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o livro de Michal Kalecki : Teoria da Dinâmica Econômica
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Não perca as partes importantes!
Apresentação de Jorge Miglioli Tradução de Paulo de Almeida
1) Advertência
Kalecki a respeito das economias capitalistas e constitui leitura indis- pensável para quem deseja aprofundar seus conhecimentos sobre essas economias. Foi originalmente publicada em inglês em 1954 e, com al- guns acréscimos e correções, em 1965. Já apareceu em várias outras línguas: italiano e espanhol (em 1956), polonês e japonês (1958), francês e alemão (1966), grego (1980) e em sueco (1975) grande parte dela foi incluída numa seleção de textos de Kalecki. A tradução para a língua portuguesa foi publicada pela Abril Cultural, na série “Os Pensadores”, em 1976. Para o leitor que não conhece os trabalhos de Kalecki e, folheando o presente livro, surpreenda-se com sua formulação matemática, talvez seja conveniente começar com o seguinte aviso dado pelo autor, no Prefácio à edição japonesa da obra: “Este livro está cheio de equações, dados estatísticos, diagramas etc. Ao leitor isso pode provocar a errada impressão de que o tema central seja a aplicação da Matemática e da Estatística à pesquisa econômica. Mas não se trata disso, absoluta- mente. As equações matemáticas são usadas apenas para condensar o curso do raciocínio e dar-lhe maior precisão. Os dados estatísticos servem para demonstrar que os resultados teóricos não contradizem os fatos e que, portanto, esses resultados fornecem explicação fidedigna dos fenômenos pesquisados”.^1 Em outras palavras, o livro não constitui um simples tratamento matemático de concepções econômicas estabelecidas. Ele compreende,
1 Incluído em KALECKI, Michal. Dziela. v. II, p. 214. Por iniciativa da Academia Polonesa de Ciências e com excelente trabalho editorial de Jerzy Osiatynski, estão sendo publicadas em polonês as obras completas de Kalecki, sob o título geral de Dziela ( Obras ) e divididas em cinco volumes: 1) Capitalismo: Conjuntura e Emprego ; 2) Capitalismo: Dinâmica Eco- nômica ; 3) Socialismo ; 4) Países em Desenvolvimento ; 5) Análises Econômicas. Até 1981 somente os dois primeiros volumes tinham sido publicados.
na verdade, um conjunto de pesquisas originais acerca da dinâmica das economias capitalistas, aí empregando-se a Matemática como lin- guagem e a Estatística como instrumento de verificação empírica das conclusões teóricas. Feita essa advertência, vamos falar um pouco do autor antes de abordarmos o conteúdo do livro em questão.
2) Biografia e Obras^2
Michal Kalecki nasceu em Lodz, em 22 de junho de 1899. Estudou na Escola Politécnica de Varsóvia e depois na de Gdanski, mas não chegou a graduar-se. Seu primeiro título acadêmico ele o obteve aos 57 anos de idade, quando, já internacionalmente reconhecido, o governo polonês o nomeou professor universitário; e em 1964 a Universidade de Varsóvia lhe conferiu o título de doutor honoris causa. Foi um autodidata. Em sua formação como economista, recebeu profunda influência das obras de Marx e de outros autores marxistas. Seu primeiro emprego como economista foi no Instituto de Pes- quisa de Conjuntura e Preços, de Varsóvia, em 1927. Em 1935, quando já tinha publicado seu estudo inovador em teoria dos ciclos econômicos, viajou para a Suécia com uma bolsa de estudos. No ano seguinte mu- dou-se para a Inglaterra, onde trabalhou na Escola de Economia de Londres e depois na Universidade de Cambridge (1937/39) e no Instituto de Estatística da Universidade de Oxford (1940/45). Terminada a Segunda Guerra Mundial, Kalecki prestou serviços durante algum tempo para a Organização Internacional do Trabalho e para o Governo polonês. Daí foi para o departamento econômico do Secretariado da ONU, onde ficou até 1954. Retornando à Polônia, ocupou diversos cargos: diretor de pesqui- sas no departamento de ciências econômicas da Academia Polonesa de Ciências (1955/56), presidente da Comissão de Planejamento de Longo Prazo (1957/60), vice-presidente do Conselho Econômico do Estado (1957/63), e também, ao longo de todo esse tempo (isto é, de 1956 a 1969), professor na Escola Central de Planificação e Estatística. Kalecki morreu em Varsóvia no dia 17 de abril de 1970.
