









Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
abordagens sobre a questão da diversidade cultural
Tipologia: Trabalhos
1 / 16
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018.
Vanda A. de Araújo^1 Thiago Batista Costa^2 Manuel Tavares^3 R ESU M O Este estudo teve por objetivo promover o diálogo entre autores contemporâneos e suas pertinentes críticas a um universalismo cultural hegemônico e o desafio para a construção de um novo projeto epistemológico, apresentando como proposta um projeto alternativo denominado interculturalidade crítica, entendida como diálogo entre as culturas diversas. Consideramos ressaltar que tal projeto nasce como alternativa a uma sociedade capitalista e colonial construída a partir de relações de dominação e identidades subalternizadas. Nessa perspectiva, pretendemos, neste artigo, apontar por meio dos autores, quais as condições, limites e potencialidades para inserção ao projeto inter- cultural, que corresponde a dois terrenos teóricos distintos, porém convergentes: a epistemologia das ciências sociais e uma vertente da sociologia crítica. Assim como procuraremos retratar como se constituí o pluralismo jurídico no Estado da Bolívia. PALAVRAS-CHAVE: INTERCULTURALIDADE CRÍTICA; UNIVERSALISMO CULTURAL; DIVERSIDADE CULTURAL; EPISTEMOLOGIA CONTRA-HEGEMÔ - NICA.
Este estudio tuvo por objetivo promover el diálogo entre autores contemporáneos y sus pertinentes críticas a un universalismo cultural hegemónico y el desafío para la construcción de un nuevo proyec- to epistemológico, presentando como propuesta un proyecto alternativo denominado interculturalidad crítica, entendida como diálogo entre las culturas diversas. Consideramos resaltar que tal proyecto nace como alternativa a una sociedad capitalista y colonial construida a partir de relaciones de domi- nación e identidades subalternizadas. En esta perspectiva pretendemos en este artículo apuntar por medio de los autores, cuáles son las condiciones, límites y potencialidades para inserción al proyecto intercultural, que corresponde a dos terrenos teóricos distintos, pero convergentes: la epistemología de las ciencias sociales y una vertiente de la sociología crítica. Así como procuraremos retratar cómo se constituye el pluralismo jurídico en el Estado de Bolivia. PALABRAS CLAVE: INTERCULTURALIDAD CRÍTICA; UNIVERSALISMO CULTURAL; DI - VERSIDAD CULTURAL; EPISTEMOLOGÍA CONTRAHEGEMÓNICA 1 Universidade Nove de Julho – (UNINOVE) 2 Universidade Nove de Julho – (UNINOVE) 3 Universidade Nove de Julho – (UNINOVE)
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018.
This study aimed to promote the dialogue between contemporary authors and their pertinent criti- cisms of a hegemonic cultural universalism and of the challenge for the construction of a new epis- temological project, presenting as an alternative project called critical interculturality, understood as a dialogue between diverse cultures. We consider that such a project is born as an alternative to a capitalist and colonial society built on relations of domination and subalternized identities. In this perspective, we intend in this article to point out, through the authors, the conditions, limits and po- tentialities for insertion into the intercultural project, which corresponds two distinct but convergent theoretical fields: the epistemology of the social sciences and a critical sociology. Just as we will try to portray how legal pluralism was constituted in the State of Bolivia. KEY WORDS: CRITICAL INTERCULTURALITY; CULTURAL UNIVERSALISM; CULTURAL DIVERSITY; COUNTER-HEGEMONIC EPISTEMOLOGY
O presente estudo tem por finalidade fazer uma reflexão sobre os debates intelectuais acerca dos conceitos multiculturalismo, interculturalidade e pluriculturalismo e suas pertinentes críticas a um universalismo cultural hegemônico e ao desafio para a construção de um novo projeto epistemológico, resultante dos desafios colocados pela interculturalidade como diálogo entre saberes.. Nesta perspectiva pretendemos apontar por meio dos autores, quais as condições, limites e potencialidades para a vitalização e operacionalização de um projeto intercultural. Neste artigo procuraremos apreender os debates e ideias de diferentes intelectuais para inferir como as mais recentes discussões sobre interculturalidade vêm assumindo um papel significativo para a construção de uma convivência de respeito entre diferentes culturas, a partir do reconhecimento dos diversos saberes e da sua dignidade epistemológica. O interculturalismo apresenta-se, sem dúvida, como um projeto político, cultural, social, epistemológico e ético. Considerada a América Latina, é um projeto que assume uma dimensão política e educativa, para a construção de uma democracia participativa conveniente a uma sociedade que congrega uma cidadania multicultural e intercultural. Como projeto que nasce nas comunidades indígenas e não no âmbito dos espaços acadêmicos de construção de uma geopolítica do conhecimento, o conceito de interculturalismo e a respectiva proposta político-social situam-se numa linha de resistência e insurgência em relação aos modelos tradicionais de Estado, de sociedade e de governo. Por esse motivo, o texto incide, também, sobre a construção do Estado plurinacional na Bolívia.
