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Modulo II do Material Didatico do Curso, Notas de estudo de Enfermagem

Modulo II do Curso DE EXTENSÃO PARA GESTORES do SUS

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 03/07/2011

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amanda-campos-28 🇧🇷

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MÓDULO 2
Determinantes Sociais da Saúde e Promoção da Saúde:
fundamentos e estratégias de gestão do processo
de trabalho no SUS
Objetivo: apresentar e discutir os determinantes sociais da
saúde e analisar os fundamentos da Promoção da Saúde
para a gestão do processo de trabalho no SUS, apontando
a organização em Redes Integradas de Atenção à Saúde
como arranjo estratégico.
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MÓDULO 2

Determinantes Sociais da Saúde e Promoção da Saúde:

fundamentos e estratégias de gestão do processo

de trabalho no SUS

Objetivo: apresentar e discutir os determinantes sociais da

saúde e analisar os fundamentos da Promoção da Saúde

para a gestão do processo de trabalho no SUS, apontando

a organização em Redes Integradas de Atenção à Saúde

como arranjo estratégico.

Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), composta por 16 lideranças sociais de diversos campos do saber (idem).

Após um amplo trabalho de revisão do conhecimento produzido sobre os determi- nantes sociais da saúde, a CNDSS adotou como modelo para a sua análise e esquema para a construção de recomendações de intervenção nos diferentes níveis de determinação o esquema explicavo de Dahlgren e Whitehead (1991) (idem).

Determinações do processo saúde-doença

Condições socieconômicas, culturais e ambientais

Estilo de vida

Suporte social e comunitário

Condições de vida e trabalho

Idade, sexo e fatoreshereditários

O modelo desenvolvido por Dahlgren e Whitehead (1991) organiza as circunstâncias que constroem nosso modo de viver e nosso processo saúde-doença em diferentes camadas, reunindo aspectos individuais, sociais e macroestruturais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). O esquema permite-nos visualizar didacamente uma série de “partes” integrantes de nossas vidas e analisar as relações estreitas e indissociáveis que elas têm. É importante lembrar que assim como cada modo de viver é uma composição de circunstâncias, também cada um dos territórios é a expressão singular da arculação dos determinantes sociais da saúde.

Na divisão didáca proposta por Dahlgren e Whitehead (1991), os determinantes sociais estão organizados por níveis de abrangência em disntas camadas: a mais próxima referindo-se aos aspectos individuais e a mais distante aos macrodeterminantes. Como se pode ver, na base da figura, estão as caracteríscas individuais de idade, sexo e fatores gené- cos que marcam nosso potencial e nossas limitações para manter a saúde ou o adoecer.

Na camada imediatamente externa, aparecem o comportamento e os es-  los de vida individuais. Esta camada está situada no limiar entre os fa- tores individuais e os Determinantes Sociais da Saúde, já que os compor- tamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também de Determinantes Sociais da Saúde, como acesso a informações, propaganda, pressão de pares, possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer, entre outros. A camada seguin- te destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nível de coesão social que é de fundamental

importância para a saúde da sociedade como um todo. No próximo ní- vel, estão representados os fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais, como saúde e educação, indicando que as pessoas em des- vantagem social apresentam diferenciais de exposição e de vulnerabili- dade aos riscos à saúde, como consequência de condições habitacionais inadequadas, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos serviços. Finalmente, no úlmo nível, estão situados os macrodeterminantes que possuem grande influência sobre as demais camadas e estão relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo também determinantes supranacio- nais como o processo de globalização. (CNDSS, 2008, p. 14)

De acordo com o Relatório Final da CNDSS (2008), as estratégias de intervenção para a promoção da equidade em saúde precisam incidir sobre os diferentes níveis em que Dahl- green e Whitehead (1991) organizaram os determinantes sociais da saúde. Num sendo abrangente, a produção da saúde aconteceria pela organização de um connuo de ações capazes de transformar posivamente os elementos que constroem os nossos modos de viver desde um nível de governabilidade mais próximo ao sujeito até aquele mais distan- te, que corresponde às polícas macroeconômicas, culturais e ambientas estruturantes da sociedade. Assim, os pilares das intervenções sobre os determinantes sociais de saúde organizar-se-iam conforme o esquema a seguir:

Modelo Adaptado de Dahlgren e Whitehead

Intersetorialidade (^) Participação social

Distais

Intermediários

Proximais

Intervenções sobre os DSS baseadas em evidências e promotoras da equidade em saúde.