Os trabalhos de Kalecki podem ser separados em três grupos: sobre as economias capitalistas desenvolvidas, sobre as economias sub-
OS ECONOMISTAS
2 Para mais informações sobre a biografia e as obras de Kalecki, os seguintes trabalhos podem ser consultados: MIGLIOLI, Jorge (org.). Kalecki. “Coleção Grandes Cientistas Sociais”. S. Paulo. Editora Ática, 1980; KOWALIK, Tadeus. “Biography of Michal Kalecki”. In: Problems of Economic Dynamics and Planning — Essays in Honour of Michal Kalecki. Varsóvia, Polish Scientific Publishers, 1964; FEIWEL, George. The Intelectual Capital of Michal Kalecki. Knoxville. The University of Tennessee Press, 1975; os vários artigos de Oxford Bulletin of Economics and Statistics , fevereiro de 1977, número especial dedicado a Kalecki. O livro de Feiwel contém a bibliografia completa de Kalecki.
importante é o livro Introdução à Teoria do Crescimento em Economia Socialista (primeira edição em 1963 e a segunda, ampliada, em 1968), que hoje se encontra traduzido para vários idiomas.^5
3) A Obra de Kalecki na História do Pensamento Econômico
A grande contribuição de Kalecki para o entendimento do modo como funciona e se desenvolve a economia capitalista está em sua formulação e seu aprofundamento do princípio da demanda efetiva. Para compreender a grandeza de sua contribuição, é preciso observá-la dentro da história do pensamento econômico.^6 Em seu livro A Riqueza das Nações (1776), Adam Smith havia defendido a importância da frugalidade para o progresso econômico: quanto maior a poupança (dos capitalistas), maior seria a acumulação de capital e, portanto, o referido progresso. Ele condicionava a acumu- lação à existência de uma poupança prévia e estabelecia, ou pelo menos sugeria, o princípio de que toda produção teria de ser necessariamente comprada: a parte não consumida, isto é, poupada, seria adquirida para acumulação. Algumas décadas mais tarde, dentro dessa linha de raciocínio, James Mill na Inglaterra e Jean-Baptiste Say na França viriam a formular o que passou, posteriormente, a ser conhecido como “lei dos mercados de Say”, segundo a qual toda produção criava uma demanda necessária para absorvê-la. De acordo com Mill ( A Defesa do Comércio , 1808): “A produção de mercadorias cria, e é a única e universal causa que cria, um mercado para as mercadorias. (...) A demanda de uma nação é sempre igual à produção de uma nação”. Segundo Say ( Tratado de Economia Política , 1814): “Um produto, tão logo seja criado, nesse mesmo instante gera um mercado para outros produtos em toda a grandeza de seu próprio valor”. Foi David Ricardo, porém (em seus Princípios de Economia Po- lítica e Tributação , 1817), quem deu consistência teórica à “lei de Say”; mais tarde, John Stuart Mill ( Princípios de Economia Política , 1848) se encarregou de transformá-la em dogma, e como tal ela foi incorporada pelos economistas neoclássicos. Tendo adotado a “lei de Say”, Ricardo passou a aplicá-la coeren- temente à análise de diversos problemas econômicos e com isso con- tribuiu decisivamente para que economistas posteriores a aceitassem sem questionamento. Graças à influência de Ricardo, a “lei de Say” assumiu uma importância fundamental na interpretação dos mais di- versos problemas: a acumulação de capital e o desenvolvimento eco-
OS ECONOMISTAS
5 Esse livro, traduzido e prefaciado por Luiz L. Vasconcelos, foi publicado em Portugal pela Editora Prelo, Lisboa, 1978, e no Brasil pela editora Brasiliense, S. Paulo, 1982. 6 Esse tema é tratado minuciosamente em MIGLIOLI, Jorge. Acumulação de Capital e De- manda Efetiva. S. Paulo, T. A. Queiroz Editor, 1981.
