Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Não Tenho Culpa Que A Vida Seja Como Ela É, de Nelson Rodrigues, Provas de Cultura

RELATÓRIO DE QUALIFICAÇÃO_Uma Análise Discursiva de Não Tenho Culpa Que A Vida Seja Como Ela É, de Nelson Rodrigues

Tipologia: Provas

2013

Compartilhado em 03/12/2013

elza-carolina-beckman-pieper-1
elza-carolina-beckman-pieper-1 🇧🇷

2 documentos

1 / 51

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO ARTES E LETRAS - FACALE
COORDENADORIA DO MESTRADO EM LETRAS
ELZA CAROLINA BECKMAN PIEPER
UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE NÃO TENHO CULPA QUE A VIDA SEJA COMO
ELA É, DE NELSON RODRIGES
Dourados – MS
2012
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Não Tenho Culpa Que A Vida Seja Como Ela É, de Nelson Rodrigues e outras Provas em PDF para Cultura, somente na Docsity!

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE COMUNICAÇÃO ARTES E LETRAS - FACALE COORDENADORIA DO MESTRADO EM LETRAS

ELZA CAROLINA BECKMAN PIEPER

UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE NÃO TENHO CULPA QUE A VIDA SEJA COMO

ELA É , DE NELSON RODRIGES

Dourados – MS 2012

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE COMUNICAÇÃO ARTES E LETRAS - FACALE COORDENADORIA DO MESTRADO EM LETRAS

ELZA CAROLINA BECKMAN PIEPER

UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE NÃO TENHO CULPA QUE A VIDA SEJA COMO

ELA É DE NELSON RODRIGES

Relatório de Qualificação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados – Mestrado em Letras – Área de Concentração Linguística e Transculturalidade, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Lúcio de Sousa Góis.

Dourados - MS 2012

ABSTRACT

To discuss the discourse of Nelson Rodrigues, our main theoretical reference is Dominique Maingueneau. In the work O discurso pornográfico (2010), Maingueneau tries to approach “the pornographic text, relating it to genre whose terms of appearance and whose operation can be clearly analyzed”. In the preface to his work, Maingueneau makes a connection between sexuality, eroticism and pornography, claiming that the use of the adjective “pornographic” is enough to “disqualify everything to which he is associated” (2010, p.7-9). Thus, the research problem that we address in this dissertation has to do with the following observation: there is a relationship between the term “pornographic” and “qualification”. To this end, we depart from the reading of the work Não tenho culpa que a vida seja como ela é (2009) by Nelson Rodrigues, author doubly qualified as “Angel” and “Pornographic” in the book O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues (1992). Our main objective is to try to show how far the writings of Nelson Rodrigues in the chosen book for analysis are in fact pornographic not erotic, obscene, etc. We will adopt two methodological procedures: first, we’ll set off from reading the book of Ruy Castro to try to understand what makes, according to Castro, the Nelson Rodrigues a pornographic author. In other words, what kind of point of view Castro uses to qualify it as “pornographic”. Second, we analyze the Nelson Rodrigues’ book in light of Dominique Maingueneau theory. Our hypothesis is that Rodrigues is closer the obscene than pornographic literature. The cut was made by choosing only one work of Nelson Rodrigues for analysis; we know that is not sufficient to arrive at comprehensive conclusions on the subject. However, it is important to at least cast doubt on the adjective “pornographic” (and even “angel”) credited to Nelson Rodrigues. We hope that this dissertation motivates us to continue research, analyzing texts Rodrigues and others contributing to the formation of knowledge from the works of renowned Brazilian writer. KEYWORDS: 1. Literary Discourse Analysis; 2. Pornographic Discourse; 3. Obscene Discourse; 4. Erotic Discourse.

