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O Cérebro Adolescente, Notas de aula de Psicologia da saúde

Numa abordagem original, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel revela que a adolescência é um período necessário e desejável da vida. O que acontece na cabeça do adolescente é muito mais do que uma simples enxurrada hormonal: seu comportamento é fruto de um cérebro que passa por uma grande reformulação.

Tipologia: Notas de aula

2019
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Compartilhado em 18/10/2019

pati-vieira
pati-vieira 🇧🇷

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Suzana Herculano-Houzel

Suzana Herculano-Houzel foi adolescente durante uns 10 anos, como todo mundo. Deixou os pais preocupados enquanto escalava o Pão-de-Açúcar, viajava pelo Chile de mochila nas costas, e saía para festas, passava da hora de voltar mas não lembrava de ligar para casa. Ainda adolescente e aflita para não perder uma oportunidade, foi para os EUA fazer pós-graduação no dia em que formou- se bióloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1992. Depois, fez doutorado e pós- doutorado em Neurociências na Universidade de Paris e no Instituto Max-Planck de Pesquisa do Cérebro em Frankfurt, na Alemanha. Voltou ao Brasil em 1999, virou professora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, onde pesquisa as diferenças entre cérebros grandes e pequenos de diferentes animais, escreveu seis livros sobre neurociências para o grande público, e criou os sites O Cérebro Nosso de Cada Dia (www.cerebronosso.com.br) e A Neurocientista de Plantão (www.suzanaherculanohouzel.com). Suzana é colunista da Folha de São Paulo desde 2006 e da revista Mente & Cérebro desde 2010, pesquisadora do CNPq, Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, e scholar da James McDonnell Foundation, e mora no Rio de Janeiro com o marido e os dois filhos.

Para meus pequenos Lucas e Luiza, com a promessa de lembrar de tudo isso quando vocês forem adolescentes;

para meus pais, que pareciam já saber de tudo isso quando a adolescente era eu.

... PODEM SER RUINS? COMO NEGOCIAR ESSA TRANSIÇÃO COM TRANQUILIDADE?

CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DORSO-LATERAL: CONTROLE E PLANEJAMENTO QUAL É A VANTAGEM EM DISPOR DE UM CÓRTEX PRÉ-FRONTAL? O NOSSO NÃO É O M AIOR CONTROLE COGNITIVO E PLANEJAM ENTO: O CÓRTEX DORSO-LATERAL LIVRES DO JUGO DO AM BIENTE: CONTROLE DE IM PULSOS FAZER PRIM EIRO, EXPLICAR DEPOIS MACACOS-DE-IM ITAÇÃO A M ELHOR EXPLICAÇÃO AO ALCANCE DO CÉREBRO FORA DE VISTA, M AS DENTRO DO PENSAM ENTO: M EM ÓRIA DE TRABALHO E RACIOCÍNIO ABSTRATO RESUMINDO: AS MUDANÇAS NO CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DORSO-LATERAL ADOLESCENTE... ... SERVEM PARA ALGUMA COISA? ... PODEM SER RUINS? COMO NEGOCIAR ESSA TRANSIÇÃO COM TRANQÜILIDADE?

CÓRTEX ÓRBITO-FRONTAL E TEMPORAL SUPERIOR: VIDA EM SOCIEDADE O CÓRTEX ÓRBITO-FRONTAL DE CABEÇA QUENTE NÃO É NECESSARIAM ENTE RUIM O OFC E A PERSEVERANÇA – NO M AU SENTIDO DECISÕES EM OTIVAS M ASCULINAS A M ENOR CHANCE DE ARREPENDIM ENTO OS BENEFÍCIOS SOCIAIS DAS DECISÕES DE CABEÇA QUENTE SOCIOPATIAS E O COM PORTAM ENTO ANTI-SOCIAL ADOLESCENTE COGNIÇÃO SOCIAL E AS PAIXÕES, NEM SEM PRE PELA PESSOA CERTA UM A JANELA PARA A M ENTE DO OUTRO RESUMINDO: AS MUDANÇAS NO CÓRTEX ÓRBITO-FRONTAL E NO TEMPORAL ADOLESCENTE... ... SERVEM PARA ALGUMA COISA? ... PODEM SER RUINS? COMO NEGOCIAR ESSA TRANSIÇÃO COM TRANQÜILIDADE?

ADOLESCÊNCIA É COISA DO CÉREBRO. E DAÍ?