nômico, a impossibilidade de crise de superprodução, a distribuição de renda entre salários e lucros, a insignificância da exportação e dos gastos públicos para o aumento da produção. Se é a produção que cria a demanda, então esta última tem um papel passivo. A acumulação de capital e o progresso econômico de- pendem apenas da produção, não encontrando nenhum obstáculo por parte da demanda. Na verdade, uma parte da renda gerada no processo produtivo deixa de ser gasta em consumo, ou seja, é poupada, e isso poderia significar que essa parte geraria um excedente de produção, um volume invendável de mercadorias. Isso, porém, não acontece, de acordo com Ricardo e seus seguidores. A parte poupada da renda de um capitalista seria usada de dois modos: diretamente para acumulação de capital (que constitui uma compra de mercadorias) e/ou para em- préstimo a outros capitalistas, que a usariam para acumulação; assim, toda poupança se transformaria em acumulação de capital (investi- mento, na linguagem atual) e, portanto, toda a produção estaria sendo vendida: uma parte para consumo e outra para acumulação. Poderia haver circunstancialmente um excesso de produção em alguns setores específicos de atividade, mas isso seria logo corrigido: os capitais estabelecidos neles se deslocariam para os setores onde há demanda. Como a demanda não constitui obstáculo para a produção, porque é criada por esta, então a acumulação de capital e o desenvolvimento econômico passam a ser determinados apenas pelas condições da pro- dução. Entre estas, a taxa de lucro tem um papel essencial, porque quanto maior ela for, maior será a taxa de poupança e, conseqüente- mente, a taxa de acumulação. Considerando-se que o preço é dado (isto é, determinado pelas condições da concorrência), o lucro passa a depender do salário: quanto maior este, menor aquele. A suposição fundamental dessa conclusão é a de que a renda total (composta de salários e lucros) é uma grandeza dada; daí, o aumento na parcela dos salários dá como resultado uma redução de igual magnitude na parcela dos lucros. Logo, o principal empecilho à acumulação passa a ser o aumento dos salários. A suposição adotada nesse argumento tem várias outras impli- cações e por isso deve ser melhor esclarecida. Segundo a “lei de Say”, a produção cria sempre sua própria demanda, ou, em outros termos, toda a renda gerada na produção é necessariamente gasta na compra dessa mesma produção. Portanto, o poder de compra dessa renda não é afetado pelo modo como ela se distribui (daí por que a “lei de Say” é às vezes chamada de “lei da preservação do poder de compra”). Se a renda for redistribuída em benefício dos salários, isso significará apenas que os trabalhadores (com seus maiores salários) comprarão mais e os capitalistas (com seus menores lucros) comprarão menos, mas o montante total da produção e da renda não será modificado.
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não é necessariamente igual à produção. Mais do que isso, a produção ou oferta de mercadorias tende naturalmente, no capitalismo, a ser maior do que sua demanda. Vejamos a razão disso. O valor de todas as mercadorias lançadas no mercado se decompõe em três partes: C , ou capital constante, compreendendo os insumos incorporados nas mer- cadorias e o desgaste (ou depreciação) dos equipamentos empregados na produção; V , ou capital variável, correspondente aos salários pagos; S , a mais-valia ou lucro que os capitalistas esperam auferir. Em suma, o valor total da oferta é igual a W = C + V + S. Para produzir esse valor, os capitalistas gastaram um montante igual a C + V. Ou seja, para produzir mercadorias no valor de W = C
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pital. Alguns simplesmente ignoraram ou minimizaram a importância do problema, e os outros deram as mais diferentes interpretações. Mas o debate que se travou, se não levou a uma conclusão geral, pelo menos serviu para assentar certos pontos específicos. Por exemplo, Tugan-Baranovski (em seu livro sobre As Crises Industriais na Inglaterra , edição russa de 1894 e edição francesa, mo- dificada, de 1913) deixou bem claro duas questões básicas: 1) o desen- volvimento da economia capitalista depende não apenas da expansão das forças produtivas, mas também da ampliação dos mercados para absorver a produção; 2) contrariamente à tese dos teóricos subconsu- mistas, o aumento do consumo (seja dos trabalhadores ou dos capita- listas) não é imprescindível para realizar a crescente produção; esta pode ser realizada apenas no setor produtor de equipamentos — por exemplo, são produzidas máquinas para produzir mais máquinas para fazer ainda mais máquinas. Também Rosa Luxemburg (em A Acumu- lação