem atingir mais de 80% do universo de infortúnios.^2 A transformação dos benefícios previdenciários efetuada pelo INSS desde 2007, via NTEP,^3 revela apenas uma pequena ponta do iceberg, mas mesmo assim tem constituído mais de 10 vezes o número de doenças ocupacionais comunicadas pelas empresas e mais de 20% do total de acidentes computados pelo órgão previdenciário brasileiro. Levantamento recém divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa realizada em convênio com o Ministério da

(^1) O presente texto foi desenvolvido no curso das atividades do grupo de pesquisa “Indica- dores de Regulação do Emprego” (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br). A pesquisa conta com o apoio da CAPES e da FAPESP, processo nº 2014/04548-3, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES. (^2) Há algumas pistas, como indicam Gonçalves Filho e Ramos (2010): “Binder e Almeida (2003) relatam que estudos realizados no município de Botucatu (SP) acharam que os registros previ- denciários captaram 22,4% dos acidentes de trabalho, enquanto Cordeiro e outros (2005), em pes- quisa realizada no mesmo município, estimaram que a subnotificação de acidentes de trabalho pelo sistema CAT alcançou 79,5% em 2002. (...) Santana, Nobre e Waldvogel (2005) conduziram revisão de literatura sobre estudos de acidentes de trabalho fatais e não fatais no Brasil, no perío- do de dez anos, entre 1994 e 2004. Estes pesquisadores encontraram que todos os estudos sobre subnotificação mostram resultados surpreendentes, com níveis variando entre 81,9% e 45%”. (^3) O NETP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) aplicado pelo INSS passou a reco- nhecer que parcela dos benefícios requeridos como decorrentes de doenças comuns, conforme informação dos empregadores, na verdade são adoecimentos relacionados ao trabalho. Para maiores detalhes sobre o NETP, consultar www.previdencia.gov.br.

SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA 16

Saúde, estima que, em 2013, cerca de 4,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais sofreram acidentes de trabalho no Brasil,^4 aproximadamente 7 vezes mais do que o número captado pelo INSS. Dos acidentes registrados anualmente pelo INSS, quase 3 mil se referem a morte de trabalhadores. Numa investigação preliminar, a partir de relatórios de investigação de Auditores Fiscais do Trabalho e reportagens, constatamos que, no ano de 2013, dezenas de acidentes fatais não possuíam as respectivas CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) nos sistemas disponíveis do Ministério do Trabalho (que apresentam os registros do próprio INSS). Até acidentes fatais com repercussão nacional não haviam sido comunicados pelos empregadores, como a tragédia na boate de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, na qual morreram mais de 20 trabalhadores, e o desabamento de uma construção na capital de São Paulo, que matou 10 empregados. Mesmo com tamanha subnotificação, os casos que conseguem ser registrados evidenciam uma grande quantidade de acidentes e mortes no mercado de trabalho brasileiro, especialmente quando comparada com países capitalistas centrais, como o Reino Unido.^5 Por lá, a despeito dos ataques que os instrumentos de regulação protetiva do trabalho vêm sofrendo, ocorrem menos de 200 acidentes fatais por ano, numa população de quase 30 milhões de trabalhadores. Cotejando esses números com a relação entre mortes no trabalho e população que pode ser contabilizada em caso de acidente no Brasil (simplificando, trabalhadores assalariados formais com inscrição na Previdência), temos como resultado uma incidência mais de 10 vezes superior de acidentes fatais no nosso país em relação ao Reino Unido. Esse cenário de riscos e acidentalidade verificados no conjunto da economia brasileira parece ser ainda pior na construção civil. Segundo os indicadores oficiais disponíveis, a construção civil é a atividade econômica que mais mata trabalhadores no Brasil. Considerando apenas os empregados formalmente vinculados aos CNAES (Classificação Nacional de Atividade Econômica) que integram a Construção (Setor F) e os dados dos últimos Anu- ários Estatísticos de Acidentes de Trabalho (AEAT, 2010, 2011, 2012, 2013) do INSS, morrem mais de 450 trabalhadores no setor, a cada ano, no país.^6 A participação do setor da construção civil no total de acidentes fatais

(^4) Dados disponíveis em sidra.ibge.gov.br (^5) Mas não apenas. Em 2012, mesmo países europeus com economias muito mais frágeis do que a brasileira, como a Romênia, a Bulgária, a Eslovênia e a Eslováquia, tinham taxas de mortalidade no trabalho menores do que metade da taxa brasileira (ver HSE, 2015). (^6) Esse indicador não é apenas subestimado pela omissão das CAT, mas também pelo fato de que a informação é apresentada segundo o CNAE do empregador, e não da atividade efetivamen- te executada pelo trabalhador acidentado. Muitos trabalhadores, laborando em reformas, por exemplo, formalizados por empregadores com CNAE não pertencentes ao Setor F, são mortos em atividades da construção, mas são contabilizados em outras atividades. Apenas nos CNAE Serviços de Engenharia e Atividades Técnicas (enquadrado no Setor M), por exemplo, foram 36 mortes em 2013, muitas delas em canteiros de obras.

SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA 18

vigentes. Todos os anos, os itens das Normas Regulamentadoras (incluindo a NR 18, concernente à construção civil) mais elementares são aqueles mais flagrados sendo descumpridos pelas empresas. Esse padrão é facilitado e objetivamente incentivado por uma postura do Estado (por meio das suas instituições de regulação do direito do trabalho) hegemonicamente conciliadora com os ilícitos praticados pelos empregadores. Recentemente, reiteradas pesquisas, contemplando escopos diversos, inclusive dados populacionais, têm analisado a dinâmica da regulação do trabalho pelo Ministério do Trabalho (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Justiça do Trabalho (JT) (Filgueiras, 2012, 2013, 2014a, 2014b; Souza, 2013, 2014, e capítulo 5 constante no presente livro). Infelizmente, posturas condescenden- tes com a ilegalidade contribuem para a reprodução das mortes no trabalho. As perspectivas para o futuro da segurança e saúde do trabalho na construção civil brasileira são pouco alentadoras. É verdade que há alguns focos de mudança nas ações do MTE, MPT e JT, no sentido de responsabilizar infratores e promover uma política pública de imposição das normas, méto- do inteligível aos empregadores. Todavia, a hegemonia do conciliacionismo ainda é profunda, tanto nas bases, quanto nas cúpulas dessas instituições. Ainda mais grave, em termos de preservação da vida de trabalhadores, é que a conjuntura tem sido de radicalização da parcela majoritária das empresas e seus representantes contra qualquer regulação que limite seu arbítrio sobre o trabalho assalariado. Entidades empresariais, inclusive as maiores, têm se apresentado cada vez mais agressivas e resistentes a mudanças no seu padrão de gestão do trabalho (ver, por exemplo, Filgueiras (2014a, 2014c). A estrutura de gestão predatória do trabalho engendra um círculo vicioso de difícil saída, e que contribui para condicionar o próprio tipo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Há uma generalização da concor- rência espúria via redução ilegal dos custos. Isso prejudica as empresas que cumprem a lei e respeitam a saúde, incentivando, portanto, a espiral da burla à legislação e a reprodução da depredação do trabalho. Sem o respeito a pata- mares mínimos de civilidade, a concorrência via elevação da produtividade com incorporação ou desenvolvimento de tecnologia é mitigada. Esse processo de depredação do trabalho na construção civil teve, nas últimas décadas, a terceirização do trabalho como um fator importante para seu agravamento. De acordo com a discussão realizada no capítulo 3 deste livro, a precarização do trabalho engendrada pela terceirização tem contribuído para o incremento dos acidentes e das mortes na construção civil. Este primeiro capítulo não pretende ser uma revisão exaustiva do his- tórico da segurança do trabalho no Brasil, nem da atual conjuntura. Contudo, com base na coleta dos principais dados oficiais disponíveis, da construção de novos indicadores (tanto do Brasil, como do Reino Unido, a partir de pesqui-

19

VITOR ARAÚJO FILGUEIRAS

sa em desenvolvimento na Europa^8 ) e da revisão de outras pesquisas sobre a construção civil, busca alertar para o tipo de sociedade do trabalho que formamos, e que permanece se reproduzindo em seus principais aspectos.

ALGUNS INDICADORES HISTÓRICOS DA SAÚDE E SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA

As condições de segurança do trabalho na construção civil brasileira sempre foram muito precárias. Os primeiros indicadores mais ou menos abrangentes são referentes ao período da ditadura militar, quando se con- vencionou que o Brasil seria “campeão mundial de acidentes de trabalho”. Nesse cenário, a construção civil ganhou notoriedade, especialmente pelas mortes nas grandes obras. Após a redemocratização, a situação não parece ter melhorado, perma- necendo uma grande quantidade de acidentes e mortes na construção civil do país. Trata-se de um quadro estrutural, bem resumido por Mangas, Gómez e Thedim-Costa (2008):

Nos Estudos de Lucca e Mendes (1993), ao longo das décadas de 70 e 80 do século 20, na região sudeste do Brasil, esse setor está entre os que mais contribuíram para a mortalidade da população trabalhadora. As pesquisas de Wünsch Filho (2004) no Ministério do Trabalho e Emprego, de Waldvogel (2003) junto à população segurada pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) no Estado de São Paulo, e de Santana e Oliveira (2004) demonstram que a construção civil continua entre os setores econômicos responsáveis pelos altos índices de acidentes de trabalho fatais. No Rio de Janeiro, o estudo de Pepe (2002) nos Boletins de Ocorrência Policiais (ROs) e Declarações de Óbitos (DOs) da Secretaria Municipal de Saúde referentes ao ano de 1997 também demonstrou que a construção civil é o setor econômico da indústria em que mais ocorrem acidentes de trabalho fatais.

A primeira questão mais óbvia que provavelmente vem à mente de quem lê essas informações é: por que morrem tantos trabalhadores na construção civil, se há uma norma, com força de lei, específica para segurança do trabalho no setor desde o final dos anos 1970? Mangas, Gómez e Thedim-Costa (2008) trazem as primeiras pistas:

(^8) A pesquisa conta com o apoio da FAPESP, processo nº 2015/02096-0, Fundação de Amparo à Pes- quisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.