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Guias e Dicas
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O caso dos Exploradores de Cavernas, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direitos Humanos

Livro de Ron L. Fuller

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 06/05/2010

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LON. L. FULLER
Sergio Antonio Fabris Editor
LON. L. FULLER
LON. L. FULLER
Professor de “Jurisprudence” da
Harvard Law School
O Caso dos
Exploradores
de Cavernas
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LON. L. FULLER

Sergio Antonio Fabris Editor

LON. L. FULLER

LON. L. FULLER

Professor de “Jurisprudence” da Harvard Law School

O Caso dos

Exploradores

de Cavernas

Tradução do original

inglês e introdução por

PLAUTO FARACO DE

AZEVEDO

Professor adjunto e pesquisador da Faculdade de Direito da UFRGS; doutor em direito pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica.

Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre, 1976. 10ª reimpressão: 1999.

JOÃO APARECIDO DA SILVA (zumba@onda.com.br)

INTRODUÇÃO

Nenhuma disciplina jurídica é tão problemática, tão suscetível de abordagens diversas - o que, aliás, a própria discussão que até hoje persiste quanto a seu objeto testemunha

  • do que a Introdução à Ciência do Direito, e, no entanto, nenhum ensino é tão fecundo e mesmo eventualmente tão fecundante quanto aquele que se ministra aos que se iniciam no estudo do Direito. Por paradoxal que à primeira vista possa

dificuldade de comunicá-lo ao estudante, sobretudo quando se cogita da variabilidade da noção de direito no curso da história. Jusnaturalismo, historicismo, positivismo, “direito livre”, realismo – (e aqui também a enumeração não é evidentemente exaustiva) – e a correspectiva atitude ou papel do juiz em conformidade com cada uma destas concepções, ensejando o problema, não menos relevante, da criatividade maior ou menor do Direito pela via jurisprudencial – tudo isto são noções que necessitam de concretude, indispensável ao iniciante no estudo do Direito. Fecundada deste modo sua inteligência, fácil lhe será, ao depois, alçar-se das noções apreendidas aos grandes temas da Filosofia do Direito, disciplina tradicionalmente colocada em etapa mais avançada nos currículos jurídicos. Justamente na realização deste objetivo temos comprovado a importância inestimável do trabalho do Professor Lon L. Fuller, da Universidade de Harvard – O Caso dos Exploradores de Cavernas (“The Case of the Speluncean Explorers”), que bem poderia levar o subtítulo de “Uma Introdução à Argumentação Jurídica”. Desde a primeira vez em que o utilizamos em aula, apresentando-o a estudantes que recém, transpunham os umbrais da Universidade, surpreendeu-nos a profundidade de seu conteúdo, que se não revela em uma primeira leitura, ainda que cuidadosa. Fazendo a sua

exposição isenta de posições preconcebidas e submetendo-o à discussão, vimos os alunos ainda vacilantes esboçarem alguns dos traços mais característicos dos votos, correspondentes a diferentes posturas filosóficas, emitidos pelos juízes do Tribunal do Presidente Truepenny. Daí a nossa decisão de traduzi-lo para o português, para que nossos estudantes penetrassem deste logo nas abstrações jurídicas pela via da concretude. Conduzindo a discussão habilmente, sem nela influir, visando tão somente a descontrair os estudantes, dá-se-lhes a oportunidade de visualizarem de modo crítico a posição para a qual propendem, penetrando, do mesmo passo, na argumentação , nesta se adestrando, em consonância com os ensinamentos de Chain Perelman, da Universidade Livre de Bruxelas e de Theodor