de Capital , 1913) acentuou o primeiro ponto. Mas não entendeu o segundo; para ela, era necessário haver um mercado externo (fora do sistema capitalista) para absorver a crescente produção e, assim, estimular a acumulação capitalista. Esta é uma falsa solução teórica: apesar disso, ao propô-la, Rosa Luxemburg destacou uma questão re- levante para as economias capitalistas: o papel das exportações e dos gastos públicos (especialmente com armamentos) no processo de rea- lização da produção. Fora da corrente marxista, poucos foram os economistas, até a década de 1930, que se interessaram pelo problema da demanda efetiva. Entre esses poucos, destaca-se J. A. Hobson, cuja principal obra sobre o assunto, A Economia do Desemprego , foi publicada em 1923. Hobson era um teórico do subconsumismo: segundo ele, a capacidade produtiva da economia crescia mais rapidamente do que a capacidade de consumo da sociedade, e isso acontecia devido à má distribuição de renda: de um lado, os trabalhadores, com baixas rendas, não podiam aumentar seu consumo, e de outro lado, os capitalistas, com altas rendas, for- mavam grandes poupanças, acumulavam capital, ampliando cada vez mais a capacidade produtiva. A grande crise econômica iniciada em 1929 acabaria por forçar o reconhecimento da importância da demanda efetiva no processo ca- pitalista de produção. É verdade que, apesar da dramaticidade com que o problema se apresentava, a esmagadora maioria dos economistas de formação ortodoxa continuou a sustentar opiniões apoiadas na “lei de Say”.^7 Mas uns poucos, menos apegados à ortodoxia, começaram a ver o problema. Isso aconteceu simultaneamente com dois grupos de
OS ECONOMISTAS
7 Alguns exemplos dessas opiniões foram relacionados por HARROD, Roy. The Life of John Maynard Keynes. Londres, 1951; KLEIN, Lawrence. The Keynesian Revolution. 2ª ed., Lon- dres, 1968; e LEKACHMAN, Robert. The Age of Keynes. Londres, 1968.
4) A Teoria da Dinâmica Econômica
A respeito das economias capitalistas, Michal Kalecki elaborou apenas três livros: Ensaios em Teoria das Flutuações Econômicas (1939), Estudos de Dinâmica Econômica (1943) e Teoria da Dinâmica Econômica (1954);^12 todos seus outros livros acerca dessas economias constituem coleções de artigos originalmente publicados em revistas e/ou de capítulos específicos daqueles três livros. Como o autor esclarece no prefácio da Teoria da Dinâmica Econômica , este livro substitui os dois anteriores. Ou seja, embora trate dos mesmos temas dos outros dois, constitui um novo livro. E isso em três sentidos: primeiro, porque representa um aprimora- mento; segundo, porque aborda algumas novas questões; terceiro, porque se utiliza de novos dados estatísticos para verificação dos argumentos teóricos. Em suma, o último livro constitui a versão mais completa das idéias de Kalecki sobre o problema da dinâmica das economias capitalistas. Assim, os dois livros anteriores representam versões precursoras. Mas não apenas eles: na verdade, quase todos os temas tratados na Teoria da Dinâmica Econômica foram sendo aprimorados em sucessivos trabalhos, muitos dos quais publicados como artigos de revistas. Por outro lado, alguns desses mesmos temas continuaram a ser estudados por Kalecki depois da publicação da Teoria da Dinâmica Econômica. Portanto, para o leitor interessado na evolução das idéias do autor a respeito desses temas, relacionamos, mais adiante, os trabalhos que precederam e sucederam o referido livro. De que trata a Teoria da Dinâmica Econômica? Embora seu sub- título seja Ensaio Sobre as Mudanças Cíclicas e a Longo Prazo da Economia Capitalista , o livro abrange também o problema da deter- minação do nível da renda (ou da produção) a curto prazo. As economias capitalistas em geral se desenvolvem dentro de um padrão cíclico: ou seja, elas se expandem, mas com flutuações pe- riódicas. Assim, a produção ao longo do tempo pode ser representada como um movimento ondulatório, como a curva C na Figura 1. Mas, apesar das flutuações, a produção continua a crescer; isto é, o movi- mento ondulatório se dá em torno de uma tendência crescente, expressa pela reta T na Figura 1. Nesse comportamento das economias capita- listas, é possível separar três tipos de questões:
OS ECONOMISTAS
Smith. Londres, 1973. p. 221): “Quanto a Kalecki (...) sua obra podia, realmente, ser con- siderada uma formalização do ‘problema da realização’; e, exceto por sua apresentação rigidamente formal e matemática, os marxistas podiam sentir-se num mundo familiar”. 12 Essays in the Theory of Economic Fluctuations. Londres, Allen & Unwin, 1939; Studies in Economic Dynamics. Londres, Allen & Unwin, 1943; Theory of Economic Dynamics. Londres, Allen & Unwin, 1954.
