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Nosso Lar
(OBRA MEDIÚNICA)
I
Série André Luiz
I - Nosso Lar
II - Os Mensageiros
III - Missionários da Luz
IV - Obreiros da Vida Eterna
V - No Mundo Maior
VI - Agenda Cristã
VII - Libertação
VIII - Entre a Terra e o Céu
IX - Nos Domínios da Mediunidade
X - Ação e Reação
XI - Evolução em Dois Mundos
XII - Mecanismos da Mediunidade
XIII - Conduta Espírita
XIV - Sexo e Destino
XV - Desobsessão
XVI - E a Vida Continua...
ÍNDICE
- Novo amigo
- Mensagem de André Luiz
- 1 – Nas zonas inferiores
- 2 – Clarêncio
- 3 – A oração coletiva
- 4 – O médico espiritual
- 5 – Recebendo assistência
- 6 – Precioso aviso
- 7 – Explicações de Lísias
- 8 – Organização de serviços
- 9 – Problema de alimentação
- 10 – No Bosque das Águas
- 11 – Notícias do plano
- 12 – O Umbral
- 13 – No gabinete do Ministro
- 14 – Explicações de Clarêncio
- 15 – A visita materna
- 16 – Confidências
- 17 – Na casa de Lísias
- 18 – Amor, alimento das almas
- 19 – A jovem desencarnada
- 20 – Noções de lar
- 21 – Continuando a conversa
- 22 – O bônus-hora
- 23 – Saber ouvir
- 24 – O impressionante apelo
- 25 – Conselho generoso
- 26 – Novas perspectivas
- 27 – Enfim, o trabalho
- 28 – Em serviço
- 29 – A visão de Francisco
- 30 – Herança e eutanásia
- 31 – Vampiro
- 32 – Notícias de Veneranda
- 33 – Observações curiosas
- 34 – Com os recém-chegados do Umbral
- 35 – Um encontro especial
- 36 – O sonho
- 37 – A palestra da Ministra
- 38 – O caso Tobias
- 39 – Ouvindo D. Laura
- 40 – Quem planta, colhe
- 41 – Convocados à luta
- 42 – A palavra do Governador
- 43 – Conversando
- 44 – As Trevas
- 45 – No Campo da Música
- 46 – Sacrifício de mulher
- 47 – A volta de Laura
- 48 – Evangelho no lar
- 49 – Voltando para casa
- 50 – Cidadão de "Nosso Lar"
Guarde a experiência dele no livro dalma. Ela diz bem alto que não basta à criatura apegar-se à existência humana, mas precisa saber aproveitá-la dignamente; que os passos do cristão, em qualquer escola religiosa, devem dirigir-se verdadeiramente ao Cristo, e que, em nosso campo doutrinário, precisamos, em verdade, do ESPIRITISMO e do ESPIRITUALISMO, mas, muito mais, de ESPIRITUALIDADE.
EMMANUEL
Pedro Leopoldo, 3 de outubro de 1943.