O conceito de interculturalidade é um derivante do multiculturalismo que, originalmente, designa a coexistência de formas culturais ou de grupos com culturas diferentes no seio das sociedades
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. filosofia intercultural se dará numa transformação mais radical não na forma de entendê-la, mas de conhecê-la e reconhecê-la, sem temê-la, mas elucidá-la, redefini-la e/ou mesmo reformulá-la, como sugere Viaña (2009): La necesidad de definir y de replantearse la “Interculturalidad” en su noción y uso dominante, se ha vuelto una urgencia.... La noción de interculturalidad, en su acepción dominante, pretende ser el sustituto de la noción de multiculturalidad, manteniendo el mismo horizonte u fundamentos conservadores. Dessa feita, a interculturalidade se traduz como um projeto alternativo que critica o denominado universalismo cultural, sem cair na armadilha do relativismo paralisante; é justamente na tensão que existe entre universalismo e o relativismo que, de certa maneira, se caracteriza esse projeto. Por um lado, se manifesta na existência de diferentes formas legítimas de ver o mundo, mas, por outro, se evidencia e assegura que o reconhecimento implica um problema de comunicação entre as diferentes formas de ver o mundo. Boaventura de Sousa Santos (2002, p.09) propõe uma sociologia das emergências que tem como objetivo “transformar as ausências em presenças.” Isto é, trata da superação da monocultura do saber científico, do tempo linear, da naturalização das diferenças, da escola dominante, centrada hoje no universalismo e na globalização, além da produtividade mercantil do trabalho e da natureza. O caminho proposto pelo autor baseia-se na ideia de uma contraposição por intermédio da ecologia dos saberes , que clama por um diálogo do saber científico com o saber popular e laico. Sintetizando, os autores aqui apresentados argumentam que o projeto de interculturalidade parte das seguintes concepções gerais: os contextos onde se produzem visões de mundo são conjuntos holísticos e, portanto, não existem critérios universais supraculturais que possam atuar como juízes e validar os diferentes conhecimentos. Nessa perspectiva, a interculturalidade não pode definir-se previamente como um diálogo entre culturas, uma constatação, mas seguramente uma intenção, um projeto em construção. “Lo intercultural como proyecto cultural compartido que busca la recreación de las culturas a partir de la puesta en práctica del principio del reconocimiento recíproco. (FORNET-BETANCOURT, 2004: apud CLAROS y VIAÑA, 2009, p. 86). Boaventura Santos (1987), em Um discurso sobre as ciências, afirmava: “estamos no fim de um ciclo de hegemonia de certa ordem científica”. Referia-se naturalmente ao paradigma dominante que teve início ao final do século XVI, se consolidou entre os finais do século XVIII e meados do século XIX: o Norte seria hierarquicamente superior ao Sul e este, pela mesma razão, inferior ao Norte. Nessa perspectiva, Santos (2010) traz, em sua obra Epistemologias do Sul , uma metáfora do sofrimento, da exclusão e do silenciamento de povos e culturas que, ao longo da História, foram dominados pelo capitalista e colonialismo, isto é, povos que foram colonizados, participaram da modernidade pela violência, exclusão e discriminação. A modernidade impôs que as culturas desses povos e as respectivas experiências locais fossem consideradas tradicionais, exóticas e nunca constituíram polos de comparação com a cultura eurocêntrica. Nesse sentido, a produção de conhecimento científico moderno acarretou um universalismo