ameno, trazer para dentro deste imaginário que lhe foi sugerido por casos reais – Queen v. Dudley e Stephens (L.R. 14 Q.B. Div. 273; 1884) e United States v. Holmes (1 Wall. 1; 1842) – os mais atraentes e importantes temas da própria teoria jurídica, mostrando paralelamente, que os mesmos problemas que preocupavam os homens da época de Péricles continuam a afligir-nos nos dias de correm, entremostrando-se nos litígios da quotidiana rotina dos tribunais. Como já em certo sentido escrevemos alhures, é no plano dinâmico da interpretação e aplicação do Direito que se desvelam as suas grandes questões. São os práticos – o advogado, o juiz, o consultor jurídico, o representante do Ministério Público que, buscando solução aos casos concretos, deparam com a possível inadequação das normas jurídicas aos fatos a que são propostas 2. E apenas mediante adequada formação, que se deve iniciar nos primórdios do curso jurídico, é que poderão solver tais dificuldades, não confundindo o Direito com a Lei, e nem esta com a Justiça. Resta externar a Harvad Law Review o devido reconhecimento por haver permitido esta tradução, cujos frutos, confiamos, hão de ser os mais profícuos.

Plauto Faraco de Azevedo (^2) Azevedo, Plauto Faraco de – Em que consiste a

problemática do Direito Natural. Antigüidade e vastidão do tema. Estudos Jurídicos, São Leopoldo, 5(12): 100,

O CASO DOS EXPLORADORES DE

CAVERNAS

O Caso dos Exploradores de Cavernas

  • Suprema Corte de Newgarth – Ano de 4300. Processados e condenados à morte pela forca, os acusados recorreram da decisão do Tribunal do Condado de Stowfield à Suprema

de homens e máquinas, que tinham de ser transportados à remota e isolada região, o que demandava elevados gastos. Um enorme campo temporário de trabalhadores, engenheiros, geólogos e outros técnicos, fois instalado. O trabalho de desobstrução foi muitas vezes frustrado por novos deslizamentos de terra. Em um destes, dez operários contradados morreram. Os fundos da Sociedade Espeleológica exauriram- se rapidamente e a soma de oitocentos mil frelares , obtida em parte por subscrição popular, e em parte por subvenção legislativa, foi gasta antes que os homens pudessem ser libertados, o que só conseguiu no trigésimo segundo dia após a sua entrada na caverna. Desde que se soube que os exploradores tinham levado consigo apenas escassar provisões e se ficou também sabendo que não havia substância animal ou vegetal na caverna que lhes permitisse subsistir, temeu-se que eles morressem de inanição antes que o acesso até o ponto em que se achavam se tornasse possível. No vigésimo dia a partir da ocorrência da avalancha soube-se que os exploradores tinham levado consigo para a caverna um rádio transistorizado capaz de receber e enviar mensagens. Instalou-se prontamente um aparelho semelhante no acampamento, estabelecendo-se deste modo a comunicação com os desafortunados homens no interior da montanha. Pediram estes que lhes informassem quanto tempo seria necessário para

libertá-los. Os engenheiros responsáveis pela operação de salvamento responderam que precisavam de pelo menos dez dias, à condição que não ocorressem novos deslizamentos. Os exploradores perguntaram então se havia algum médico no acampamento, tendo sido postos em comunicação com a comissão destes, à qual descreveram sua condição e as rações de que dispunham, solicitando uma opinião acerca da probabilidade de subsistirem sem alimento por mais dez dias. O presidente da comissão respondeu-lhes que havia escassa possibilidade de sobrevivência por tal lapso de tempo. O rádio dentro da caverna silenciou a partir daí durante oito horas. Quando a comunicação foi restabelecida os homens pediram novamente para falar com os médicos, o que conseguido, Whetmore, falando em seu próprio nome e em representação dos demais, indagou se eles seriam capazes de sobreviver por mais dez dias se se alimentassem da carne de um dentre eles. O presidente da comissão respondeu, a contragosto, em sentido afirmativo. Whetmore inquiriu se seria aconselhável que tirassem a sorte para determinar qual dentre eles deveria ser sacrificado. Nenhum dos médicos se atreveu a enfrentar a questão. Whetmore quis saber então se havia um juiz ou outra autoridade governamental que se dispusesse a responder à pergunta. Nenhuma das pessoas integrantes da missão de salvamento mostrou-se disposta a assumir o papel de conselheiro neste assunto.