SUMÁRIO

  1. O Contexto Histórico das Crônicas de Nelson Rodrigues .......................................

    • INTRODUÇÃO .......................................................................................................................
    • PARTE - 1. Memorial Descritivo .................................................................................................... - 1.1 A contingência do memorial........................................................................ - 1.2 O início........................................................................................................ - 1.3 Dourados: vida acadêmica e profissional.................................................... - 1.4 O mestrado: um sonho e um compromisso.................................................
    • PARTE - 1. O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues por Ruy Castro ....................... - 3. Análise do Discurso Pornográfico na Literatura de Nelson Rodrigues ................. - 3.1 Obsceno, Erótico e Pornográfico à luz de Maingueneau............................ - 3.2 Obsceno e Masculinidade........................................................................... - 3.3 Erótico e Feminilidade................................................................................ - 3.4 Pornográfico e Sexualidade Mercadológica................................................
        1. Análise Discursiva de Não tenho culpa que a vida seja como ela é .......................... - 4.1 Discurso obsceno: “Viuvíssima”................................................................. - 4.2 Discurso pornográfico: “Vendida”..............................................................
  • REFERÊNCIAS ......................................................................................................................

encontros científicos. Foram significativas as palestras proferidas pelas autoridades nacionais e internacionais da disciplina Análise do Discurso. Em abril de 2010, no encontro de Análise do Discurso realizado em Campo Grande, organizado pela UEMS e UFMS, tive a oportunidade de conhecer presencialmente os professores Sírio Possenti e Eni Orlandi. Outra experiência que se destacou na compreensão e reflexão sobre as questões epistemológicas e intervenções possíveis, proporcionando-me um novo olhar sobre a linguagem nas dimensões textuais e discursivas, foi a participação no curso de “Introdução à Análise do Discurso”, ministrado pelo professor Dominique Maingueneau, em maio de 2011, na UNESP de Assis/SP. Justificando o atraso na conclusão do mestrado, pois em média os acadêmicos terminam após vinte e quatro meses, e constatando que estou no vigésimo oitavo mês, apresento o tema da primeira dissertação. O texto escolhido como corpus foi Irmãos Karamazov , de Fiódor Dostoiévski, por ser famoso e citado como referência tanto por parte de escritores, como Nelson Rodrigues, quanto de pesquisadores. A intensidade emocional das confissões dos personagens de Dostoiévski é semelhante às confissões dos personagens que buscam a redenção nas crônicas e contos de Nelson Rodrigues, inclusive este como autor-personagem. Infelizmente, minha inexperiência como pesquisadora impediu a concretização do trabalho dentro do tempo devido. No final de 2011, com as recomendações recebidas durante a primeira banca de qualificação, decidi estudar somente Nelson Rodrigues por ser um brasileiro do século vinte, portanto, bem mais próximo da realidade atual do que Dostoiévski, e por produzir em Língua Portuguesa. A segunda parte desta dissertação tem início com o capítulo sobre a imagem que Ruy Castro produz de Nelson Rodrigues, sintetizada no título da biografia O Anjo Pornográfico e na epígrafe do livro:

Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico. (CASTRO, 1992, p.1).

Ruy Castro procura na vida do autor vários casos que corroborem a imagem de um anjo pornográfico. Um dos casos ocorre em agosto de 1916, quando Nelson completou quatro anos e protagonizou uma cena considerada pornográfica, denunciada à sua mãe por uma

vizinha que

vira Nelson aos beijos com sua filha Ofélia, de três anos, com ele sobre ela, numa atitude assim, assim. É claro que Nelson só havia tentado , esclareceu dona Caridade. Mas aquilo era suficiente para qualificá-lo, aos quatro anos completos, como um tarado de marca maior. (CASTRO, 1992, p.23).

Evidentemente, naquele momento não era possível ter consciência da importância das próprias ações. No entanto, esse fato marcou a descoberta do caráter interdito e misterioso da sexualidade para Nelson Rodrigues, que se tornou diferente dos outros meninos, pois passou a se envergonhar do próprio corpo e não falava palavrões.

Em 1925, aos treze anos, Nelson pediu ao pai que lhe deixasse trabalhar como repórter policial. A opção não se devia ao valor do salário, que era baixo, e sim ao prestígio. Na ocasião, ocorriam poucos assaltos e muitos crimes passionais. Às descrições banais e frias colhidas nos subúrbios cariocas, Nelson Rodrigues aplicava suas habilidades ficcionistas e dramatúrgicas. Dessa forma, um fato rotineiro e anônimo se transformava num acontecimento trágico e romanesco.