VANTAGENS DE SER ADOLESCENTE

SUGESTÕES DE LEITURA

NOTAS

Agradecimentos

Felicidade é poder fazer o que se gosta – e uma das coisas que eu mais gosto é falar sobre as aplicações da neurociência à vida cotidiana para pessoas que não têm a menor obrigação de conhecer nada disso, nem outra razão para buscar o assunto além de pura curiosidade. A gratificação é ainda maior quando os olhos se arregalam, os ouvidos se aguçam, o cérebro pensa “puxa, nunca imaginei que isso fosse assim!”, e então começa a descobrir perguntas novas, uma atrás da outra, e querer mais respostas.

A adolescência é um assunto especialmente interessante: toca invariavelmente a todos por ser uma experiência compulsória, vivida por cada um a seu jeito, e envolve aquelas mágicas da natureza que, depois de transformarem duas células em criança, tornam crianças em adultos. Mesmo depois de escrever dois livros sobre as aplicações da neurociência ao cotidiano, pesquisar as descobertas recentes da neurociência – recentes mesmo, várias datadas de 2004 – sobre o cérebro adolescente e apresentá-las ao público na forma de um livro com começo, meio e fim foi para mim um desafio ímpar.

O resultado final deste livro foi possível graças à contribuição de várias pessoas. Além dos cientistas de vários países cuja pesquisa levou aos conhecimentos que formam a base das idéias apresentadas aqui, todos identificados nas Notas à medida que seus trabalhos são mencionados no texto, alguns pesquisadores brasileiros contribuíram com sugestões, críticas, e sua experiência profissional. Meu agradecimento especial a Ricardo de Oliveira Souza, neurologista e professor da Uni-Rio quem eu muito admiro e prezo, por muitas dicas, idéias, sugestões de leitura e sua revisão crítica mas sempre entusiástica do texto, e principalmente pelo seu tempo oferecido generosamente para receber a mim e mais uma pergunta, dúvida ou capítulo do livro. Agradeço também ao querido Diogo Lara, psiquiatra, professor da PUC-UFRGS e entusiasmadíssimo divulgador das neurociências, quem também me ofereceu idéias, críticas e várias sugestões incorporadas ao texto. Jorge Moll Neto, médico e pesquisador da Rede D’Or, e Luiz Menna-Barreto, professor da USP, também deram sugestões valiosas à elaboração deste livro. Agradeço ainda aos meus colegas do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em particular aos queridos Roberto Lent, Vivaldo Moura-Neto e José Garcia de Abreu pelo ambiente de trabalho sempre estimulante e pelo apoio constante às minhas atividades de divulgação científica, em paralelo à pesquisa.

Durante um ano, as conversas com meus amigos foram invariavelmente pontilhadas de perguntas sobre suas lembranças da adolescência. Deixo aqui meu agradecimento super-especial aos queridos Cecília Garcia de Carvalho, Bruno Mota, Bernardo Esteves e Carla Almeida pela paciência, mas sobretudo pelo carinho, amizade e apoio ao longo de um ano conturbado, e à querida Daniela Gomes Cardoso, quem me acompanhou recentemente numa curtidíssima a inesperada re-adolescência.

Caro leitor

Há várias razões para se procurar um livro sobre adolescência e adolescentes, assim como existem dezenas de livros no mercado a respeito. No que este é diferente dos outros?

Eis algumas coisas que este livro não é: (1) mais um livro de psicologia popular ou de interpretações psicanalíticas sobre o comportamento dos adolescentes; (2) um guia para os pais sobre como lidar com filhos adolescentes; (3) um manual para ensinar adolescentes a usar as mudanças no seu cérebro como desculpa para seu comportamento.

A proposta deste livro é a seguinte: (1) apresentar para os diretamente interessados o que acontece na época em que o cérebro da infância se transforma em um cérebro adulto - a tal da adolescência; (2) propor que, muito mais do que os hormônios, são as alterações no cérebro em amadurecimento que estão na origem das mudanças no comportamento, tempestades emocionais, dúvidas, busca de riscos, crises entre familiares e amigos e também das vantagens (sim, elas existem!) de ser adolescente; (3) fornecer elementos aos jovens para que eles se entendam melhor, sem julgamentos de valor; e (4) encorajá-los a tirar partido do conhecimento sobre o próprio cérebro para levar a adolescência com mais tranqüilidade.

Tudo isso é possível graças a uma mudança no foco da pesquisa sobre o desenvolvimento humano, desde que se reconheceu que o cérebro adolescente é fundamentalmente diferente tanto do cérebro infantil quanto do adulto, e que essas diferenças em várias regiões do cérebro podem explicar as mudanças de comportamento típicas do adolescente.