Fonte: CARVALHO; BUSS, 2008.

Comissão Nacional de Determinantes Sociais – <h p://www.determinantes.fiocruz.br/> Organização Pan-Americana de Saúde – <h p://www.opas.org.br/coleva/> Comissão de Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde – <www.who.int/social_determinants/en/>

Aplicando os conceitos: o exemplo de Belo Horizonte/MG

Belo Horizonte é uma cidade planejada que foi inaugurada de 1897 para abrigar 200 mil habitantes em três setores: a área urbana , limitada pela Avenida do Contorno; a área suburbana , com traçados e urbani- zação bem mais flexíveis, para a futura expansão da cidade; e a área rural , que comporia o cinturão verde da cidade. Hoje, Belo Horizonte ocupa uma área de 330,9 Km 2 e possui cerca de 2,4 milhões de habitantes (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008).

Além disso, mais 33 municípios vizinhos formam com a capital do estado de Minas Gerais a sua Região Metropolitana, onde vivem em torno de 4,5 milhões de pessoas que têm como referência sociocultural, econômica e de acesso a polícas públicas a cidade de Belo Horizonte (TURCI, 2008).

Nesse cenário, o setor saúde, desde os anos 90, tem buscado a construção de um modelo de atenção à saú- de que pudesse, a parr dos princípios do SUS, produzir saúde com equidade. Tal compromisso implicou a necessidade em desenvolver modos de mensurar, analisar e operacionalizar o conceito de equidade.

Assim, construiu-se um indicador composto denominado Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS), que combina diferentes variáveis na intenção de resumir informações que expressam as desigualdades injus- tas e evitáveis, indicando áreas prioritárias para a intervenção e facilitando a proposição de ações inter- setoriais (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008).

Com base em indicadores de base populacional do IBGE, tais como moradia e renda, e indicadores da saúde como mortalidade infanl e por doenças cardiovasculares, o IVS mede e classifica o risco de ado- ecer e morrer (baixo, médio elevado e muito elevado), produzindo um “mapa” da vulnerabilidade social da população (BELO HORIZONTE, 2009; TURCI, 2008). Tal “mapa” subsidiou a reordenação do sistema de saúde em Belo Horizonte, direcionando a implantação da Estratégia de Saúde da Família e, ao mesmo tempo, compôs com os esforços da prefeitura municipal em integrar as polícas sociais para a interven- ção em áreas de maior exclusão.

A cidade foi dividida em nove Distritos Sanitários, correlatos às áreas administravas da prefeitura (secre- tarias de administração municipal regional) e cada Distrito foi subdividido hierarquicamente conforme a abrangência dos centros de saúde, das equipes de saúde da família e dos agentes comunitários de saúde (BELO HORIZONTE, 2009).

Área de Equipe

Área de Abrangência do Centro deSaúde

Micro área (moradiassob responsabilidade dos ACS)

Moradia

TE RR TI ÓR OI MU NI CÍ PI O

TE RR IT ÓR OI MU NI CÍ PI O

ES F

E SF

Distrito Sanitário / Região Administrativa

Essa divisão territorial foi associada ao IVS e organiza o processo de planejamento e estruturação da atenção à população. Cada Distrito Sanitário possui um Grupo de Trabalho de monitoramento do estado de saúde do território de caráter intersetorial que objeva diagnoscar e acompanhar as ações de vigi- lância e atenção à saúde, produzindo as recomendações fundamentais para o Plano Municipal, os Planos Distritais e Locais de Saúde.

A sociedade parcipa do processo de gestão da atenção por intermédio das Comissões Locais de Saúde, que funcionam nas unidades de saúde, das Comissões Distritais de Saúde e do Conselho Municipal de Saúde. Além disso, sujeitos e colevidades podem tomar parte da gestão mais ampla dos recursos da cidade no Orçamento Parcipavo.

As Unidades Básicas de Saúde e as equipes de Saúde da Família buscam equilibrar as ações de promoção e atenção à saúde e o atendimento a pacientes agudos e crônicos. Em Belo Horizonte, a busca por este equilíbrio ganhou a forma do projeto “BH-Vida: Saúde Integral”.