MENSAGEM DE ANDRÉ LUIZ
A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é jogo escuro das ilusões. O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso. Copiando-lhe a expressão, a alma percorre igualmente caminhos variados e etapas diversas, também recebe afluentes de conhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expressão e purifica-se em qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria. Cerrar os olhos carnais constitui operação demasiadamente simples. Permutar a roupagem física não decide o problema fundamental da iluminação, como a troca de vestidos nada tem que ver com as soluções profundas do destino e do ser. Oh! caminhos das almas, misteriosos caminhos do coração! É mister percorrer- vos, antes de tentar a suprema equação da Vida Eterna! É indispensável viver o vosso drama, conhecer-vos detalhe a detalhe, no longo processo do aperfeiçoamento espiritual!... Seria extremamente infantil a crença de que o simples "baixar do pano" resolvesse transcendentes questões do Infinito. Uma existência é um ato. Um corpo - uma veste. Um século - um dia. Um serviço - uma experiência. Um triunfo - uma aquisição. Uma morte - um sopro renovador. Quantas existências, quantos corpos, quantos séculos, quantos serviços, quantos triunfos, quantas mortes necessitamos ainda? E o letrado em filosofia religiosa fala de deliberações finais e posições definitivas! Ai! por toda parte, os cultos em doutrina e os analfabetos do espírito! É preciso muito esforço do homem para ingressar na academia do Evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira - ele só, na companhia do Mestre, efetuando o curso difícil, recebendo lições sem cátedras visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas. Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa. Nosso esforço pobre quer traduzir apenas uma idéia dessa verdade fundamental. Grato, pois, meus amigos! Manifestamo-nos, junto vós outros, no anonimato que obedece à caridade fraternal. A ex istência humana apresenta grande maioria de vasos frágeis, que não podem conter ainda toda a verdade. Aliás, não nos interessaria, agora, senão a experiência profunda, com os seus valores coletivos. Não atormentaremos alguém com a idéia da eternidade. Que os vasos se fortaleçam, em primeiro lugar. Forneceremos, somente, algumas ligeiras notícias ao espírito sequioso dos nossos irmãos na senda de realização espiritual, e que compreendem conosco que "o espírito sopra onde quer". E, agora, amigos, que meus agradecimentos se calem no papel, recolhendo-se ao grande silêncio da simpatia e da gratidão. Atração e reconhecimento, amor e júbilo moram na alma. Crede que guardarei semelhantes valores comigo, a vosso respeito, no santuário do coração. Que o Senhor nos abençoe.
ANDRÉ LUIZ
Tive pais generosos e dedicados que nunca soube valorizar; prendi esposa e filhos com egoísmo feroz e destruidor. Tive um lar que fechei a todas as pessoas que se encontravam em dificuldades. Aproveitei as alegrias da família, esquecendo de dividir essa bênção com o resto da humanidade, permanecendo indiferente aos mais básicos deveres de fraternidade. No fim, como uma flor criada em estufa, não conseguia encarar a realidade eterna. Não havia desenvolvido os potenciais que Deus havia me dado. Sufoquei tudo, criminosamente, pensando só no meu bem estar. Não me preparei para a nova vida. Por isso era justo que me sentisse como um aleijado que fosse obrigado a caminhar para continuar viagem; ou como pobre mendigo que, cansado no deserto, caminha sem destino, empurrado por ventos fortes. Ah, amigos da Terra, quantos de vocês podem evitar essa angústia, preparando o próprio coração... Acendam suas luzes interiores antes de passar pela morte. Busquem a verdade antes que a verdade chegue de surpresa. Suem agora para não chorar depois.
CLARÊNCIO
“Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!” – gritos como estes me cercavam de todos os lados. Onde estavam esses mercenários insensíveis? Algumas vezes, eu os via de relance, deslizando na escuridão, e, no auge do desespero, eu os atacava, indo ao limite de minhas forças. No entanto, em vão eu esmurrava o ar com toda minha raiva. Escutava gargalhadas sarcásticas, enquanto os vultos escuros desapareciam nas sombras. Para quem apelar? A fome me torturava, a sede me escaldava. Os fenômenos mais banais da vida física apresentavam-se claros aos meus olhos. A barba havia crescido, a roupa começava a se rasgar com os meus esforços naquela região estranha. O mais doloroso, no entanto, não era o terrível abandono em que me sentia, mas o assédio constante de forças perversas que me atacavam de repente nos caminhos desertos e escuros. Irritavam-me, aniquilavam-me a capacidade de ordenar idéias. Queria pensar com maturidade sobre a situação, procurar razões e estabelecer novas diretrizes para o pensamento, mas aquelas vozes, aqueles lamentos misturados com acusações pessoais, deixavam-me completamente desnorteado.