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. cultural, na condução de uma epistemologia dominante, gerando uma relação bastante perversa, fazendo com que os saberes peculiares dos povos e nações colonizadas, bem como diversas outras formas de saberes, fossem suprimidas e inferiorizadas, gerando uma vulnerável descontextualização social, política e institucional, fruto de um quadro teórico legitimador de todas as formas de dominação e exclusão. Entendemos que essa dominação sobre os povos do Sul se traduz pelo colonialismo, cujos tentáculos se estendem a outros domínios e esferas, tais como a dominação epistemológica, paradigmas impostos e transmitidos pela modernidade capitalista. Segundo Tavares (2009), o colonialismo imprimiu uma dinâmica histórica de dominação política e cultural submetida a uma visão eurocêntrica do conhecimento, do mundo, do sentido da vida e das práticas sociais. Desse modo, Santos (2010) aponta as epistemologias do Sul, saberes que poderão estabelecer um diálogo intercultural (ecologia dos saberes), valorizando os conhecimentos e saberes tradicionais dos povos colonizados. (...) Um pluralismo epistemológico que reconheça a existência de múltiplas visões que contribuam para o alargamento dos horizontes da mundaneidade, de experiências e práticas sociais e políticas alternativas. (TAVARES, 2009).
A sensibilidade para com o tema das diferenças culturais é uma conquista recente. Mas o problema do encontro e do conflito entre culturas é antigo e tem sido enfrentado e resolvido, geralmente, valendo-se de perspectivas etnocêntricas, que pretendem impor o próprio ponto de vista como o único válido. De modo particular, no mundo ocidental a cultura europeia tem sido considerada natural e racional, exigindo-se como único modelo da cultura universal. Dado que concebem a diferença cultural fora de um contexto histórico, cultural e de poder, trivializam as vivas realidades de seu exótico próximo e o relegam a um submundo de isolamento político. Um multiculturalismo que atue dentro destes limites pluralistas servirá sempre ao status quão como uma estrutura inofensiva [...]. Em muitos aspectos o pluralismo multiculturalista extirpa a diferença transformando-a numa diversidade inócua. (KINCHELOE; STEIMBERG, 1999, p. 42-43). Desse ponto de vista, todas as outras culturas são consideradas inferiores, menos evoluídas, justificando-se, assim, o processo de colonização cultural. A doutrinação, nessa perspectiva, era interpretada como uma forma de ajuda que os povos “desenvolvidos” dirigem aos “subdesenvolvidos” para favorecer o seu crescimento. Da mesma forma, considerava-se necessário combater todas as formas “erradas” de pensamento mítico, religioso, popular, consideradas contrárias ao pensamento científico-racional: a superstição deveria ser eliminada para ceder lugar a verdades racionais e objetivas. […] a educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança (LUCIANO, 2006, p.129). Entretanto, o eixo conceitual em torno do qual se situam as questões e as reflexões emergentes nesse campo, e que caracteriza os mais espinhosos problemas do nosso tempo, é o da possibilidade