Dentro do projeto “BH-Vida: Saúde Integral”, o trabalho centra-se no sujeito usuário e é operacionalizado por meio de linhas de cuidado, organizando de forma sistêmica os níveis de atenção à saúde.

As linhas de cuidado são pactos que envolvem todos os atores que controlam serviços e recursos assis- tenciais, facilitando o “caminhar” do usuário no sistema de saúde, a garana da integralidade e o uso adequado e oportuno dos recursos. Convém observar que a rede SUS em Belo Horizonte tem a seguinte composição (BELO HORIZONTE, 2008):

Tipo de unidade Número de unidadespróprias Unidades Básicas de Saúde (UBS) 145 Centro de Referência Secundária - Unidade de Referência Secundária (URS) e Policlínica 5 Centro de Especialidades Médicas 4 Centro de Especialidades Odontológicas 3 Centro de Reabilitação Sagrada Família (CREAB) 1 Serviço de Reabilitação - URS Padre Eustáquio 1 Centro Geral de Reabilitação Centro Sul 1 Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - CERSAT 1 Núcleo de Saúde do Trabalhador Centro Sul 1 Centro de Treinamento e Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias 1 Centro de Testagem a Aconselhamento - CTA 1 Centro de Referência em Saúde Mental - CERSAM 7 Centro de Referência Infanto-juvenil - CERSAMi 1 Centro de Convivência - CV 9 Centro de Referência em Saúde Mental para Usuário de Álcool e Drogas - CERSAM-AD 1 Centro de Referência em Imunobiológicos Especiais - CRIE 1 Laboratórios Distritais 5 Laboratório Central 1 Laboratório de Bromatologia 1 Laboratório de Zoonoses 1 Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) 1 Centrais de Esterilização de Cães e Gatos 2 Unidade Móvel de Castração (UME) 1 Farmácia Distrital 9 Unidade Pronto-Atendimento - UPA** 7 Unidade de Resgate - SAMU 1 Núcleo de Apoio a Reabilitação - NAR 2 Unidade de Ultrassom 1 Núcleo de Cirurgia Ambulatorial 1 Centro Municipal de Oalmologia 1 Centro de Esterilização 8 Hospitais 1 Total 226

Promoção da Saúde analisarmos alguns de seus fundamentos como: a equidade, a autono- mia, a abordagem territorial, a parcipação social, a integralidade, a intersetorialidade, as redes sociais e a sustentabilidade.

2 Fundamentos para a práca da Promoção da Saúde

2.1 Equidade

Sob o aspecto semânco, o significado de equidade está bastante próximo ao da igualdade, podendo algumas vezes ser considerado seu sinônimo. Ambos provêm do mesmo elemento formador, equ- , que é um anteposivo (prefixo) vindo do lam aequus ( aequitas , aequitas ), que pode significar unido, justo, imparcial ou favorável (PINHEIRO; WESTPHAL, 2005).

O debate acerca da equidade centra-se na ideia de que todos devem ter a justa oportunidade de obter seu pleno potencial e ninguém deveria ficar em desvantagem de alcançar o seu potencial, se isso pudesse ser evitado. A equidade é concebida como o re- conhecimento e a efevação, com igualdade dos direitos da população, sem restringir o acesso a eles, nem esgmazar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem.

O reconhecimento das diferenças que existem na sociedade é um ponto fundamental para a compreensão do conceito da equidade. As diferenças dos segmentos sociais e de suas formas de viver devem ser manifestadas e respeitadas, sem discriminação, e devem ser cria- das condições que favoreçam a exnção das prácas de subordinação ou de preconceito em relação às especificidades polícas, étnicas, religiosas, culturais, de opção sexual, etc.

Nesse sendo, a equidade fortalece a importância do acolhimento para singularidade de cada território e/ou comunidade, afirmando que se deve trabalhar pela exnção de desi- gualdades injustas e evitáveis no campo da garana dos direitos fundamentais de cidadania e, ao mesmo tempo, que isso não significa tratar a todos nem a tudo de maneira idênca.

Numa sociedade como a brasileira, com múlplos modos de viver e construir a re- alidade, é fundamental reconhecer que há necessidades disntas e que para respondê-las é preciso oferecer possibilidades de acesso às polícas públicas, às abordagens em saúde e à organização de serviços diferenciados. Ou seja, o significado mais forte de equidade é o estabelecimento de metodologias e abordagens que ofereçam “a cada um segundo sua necessidade” , reconhecendo que cada sujeito é um cidadão de direitos, com graus de liber- dade e autonomia (CAMPOS, 2006).