e não outro nível qualquer? Ou, por exemplo, para usar a Figura 1, por que, no ano ti , a renda alcançou o nível R (^) i ?;
É claro que essas três questões estão estreitamente relacionadas. Mais do que isso; a longo prazo trata-se de um único problema: como explicar o comportamento da produção no decorrer do tempo? A expli- cação geral para essa pergunta responderia simultaneamente as três referidas questões: a tendência crescente da produção, seu movimento cíclico e o nível atingido em cada ano, tendo em vista que, ao longo do tempo, o comportamento da produção nada mais é do que uma sucessão de produções anuais. Metodologicamente, contudo, é possível separar o problema geral nas três questões específicas, e isso é o que tem sido feito na Ciência Econômica. A primeira questão é usualmente conhecida como “determinação do nível da renda” (ou, em termos mais gerais, “da atividade econômica”) e constitui um problema de “estática econômica”, pois não envolve mudanças ao longo do tempo: trata-se de explicar o nível da renda num único momento (isto é, num ano). As duas outras questões são de “dinâmica econômica”: em ambas o objeto de estudo são exatamente as variações do nível de renda ao longo do tempo. Mas essas duas questões se diferenciam pelo fato de que o objeto de estudo, em uma delas, são as mudanças cíclicas e, na outra, é o crescimento da renda. Essas duas questões de dinâmica econômica têm sido estudadas separadamente. A análise dos ciclos e a do crescimento econômico ra- ramente são integradas numa única teoria. Elas chegam mesmo a cons- tituir dois capítulos em separado da Ciência Econômica. Sua não-in- tegração se deve a duas razões básicas. A primeira decorre de injunções históricas e mesmo do modismo. Assim, por exemplo, durante e até
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Se essas duas grandezas determinam tanto os lucros como os salários, e sendo a renda nacional igual à soma de lucros e salários, então elas também determinam a renda nacional. Mas, é preciso ob- servar, essa conclusão só é válida se supomos que a distribuição da renda entre salários e lucros não se altera. Para sermos mais exatos: o montante de salários e a renda nacional dependem não apenas do investimento e consumo dos capitalistas, mas também da repartição da renda entre salários e lucros na economia como um todo. Consideremos um aumento no investimento e no consumo dos capitalistas, isto é, na produção dos setores I e II. Os lucros terão um igual acréscimo. Mas o aumento no montante de salários vai depender da distribuição da renda nos três setores. Se, ao crescer a produção dos setores I e II, a repartição da renda não se alterar, então o montante de salários crescerá na mesma proporção dos lucros; se a repartição se modificar em benefício destes últimos, então o volume de salários crescerá menos. Enfim, o montante de salários depende não só do in- vestimento e do consumo dos capitalistas, mas também da repartição da renda. O mesmo acontece com a renda nacional.
Distribuição de Renda. Constatada a importância da distribuição da renda na determinação do produto nacional, cabe explicar a própria distribuição. É com a análise desse problema que Kalecki inicia seu livro. Na economia como um todo, a repartição da renda constitui a média ponderada da repartição nos diferentes ramos produtivos. E, em cada ramo, a distribuição é função de dois fatores: 1) o grau de monopólio e 2) a relação entre o custo dos insumos materiais e os salários. Quanto maior o grau de monopólio, maior é o preço (e, dentro dele, o lucro) que uma indústria pode cobrar por sua mercadoria em relação ao custo de sua produção (onde se incluem o custo dos insumos e os salários); logo, maiores são os lucros em relação aos salários, isto é, maior é a participação dos lucros na renda gerada. Em segundo lugar, quanto maior o custo dos insumos em relação aos salários, e como os lucros são auferidos sobre a soma de insumos e salários, então maiores são os lucros em relação aos salários (ver capítulo 2).