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. e sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles. Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude deste ato de amar, na sua existenciação, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira. Dizer que es homens são pessoas e, como pessoas, são livres, e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa. (FREIRE, 1977, p. 20) Pela própria natureza de sua origem, a educação intercultural assumiu a finalidade de promover a integração entre culturas, a superação de velhos e novos racismos, o acolhimento dos estrangeiros e, particularmente, dos filhos dos imigrantes na escola. Mas vêm se acirrando na Europa também dramáticas situações de conflito interétnico (valendo como exemplo extremo o que aconteceu na Iugoslávia), em gritante contraste com o projeto de construção da União Europeia. Um multiculturalismo (e “diálogo intercultural”) que não toma nota desta situação de poder e assimetria será rapidamente cooptado e manipulado pelo poder hegemônico e “cultura” dominante, como o resultado da “integração” do discurso dominante. Hoje, fala-se também de “multiculturalismo” nos escritórios do Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o G8, mas também nos círculos de yuppies pós-modernas. É preciso ter muito cuidado para não se tornar o “inclusivo” e “inclusivo” em um discurso que realmente exclui instrumento. (ESTERMANN, 2010, p. 357). O movimento de educação antirracista foi acusado de se constituir de maneira exageradamente ideológica, como expressão de minorias étnicas orientadas principalmente numa perspectiva de oposição sectária, contra o poder oficial e as desigualdades raciais, ao invés de se dirigir a todos os cidadãos e cidadãs numa perspectiva de construção de abertura e acolhimento dos diferentes. A própria categorização racial , como todas as categorizações, não é neutra e representa a opção por evidenciar algumas características (físicas, somáticas, culturais, étnicas...) e de considerá- las como elementos caracterizadores de um sujeito. Racializar e biologizar as diferenças, portanto, produzem uma fossilização e obscurecem todos os outros aspectos da relação social que contribuem para definir a identidade do sujeito. Consequentemente, são colocados em xeque tanto o racismo quanto o antirracismo que, denunciando os preconceitos assumidos por outros, correm o risco de, eles mesmos, consolidarem estereótipos e representações indenitárias étnicas, alimentando uma forma de “metarracismo”, legitimando as categorias que sustentam justamente o que se quer combater (TERRANOVA,1997). No período 1980-1985 surgiu a proposta do antirracismo. O objetivo da educação antirracista é o de promover atividades educativas para aprofundar a consciência de cada um, de modo a saber identificar e desmontar práticas racistas, implícitas ou explícitas, pessoais ou institucionais. […] forma nova e sutil de reafirmar que a barbárie se encontra no povo na dimensão da ‘incultura’ e da ‘ignorância’, imagem preciosa para o dominante sob dois aspectos: de um lado, a suposta universalidade do saber dá-lhe neutralidade e disfarça seu caráter opressor; de outro lado, a ‘ignorância’ do povo serve para justificar a necessidade de dirigi-lo do alto e, sobretudo, para identificar a possível consciência da dominação com o irracional, visto que lutar contra ela seria lutar contra a verdade (o racional) fornecida pelo conhecimento (CHAUÍ,1990, p. 51).