Abordar o tema da equidade no contexto do SUS não é tarefa fácil, porque é exigido um aperfeiçoamento connuo na idenficação das desigualdades e das tarefas de gestão necessárias para reduzi-las. Na temáca da equidade em saúde, destacam-se duas impor- tantes dimensões: a das desigualdades nas condições de vida e saúde e a das desigualdades no acesso e consumo de serviços de saúde. Ambas as dimensões têm determinantes intra e extrassetoriais, geralmente cumulavos, mas que apresentam mecanismos disntos para sua superação (ALMEIDA, 2000). Ambas demandam a implementação de polícas públi-

cas – sociais e de saúde – e o esforço de toda a sociedade no combate aos mecanismos de reprodução da pobreza e da desigualdade, bem como uma ampla políca social igualitária, que tenha alicerce nos princípios de universalidade, solidariedade e eficiência.

Por outro lado, é exigido que as polícas públicas incorporem elementos flexíveis, capazes de permir a adaptação de suas estratégias e ferramentas às necessidades da po- pulação em cada um dos cenários e/ou territórios em que vivem. Assim, por exemplo, é fundamental trabalharmos pela alimentação saudável, porém é necessário conhecermos os hábitos alimentares, as tradições culturais, os alimentos próprios em determinada re- gião e as possibilidades de acesso aos alimentos mais saudáveis de um sujeito ou comuni- dade a fim de abordar o tema de forma equânime.

Para Whitehead (1990), é necessário compreender, em cada contexto, quais são as condições sociais consideradas desnecessárias, injustas e evitáveis para que todos os sujei- tos possam angir seu potencial integral em saúde. Portanto, trabalhar as equidades em saúde significa criar oportunidades iguais para que todos tenham saúde, o que está inma- mente relacionado com a distribuição dos determinantes de saúde na população (renda, habitação, educação e outros).

2.2 Autonomia

Se conforme vimos na análise do conceito de equidade, é necessário reconhecer cada sujeito como um cidadão de direitos que deve ser respeitado em sua singularidade e ouvido quanto às suas necessidades em saúde, torna-se, portanto, fundamental abordar o conceito de autonomia.

Para melhor entender esse conceito, é importante, primeiramente, abandonar a vi- são filosófica abstrata de um sujeito fechado sobre si mesmo, dedicado a preservar suas próprias ideias, na ilusão de que elas são produtos de um trabalho pessoal, isolado de afirmação de conteúdos internos, independentes de qualquer interposição do meio. A au- tonomia é, ao contrário, uma condição que se constrói na relação com o outro, ou seja, socialmente à medida que cada um de nós se constui como sujeito (CASTORIADIS, 1991).

Quando falamos de autonomia, não estamos nos referindo a um processo de es- colhas unicamente individuais, a um exercício de vontade puro e simples, posto que todo o tempo estamos imersos numa rede de relações que possibilitam e impedem, libertam e constrangem as nossas escolhas e decisões (CAMPOS et al., 2004). Ao contrário da inde- pendência, a autonomia é tomada, portanto, como um processo de “coconstuição”, de “coprodução” (ONOCKO CAMPOS; CAMPOS, 2006).

Nesse sendo, trabalhar com o conceito de autonomia implica reconhecer que os modos como sujeitos e colevidades elegem determinadas opções de viver e criam possi- bilidades para sasfazer suas necessidades e interesses envolvem forças polícas, econô- micas, afevas, culturais e sociais existentes num território. E, simultaneamente, obriga afirmar que cada sujeito na relação com o mundo não é (e não deve ser) passivo, ou seja, todos nós reorganizamos constantemente os recursos, saberes e ferramentas disponíveis, transformando a nós mesmos, a nossas relações e ao território em que vivemos (CAMPOS

Nos anos 1970 e 1980, com a ampliação do conceito de saúde e o acúmulo do co- nhecimento sobre a produção social da saúde, produz-se a necessidade de compreender os processos de territorialização noutra perspecva, afirmando o território como espaço geopolíco, espaço em construção e desconstrução connuas (idem).