A nova era da pesquisa sobre a “neurociência do adolescente” é fundada essencialmente sobre as técnicas de imageamento cerebral, tanto morfológico quanto funcional, que permitem aos cientistas procurar na reformulação continuada do cérebro as bases para as mudanças cognitivas e comportamentais da adolescência. Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA já reconheceram como a iniciativa é importante, e custeiam atualmente um projeto de 16 milhões de dólares que visa a escanear regularmente o cérebro de 500 crianças de 2 a 21 anos de idade e testar suas funções cognitivas ao longo de sete anos, e estudar sua herança genética.

Várias das descobertas relatadas neste livro já são frutos deste e de outros projetos semelhantes, que começaram a ter seus resultados publicados em grande número em 2004. Muito, certamente, ainda está por vir. Mas os avanços conquistados até hoje já permitem a formulação de uma nova idéia, que

tem tudo para mudar – para melhor – a vida de muita gente: muito mais do que mera inundação por hormônios, a adolescência é um estado do cérebro, não mais criança, mas também não ainda adulto. É um estado tanto inevitável quanto desejável; uma adolescência saudável é a melhor garantia de uma vida adulta bem-ajustada socialmente. Portanto, à pergunta “adolescentes precisam mesmo se comportar assim?”, a neurociência só tem uma resposta a oferecer: Precisam, sim – mesmo porque não seriam capazes de fazer diferente. O comportamento adolescente é resultado de um cérebro adolescente. Nada mais, nada menos.

Tudo começa no cérebro:

o hipotálamo e a vez dos hormônios

Mas o doutor nem examina Chamando o pai de lado, lhe diz logo em surdina: “O mal é da idade, e pra tal menina não há um só remédio em toda a medicina”

O Xote das Meninas, Zé Dantas e Luiz Gonzaga

É batata. Os seios despontam, as espinhas começam a pipocar, o comportamento desanda, e lá vem a frase fatídica: “são os hormônios”. Definitiva e cheia de autoridade, a afirmação dá a entender que os órgãos sexuais de repente assumem vida própria e resolvem tomar conta do resto do corpo, cérebro inclusive, subitamente inundado por hormônios. E faz parecer que, se algum remédio pudesse “controlar” a desordem hormonal, adolescentes continuariam crianças normais que um dia acordariam adultos perfeitamente ajustados. Pobres hormônios. Na verdade, eles são meros executores de um programa de desenvolvimento que começa mais acima: no cérebro.

Poucas coisas na vida são certas, e esta é uma delas: todo mundo já foi, é ou será adolescente. A razão é simples. A tal da adolescência é a época inevitável de transição em que o cérebro da infância se transforma em um cérebro adulto. De fato, o cérebro cresce até atingir seu tamanho adulto no início da adolescência[1] - mas daí em diante, não cresce mais. As mudanças que transformam o cérebro infantil em adulto, portanto, não são um simples aumento generalizado de peso ou volume cerebral. Enquanto algumas estruturas de fato crescem, outras encolhem, sofrem reorganizações químicas e estruturais, e todas acabam por amadurecer funcionalmente. O sistema de recompensa passa por grandes mudanças, e com isso mudam os gostos, as vontades, os ímpetos, os desejos, e também a vulnerabilidade ao vício e a transtornos do humor, como a depressão. Os núcleos da base, que participam do aprendizado de seqüências motoras, sofrem cortes drásticos, e assim as habilidades motoras se cristalizam (o que talvez explique por que os grandes atletas, e os grandes talentos em geral, são feitos até a pré-adolescência). Os feixes que ligam as várias regiões do cérebro adquirem a capa final de mielina, que funciona como isolante elétrico e permite portanto a condução mais rápida e eficiente de impulsos. As regiões pré-frontais do cérebro, que permitem o raciocínio abstrato e o aprendizado social, finalmente amadurecem, e com isso nasce o jovem adulto responsável (porque é capaz de antecipar as conseqüências de suas ações e assumi-las), empático (porque consegue inferir e prever as emoções dos outros e agir conforme suas previsões), e bem inserido na sociedade.