- O que vc está procurando, infeliz! Aonde vai, suicida? Críticas como essas, repetidas sem parar, perturba vam meu coração. Infeliz, sim; mas suicida? – nunca! Essas acusações, no meu entender, não eram verdadeiras. Eu tinha deixado o corpo físico contra a minha vontade. Lembrava de minha luta obstinada com a morte. Parecia que ainda ouvia os últimos pareceres médicos na Casa de Saúde; lembrava a assistência dedicada que tinha recebido, os curativos dolorosos que havia enfrentado durante o longo período após a delicada cirurgia dos intestinos. Enquanto recuperava essas lembranças, sentia o contato do termômetro, a picada desagradável das injeções e, finalmente, revia a última cena antes da morte: minha esposa, ainda jovem, e os três filhos me olhando, no desespero da separação final. Depois... acordar na paisagem úmida e escura e a grande caminhada que parecia interminável. Por que o rótulo de suicida, quando tinha sido obrigado a abandonar a casa, a família e o convívio agradável com as pessoas queridas? Até o homem mais forte tem limites para a resistência emocional. Firme e decidido no início, comecei a me entregar a longos períodos de desânimo, e, longe de manter a firmeza moral, por não saber o que me aconteceria, senti que o choro, por tanto tempo contido, irrompia com mais frequência, aliviando o coração. A quem recorrer? Por maior que fosse a cultura intelectual trazida do mundo, não poderia mudar agora a realidade da vida. Meus conhecimentos, perante o infinito, pareciam bolhas de sabão carregadas pelo vento forte que transforma as paisagens. Eu era alguma coisa que o tufão da verdade arrastava para muito longe. Entretanto, a situação não modificava a minha outra realidade íntima. Perguntando a mim mesmo se não tinha enlouquecido, percebia a consciência vigilante, me mostrando que eu continuava a ser eu mesmo, com o sentimento e a cultura alcançados durante a vida física. As necessidades fisiológicas continuavam, sem modificação. A fome me castigava por inteiro e, ainda assim, o abatimento progressivo não me fazia cair completamente exausto. De vez em quando, eu via verduras, que me pareciam agrestes, em torno de humildes filetes d’água onde eu me atirava cheio de sede. Devorava as folhas estranhas, colava a boca ao fio de água turva, enquanto eu ainda podia lutar contra as forças irresistíveis que me empurravam para frente. Muitas vezes suguei a lama da estrada, lembrando do antigo pão de cada dia e chorando copiosamente. Com frequência, precisava me esconder das manadas enormes de seres animalescos que passavam em bando, como se fossem feras insaciáveis. Eram cenas estarrecedoras! O desalento se agrava. Foi quando comecei a me lembrar de que deveria existir um Autor da Vida, onde quer que fosse. Essa idéia me aliviou. Eu, que tinha detestado as religiões do mundo, experimentava agora a necessidade de conforto místico. Médico extremamente apegado
A ORAÇÃO COLETIVA
Apesar de transportado como um ferido comum, pude notar a imagem reconfortante que surgia à minha frente. Clarêncio, que se apoiava num cajado feito de luz, parou em frente a uma grande porta localizada entre muros altos, cobertos de trepadeiras floridas e graciosas. Apalpando um ponto no muro, uma grande passagem se abriu, por onde entramos em silêncio. Uma suave claridade cobria todas as coisas. A alguma distância, bonito foco de luz dava a sensação de um pôr de sol de primavera. À medida que íamos adiante, conseguia identificar construções muito bonitas, situadas em grandes jardins. Ao sinal de Clarêncio, os assistentes apoiaram devagar a maca improvisada. Na minha frente surgiu, então, a porta simpática de um prédio muito branco, parecido com um grande hospital da Terra. Dois jovens, usando túnicas muito brancas de linho, atenderam atenciosos o chamado do meu benfeitor, e, quando me acomodavam num leito de emergência, para, com cuidado, me levarem para dentro, ouvi o bondoso senhor recomendar, carinhoso:
- Coloquem nosso protegido no pavilhão da direita. Agora tenho pessoas esperando por mim. Amanhã volto para vê-lo. Olhei para ele com gratidão, ao mesmo tempo que era levado para um amplo e confortável aposento, muito bem decorado, onde me deram um leito confortável. Envolvendo os dois enfermeiros nas minhas vibrações de gratidão, tentei falar com eles, conseguindo dizer:
- Amigos, por favor, me expliquem que mundo novo é esse onde estou... De que estrela vem agora esta luz agradável e brilhante? Um deles passou a mão pela minha testa, como se fosse conhecido pessoal de muito tempo, e me disse:
- Estamos nos planos espirituais próximos da Terra, e o Sol que nos ilumina, neste momento, é o mesmo que energizava o nosso corpo físico. Aqui, entretanto, nossa visão é muito mais rica. A estrela que Deus acendeu para nossos trabalhos terrestres é mais preciosa e bela do que supomos quando estamos encarnados. Nosso Sol é a fonte divina da vida, e a claridade que irradia e mana de Deus. Meu ego, envolvido em profundo respeito, fixou a luz suave que entrava no quarto pelas janelas, e me perdi em pensamentos profundos. Lembrei, então, que nunca tinha prestado atenção ao Sol nos dias de vida na Terra, pensando na bondade sem tamanho dAquele que o dá para nós todos pela eternidade. Eu parecia, assim, um cego abençoado que abre os olhos para a sublime natureza, depois de longos séculos de escuridão. A essa altura, me serviram uma boa sopa e, em seguida, água fresca, que me pareceu cheia de fluidos espirituais. Aquele pouco de água, de repente, me deu novas forças. Não sei dizer que tipo de sopa era aquela; se alimento sedativo, se remédio salutar. Novas energias me sustentavam a alma, profundos sentimentos vibravam em meu espírito. No entanto, minha maior emoção ainda estava por vir. Mal acabava de me recuperar da bela surpresa, uma música divina entrou pelo quarto, como se fossem sons a caminho do céu. Aquelas notas de harmonia maravilhosa atravessaram meu coração. Vendo meu olhar de interrogação, o enfermeiro, que estava ao meu lado, explicou com carinho:
- Está na hora do entardecer em “Nosso Lar”. Em todos os centros desta colônia de trabalho, dedicada a Jesus, existe uma ligação direta com as preces da Governadoria. E enquanto a música envolvia o ambiente em boas vibrações, despediu-se atencioso:
- Agora fique em paz. Volto logo depois da oração. Uma vontade repentina me animou.
- Será que eu não poderia acompanhar você? – perguntei ansioso.
- Você ainda está fraco, – esclareceu com gentileza – mas se estiver se sentindo disposto... Aquela melodia me renovava as energias. Com muito esforço me levantei e me apoiei no braço que o companheiro me estendia. Seguindo vacilante, cheguei a um salão enorme, onde uma platéia numerosa meditava em silêncio, em atitude interior. Na abóbada cheia de luz brilhante, estavam penduradas guirlandas delicadas de flor, quem iam do teto ao chão, formando bonitos símbolos de espiritualidade superior. Ninguém parecia notar a minha presença, enquanto eu mal conseguia esconder minha grande surpresa. Todos os presentes, atentos, pareciam estar esperando alguma coisa. Contendo, com dificuldade, as várias perguntas que ferviam em minha mente, notei que, ao fundo, em tela gigantesca, estava desenhado maravilhoso quadro de luz deslumbrante. Através de adiantados processo de TV, surgiu um templo magnífico. Sentado em lugar de destaque, um ancião coroado de luz, em prece, usando uma túnica branca de irradiações brilhantes. Mais abaixo, 72 pessoas o acompanhavam respeitosamente em silêncio. Muito surpreso, reparei que Clarêncio participava da assembléia, entre os que cercavam o velhinho brilhante. Apertei o braço do amigo enfermeiro e, percebendo que eu não aguentaria até mais tarde para fazer minhas perguntas, explicou em voz baixa, quase num sussuro:
- Fique tranquilo. Todas as casas e instituições de “Nosso Lar” estão em prece com o Governador, pela audição e visão à distância. Louvemos a Deus. Mal terminou a explicação, as 72 pessoas começaram a cantar um hino harmonioso, cheio de beleza inexplicável. O rosto de Clarêncio, no círculo dos elevados companheiros, me pareceu tocado de luz mais intensa. O canto celeste era de notas angelicais, de elevado reconhecimento. Pairavam no salão vibrações misteriosas de paz e alegria e, quando as notas finas fizeram maravilhoso staccato , num plano elevado mais distante se desenhou um coração de azul maravilhoso, com sulcos dourados. Em seguida, música suave respondia aos louvores, vinda talvez de planos distantes. Foi aí que uma intensa chuva de flores azuis caiu sobre nós; mas, se tentávamos pegar os miosótis celestiais, não conseguíamos mantê-los nas mãos. As pétalas muito pequenas se desfaziam de leve ao tocar nossa testa, de forma que eu sentia uma renovação diferente de energias, assim que as flores fluídicas me tocavam e aliviavam meu coração Assim que a prece terminou, voltei ao quarto do hospital, ajudado pelo amigo que me atendia mais diretamente. Entretanto, não estava mais tão doente quanto a algumas horas. A primeira prece coletiva em “Nosso Lar” havia provocado uma completa transformação em mim. Um inesperado conforto envolvia minha alma. Pela primeira vez, depois de anos seguidos de sofrimento, o pobre coração, atormentado e cheio de saudade, como uma taça que está vazia há muito tempo, tinha se enchido de novo com as gotas generosas do licor da esperança.