O território passa de quadro estáco, em que a vida ocorre, para espaço em que um conjunto de saberes, poderes, necessidades, desejos, valores, interesses e discursos se organizam e reorganizam de maneira específica. Temos, então, um território-processo que se faz na tensão entre as determinações locais e as determinações gerais (idem).

Às determinações locais, Milton Santos chama de domínio das horizontalidades e, às determinações gerais, denomina vercalidades:

As horizontalidades serão os domínios da congüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma connuidade territorial, enquanto as vercalidades seriam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais (SANTOS, 2005, p. 139).

Assim, o território é sinônimo de espaço humano, espaço em que se arculam pela ação humana lugares próximos e lugares distantes organizados em rede, onde acontecem de forma dialéca duas formas de controle: local (parte técnica da produção, saber co- diano, domínio horizontal) e remoto (parte políca da produção, normas de ordem global, domínio das vercalidades) (SANTOS, 2005).

A compreensão de que no território se encontram e arculam connuamente sabe- res e poderes locais e globais fornece-nos importantes elementos para analisar e delinear intervenções nos processos sociais de determinação da saúde, exigindo que tenhamos um conhecimento sistemáco da realidade dos territórios em que trabalhamos.

Conhecer o território implica mergulhar nele, comprometer-se em rever e analisar a sua realidade de dentro, interrogando os modos de organização da vida nesse espaço (idem). Tal processo de apropriação envolverá a arculação de duas estratégias: a elabora- ção de “mapas” e a “escuta”.

Os mapas são:

compostos pela sobreposição dos chamados perfis: sico/barreiras/ circulação, socioeconômico, sanitário (diagnósco das condições de saúde: distribuição da morbimortalidade, condições de moradia e de saneamento), demográfico, rede social normava (listas de equipamentos sociais como escolas, creches, serviços de saúde, instuições religiosas, instuições de apoio social, comércios, etc.), perfil das lideranças comunitárias e organizações associavas, cultural, lazer, etc. (OLIVEIRA; FURLAN, 2008, p. 251-252).

A “escuta” é o movimento de acolhimento dos sujeitos e colevidades em todos os aspectos e fatores que constroem suas vidas, movimento que auxilia a reconstruir as correlações que eles estabelecem consigo, entre si e com o mundo (BRASIL, 2009). No

processo de escuta, apreendemos a história dos sujeitos e do seu território através de seu olhar, saber e senr, aproximando-nos dos significados da realidade de dentro, como pede Milton Santos.

A integração dos “mapas” e do conteúdo da “escuta” permirá que organizemos com sujeitos e colevidades estratégias mais efevas na melhoria da qualidade de vida e na produção da saúde, pois poderemos, simultaneamente, compreender melhor a complexi- dade do território e parcipar do seu permanente processo de reconstrução, de redefinição e de transformação.

2.4 Parcipação social

Todos os sendos da abordagem territorial trazidos até aqui parecem evidenciar a necessidade da compreensão da complexidade do processo da parcipação de diferentes atores no espaço geográfico. Trata-se da parcipação social, na qual interagem os atores instucionais, sejam da esfera pública ou privada, atores organizados em torno de inte- resses ou endades e associações, sujeitos e lideranças, parlamentares e outras autorida- des. As formas de parcipação podem ser: a) instucionalizadas, em Conselhos; e b) não instucionalizadas, em fóruns parcipavos. Essas parcipações deverão sempre levar em conta as dimensões da negociação, da informação, da avaliação e do monitoramento. Exemplos desses úlmos seriam a criação de Comitês de Saúde ou Conselhos de Gestão de Polícas Locais.

Juntos, esses diferentes atores intervêm na idenficação de necessidades e proble- mas comuns e se unem para desenhar e propor, na práca, as soluções ou ações, fortale- cendo a relação comunidade/instuição e uma gestão parcipava. Os modelos de coges- tão, que já são resultados de transformações no papel dos Estados e das sociedades, aca- bam também por reorientar esses papéis, dinamizando a elaboração das polícas públicas e maximizando seus efeitos por meio do manejo e resolução dos conflitos via negociação.