violação do acordo e procederam o lançamento dos dados. Quando chegou a vez de Whetmore um dos acusados atirou-os em seu lugar, ao mesmo tempo em que se lhe pediu para levantar quaisquer objeções quanto à correção do lanço. Ele declarou que não tinha objeções a fazer. Tendo-lhe sido adversa a sorte, foi então morto. Após o resgate dos acusados e depois de terem permanecido algum tempo em um hospital onde foram submetidos a tratamento de desnutrição e choque emocional, foram denunciados pelo homicídio de Roger Whetmore. No julgamento, depois de ter sido concluída a prova, o porta-voz dos jurados (de profissão advogado) perguntou ao juiz se os jurados podiam emitir um veredicto especial, deixando ao juiz dizer se, em conformidade com os fatos provados, havia culpabilidade ou não dos réus. Depois de alguma discussão, tanto o representante do Ministério Público quanto o advogado defensor dos réus, manifestaram sua concordância com tal procedimento, o qual foi aceito pelo juiz. Em um longo veredicto especial o júri acolheu a prova dos fatos como acima a relatei e ainda que se, com fundamento nos mesmos, os acusados fossem considerados culpados, deveriam ser condenados. Com base nesse veredicto o juiz de primeira instância decidiu que os réus eram culpados de assassinato de Roger Whetmore. Em conseqüência sentenciou-os à forca, não lhe permitindo a lei nenhuma discrição com respeito à pena a ser imposta. Dissolvido o júri, seus

membros enviaram uma petição conjunta ao chefe do Poder Executivo pedindo que a sentença fosse comutada em prisão de seis meses. O juiz de primeira instância endereçou uma petição similar à mesma autoridade. Até o momento, aparentemente esperando pela nossa decisão do presente recurso. Parece-me que, decidindo este extraordinário caso, o júri e o juiz de primeira instância seguiram um caminho que era não somente correto e sábio mas, além disto, o único que lhes restava aberto em face dos dispositivos legais. O texto da nossa lei é bem conhecido: “Quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte”. N.C.S.A. (n.s.) § 12-A. Este dispositivo legal não permite nenhuma exceção aplicável à espécie, embora a nossa simpatia nos incline a ter em consideração a trágica situação em que esses homens foram envolvidos. Em um caso desta natureza o princípio da clemência executiva parece admiravelmente apropriado a mitigar os rigores da lei, razão porque proponho aos meus colegas que sigamos o exemplo do júri e do juiz de primeira instância, solidarizando-nos com as petições que enviaram ao chefe do Poder Executivo. Há razão de sobejo para acretidar que estes requerimentos de clemência serão deferidos, vindo como vêm daqueles que estudaram o caso e tiveram a oportunidade de familiarizar-se cabalmente com todos os seus

apenas podemos escapar apelando a uma exceção que se encontra na dependência do capricho pessoal do chefe do Executivo, parece- me equivaler a admitir-se que ela não pretente realizar a justiça. No que me concerne, não creio que nossa lei conduza obrigatoriamente à monstruosa conclusão de que estes homens são assassinos. Creio, ao contrário, que ela os declara inocentes da prática de qualquer crime. Fundamenta-se na conclusão sobre duas premissas independentes, cada uma das quais é por si própria suficiente para justificar a absolvição dos acusados. A primeira, é certo, é suscetível de oposição enquanto não for considerada de modo imparcial. Afirmo que o nosso direito positivo, incluindo todas as suas disposições legisladas e todos seus precedentes, é inaplicável a este caso e que este se encontra regido pelo que os antigos escritores da Europa e da América chamavam “a lei da natureza” (direito natural). Fundamenta-se este entendimento na proposição de que o nosso direito positivo pressupõe a possibilidade da coexistência dos homens em sociedade. Surgindo uma situação que torne a coexistência impossível, a partir de então a condição que se encontra subjacente a todos os nossos precedentes e disposições legisladas cessou de existir. Desaparecendo esta condição, minha opinião é de que a coercibilidade do nosso direito positivo desaparece com ela. Nós não estamos habituados a aplicar a máxima cessante ratione legis, cessat