(1) - Imagem simbólica formada pelas vibrações mentais dos habitantes da colônia. – Nota de André Luiz
Pensei nos problemas da vida, refletindo nas oportunidades perdidas. Enquanto encarnado, conseguia usar várias máscaras, conforme as situações. Aliás, não poderia supor, em outros tempos, que me pediriam contas de acontecimentos simples, que costumava considerar como fatos sem maior importância. Até então, classificava os erros humanos de acordo com os preceitos da criminologia. Todo acontecimento insignificante, que não constasse dos códigos legais, entraria para a relação de coisas naturais. No entanto, agora me apresentavam outro sistema para verificar os erros cometidos. Não fui julgado por tribunais de tortura, nem por abismos infernais; no entanto, benfeitores sorridentes comentavam minhas fraquezas como quem cuida de uma criança desorientada que está longe dos pais. Aquele interesse espontâneo, no entanto, feria minha vaidade de homem. Se eu fosse torturado por demônios, de tridente nas mãos, talvez não me sentisse tão mal com a derrota. Entretanto, a enorme bondade de Clarêncio, o tom terno do médico, a calma do enfermeiro, penetravam fundo em meu espírito. Eu não tinha vontade de reagir; o que me doía era a vergonha. E chorei. Com o rosto entre as mãos, como menino mimado infeliz, comecei a soluçar com a dor que me parecia irremediável. Não tinha como discordar. Henrique de Luna falava com muita razão. Por fim, engolindo a vaidade, reconheci a extensão de minhas leviandades de outros tempos. A falsa noção de dignidade pessoal dava lugar à justiça. Para a minha visão espiritual só existia agora uma realidade que me torturava: eu realmente era um suicida, tinha perdido a oportunidade preciosa da encarnação, não passava de um náufrago que alguém recolhia por caridade. Foi então que o bondoso Clarêncio, sentando-se ao meu lado na cama, acariciou meu cabelos como um pai e falou comovido:
- Ah, meu filho, não se lastime tanto. Eu o procurei, atendendo os pedidos dos que o amam, dos planos mais altos. Suas lágrimas mancham seus corações. Você não deseja ser grato, mantendo a tranquilidade ao examinar os próprios erros? Na verdade, sua situação é a de um suicida inconsciente; mas é necessário reconhecer que centenas de criaturas deixam o mundo diariamente, nas mesmas condições. Acalme-se, portanto. Aproveite as vantagens do arrependimento, guarde a bênção do remorso, ainda que tardio, sem esquecer que a aflição não resolve problemas. Confie em Deus e em nossa dedicação fraterna. Sossegue a alma perturbada, porque muitos de nós já andamos nos mesmos caminhos que você.
RECEBENDO ASSISTÊNCIA
- É você o protegido de Clarêncio? A pergunta vinha de um jovem de expressão doce e especial. Com uma grande mala na mão, como quem carregava instrumentos de assistência, olhava pra mim com um sorriso amigável. Quando fiz que sim com a cabeça, ficou à vontade e, como um irmão, afirmou:
- Eu sou Lísias, seu irmão. Meu diretor, o assistente Henrique de Luna, me designou para atender você, enquanto precisar de tratamento.
- Você é enfermeiro? – perguntei.
- Sou visitador dos serviços de saúde. Nessa função, não só ajudo na enfermagem, como também atendo a necessidades de socorro, ou tomo providências para doentes recém-chegados. Notando minha surpresa, explicou:
- Há muitos servidores como eu em “Nosso Lar”. Você acabou de chegar à colônia e, naturalmente, não conhece o tamanho dos nossos trabalhos. Para ter uma idéia, basta lembrar que só aqui, na seção em que você está, existem mais de mil doentes espirituais, e veja que este é um dos menores edifícios do nosso parque hospitalar.