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. Critica a abordagem multicultural, na medida em que esta poderia evitar o problema do racismo e, concentrando-se somente na compreensão e na aceitação da diferença, correria o risco de avalizar mais ou menos intencionalmente o racismo, deixando intactos todos os aspectos discriminatórios e as hierarquias que a sociedade impõe nas relações entre culturas e grupos étnicos. […] como evitar a dicotomia entre esses saberes, o popular e o erudito ou o de como compreender e experimentar a dialética entre o que Snyders chama ‘cultura primeira’ e ‘cultura elaborada’” e que, “o respeito a esses saberes” se insere no horizonte maior em que eles se geram – o horizonte do contexto cultural, que não pode ser entendido fora do seu corte de classe […] O respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural. (FREIRE, 1977, p. 86). O debate relativo à interculturalidade tem vários campos de reflexão e de intervenção que ultrapassaram o caráter emergencial do problema da imigração que acabou sendo pauta de um debate sobre as temáticas ligadas à formação da identidade, com a valorização das diferenças, assumindo um papel de coletividade, em sociedades mais complexas. Todos os produtos que resultam da atividade do homem [e das mulheres], todo o conjunto de suas obras, materiais ou espirituais, por serem produtos humanos que se desprendem do homem [e das mulheres], volta-se para ele [ela] e o [a] marcam, impondo-lhe formas de ser e de se comportar também culturais. Sob este aspecto, evidentemente, a maneira de andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir, os gestos são culturais. Cultural também é a visão que tem ou estão tendo os homens [e as mulheres] da sua própria cultura, da sua realidade. (FREIRE, 1977, p. 57). No plano da atividade formativa e didática ressaltam-se, portanto, as formas e os conteúdos da cultura interiorizada pelos indivíduos na vida cotidiana, a variedade dos canais e das experiências com que estabelecem contato de acordo com sua posição social, as sínteses de modelos - frequentemente contraditórios - que vão elaborando no decurso da própria vida. Nesse aspecto, aparece a questão social como questão central nas práticas pedagógicas, a visão de mundo dos sujeitos em formação, avaliação e transmissão de conhecimento.
O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multiétnica, tomando-se por base uma imensa diversidade de culturas. Reconhecer nossa diversidade étnica implica ter clareza de que os fatores constitutivos de nossas identidades sociais não se caracterizam por uma estabilidade e fixidez naturais. Num contexto cada vez mais pluricultural, exige-se que a escola seja radicalmente democrática, assumindo e respeitando as diferenças que a constituem. Como refere Freire (1993, p. 100), A escola democrática não apenas deve estar permanentemente aberta à realidade contextual de seus alunos, para melhor compreendê-los, para melhor exercer a sua prática docente, mas também disposta a aprender em suas relações com o contexto concreto. As identidades culturais - aqueles aspectos de nossas especificidades que surgem de nosso pertencimento a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, nacionais - sofrem contínuos deslocamentos ou descontinuidades. Segundo Hall (1997), as sociedades modernas não têm nenhum núcleo indenitário supostamente fixo coerente e estável. Nesse sentido, no brasileiro, seja ele nordestino ou do sul, branco, negro, índio, homem, mulher, criança ou adulto, seja ele quem
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. Tais considerações perturbam e deslocam o eixo das tendências estáveis e unificantes que muitas vezes perpassam as nossas conversas ou os nossos estudos. Quando as diferenças culturais são consideradas numa perspectiva estereotipada, focalizam-se apenas as manifestações externas e particulares dos fenômenos culturais. Deixa-se de valorizar devidamente os sujeitos sociais que produzem tais manifestações culturais, ou não se consegue compreender a densidade, a dinamicidade e a complexidade dos significados que eles tecem. Mesmo concepções críticas das relações interculturais podem ser assimiladas a entendimentos redutivos e imobilizastes. Assim, o conceito de dominação cultural, se enredado numa lógica binária e bipolar, pode levar a supor que os significados produzidos por um sujeito social são determinados unidirecionalmente pela referência cultural de outro sujeito.