Formação de Preços. O ponto fundamental dessa explicação da distribuição da renda é o problema do grau de monopólio, o qual implica toda uma teoria da formação dos preços. Por isso mesmo é que Kalecki, antes de formular aquela explicação, trata de estabelecer sua teoria da formação de preços (ver capítulo 1). Em seus primeiros trabalhos de Economia, de 1928 a 1932, Ka- lecki estudou muitos casos reais de produção e comercialização de mer- cadorias e pôde observar a ação monopolista das empresas sobre os mercados. Por isso, ele jamais aceitou a teoria neoclássica dos preços, apoiada no princípio da concorrência perfeita, e viu-se obrigado a for-
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mular sua própria teoria, no que foi influenciado pelas obras pioneiras de Sraffa, Chamberlin e Joan Robinson sobre o tema.^13 Sua teoria é a seguinte: excetuando a agricultura (onde os produtos são pouco di- ferenciados e, a curto prazo, a oferta é rígida, e onde, portanto, os preços são determinados pela demanda), nos demais setores existe re- serva de capacidade produtiva, e as empresas — seja pela concentração industrial ou seja pela propaganda, diferenciação real ou fictícia de suas mercadorias etc. — detêm poder sobre seus mercados para fixarem os preços de seus produtos. Para isso, cada empresa toma por base seu custo médio de produção (insumos e salários) e acrescenta sua margem de lucro, levando em conta o preço médio das outras firmas. Quanto maior o domínio sobre o mercado — isto é, o “grau de monopólio” — por parte de uma empresa, maior será o preço por ela fixado para seu produto em relação a seu custo médio e, portanto, maior será seu lucro. A concepção de Kalecki sobre o processo de formação dos preços foi publicada pela primeira vez em 1938 e a partir daí, em sucessivos trabalhos, foi sendo aprimorada. Mas até hoje continua sendo um dos pontos mais discutidos de toda sua obra sobre as economias capitalistas — e nem poderia deixar de ser assim, visto contrariar frontalmente a teoria neoclássica dos preços, que é o mito mais sagrado dessa corrente do pensamento econômico, dominante no mundo ocidental. De qualquer modo, aceitando-a ou não, no todo ou em parte, um fato tem de ser reconhecido: ao relacionar estreitamente a determinação do produto nacional com a distribuição de renda e com o processo de formação dos preços, Kalecki conseguiu integrar numa só teoria três problemas que na Ciência Econômica ortodoxa são usualmente tratados em separado (haja vista a tradicional separação da Macroeconomia e da Microeconomia).
Importância Fundamental do Investimento. Podemos voltar agora ao problema da determinação do nível da atividade econômica. Já dis- semos que os lucros dos capitalistas como um todo num ano qualquer são formados pelos gastos dos próprios capitalistas em investimento e consumo nesse mesmo ano. Além disso, sendo dada a distribuição da renda entre lucros e salários, aquelas duas grandezas determinam tam- bém o montante de salários e o produto nacional. Assim, o investimento e o consumo dos capitalistas (juntamente com o déficit orçamentário do Governo e o saldo de exportações, que temos omitido para simplificar a exposição) constituem as variáveis fundamentais na determinação do nível da atividade econômica. Todavia, como mostra Kalecki no capítulo 4, também o consumo
OS ECONOMISTAS
13 SRAFFA, Piero. “The Laws of Returns under Competitive Conditions”. In: Economic Journal. Dezembro de 1926; CHAMBERLIN, E. H. The Theory of Monopolistic Competition. 1932; ROBINSON, Joan. Economics of Imperfect Competition. 1933.
poderá obter maiores empréstimos para investimento; 2) dado o grau de risco assumido pela empresa, o montante de empréstimos que ela pode tomar para investimento vai depender de seu capital próprio. Trata-se, nesse segundo caso, da aplicação daquilo que Kalecki deno- minou (em estudo anterior) de “princípio do risco crescente”: ao tomar empréstimos para investimento, o risco assumido pela empresa, em caso de fracasso, será tanto maior quanto maior for o valor dos em- préstimos em relação ao valor de seu capital próprio. Assim, com um mesmo grau de risco, as empresas maiores podem recorrer a mais empréstimos do que as empresas menores.