Adolescência é muito mais que puberdade: enquanto esta designa simplesmente o momento, aos cerca de 11 anos para as meninas e cerca de 14 para os meninos, em que, graças aos hormônios, se atinge a capacidade reprodutiva, “adolescência” se refere a todo o período que começa na puberdade e vai até a idade adulta. Numa visão romântica ou intelectual, é um período de transição nas capacidades cognitivas, emocionais e sociais do cérebro que permitem que o indivíduo se torne um membro adulto da sociedade. Numa visão biológica mais crua, é também o período em que o cérebro

se torna capaz de lidar com as competências reprodutivas ad- quiridas na puberdade e suas conseqüências. Afinal, de que adiantaria para a perpetuação da espécie ter ovários e testículos maduros se seus donos continuassem preferindo brincar de carrinho ou de boneca com amiguinhos do mesmo sexo?

Ainda que as mudanças mais óbvias sejam exibidas no corpo, quem dispara e coordena a adolescência é o cérebro. Ou, mais exatamente, uma pequena estrutura chamada hipotálamo, responsável por promover ajustes fisiológicos de vários tipos pelo corpo afora – inclusive ajustes hormonais. Uma pergunta importante, claro, é como o hipotálamo dispara e coordena as mudanças da adolescência, e aqui os hormônios são parte indispensável da resposta, como seus principais mediadores. Mas outra pergunta, igualmente importante, vem antes das mudanças hormonais começarem: como o hipotálamo sabe quando iniciar a adolescência?

de obtenção de alimento o corpo con- seguirá sustentar o ritmo acelerado de crescimento – e, no caso das moças, não só levar uma gravidez a termo como também alimentar o bebê. Se esse mínimo não puder ser garantido, é mais negócio continuar “criança” durante os tempos de vacas magras, esperando que a situação melhore. Porque, uma vez iniciada a puberdade, fica difícil voltar atrás, e é grande o risco de uma gravidez levar mãe e filho a perecerem.

A conexão cérebro-gordura

Para não iniciar a puberdade na hora errada, o cérebro conta com informante muito bem situado: um pequeno hormônio chamado leptina, proteína produzida pelos adipócitos, as células que acumulam gordura no corpo. Quanto mais gordura houver nessas células, mais leptina elas produzem. Mas não é a leptina em si que nos faz entrar na adolescência – ou qualquer criança suficientemente acima do peso se tornaria um mini-adolescente! No entanto, é esse hormônio quem, em quanti- dade suficiente, permite que o processo tenha início. Sem reservas adequadas de gordura no corpo, os adipócitos, murchinhos, não produzem leptina suficiente que dê o ok ao hipotálamo para lançar o programa da adolescência.

A leptina entrou no cenário da neurociência em 1994, quando o grupo de Jeffrey Friedman, da Universidade Rockefeller, nos EUA, seqüenciou o gene alterado em camundongos de uma linhagem muito apropriadamente conhecida como obesa. Esses animais comem enquanto houver alimento sob os olhos (soa familiar?), pesam três vezes mais que camundongos de outras linhagens, e sofrem de diabete. O problema, como o seqüenciamento mostrou, era uma alteração genética que impedia a produção de uma única proteína. A equipe identificou a proteína, purificou-a, e começou a tratar os camundongos obesos com doses diárias. O resultado foi o sonho de muita gente: os animais perderam a fissura por comida, emagrece- ram rapidamente, e tornaram-se esbeltos e saudáveis. Face a tamanho milagre, a proteína recebeu o nome Leptina, do grego leptos para “magro”. Leptina, portanto, significa “a proteína que emagrece”.

E quanta gente gostaria que isso fosse verdade – a começar pela Amgen, uma indústria farmacêutica da Califórnia que, no ano seguinte, pagou 20 milhões de dólares pelos direitos de exploração comercial da leptina, e logo começou a testar a proteína em voluntários obesos[4].

E não funcionou. Existe, sim, uma versão humana da alteração genética dos camundongos obesos , e uma criança obesa identificada e tratada com leptina em um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, perdeu peso rapidamente. Mas casos como este são raridade entre humanos. Como logo ficou constatado, há uma diferença importante entre camundongos obesos e humanos obesos: enquanto aqueles sofrem por não produzir leptina (devido à alteração do gene ob ), a maioria das pessoas muito acima do peso produzem leptina perfeitamente – mas são resistentes aos seus efeitos, talvez devido a outras alterações genéticas que perturbem a ação da leptina no cérebro.