A definição do conceito de interculturalidade levando em consideração o prefixo “inter” significa necessariamente uma mútua relação entre culturas inicialmente separadas e que poderão iniciar um processo de intercâmbio, de comunicação, partindo dos padrões estruturantes de cada cultura. Claros e Viaña (2009) declaram que o projeto de interculturalidade busca o diálogo e uma comunicação entre culturas para construir um espaço comum de convivência harmônica entre e com as diferenças, sobretudo numa proposta que faz uma séria crítica à denominada superculturalidade. Entendemos que interculturalidade se traduz numa tomada de consciência contra um pensamento limitado e reducionista da modernidade que não reconheceu que nenhuma cultura pode superar a outra. Num primeiro momento, a interculturalidade, para Salas (2006, apud CLAROS Y VIANÃ, 2009, p.88), “es una nueva toma de consciencia cada vez más nítida de que todas las culturas están en un proceso de gestación de sus propios universos de sentido, y que no existe la posibilidad teórica de subsumir completamente al otro en mi sistema de interpretación”. No entanto, para Malo, (2000, apud CLAROS Y VIANÃ, 2009, p.88): La interculturalidad no puede limitarse a reconocimiento, respeto y eliminación de discriminaciones, la interculturalidad implica un proceso de intercambio y comunicación partiendo de los patrones estructuradores de cada cultura superando el prepotente prejuicio de que la verdad es patrimonio de tal o cual cultura y que, como poseedora, tiene la “carga” de transmitirla a las otras. Nessa perspectiva, a interculturalidade representa uma construção de um novo espaço comum entre universos culturais inicialmente separados. Mas um questionamento preocupa os interculturalistas, como propiciar o entendimento e diálogo, práticas e sentidos entre sujeitos situados em universos culturais diferentes? Conforme Tavares (2014), o reconhecimento da diversidade cultural, não numa perspectiva descritiva, mas de projeto, pressupõe que as diversas culturas são tratadas como iguais na sua diferença. Esse passo terá, pois, de ser dado para a possibilidade de um interculturalismo. Segundo Fornet-Betancourt (2003b: 41-42 apud CLAROS y VIAÑA, 2009, p.90), “(...) aquel ámbito indefinido, más exactamente indefinible desde (su) posición originaria ... el otro, precisamente
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. por ser sujeto histórico de vida y de pensamiento, no es nunca constituíble ni re construible desde la posición del otro sujeto”. O autor ainda propõe “un pensar respectivo”. Assim para dar início a este “pensamento respectivo”, devemos começar a dialogar com outros grupos culturais que enxergam o mundo por outras lentes, diferentes das nossas, e esse exercício se dá a partir do que temos a dizer sobre o nosso próprio universo cultural. Nessa perspectiva, Santos (2007), em produção ou reprodução da sociologia crítica, declara que, na tradição ocidental, a racionalidade metonímica tem a ideia de que há uma escala dominante nas coisas, e essa escala dominante tem tido, historicamente, dois nomes: universalismo e agora, na contemporaneidade, globalização. E complementa sua argumentação, fazendo um questionamento: “O que é universalismo? (...) simplesmente é toda ideia ou entidade válida independente do contexto no qual ocorre. (...) O global e universal é hegemônico; o particular e local não conta, é invisível, descartável, desprezível.” (SANTOS, 2007, p. 31). Nesse sentido, a racionalidade que domina no Norte tem tido, ao longo dos anos, uma influência enorme na maneira de pensar dos povos que sofreram a colonização, isto é, nas ciências, nas convicções e leitura de mundo, numa política hegemônica que, prisioneira dos seus conceitos abstratos e universalizantes, não reconhece outras culturas como pertencentes a uma ordem civilizacional. Nessa perspectiva, Boaventura de Sousa Santos (2010) propõe o desafio de criar uma Epistemologia do Sul como uma vereda para suplantar a matriz colonizadora. A matriz colonizadora do saber apresenta-se de um modo totalitário, não reconhecendo as suas insuficiências e incompletudes. Santos (2009, p.41) considera que: Não há nenhuma cultura que seja completa, e então é preciso fazer a tradução para a diversidade sem relativismo. (...) Esse procedimento de tradução é um processo pelo qual vamos criando e dando sentido a um mundo que não tem realmente um sentido que seja distribuído, criado, desenhado, concebido