Três questões devem ser observadas:

i) À medida que os processos de corresponsabilidade vão sendo delineados, a ges- tão pública passa a ser considerada um espaço de deliberar e negociar, tornando fundamental o aprendizado do procedimento da negociação. E aqui os desafios que se apresentam são inúmeros. A negociação não é um simples evento para se chegar a um acordo. Constui-se um processo dinâmico em que se expressam a complexidade e a possibilidade de aproveitar a divergência. Vão sendo gerados produtos ou resultados, mas o acordo que se estabelece não é estáco. Por isso, esse processo renova-se constantemente, assim como devem se renovar per- manentemente as capacidades e habilidades de todos os envolvidos. Frequen- temente, a parcipação acaba apenas por referendar as propostas de governo. Daí a responsabilidade do poder público ao criar esses canais de parcipação, de prever mecanismos e dinâmicas que os transformem em espaços de aprendi- zagem, de conhecimento e de ampliação da cidadania. Assim, os atores sociais podem se tornar, de fato, protagonistas na definição das polícas públicas.

Um dos aspectos que precisamos agregar para o entendimento da integralidade provém da medicina integral e remete-nos à adoção de uma atude que não reduza o su- jeito usuário dos serviços de saúde a um sistema biológico disfuncional que produz o seu sofrimento ou queixa (MATTOS, 2001). Trata-se de sair dos limites de uma racionalidade centrada na medicina anátomo-patológica, adotando a integralidade como valor que se apresenta no modo como o profissional de saúde se relaciona com o sujeito que o procura ou com a comunidade em que trabalha.

A atude do profissional de saúde deve “reconhecer, para além das demandas ex- plícitas relacionadas a uma experiência de sofrimento, as necessidades de ações de saúde” (MATTOS, 2001, p. 50), como aquelas vinculadas ao desejo por uma conversa, à redução dos fatores de risco ou à angúsa pela ausência de trabalho.

Afirmar a integralidade como atude na relação com o outro, marcada por uma escuta atenta e pelo acolhimento dos sujeitos para além da doença, é importante, mas não suficiente. Entendida como valor expresso na ação individual de determinado profis- sional de saúde, a integralidade corre o risco de integrar-se a uma série de caracteríscas de “personalidade”, individualizando-se e pessoalizando-se. “Com efeito, se é verdade que a postura dos profissionais é algo fundamental para a integralidade, em muitas situações a integralidade só se realizará com incorporações ou redefinições mais radicais da equipe de saúde e de seus processos de trabalho” (MATTOS, 2001, p. 51).

Nessa direção, a integralidade agrega outro sendo, fazendo-se princípio de um modo de organizar o processo de trabalho nos serviços de saúde. Tal sendo remete-nos à maior proximidade das equipes de saúde dos seus territórios de responsabilidade, a qual concreza e explicita o conceito ampliado de saúde e a intrincada rede de determinantes sociais que operam no processo de saúde-adoecimento.

A abordagem de sujeitos e colevidades e a gestão do trabalho para fazê-la exigem a composição horizontal de saberes e prácas. Assim, os serviços e equipes de saúde pre- cisam, ao mesmo tempo:

 idenficar e organizar respostas para as necessidades em saúde da po- pulação apreendidas pela análise de situação de saúde do território

  • perfil epidemiológico, fatores de risco à saúde –, mapeando os gru- pos com caracteríscas específicas de vulnerabilidade, estabelecendo prioridades programácas e desenvolvendo ações colevas de saúde;

 efevar ações assistenciais dirigidas ao sofrimento agudo e não “previs- to”, acolhendo a demanda espontânea e usando-a como oportunidade de apreender e compreender as necessidades em saúde que escapam às elaborações técnicas de base epidemiológica (MATTOS, 2001).

Arcular dialéca e sinergicamente os dois movimentos acima é, sem dúvida, uma proposta dicil. Porém, é o caminho para assegurar a efevidade das ações de produção da saúde à medida que permite re-estruturação connua dos serviços e equipes de saúde com o foco nas mudanças dos modos de viver e das necessidades em saúde de um território.

Compreender que “a integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objevação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo” (MATTOS, 2001, p. 61) exige a criação de espaços colevos de diálogo para construção do conheci- mento e do processo de trabalho (tanto entre profissionais de saúde quanto entre estes e a população). Enfaza-se também que a gestão dos serviços e a capacitação das equipes deveriam centrar-se num processo crescente de alargamento da capacidade de escutar e atender às necessidades em saúde, sejam elas “a busca de algum po de resposta para as más condições de vida [...], a procura por um vínculo (a) efevo com algum profissional, a necessidade de maior autonomia no modo de andar a vida ou, mesmo, de ter acesso a alguma tecnologia de saúde disponível, capaz de melhorar e prolongar sua vida” (CECILIO, 2001, p. 116).