et ipsa lex ao conjunto do nosso ordenamento jurídico, mas creio que este é um caso em que esta máxima deve ser aplicada. A proposição segundo a qual todo direito fundamenta-se na possibilidade de coexistência dos homens parece insólita não porque a verdade que ela contém seja estranha, mas simplesmente em razão de que se trata de uma verdade tão óbvia e tão abrangente que raramente temos a ocasião de expressá-la em palavras. À semelhança do ar que respiramos ela penetra de tal modo a nossa vida que nos esquecemos de sua existência até que dela somos subitamente privados. Quaisquer que sejam os objetivos buscados pelos vários ramos do nosso direito, mostra-nos a reflexão que todos eles estão voltados no sentido de facilitar e de melhorar a coexistência dos homens e de regular com justiça e eqüidade as relações resultantes de sua vida em comum. Quando a suposição de que os homens podem viver em comum deixa de ser verdadeira, como obviamente sucedeu nesta extraordinária situação em que a conservação da vida apenas tornou-se possível pela privação da vida, as premissas básicas subjacentes a toda a nossa ordem jurídica perderam seu significado e sua coercibilidade. Se os trágicos acontecimentos deste caso tivessem tido lugar a uma milha dos nossos limites territoriais, ninguém pretenderia que nossa lei lhes fosse aplicada. Reconhecemos que a jurisdição tem base territorial. As razões desse

apropriada a sua condição. Não hesito em dizer que segundo este princípio eles não são culpados de qualquer crime. O que estes homens fizeram realizou- se em cumprimento de um contrato aceito por todos e proposto em primeiro lugar pela própria vítima. Desde o momento em que se evidenciou que a situação extraordinariamente difícil em que se achavam tornava inaplicável os princípios usuais à regulação das relações entre os homens, tornou-se necessário para eles elaborar, por assim dizer, uma nova constituição apropriada a sua peculiar situação. Tem sido reconhecido desde a antigüidade que o princípio fundamental do direito ou governo deve ser encontrado na noção de contrato ou convênio. Pensadores antigos, especialmente durante o período que medeia entre 1600 e 1900, tinham por hábito estabelecer as bases do próprio governo em um suposto contrato social. Os céticos ressaltaram que esta teoria contradizia os fatos históricos conhecidos e que não havia nenhuma evidência científica capaz de apoiar a noção de que qualquer governo em qualquer tempo tivesse sido estabelecido em conformidade com esta teoria. Os moralistas replicaram que, se o contrato era uma ficção do ponto de vista histórico, esta noção fornecia a única justificação ética sobre que os poderes do governo, inclusive aquele de privar da vida, podia ser fundado. Os poderes do governo só podem ser justificados moralmente tendo como razão de ser

a circunstância de que homens razoáveis por-se- iam de acordo e os aceitariam se se vissem frente à necessidade de construir novamente alguma ordem capaz de tornar possível a vida em comum. Felizmente, porém, as perplexidades que assediam os antigos não atingem nosso país. É fato historicamente comprovado que nosso governo foi fundado mediante um contrato livremente assentido. A prova arqueológica é conclusiva no sentido de que no período subseqüente à Grande Espiral os sobreviventes da hecatombe voluntariamente reuniram-se e redigiram uma carta política. Escritores sofistas têm questionado o poder desses remotos contratantes de obrigar futuras gerações, mas permanece o fato de que nosso governo remonta em uma linha ininterrupta àquela constituição original. Se ,portanto, nossos verdugos têm o poder de pôr fim à vida dos homens, se nossos oficiais de justiça têm o poder de determinar o despejo dos locatários em mora, se nossa polícia tem o poder de encarcerar o pândego embriagado, estes poderes encontram sua justificação moral naquele contrato originário celebrado pelos nossos antepassados. Se nós não podemos encontrar fonte mais elevada para nossa ordem jurídica, que outra mais alta deveríamos esperar que esses infortunados famintos estabelecessem para o ordenamento que adotaram para si próprios?