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Machado de Asssis tu so tu
Tipologia: Notas de estudo
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Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro
Machado de Assis
Tu só, tu, puro amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga... Camões, Luz. III, II9.
(— Caminha vem do fundo, da esquerda; vai a entrar pela porta da direita, quando lhe sai Manoel de Portugal, a rir). Caminha
coisa graciosa, de certo...^ — Alegre vindes, senhor D. Manuel de Portugal. Disse-vos El-rei alguma D. Manuel — Não; não foi El-rei. Adivinhai o que seria, se é que o não sabeis já. Caminha — Que foi? D. Manuel — Sabeis o caso da galinha do duque de Aveiro? Caminha — Não. D. Manuel
Caminha — Não. D. Manuel — Foi o próprio duque que mo contou agora mesmo, ao vir de estar com El- rei... Caminha — Que houve então? D. Manuel — Eu vo-lo digo; achavam-se ontem, na igreja do Amparo, o duque e o poeta... Caminha, com enfado.
logo poeta! Desperdiçais o vosso entusiasmo, senhor D. Manuel. Poeta é o nosso^ — O poeta! O poeta! Não é mais que engenhar aí uns poucos versos, para ser Sá, o meu grande Sá! Mas, esse arruador, esse brigão de horas mortas... D. Manuel — Parece-vos então...? Caminha — Que esse moço tem algum engenho, muito menos do que lhe diz a presunção dele e a cegueira dos amigos; algum engenho não lhe nego eu. Faz sonetos sofríveis. E canções... Digo-vos que li uma ou duas, não de todo mal alinhavadas. Pois então? Com boa vontade, mais esforço, menos soberba, gastando as noites, não a folgar pelas locandas de Lisboa, mas a meditar os poetas italianos, digo-vos que pode vir a ser... D. Manuel — Acabe.
Caminha — Está acabado: um poeta sofrível. D. Manuel — Deveras? Lembra-me que já isso mesmo lhe negastes.
Caminha, sorrindo. — No meu epigrama, não? E nego-lho ainda agora, se não fizer o que vos digo. Pareceu-vos gracioso o epigrama? Fi-lo por desenfado, não por ódio... Dizei, que tal vos pareceu ele? D. Manuel — Injusto, mas gracioso. Caminha — Sim? Tenho em mui boa conta o vosso parecer. Algum tempo supus que me desdenháveis. Não era impossível que assim fosse. Intrigas da corte dão azo a muita injustiça; mas principalmente acreditei que fossem artes desse richoso... Juro- vos que ele me tem ódio. D. Manuel — O Camões? Caminha — Tem, tem... D. Manuel — Por quê? Caminha
— O duque de Aveiro e o poeta encontraram-se ontem na igreja do Amparo. O duque prometeu ao poeta mandar-lhe uma galinha de sua mesa, mas só lhe mandou um assado. Camões retorquiu-lhe com estes versos, que o próprio duque me mostrou agora, a rir: Eu já vi a taverneiro, Vender vaca por carneiro. Mas não vi, por vida minha, vender vaca por galinha, senão ao duque de Aveiro. — Confessai, confessai senhor Caminha, vós que sois poeta, confessai que há aí certo pico, e uma simpleza de dizer... Não vale tanto de certo como os sonetos dele, alguns dos quais são sublimes, aquele por exemplo: De amor escrevo, de amor trato e vivo... ou este Tanto de meu estado me acho incerto... — Sabeis a continuação? Caminha — Até lhe sei o fim: Se me pergunta alguém porque assim ando que só porque vos vi, minha senhora.respondo que não sei, porém suspeito — (Fitando-lhe muito os olhos.) Esta senhora... Sabeis vós, de certo, quem é esta senhora do poeta, como eu o sei, como o sabem todos... Naturalmente amam- se ainda muito? D. Manuel, à parte. — Que quererá ele? Caminha
— Amam-se por força. D. Manuel — Cuido que não. Caminha — Que não? D. Manuel — Acabou, como tudo acaba. Caminha, sorrindo. — Anda lá; não sei se me dizeis tudo. Amigos sois, e não é impossível que também vós... Onde está a nossa gentil senhora D. Francisca de Aragão? D. Manuel — Que tem? Caminha — Vede: um simples nome vos faz estremecer. Mas sossegai, que não sou vosso inimigo; mui ao contrário, amo-vos, e a ela também... e respeito-a muito. Um para o outro nascestes. Mas, adeus, faz-se tarde, vou ter com El-rei. ( Sai pela direita.) CENA II DOM MANUEL DE PORTUGAL — Este homem!... Este homem!... Como se os versos dele, duros e insossos... (Vai à porta por onde Caminha saiu e levanta o reposteiro.) Lá vai ele; vai cabisbaixo; rumina talvez alguma coisa. Que não sejam versos! (Ao fundo aparecem D. Antônio de Lima e D. Catarina de Ataíde.)