Por outro lado, é fundamental reconhecer que a integralidade da atenção à saúde da população não se concreza plenamente no interior de um único serviço de saúde nem do sistema de saúde, uma vez que as necessidades em saúde envolvem a melhoria das condições de vida e a intervenção em determinantes sociais da saúde que extrapolam a go- vernabilidade e o encargo social do setor sanitário. Assim, emerge a perspecva de que há uma dimensão da integralidade que se estabelece pela composição de uma rede solidária e intersetorial de polícas, serviços e profissionais (CECILIO, 2001).

2.6 Intersetorialidade

De todos os fundamentos da Promoção da Saúde que abordamos até aqui, a interse- torialidade é aquele que mais radicalmente nos remete à ação, ao modo de gestão das po- lícas e iniciavas de melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, de intervenção nos diferentes níveis de determinação social da saúde. Ocorre que a intersetorialidade é mais que um conceito, é uma práca social que vem sendo construída a parr da insasfa- ção com limites da organização setorial na abordagem dos fenômenos complexos de nossa sociedade (MENDES; AKERMAN, 2007).

O invesmento de diferentes setores da sociedade e das polícas públicas em man- ter a rigidez da relação: problemas complexos/ respostas setoriais/ saberes e prácas frag- mentados tem nos levado a desperdício de recursos, iatrogenias e baixa efevidade na garana dos direitos de cidadania. Nesse sendo, a intersetorialidade apresenta-se como a “arculação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, como saberes, poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas complexos” (MOYSÉS et al., 2004, p. 630). A potência transformadora da forma intersetorial de trabalhar, de construir e implementar polícas encontra-se, portanto, na oportunidade de construir novas sínteses de conheci- mento e novas estratégias de ação por meio do diálogo (MENDES; AKERMAN, 2007).

No entanto, convém sublinhar que a intersetorialidade não é um fim em si mesma nem acontece com a simples reunião de ações setoriais específicas. A intersetorialidade exige um processo sistemáco de arculação, planejamento e coordenação entre os di- ferentes setores da sociedade em torno de um projeto territorial comum, do qual todos sejam corresponsáveis, cogestores (idem).

Assim, a ação intersetorial para exisr “demanda um amplo processo de inclusão para a apreensão e transformação da realidade, isso necessariamente significa [...] o esta-

  • que considera fundamental a parcipação cidadã – e a forma de organização dos atores sociais para conduzir esse processo” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 24). Assim, uma rede é constuída para potencializar as ações de pessoas ou endades. Há entendimentos acerca das redes, no que diz respeito à emancipação de sujeitos, que, a parr de certa tomada de consciência com relação às suas inserções em redes, descobrem novas potencialidades para o enfrentamento de problemas e situações diversas.

Nas úlmas décadas surgiram em todo o mundo, nos campos da economia, políca e cultura, inúmeras redes e organizações na esfera da sociedade civil, lutando pela pro- moção das liberdades públicas e privadas ecamente exercidas, constuindo-se em setor público não estatal. São redes e organizações feministas, ecológicas, movimentos na área de educação, saúde, moradia, o Fórum Social Mundial e muitos outros. Eles propõem para o mercado e para o Estado transformações nas relações desiguais existentes na sociedade. Há, ainda, redes de apoio social em que grupos se agregam para dar apoio às populações jovens, idosas e outros. É uma ação de estreitar vínculos pré-existentes para apoiar grupos ou pessoas que momentaneamente têm um problema a enfrentar.

Neste e em outros casos, as redes são entendidas como uma possibilidade para o estabelecimento de relações mais horizontalizadas entre atores ou como estratégia para o “arejamento” de estruturas de caráter mais vercal ou piramidal. O exercício da liber- dade, responsabilidade, democrazação da informação, que a lógica horizontal de redes desenvolve, ajuda a reflexão dos parcipantes sobre os padrões de dominação, compe- ção, autoritarismo e manipulação que a cultura do mundo atual introjeta em todas as pessoas. A rede é uma forma, portanto, de poder conjunto de todos que a integram e só é efevamente poder se este não se concentrar em nenhum membro em parcular, ou seja, se todos esverem dispostos a ceder informações e poder aos demais. Uma rede pode in- terligar tanto unicamente pessoas como unicamente endades, como pessoas e endades. A interligação em redes é estabelecida a parr da idenficação de objevos comuns e/ou complementares, cuja realização se potencializa a parr da reunião de esforços de diferen- tes instuições ou pessoas (WHITAKER, 2002).