no Norte e imposto ao restante do mundo, onde estão três quartos de pessoas. É um processo distinto, e por isso o chamo a Epistemologia do Sul. (idem, p. 41). O mesmo autor propõe o desafio da ecologia dos saberes, que postula um diálogo do saber científico com o saber laico, como um caminho em contraposição a um universalismo cultural, cujo espaço e tempos situam-se nas sociedades marginalizadas pelos centros hegemônicos colonizadores nas lutas, experiências e saberes dos povos colonizados. Não se trata de “descredibilizar” as ciências nem de um fundamentalismo essencialista “anticiência”, como cientistas sociais, não podemos fazer isso. O que vamos tentar fazer é um uso contra- hegemônico da ciência hegemônica. Ou seja, a possibilidade de que a ciência entre não como monocultura, mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes, em que o saber cientifico possa dialogar com o saber laico. (Idem, p.32). No desdobramento da construção deste texto, interpretamos que, entre os interculturalistas, encontra-se uma necessidade de transcender uma visão totalizante e conservadora do termo cultura, para uma concepção mais tolerante, que pode ser interpretada como uma luta contra as formas dominantes de determinada ordem social. A esse respeito Catherine Walsh (2002: 127 apud Claros y Viaña, 2009, p.90) declara:
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. Para Tavares (2014) a plurinacionalidade é, assim, uma perspectiva político-jurídica de defesa da diversidade cultural, de reorganização territorial e de democracia intercultural que não põe em causa a unidade nacional, antes a reforça dado que, em nome dela, se reconhece a plurinacionalidade. Entendemos que, institucionalmente, o Estado Plurinacional propõe um novo modelo de poder e efetivamente novas experiências e não somente dá um novo significado aos múltiplos idiomas, várias culturas, outras referências geográficas, como também oferta uma diversidade de práticas diferentes numa ordem socioeconômica e política. Por exemplo, no campo político existem diferentes maneiras de praticar a democracia participativa na seara coletiva e nas individualidades. Nessa perspectiva, segundo Raquel Yrigoyen (2003, p.80), a pluralidade jurídica na Bolívia se traduz como: La existencia simultánea – dentro del mismo espacio de un Estado-de diversos sistemas de regulación social y resolución de conflictos, basados en cuestiones culturales, étnicas, raciales, ocupacionales, históricas, económicas, ideológicas, geográficas, políticas, o por la diversa ubicación en la conformación de la estructura social que ocupan los actores sociales. Desse modo, o pluralismo jurídico boliviano significa a incorporação de várias jurisdições, no âmbito de um único sistema judicial, ressaltando assim a jurisdição ordinária e a indígena originária em condições de igualdade. Entretanto, o pluralismo jurídico significa o reconhecimento de jurisdições diferenciadas articuladas entre si, através da aplicação do respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, dos direitos humanos, que se efetivou através da cooperação, coordenação e controle constitucional exercido.
Santos (1997) declara que o multiculturalismo é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos, no nosso tempo. Assim, o projeto de interculturalidade procura superar a definição primária de “diálogos entre culturas diferentes”, mas caracteriza-se como um espaço de sentimentos e atitudes que se venha a contrapor a uma ordem hegemônica dominante. Por conseguinte, tal projeto se revela como um imaginário social, uma alternativa radical, um projeto utópico, crítico e desorganizador da ordem dominante colonialista e capitalista. Interpretamos que a interculturalidade refere-se a um campo complexo em que se entretecem múltiplos sujeitos sociais, diferentes perspectivas epistemológicas e políticas, diversas práticas e variados contextos sociais. Enfatizar o caráter relacional e contextual dos processos sociais permite reconhecer a complexidade, a polissemia, a fluidez e a racionalidade dos fenômenos humanos e culturais. E traz implicações importantes para o campo da educação. A mais importante implicação constitui-se na própria concepção de educação. A educação, na perspectiva intercultural, deixa de ser assumida como um processo de formação de conceitos, valores, atitudes, baseando-se numa relação unidirecional, unidimensional e unifocal, conduzida por procedimentos lineares e hierarquizantes.