Em 1926, Nelson vive a iniciação sexual com prostitutas e sua curiosidade o leva a questioná-las sobre a opção de vida e trabalho. Percebendo a acomodação dessas mulheres, ele alimenta crenças contraditórias sobre vocação e autopunição. Ainda com catorze anos, sua rebeldia juvenil nas aulas de História e Português custou-lhe a censura na forma de expulsão do Colégio Batista.

Nelson cobrava fundamentação de opiniões por parte dos professores. Além de exigir direito de liberdade de expressão para os próprios argumentos. Sua mãe não foi compreensiva e quis surrá-lo, mas o pai a impediu de castigar o filho por reconhecer um comportamento hereditário e aprendido.

Na década de 1940, Nelson era um homem adulto, casado e considerado um dramaturgo revolucionário. O teatro brasileiro ganha Vestido de noiva e, perante a crítica, começava a adquirir originalidade por meio de um autor estreante. No entanto, para o público, era difícil compreender o conteúdo do texto ou aceitar o excesso de personagens adúlteros e prostitutas.

As responsabilidades de chefe de família exigiam muita dedicação ao emprego nos jornais e deixavam pouco tempo e energia para a produção teatral. Apesar de terem como

entre o termo “pornográfico” e a “qualificação”. Para tanto, partiremos da leitura do texto Não tenho culpa que a vida seja como ela é (2009), de Nelson Rodrigues, autor qualificado duplamente como “Anjo” e “Pornográfico”, no livro O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues (1992). Nossa intenção principal é tentar mostrar até que ponto os textos de Nelson Rodrigues, presentes no livro por nós escolhido para análise, são, de fato, pornográficos, e não eróticos, obscenos, etc.

Adotaremos dois procedimentos metodológicos: primeiro, partiremos da leitura do livro de Ruy Castro para tentar entender o que faz, segundo Castro, de Nelson Rodrigues um autor pornográfico. Em outros termos, de que perspectiva Castro qualifica-o de “pornográfico”. O segundo procedimento consistirá na análise do livro de Nelson Rodrigues à luz de Dominique Maingueneau. Nossa hipótese inicial é a de que Nelson Rodrigues está mais próximo da literatura obscena do da que pornográfica.

Desde já salientamos que, o recorte feito, escolhendo apenas uma obra de Nelson Rodrigues para análise, não é suficiente para se chegar a conclusões finais sobre o assunto. No entanto, é importante para, pelo menos, lançar dúvidas sobre o adjetivo “pornográfico” (e mesmo “anjo”) atribuído a Nelson Rodrigues. Esperamos, portanto, que esta dissertação nos motive a continuar a pesquisa, analisando outros textos de Nelson Rodrigues e contribuindo para a formação de saberes a partir da obra desse renomado escritor brasileiro.

PARTE 1

1. Memorial Descritivo

1.1 A contingência do memorial

Este memorial descritivo integra o Relatório de Qualificação, apresentado à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Grande Dourados, com um dos requisitos para se obter o título de mestre em Letras. No ano de 2006, comecei a construir meu Currículo Lattes. Mas, até o momento, é o primeiro memorial que produzo. Minhas referências são Pasqualotti (2003) e Boaventura (1995).

A redação do memorial tem caráter autobiográfico. Por isso, não é um trabalho dos mais confortáveis, visto que é mais fácil observar e avaliar os outros do que a nós mesmos. Evidentemente, se a vida em geral é feita de desafios, a vida acadêmica também o é. O melhor caminho é, ou parece ser, encarar as tarefas como oportunidades para demonstrar progressos.

1.2 O início

Sou a primeira filha por parte de mãe, terceira por parte de pai e tenho um irmão cinco anos mais novo. Minha família, desde o meu nascimento, foi composta por minha mãe, meu pai, meu irmão e eu. Moramos até 1995 em Ponta Porã. Após o falecimento do meu pai, em 1996, mesmo ano em que ingressei na universidade, eu, minha mãe e meu irmão permanecemos unidos em Dourados.

Meus pais eram funcionários públicos: ele, militar; ela, assistente administrativa. Ele, neto de alemães, viveu até a adolescência numa colônia de imigrantes no Rio Grande do Sul. Por motivos profissionais, residiu em vários estados nacionais. Ela, filha de pai alemão e mãe paraguaia, até nossa mudança para Dourados, morou a maior parte do tempo em Ponta Porã. Exceto nos anos de 1979 e 1980, ocasião em que eu, ela e meu pai moramos na Bahia. Devido à pouca idade, praticamente não tenho lembranças dessa época.