Outra conotação de redes, também importante na perspecva da Promoção da Saúde, é a de “estruturas de comunicação”, decorrentes do uso de novas tecnologias que facilitam cada vez mais a circulação de informações. Segundo Castells (1999), as novas tec- nologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalida- de. A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais. As atuais possibilidades oferecidas pela informáca – na rapidez da comunicação e na estocagem da informação – podem ampliar a eficácia das redes constuídas com objevos específicos, assim como lhes assegurar efevamente plena liberdade de circula- ção de informações. Uma rede de endade ou de pessoas pode ter como apoio a rede de comunicação via internet.

2.8 Sustentabilidade

Podemos iniciar este diálogo quesonando o próprio termo sustentabilidade quando referido aos projetos de polícas públicas em geral e, nesse caso em parcular, às iniciavas

de Promoção da Saúde. Trata-se de uma palavra de sendo polissêmico e tem sido rela- cionada aos princípios do desenvolvimento sustentável como um grande desafio do nosso tempo: “de criar comunidades sustentáveis onde podemos sasfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras” (CAPRA, 1996, p. 24).

A formulação e a implementação de polícas sociais, em vários países, vêm sen- do acompanhadas por uma preocupação em relação à avaliação da sustentabilidade dos processos, em outro sendo: saber se elas “sobreviverão” à transição dos governos que se sucedem periodicamente; saber se há possibilidade de connuar a obter recursos para o desenvolvimento das ações; saber se as ações empreendidas consolidam-se de modo a produzir mudanças significavas nas condições de vida da população; e, finalmente, saber se essas iniciavas podem manter os seus efeitos por um longo período.

A sustentabilidade relacionada às polícas de Promoção da Saúde é especialmente importante tendo em vista que as iniciavas dessa área dirigem-se a questões de nature- za complexa, envolvendo processos de transformação colevos, com impactos a médio e longo prazo. Coerentemente com os outros princípios aqui enfocados, a sustentabilidade em Promoção da Saúde envolve também os aspectos econômicos, sociais, polícos, cul- turais e ambientais.

O que nos parece mais relevante é assinalar que a sustentabilidade deve estar re- ferida a um complexo sistema de relações, que envolvem atores e instuições na busca de soluções mais amplas e duradouras, e observar com mais atenção o conceito em relação aos arranjos societários que vão se estabelecendo e que podem permir a longevidade das iniciavas. Menos do que um conceito, essa perspecva aponta para questões bá- sicas: de connuidade, manutenção, durabilidade, considerando o porquê, para quê e com quem. É importante, portanto, refler sempre sobre a sustentabilidade dos projetos, ações e polícas, transformando-a em ponto permanente de pauta para gestores, formu- ladores de polícas e outros atores urbanos. Essa perspecva aponta a necessidade de buscar caminhos arculados e de construir novas instucionalidades que ganhem potên- cia e qualidade para enfrentar eficazmente os desafios da contemporaneidade, permea- dos que são de muita complexidade. Complexidade é, aqui, entendida como um atributo de múlpla determinação, histórico e contextualizado, e não uma impossibilidade, dificul- dade ou complicação.

Esse entendimento reforça e ideia de que há de se invesr na construção de uma parcipação social informada e solidária de grande importância, em que haja clareza sobre as limitações sico-orçamentárias da gestão e certeza sobre a coautoria, ou cogestão nas experiências ou iniciavas bem-sucedidas. A abertura à parcipação, portanto, é tão impor- tante quanto desenvolver uma sistemáca de leitura do território e das necessidades locais ou inovar na busca de ações integradas. Um modelo de atuação dessa natureza diversa e plural pode agregar mais críca, qualidade e pernência às ações e polícas, o que, por si só, confirma a sustentabilidade destas e, também, com essas mesmas caracteríscas, e envolto pela ideia do comparlhamento de responsabilidade e de poder, aproxima-se e vincula-se mais à noção de políca pública, ao mesmo tempo em que se afasta da disputa pardária, na qual as ameaças à sustentabilidade se ampliam.