- Tudo isso é maravilhoso! – exclamei. Percebendo que meus comentários iam se transformar em elogios espontâneos, Lísias se levantou da poltrona em que estava sentado e começou a me auscultar atento, não me dando chance de fazer o agradecimento final.
- A zona dos seus intestinos apresenta lesões sérias com claros vestígios do câncer; a região do fígado tem dilacerações; a dos rins dá sinais característicos de esgotamento prematuro. Sorrindo, acrescentou com bondade:
- Você sabe o que isso quer dizer?
- Sim – respondi, - o médico me disse ontem, explicando que devo esses desequilíbrios a mim mesmo... Notando meu acanhamento com a confissão a contragosto, logo me consolou:
- Na turma de 80 enfermos a que atendo diariamente, 57 estão nas mesmas condições. E você talvez não saiba que existem aqui os mutilados. Já pensou nisso? Você sabe que o homem descuidado, que usou seus olhos para o mal, vem para cá com as órbitas vazias? Que o malfeitor, interessado em usar sua capacidade de andar para a fuga fácil nos crimes, acaba paralítico, quando não é recolhido sem as pernas? Que os perturbados por desequilíbrios sexuais costumam chegar em estado de extrema loucura? Percebendo minha surpresa natural, continuou:
- “Nosso Lar” não é lugar de espíritos propriamente vitoriosos, se tomarmos o significado literal da palavra. Somos felizes porque temos trabalho; e a alegria está presente em cada canto da colônia, porque Deus não nos deixou sem a bênção do serviço. Aproveitando a brecha mais longa, exclamei emocionado:
- Continue me esclarecendo, meu amigo. Estou me sentindo mais aliviado e tranquilo. Este não seria um departamento celestial dos eleitos? Lísias sorriu e explicou:
- Vamos nos lembrar do antigo ensinamento que fala dos muitos chamados e dos poucos escolhidos na Terra. E deixando o olhar se perder no horizonte distante, como se estivesse procurando a memória de suas próprias experiências mais íntimas, afirmou:
- No planeta, as religiões chamam os homens para o banquete celestial. Em sã consciência, ninguém que tenha chegado mais perto da idéia de Deus, pode alegar ignorância sobre esse assunto. É muito grande o número dos chamados, meu amigo; mas onde estão os que atendem ao chamado? Com raras exceções, a humanidade prefere atender a outro tipo de convites. Perde a possibilidade nos desvios do bem, o capricho de
PRECIOSO AVISO
No dia seguinte, depois da prece do pôr-do -sol, Clarêncio veio me ver em companhia de Lísias. Demonstrando generosidade no rosto, me abraçou e perguntou:
- Como vai? Está melhor? Ameacei fazer o gesto dos doentes que se vêem alvo de atenção na Terra, fazendo-me de vítima. No mundo, o carinho fraterno, às vezes, é mal interpretado. Assim, mantendo o antigo vício, comecei a me explicar, enquanto os dois bondosos visitantes se sentavam confortavelmente a meu lado:
- Não posso negar que esteja melhor, mas ainda sofro muito. Tenho muitas dores na região dos intestinos, uma angústia estranha no coração. Nunca pensei que tivesse tanta resistência, meu caro! Ah, como tem sido pesada a minha cruz!... Agora que posso raciocinar melhor, percebo que a dor acabou com todas as minhas forças... Clarêncio ouvia com atenção, demonstrando grande interesse por minhas lamentações, sem dar o menor sinal de querer interferir na conversa. Sentindo-me incentivado com essa atitude, continuei:
- Além do mais, meus sofrimentos morais são enormes e sem descrição. Com o tormento exterior amenizado pelos cuidados recebidos, volto ao meu sofrimento íntimo. O que terá acontecido com minha esposa e meus filhos? Será que o mais velho conseguiu progredir, conforme eu pretendia? E as meninas? Minha pobre Zélia muitas vezes disse que morreria de saudades se um dia eu lhe faltasse. Esposa maravilhosa! Ainda sinto as lágrimas que derramou nos meus últimos momentos. Não sei desde quando vivo o pesadelo da distância... Várias e demoradas feridas me fizeram perder a noção de tempo. Onde estará minha pobre esposa? Chorando