Apesar do perfil racional exigido pelas profissões de ambos, meus pais tinham características emotivas com sintomas depressivos, semelhantes à sensibilidade dos

1.3 Dourados: vida acadêmica e profissional

Fui aprovada para o curso de Pedagogia da SOCIGRAN e em fevereiro de 1996 minha família me acompanhou na mudança para Dourados. Em abril do mesmo ano, meu pai faleceu e em setembro perdi minha avó materna. Esses fatos causaram sofrimento, mas também me conduziram a um amadurecimento emocional e intelectual.

Em 1997, após concluir o primeiro ano do curso de Pedagogia da SOCIGRAN, consegui transferência para a UFMS. Por diferenças de estrutura curricular, obtive dispensa apenas das disciplinas optativas, tendo sido obrigada a cursar novamente as referentes ao primeiro ano.

Durante o curso, as disciplinas que mais me despetavam curiosidade foram as mesmas do ensino médio: Filosofia da Educação, Sociologia da Educação e História da Educação. Desta última fui monitora de ensino nos anos de 1999 e 2000. Essa experiência me proporcionou o convívio com o ambiente universitário além da situação de sala de aula.

Em 1998, fui convidada a participar de um projeto de Iniciação Científica mas não aceitei por insegurança. Começava um processo de crise de identidade que só amenizou no ano de 2001, por meio de tratamento psiquiátrico e psicoterápico. Graças à terapia e à medicação, comecei a fortalecer minha autoconfiança e descobrir que tenho um perfil intelectual e que sempre estarei dentro de uma universidade, seja como aluna, técnica- administrativa ou professora.

Conclui o curso de Pedagogia no ano de 2000, na UFMS, e em 2001 me inscrevi numa especialização, oferecida pela UNIGRAN, voltada para a metodologia do ensino fundamental. A baixa procura impediu a formação de turma para este curso e decidi me matricular no curso voltado para a metodologia do ensino superior. Do mesmo modo que o curso de Pedagogia tinha disciplinas equivalentes ao CEFAM, a especialização era semelhante ao curso de Pedagogia.

Ainda em 2001, comecei a ministrar aulas particulares a alunos do ensino fundamental. Havia sido aprovada em concurso para essa área no Estado, em 1999, mas não obtive classificação para ser nomeada. Fui aprovada em concurso da prefeitura de Dourados no fim de 2002, tomando posse em 2003. Durante dois meses, trabalhei como berçarista num Centro de Educação Infantil. Devido ao meu perfil introvertido, não conseguia acompanhar o

ritmo das crianças e pedi exoneração. Voltei a ministrar aulas particulares e estudar para concursos. Ainda em 2003, prestei concurso na UEMS, mas não obtive classificação por não atingir o mínimo de acerto na área de Informática, apesar dos bons resultados nos Conhecimentos Específicos. No final de 2003, fiz a prova do concurso para docente no ensino fundamental da prefeitura de Itaporã. Fui aprovada e ministrei aulas durante o ano de 2004 na primeira série, como alfabetizadora. O edital previa uma vaga para essa área, e obtive classificação para o segundo lugar. Por terem surgido vagas oficiais apenas na área de educação infantil, trabalhei como contratada somente em 2004 e, no ano seguinte, não fui chamada. Em 2005, os professoreas aprovados para o terceiro e quarto lugar, moradores de Itaporã e que sabiam do surgimento de vagas para o ensino fundamental, procurram um advogado para buscar tomar posse como funcionários efetivas. Porém, não obtivemos sucesso no Fórum de Itaporã, nem em Campo Grande. Ainda em 2004, iniciei o curso de Letras na UFMS. Assisti a algumas aulas, mas, por ter perdido o ritmo de estudo regular, não conseguia conciliar trabalho e estudo, por isso, não fui aprovada em nenhuma disciplina. No ano seguinte, como não estava trabalhando, pude me dedicar exclusivamente ao curso e concluir o primeiro ano. As disciplinas que mais me interessavam eram Linguística e Semiótica. Nesse mesmo ano, foi realizado na UEMS o Fórum Acadêmico de Letras (FALE) e, dentre vários minicursos, escolhi, por curiosidade e influência das aulas das disciplinas já mencionadas, o de Análise do Discurso. A partir desse momento, comecei a ler os autores nacionais: Possenti, Gregolin e Orlandi, e os internacionais: Foucault, Pêcheux e Bakhtin. No final de 2005, tive a oportunidade de participar da palestra da Profª. Dra. Maria do Rosário Gregolin, durante a semana acadêmica da UFMS (que já estava em fase de transição para se tornar UFGD). Essas experiências me despertaram um olhar de pesquisadora e cheguei a pensar em um projeto para analisar redações de alunos do ensino fundamental, visando observar as manifestações das formações imaginárias de alunos de escola pública e de escola particular, a partir da leitura do texto Piscina , de Fernando Sabino^1. Todavia, a necessidade de sobrevivência falou mais alto e, desde o início de 2006, prestei três concursos seguidos, que me proporcionaram uma boa preparação para a prova de Técnico em Assuntos Educacionais da UFGD. Tomei posse em agosto do mesmo ano e interrompi o curso de Letras porque meu horário de expediente era vespertino e noturno, incompatível com o horário da graduação.