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. Stephen Stoer e Luiza Cortesão (1999) indicam que, em Portugal, se tem utilizado o termo educação inter/multicultural para indicar o conjunto de propostas educacionais que visam promover a relação e o respeito entre grupos socioculturais, mediante processos democráticos e dialógicos. Contudo, a educação passa a ser entendida como o processo construído pela relação tensa e intensa entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos que, justamente por se conectarem dinamicamente com os diferentes contextos culturais em relação aos quais os diferentes sujeitos desenvolvem suas respectivas identidades, tornam-se um ambiente criativo e propriamente formativo, ou seja, estruturante de movimentos de identificação subjetivos e socioculturais. Nessa perspectiva, o conceito de interculturalidade, entendido como um derivante do multiculturalismo, não representa apenas uma crítica radical a uma ordem dominante em uma sociedade capitalista e colonial, construída a partir de relações de dominação e identidades subalternizadas, mas, por definição, deve ser entendido como uma luta contra-hegemônica. Walsh (2002), por sua vez, defende que o projeto de interculturalidade consiste na construção de uma nova hegemonia que se desvia de uma hegemonia da ordem social dominante, além de apresentar uma nova definição que pretende superar a visão reducionista de interculturalidade, enquanto um diálogo harmônico entre culturas, mas na busca da construção de um espaço onde os diálogos seriam possíveis. Assim, o nascimento do Estado Plurinacional na Bolívia, além de romper com o modelo antigo monocultural hegemônico, representa uma diversidade de práticas diferentes numa ordem socioeconômica e política inovadora.
e-ISSN 1982-8632 (^) AR AUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo, interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e epistemológicos. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018. ___________________. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emer - gências. Revista crítica de ciências sociais 63 2002: 237-280. Disponível em: Http:// www.Boaventuradesousasantos.Pt/media/pdfs/sociologia_das_ausencias_rccs63.Pdf
. Acesso em: 02 Dez. 2016 ___________________. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Jinkings Editores Associados Ltda, 2007. SANTOS, Boaventura de Sousa; Maria Paula Meneses (Orgs.). Epistemologias do Sul São. Paulo; Editora Cortez. 2010. STOER Y CORTESÃO. Multiculturalismo, eis a questão. Disponível em: Revista Educa - ção, Sociedade & Culturas, 12, 3-5. 1999. http://www.fpce.up.pt/ciie/?q=publication/revis- ta-educa%C3%A7%C3%A3o-sociedade-culturas/edition/educa%C3%A7%C3%A3o- -sociedade-culturas-12. Acesso em: 11Nov. 2016 TAVARES, M. Reseña de “Epistemologia do Sul” de Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (org.). In: Revista Lusófona de Educação, 13, 2009, p. 183-189. TAVARES, M. Culturas e Educação: a retórica do multiculturalismo e a ilusão do inter - culturalismo. In : Revista Educação e Cultura Contemporânea. v. 11 25., 2014. p. 163-
TERRANOVA, C. S. Pedagogia interculturale: concetti, problemi, proposte. Milano: An - gelo Guerini e Associati 1997. WALSH, Catherine. “(De) construir la interculturalidad”. En Interculturalidad y política. Desafíos y posibilidades. Lima, 2002. YRIGOYEN Fajardo Raquel, “Derecho Indígena en los países andinos¿ Mecanismos alternativos o juridicción propia?”. Disponível em: nº 4 Revista CREA Universidad Ca - tólica de Temuco, Chile.2003. http://gpaju.ufsc.br/files/2015/02/Revista-Alegatos-Arti - go.pdf. Acesso em: 11 Nov. 2016. RECEBIMENTO: 16/08/ APROVAÇÃO: 21/09/
Vanda A. de Araújo, Mestre e Doutoranda em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Universidade Nove de Julho – (UNINOVE) araujo.vanda.ap@gmail.com Thiago Batista Costa, Mestre em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Universidade Nove de Julho – (UNINOVE) thiagocosta5@hotmail.com Manuel Tavares, PhD- Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), tavares.lusofona@gmail.com