perto dos meus restos mortais ou em algum lugar escuro da vida após a morte? Ai, minha dor é amarga demais! Que destino terrível tem o homem dedicado à família! Creio que poucas pessoas já sofreram tanto quanto eu!... Na Terra, contrariedades, desenganos, doenças, incompreensões e amarguras, abafando raros momentos de alegria; depois os sofrimentos da morte física... Em seguida, as dores da vida após a morte! O que é então a vida? Um sequência interminável de lágrimas e dores? Não existe lugar para a paz? Por mais que eu queira ser otimista, sinto que a sensação de infelicidade me bloqueia o espírtito, como se fosse uma terrível prisão para o coração. Que triste destino, meu bondoso protetor! A e ssa altura, a onda de queixas já tinha levado minha mente ao choro farto e solto. Clarêncio, no entanto, levantou-se calmo e falou com serenidade:
- Meu amigo, você quer mesmo a cura espiritual? Quando eu disse que sim, ele continuou:
- Aprenda, então, a não falar demais de si mesmo, nem fique comentando os próprios problemas. Reclamações demonstram doença mental de cura demorada e difícil. É indispensável criar pensamentos novos e aprender a controlar a boca. Só consequiremos equilíbrio se abrirmos o coração a Deus. Chamar o esforço necessário de obrigação pesada, enxergar sofrimentos onde há luta positiva, é como identificar indesejável cegueira do espírito. Quanto mais você fizer reclamações dolorosas pessoais, mais duros serão os laços que o prendem às lembranças menos felizes. O mesmo Pai que cuida de você, oferecendo-lhe abrigo e cuidado nesta casa, atenderá aos seus parentes terrestres. Devemos considerar nossa família como uma construção sagrada, mas sem esquecer que nossas famílias físicas são parte s da nossa família universal, sob a direção de Deus. Estaremos a seu lado para resolver dificuldades que apareçam e fazer planos para o futuro, mas não temos tempo para ficar remoendo lamentações inúteis. Além disso, nesta colônia temos o compromisso de aceitar o trabalho mais duro como bênção de realização, entendendo que Deus transborda amor, enquanto nós vivemos cheios de dívidas. Se você deseja ficar nesta casa de assistência, aprenda a pensar de forma justa.
Nesse meio tempo, já havia parado de chorar e, tendo sido chamado à atenção pelo instrutor bondoso, assumi uma outra atitude, embora ainda me sentisse muito envergonhado com a minha fraqueza.
- No físico você não buscava – continuou Clarêncio – as vantagens naturais, decorrentes das boas situações? Não gostava de obter recursos lícitos, ansioso por levá - los também aos entes queridos? Não se interessava pelas remunerações justas, pelo conforto, pensando também na família? Aqui o programa não é diferente. O que muda são os detalhes. No mundo material, procuramos as regras sociais e as garantias financeiras; aqui, buscamos o trabalho e as conquistas definitivas do espírito. Dor, para nós, é o mesmo que oportunidade para enriquecer a alma; a luta aqui é o mesmo que caminho para a realização divina. Você entende a diferença? As almas fracas, diante do serviço, deitam-se para se queixar com os que passam. As almas fortes, no entanto, recebem o serviço como bem sagrado, com o qual se preparam para a perfeição. Ninguém condena sua saudade justa, nem pretende secar sua fonte de sentimentos elevados. No entanto, é preciso notar que o choro desesperado não traz nada de bom. Se você ama de verdade a família terrena, é preciso ter bom ânimo para poder ser útil a ela. Uma longa pausa se fez. A palavra de Clarêncio me levava a ter pensamentos mais sadios. Enquanto eu pensava no valor da sábia advertência, meu protetor, como se fosse um pai que esquece as malcriações dos filhos para recomeçar a lição com toda paciência, voltou a me perguntar com um belo sorriso:
- E então, como vai? Está melhor? Contente por ter sido desculpado, como se fosse uma criança que quer aprender, respondi satisfeito:
- Estou bem melhor, para poder compreender melhor a vontade de Deus.