(^1) SABINO, Fernando. A mulher do vizinho. 14. ed. Rio de Janeiro, Record, 1984.

c) “Teorias Linguísticas”: disciplina obrigatória da Linguística; constitui um panorama histórico-crítico das sistematizações dos estudos científicos da Linguagem. Mrecem destaque as elaborações de Ferdinand Saussure, Noam Chomski, Mikhail Bakhtin, Bernard Schnewly, Joaquim Dolz e Jean-Paul Bronckart; partindo do conceito de língua como estrutura social padronizada pela gramática em Saussure até as derivações da concepção de língua como interação em Bakhtin, a fala se desloca da condição de acidente individual e adquire o caráter discursivo-dialógico.

As disciplinas cursadas no segundo semestre foram: a) “Fundamentos Semióticos”: disciplina que estuda as linguagens expressas por signos verbais e não-verbais; possibilita uma aproximação com a leitura de obras de arte como pintura, música, cinema e literatura. Conhecemos a proposta de uma ficção cética defendida por Gustavo Krause, noções de semiótica tensiva de Claude Zilberberg e o provocador texto de Giorgio Agamben, intitulado Profanações (2007), cuja tese central problematiza verdades óbvias estabelecidas pelo modo de produção capitalista que se manifestam em práticas discursivas e não-discursivas, como a mercadorização generalizada e o consumo como fim em si mesmo.

b) “Gêneros Textuais e suas Implicações para a Leitura Crítica”: disciplina filiada internacionalmente a Mikhail Bakhtin, Bernard Schnewly, Joaquim Dolz e Jean-Paul Bronckart, nacionalmente a Luiz Antônio Marcuschi, João Wanderley Geraldi, Elvira Lopes Nascimento, Anna Rachel Machado e outros. Parte do estudo dos gêneros discursivos como objeto teórico-prático apropriado para o ensino de leitura e produção textual, considerando a tendência atual de valorização da língua como lugar de interação; por meio do estudo das dimensões composicionais, temáticas e estilísticas, além da reflexão sobre as finalidades típicas de cada gênero, o leitor-produtor adquire habilidades referentes à percepção das questões ideológicas e pragmáticas presentes nos diversos textos que circulam nos meios de comunicação.

c) “Introdução aos Estudos de Linguística Aplicada”: disciplina obrigatória da Linguística que enfatiza a dimesão teórico-metodológica da pesquisa em linguagens e a reflexão sobre as contribuições para a intervenção nas práticas linguísticas em contextos transculturais e no ensino de línguas. Implica questões transdisciplinares de caráter comunicacional, educacional, antropológico, histórico, filosófico e sociológico; os teóricos em destaque são: internacionalmente, Néstor Canclini, Jesus Martín-Barbero; nacionalmente, Stella Maris Bortoni-Ricardo, Marilda Cavalcanti, Luiz Paulo da Moita Lopes, Kanavillil

Rajagopalan, Inês Signorini e Regina Zilberman.