Determinantes do Investimento. Deixemos de lado a acumula- ção de estoques que, para Kalecki, pode ser considerada uma função da variação do volume de produção. Assim, o investimento se refere apenas à acumulação de capital fixo. Seu montante, num dado mo- mento, depende de três “fatores”: a disponibilidade de recursos fi- nanceiros próprios, a variação nos lucros e a variação no estoque de capital fixo. Além dessas três variáveis, na equação dos deter- minantes do investimento é incluído um outro fator, considerado relativamente constante ao longo do tempo; assim, independente- mente das três variáveis, haveria sempre um certo montante de investimento decorrente desse fator, o qual refletiria a soma de ou- tras diversas influências — principalmente das inovações tecnoló- gicas — sobre o processo de investimento. Os referidos recursos financeiros são constituídos pela poupança bruta das empresas (isto é, os lucros brutos não distribuídos) e pela poupança pessoal dos proprietários que controlam as empresas. Esses são os recursos de que elas dispõem para investimento sem precisarem recorrer ao mercado de capitais. Quanto maior o volume desses recur- sos, maior deve ser o montante do investimento; primeiro, porque as empresas não podem deixá-los simplesmente ociosos e, portanto, ten- dem a convertê-los em investimento; segundo, porque eles aumentam o capital próprio das empresas (de que falamos antes), e, assim, am- pliam o acesso ao mercado de capitais. O investimento efetuado pelas empresas num dado momento pode ser menor, igual ou maior do que o volume de seus recursos financeiros próprios, dependendo da atuação dos outros dois “fatores” no momento anterior: a elevação dos lucros influencia positivamente, mas o aumento do estoque de capital fixo tem uma influência negativa. A simples expansão dos lucros não basta para justificar o investimento; se, no momento anterior, as empresas tinham capacidade ociosa mas, apesar disso, o estoque de capital cresceu, então no momento presente elas não precisam investir apenas porque a produção e, com esta, o volume de lucros aumentaram: no momento presente elas podem continuar a produzir mais, sem ampliar seu capital fixo (isto é, sem investir), sim-
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plesmente aproveitando-se da capacidade ociosa existente. Em suma, é preciso levar em conta a variação tanto do lucro como do estoque de capital fixo. Essa teoria apresenta diversos pontos fracos, entre os quais dois merecem destaque: 1) a influência do progresso técnico não é ressaltada, permanecendo embutida numa constante adicionada à equação dos de- terminantes do investimento; 2) não se explica por que os capitalistas continuam a investir (a ampliar seu capital fixo) apesar da existência de considerável margem de capacidade produtiva ociosa. Kalecki está ciente das deficiências de sua teoria, e por isso mesmo continuou a estudar o problema. Poucos anos antes de sua morte, publicou um trabalho onde apresentou uma nova explicação dos determinantes do investimento, eliminando aqueles dois pontos fracos. De acordo com essa explicação, o estímulo ao investimento decorre da concorrência entre os capitalistas: um capitalista é levado a introduzir inovações tecnológicas e, portanto, a investir (visto que as inovações estão em- butidas nos novos equipamentos de capital), apesar da existência de capacidade ociosa, para captar lucros auferidos por seus concorrentes (ver o ensaio “Tendência e Ciclo Econômico” em Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas ).
Ciclos e Crescimento. As duas últimas partes da Teoria da Di- nâmica Econômica tratam separadamente dos ciclos (capítulo 11 a 13) e do crescimento (capítulos 14 e 15). O problema dos ciclos, relacionado ao dos determinantes do investimento, foi o que mais exigiu o esforço intelectual de Kalecki em toda sua vida. Ele publicou um grande nú- mero de trabalhos sobre o tema (relacionados mais adiante), tendo elaborado diversos modelos dos ciclos. Seu último modelo está no ensaio “Tendência e Ciclo Econômico” acima citado; seu penúltimo modelo é o que está incluído na Teoria da Dinâmica Econômica. Ao fazer e refazer seus modelos, a preocupação de Kalecki era a de encontrar uma explicação dos ciclos que fosse a mais realista possível. Assim, seus primeiros modelos adotavam a hipótese dos “ciclos puros”, ou seja, ciclos desprovidos de tendência, como se as flutuações da produção se dessem ao longo de uma linha horizontal (por exemplo, na Figura 1 a reta T seria horizontal e não ascendente). Já em seu livro Studies in Economic Dynamics (1943), Kalecki leva em conta a tendência, e essa nova forma de abordagem foi aprimorada na Teoria da Dinâmica Econômica e em um artigo posterior, mas Kalecki con- tinuou insatisfeito por não ter integrado o ciclo e o crescimento eco- nômico num único modelo. Por isso mesmo, ele voltou a apresentar uma nova formulação, no já citado ensaio “Tendência e Ciclo Econômico” (1968), onde advertiu: “Eu mesmo abordei esse problema em minha Teoria da Dinâmica Econômica e em minhas ‘Observações sobre a Teoria do Crescimento’ de um modo que agora não considero inteira-
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