CENA III
— Ouviste aquilo? D. Catarina, parando. — Aquilo? D. Antônio
aproxima-se.) — “Que só poetas podem dizer bem” foram as palavras dele. ( Vês tu, filha? tão divulgadas andam já essas coisas, que até se dizem D. Catarina nas barbas de teu pai! D. Catarina — Senhor, um gracejo... D. Antônio, enfadando-se. — Um gracejo injurioso, que eu não consinto, que não quero, que me doe... Que só poetas podem dizer bem E que é poeta! Pergunta ao nosso Caminha o que éesse atrevido, o que vale a sua poesia... Mas, que seja outra e melhor, não a quero para mim, nem para ti. Não te criei para entregar-te às mãos do primeiro que passa, e lhe dá na cabeça haver-te. D. Catarina, procurando moderá-lo. — Meu pai... D. Antônio — Teu pai e teu senhor! D. Catarina — Meu senhor e pai... juro-vos que... Juro-vos que vos quero e muito... Por quem sois, não vos irriteis contra mim! D. Antônio — Jura que me obedecerás.
D. Antônio — E sutil. Não vos esqueça a rima, que é de lei. ( Vai a sair pela porta da direita; aparece Camões.) CENA VI OS MESMOS, CAMÕES D. Catarina, à parte. — Ele! D. Francisca, baixo a D. Catarina. — Sossegai! D. Antônio — Vinde cá, senhor poeta das galinhas. Já me chegou aos ouvidos o vosso lindo epigrama. Lindo, sim; e estou que não vos custaria mais tempo a fazê-lo doque eu a dizer-vos que me divertiu muito... E o duque? O duque, ainda não emendou a mão? Há de emendar, que não é nenhum mesquinho. Camões, alegremente. — Pois El-rei deseja o contrário... D. Antônio — Ah! Sua Alteza falou-vos disso?... Contar-mo-eis em tempo. (A D. Catarina, com intenção). Minha filha e senhora, não ides ter com a rainha? Eu vou falar a El-rei. (D. Catarina corteja-os e dirige-se para a esquerda; D. Antônio sai pela direita.) CENA VII OS MESMOS, menos D. ANTÔNIO DE LIMA (D. Catarina quer sair, D. Francisca de Aragão detém-na.) D. Francisca
— Ficai, ficai... D. Catarina — Deixe-me ir! Camões — Fugis de mim?
andai, vou deixar-vos; dizei o caso do vosso epigrama, não a mim, que já o sei de cor, porém a ela que ainda não sabe nada... E que foi que vos disse El-rei? Camões — El-rei viu-me, e dignou-se chamar-me; fitou-me um pouco a sua real vista, e disse com brandura: — «Tomara eu, senhor poeta, que todos os duques vos faltem com galinhas, por que assim nos alegrareis com versos tão chistosos.» D. Francisca — Disse-vos isto? é um grande espiríto El-rei! D. Catarina, a D. Francisca. — Não é? (A Camões.) E vós que lhe dissestes? Camões — Eu? nada... ou quase nada. Era tão inopinado louvor que me tomou a fala. E, contudo, se eu pudesse responder agora... agora que recobrei os espíritos... dir- lhe-ia que há aquide desenfado... dir-lhe-ia (leva a mão à fronte) que... ( Fica alguma coisa mais do que simples versos absorto um instante, depois olha alternadamente para as duas damas, entre as quais se acha.) Um sonho... às vezes cuido conter cá dentro mais do que a minha vida e o meu século... Sonhos... sonhos! A realidade é que vós sois as duas mais lindas damas da cristandade, e que o amor é a alma do universo! D. Francisca — O amor e a espada, senhor brigão! Camões, alegremente. — Por que me não dais logo as alcunhas que me hão de ter posto os poltrões do Rocio? Vingam-se com isso, que é a desforra da poltroneria... Não sabeis? Naturalmente não; vós gastais as horas nos lavores e recreios do paço; mora aqui a doce paz do espírito. D. Catarina, c om intenção. — Nem sempre.
D. Francisca — Isto é convosco; e eu, que posso ser indiscreta, não me detenho a ouvir mais nada. (Dá alguns passos para o fundo.) D. Catarina — Vinde cá... D. Francisca — Vou-me... vou a consolar o nosso Caminha, que há de estar um pouco enfadado... Ouviu ele o que El-rei vos disse?