Durante os anos de 2010 e 2011, participei de oito congressos acadêmicos de Letras e sempre que possível de encontros diretamente ligados à Análise do Discurso. O diálogo com outros pesquisadores dessa área e também de outras, como Sociolinguística, Linguística Textual, enriqueceu e esclareceu minhas ideias teórico-metodológicas. A frequência a bancas de qualificação e defesa durante o curso foi outra experiência formadora de conhecimentos e reflexões.

Foram marcantes também as palestras proferidas pelas autoridades nacionais e internacionais da disciplina Análise do Discurso. Em abril de 2010, no encontro de Análise do Discurso realizado em Campo Grande, organizado pela UEMS e UFMS, tive a oportunidade de conhecer presencialmente os professores Sírio Possenti e Eni Orlandi. Além de tornar mais concretos os conhecimentos adquiridos pela leitura dos livros desses autores, participar de suas palestras me possibilitou observar os pontos em comum e as diferenças de ênfase nos perfis dos pesquisadores. A apresentação de trabalhos também é bastante enriquecedora porque, por intermédio de exposição de nossas ideias, colhemos sugestões e críticas valiosas para melhoria na elaboração da pesquisa.

Outra experiência marcante na compreensão e reflexão sobre as questões epistemológicas e intervenções possíveis foi a participação no curso de “Introdução à Análise do Discurso”, ministrado pelo professor Dominique Maingueneau, em maio de 2011, na UNESP de Assis/SP, o que me proporionou um novo olhar sobre a linguagem nas dimensões textuais e discursivas. Além de ser um teórico contemporâneo, Maingueneau possui um caráter didático em suas exposições, promovendo uma intensa identificação com a Análise do Discurso, tanto na concretização de questões teórico-metodológicas quanto na intervenção em práticas discursivas.

Apesar da harmonia predominante durante o envolvimento com as disciplinas, os congressos, a primeira orientadora e os colegas de turma, o planejamento e a execução da pesquisa foram momentos problemáticos do mestrado. O projeto inicial tinha como principal objetivo discutir o conceito de discurso na Análise do Discurso, destacando as dimensões linguítica, histórica e psicanalítica.

Ao final de 2010, após perceber que era um estudo totalmente teórico numa disciplina analítica desde o nome, decidi escolher um objeto para aplicar a leitura dos pontos linguístico-histórico-psicanalíticos. Elegi um romance pela riqueza deste gênero, considerando a defesa da função social da arte a partir de três categorias propostas por Krause

PARTE 2

1. O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues por Ruy Castro

No capítulo, apresentaremos a imagem que Ruy Castro produziu de Nelson Rodrigues. Considerando o caráter sugestivo do título, partiremos deste e da epígrafe do livro, creditados nos agradecimentos (CASTRO, 1992, p.423) ao jornalista André Kallàs quando de sua entrevista a Nelson Rodrigues publicada, na edição de outubro de 1966, na extinta revista Manchete :

Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (CASTRO, 1992, p.1).

Na “Introdução” de seu livro, Castro mantém a oposição entre sagrado e profano ao justificar o estilo romanesco de sua narração da vida de Nelson Rodrigues. Nas representações da opinião pública, este oscilava entre os papéis de herói e vilão, “santo” e “canalha” (1992, p.8).

O primeiro capítulo, intitulado “1912 – Pitangas Bravas”, aludindo ao clima de combate presente na política do estado de Pernambuco na Primeira República, traz na página de abertura as fotografias dos pais de Nelson Rodrigues, com nome e atribuição de caráter de ambos: “firmeza – Maria Esther”; “valentia – Mário Rodrigues”. Institui uma ascendência pornográfica ao apresentar Francisco Rodrigues, avô paterno de Nelson, como homem marcado pelo furor sexual. A dimensão angelical deve-se, em parte, ao protestantismo fervoroso da avó materna, Ana Esther Falcão.

Quanto à afinidade com o jornal, se explica como herança direta de Mário Rodrigues, cuja inteligência precoce permitiu a confecção artesanal de um jornal aos cinco anos de idade, em 1890. Órfão de pai e mãe aos sete, Mário Rodrigues viveu sob a tutoria de um padrinho até os quinze, em 1900, quando largou os estudos e começou a trabalhar para se tornar independente.

Começou por ofícios braçais, mas seu lado poeta o impulsionou ao Jornal do Recife.