Sim, no cérebro. A leptina produzida pelas células do tecido adiposo cai na circulação sangüínea e chega ao hipotálamo, estrutura na base do cérebro, onde é reconhecida por neurônios que controlam o apetite e o metabolismo do corpo como um todo. A função da leptina é informar ao cérebro sobre o nível de gordura acumulada no corpo, de modo que o hipotálamo mantenha um equilíbrio energé- tico adequado que garanta um corpo nem gordo demais, nem magro demais.

Uma das maiores utilidades da leptina, no entanto, se perdeu para boa parte da população, embora infelizmente não para todos. Você que está lendo este livro provavelmente faz parte do grupo privilegiado que não precisa se preocupar em obter alimento: basta abrir a geladeira, entrar num supermercado, ou sentar-se em um restaurante e trocar pedaços de papel colorido por comida, e você

pelo cérebro. Portanto, é a pequena leptina, que consegue passar do sangue para o cérebro, quem permite que este – ou mais exatamente, o hipotálamo – tome conhecimento sobre a quantidade de gordura estocada do pescoço para baixo. Nas crianças, a leptina circulante aumenta no final da

infância, em paralelo ao acúmulo de gordura corporal, até que tenha início a puberdade[5] (já notou que crianças de 9 ou 10 anos costumam ser redondinhas?). É ela o dedinho que João põe para fora da gaiola...

Tirando o pé do freio

Mas não é a leptina quem convence o hipotálamo a iniciar a puberdade. Dar leptina a ratos desnutridos faz o hipotálamo pensar que há, sim, reservas energé- ticas suficientes no corpo, e reverte o atraso na puberdade secundário à restrição calórica. Mas, oferecida a animais bem nutridos, leptina demais não faz a puberdade chegar mais cedo. Ao menos nos roedores, esse hormônio é necessário, mas não é suficiente para começar a adolescência[6].

Na verdade, a identidade do fator que promove a adolescência ainda é desconhecida. Várias partes do quebra-cabeças já foram elucidadas e, ao menos no que concerne ao amadurecimento sexual, elas de fato envolvem hormônios sexuais – mas apenas como executores de parte do processo, sob comando do cérebro.

Os hormônios sexuais são produzidos nas gônadas, os órgãos reprodutores que geram gametas (óvulos e espermatozóides), sob controle do hipotálamo, atra- vés de uma cadeia de hormônios. O hipotálamo produz pulsos do Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH) que age sobre a glândula pituitária (também conhecida pelo nome hipófise) e faz com que esta, por sua vez, produza Hormônio do Crescimento (GH), que dispara o espichamento da adolescência, e Gonadotrofinas (GnHs) que agem sobre as gônadas e promovem a secreção de hormônios sexuais. Estrogênio, progesterona e testosterona, portanto, são o produto final da ativação do eixo hipotálamo-pituitária- gônadas, ou eixo HPG.

Embora freiado nas crianças, esse eixo é ativo nos fetos e bebês, graças à secreção de pulsos de GnRH pelo hipotálamo. Até o primeiro ano de vida nos meninos, e até o segundo nas meninas, ovários e testículos secretam grandes quantidades de estro- gênio e testosterona. Esse simples fato deveria ser suficiente para fazer calar a fatídica frase “são os hormônios”, pois significa que criancinhas, nada interessadas pelo sexo oposto, têm o cérebro tão inundado por hormônios sexuais quanto adolescentes...

A adolescência humana talvez chegasse já nos primeiros anos de vida se não fosse a inibição do hipotálamo por algum fator ainda desconhecido, que freia a liberação da GnRH que mantém as gônadas ativas. Sob o freio hipotalâmico, o eixo HPG é mantido inativo, e a produção de hormônios sexuais pelas gônadas é mínima. A pausa na produção elevada desses hormônios meses após o nascimento garante uma interrupção de cerca de uma década, durante a qual o contato com os pais, familiares, irmãos e amigos, no que depender da criança, não terá teor sexual. A inocência da infância é garantida, no entanto, apenas indiretamente pelos hormônios; quem a permite é o hipotálamo, que pára de produzir o GnRH que comanda a liberação dos hormônios sexuais pelas gônadas.

Até que um dia o freio hipotalâmico é removido. O hipotálamo, gradualmen- te desinibido e reativado, volta a liberar pulsos de GnRH cada vez maiores, prin- cipalmente à noite, que fazem a pituitária liberar cada vez mais gonadotrofinas no sangue, que por sua vez estimulam as gônadas a produzir hormônios sexuais. Novamente produzidos em grandes quantidades, esses hormônios agem de volta sobre o hipotálamo, estimulando a secreção de GnRH por seus neurônios, o que ajuda a