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Este documento analisa o conflito entre o partido bolchevique e os trabalhadores da revolta de kronstadt (1921) em relação à concepção e funcionamento de sovjetes. O texto explica a origem e transformação dos sovjetes, a posição dos trabalhadores de kronstadt e a repressão realizada pelo partido bolchevique.
Tipologia: Notas de aula
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O conflito em torno dos sovietes entre o Partido Bolchevique e os trabalhadores da Revolta de Kronstadt (1921)
Aline Cristina Ferreira^1
O presente trabalho tem como objetivo analisar como o Partido Bolchevique e os trabalhadores da Revolta de Kronstadt (1921) concebiam o funcionamento dos sovietes e como isso gerou um conflito entre esses dois. Para tanto, nos utilizaremos de uma metodologia qualitativa a partir da análise bibliográfica sobre o assunto, bem como da utilização de alguns documentos históricos da época. Dessa maneira, nosso itinerário é o seguinte: primeiramente explicaremos o que é um soviete (conselho operário) e como ele se constituiu originalmente na Rússia; após isso, explicaremos como os bolcheviques lidaram com esse fenômeno após a Revolução de Outubro de 1917 e as relações disso com a eclosão da Revolta de Kronstadt; e, por fim, apresentaremos as divergências em torno do significado dos sovietes.
O que foram os conselhos operários (sovietes)?
A classe operária se expressou de diferentes maneiras a fim de melhorar suas condições de trabalho e constituir uma nova sociedade. Desta forma, o desenvolvimento do movimento operário está relacionado não apenas às necessidades concretas imediatas dos trabalhadores, mas também às necessidades históricas, no sentido da busca pela emancipação. De acordo com Marx, a possibilidade da emancipação humana só se dá com a formação de uma classe que carregue os interesses humanos universais, “[...] de uma esfera, enfim, que não pode emancipar-se sem emancipar-se de todas as outras esferas da sociedade e, ao mesmo tempo, emancipar todas elas” (MARX, 1977, p. 13). Esta classe é o proletariado, inserido em uma relação de exploração com a classe burguesa a partir da extração do mais- valor. Assim, a classe operária, para a teoria marxista, é a classe revolucionária e, portanto, capaz de desencadear uma revolução social com o objetivo de destruição da sociedade capitalista e construção de uma sociedade verdadeiramente emancipada, livre do Estado, das classes sociais e da propriedade privada.
(^1) Graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Go iás (UFG). E-mail para contato: allinex3@g mail.co m
Os sovietes (conselhos operários) são um exemplo de expressão do movimento operário do início do século XX. Eles surgiram, pela primeira vez, na Revolução Russa de 1905 e reapareceram em 1917, bem como em outras revoluções europeias (como a alemã, húngara, italiana etc.) (TRAGTENBERG, 2007). A partir dessas experiências, uma teoria dos conselhos operários começou a ser desenvolvida, princ ipalmente pelos comunistas alemães que posteriormente ficaram conhecidos como comunistas de conselho. Utilizaremos o comunista de conselho Anton Pannekoek como base fundamental para explicar o que foram os sovietes, já que este autor traz elementos elucidativos para entendê-los em sua prática histórica. Pannekoek (2011) descreve o funcionamento dos sovietes nas revoluções russas de 1905 e 1917 da seguinte maneira:
[...] em cada fábrica, os operários escolheram seus delegados, cuja ass embleia geral constituiu o “soviete” central, o conselho onde era discutida a situação e as medidas a tomar. Lá, as diversas fábricas emit iam suas opiniões e aplainavam as divergências e se formulavam decisões. Porém, os conselhos, ainda tendo uma influência diretiva sobre a educação revolucionária pela ação, não constituíam órgãos de comando. Às vezes, todos os membros de um conselho eram afastados e novos delegados os substituíam; às vezes, também, quando a greve geral paralisava as autoridades, os conselhos exerciam todos os poderes em escala local e os delegados de profissões liberais se uniam a eles com o fim de representar seus respectivos setores de atividade (PANNEKOEK, 2011, p. 75).
Dessa maneira, há, primeiramente, a constituição de comissões de fábricas. Se houver uma generalização das greves e um avanço do movimento operário, essas comissões aumentam de número e constituem um conselho operário. Este, por sua vez, não deve existir isoladamente. A ideia é a de que os conselhos se generalizem para a totalidade da produção e da sociedade. Assim, essa maneira de auto-organização, caso se generalize, não deve se limitar apenas ao âmbito da produção (locais de trabalho), mas também aos outros âmbitos sociais – o que começou a ocorrer com as revoluções europeias que tiveram como base os conselhos operários. Outra característica importante, explícita na citação anterior, é a existência da elegibilidade e revogabilidade dos cargos de delegados. Estes cargos eram eleitos dentro das comissões de fábrica e conselhos operários, ou seja, a partir das decisões dos próprios trabalhadores. Por isso, nesta passagem, Pannekoek menciona que os conselhos não constituíam órgãos de comando. Essas características apontadas se assemelham bastante às características presentes no episódio da Comuna de Paris, assim como analisado e descrito por Marx (2011) em A guerra civil na França. Nesse texto Marx explica que a Comuna elegia conselheiros municipais, a
eles passam a existir somente enquanto simples órgãos de execução do Partido. Maurice Brinton (1975) detalha esse processo de integração dos sovietes ao estado bolchevique a partir da integração paulatina dos comitês de fábrica aos sindicatos (liderados pelo poder estatal). Em 1918, por exemplo, houve o Primeiro Congresso Pan-russo dos Sindicatos, onde foi votada a transformação dos comitês de fábrica em órgãos sindica is. Dessa maneira, no ano seguinte, os comitês de fábrica se tornaram quase inexistentes. Como pontuamos no primeiro tópico, um dos elementos que constituíam os conselhos operários eram as comissões de fábrica eleitas pelos próprios trabalhadores. Se estas comissões são destruídas e substituídas por sindicatos controlados pelo Partido, consequentemente os conselhos operários são destruídos. A justificativa do Estado para transformar as comissões de fábrica em sindicatos era a de que estes trariam “maior estabilidade” ao país, o que significa dizer “mais controle” (BRINTON, 1975). Isso porque os sindicatos atrelados ao Partido eram um dos principais “instrumentos” utilizados para aumentar a produtividade dentro dos postos de trabalho, a partir da disciplinarização dos operários.
Os sindicatos deviam “enviar todos os esforços para aumentar a produtividade do trabalho e criar de fato, nas fábricas e oficinas, as raízes indispensáveis à disciplina no trabalho”. Cada sindicato devia estabelecer uma co missão para “fixar as normas de produtividade para cada ofício e categoria de operários”. Estabeleceu -se o trabalho à peça “para aumentar a produtividade do trabalho”. Dizia-se que “os prêmios para aumentar a produtividade acima das normas estabelecidas podiam, dentro de certos limites, ser uma medida útil para o conseguir sem fat igar o operário”. Finalmente se “grupos independentes de operários” recusassem submeter- se à disciplina sindical, podiam, em últ imo caso, ser expulsos dos sindicatos “com todas as consequências que isso acarreta” (BRINTON, 1975, p. 109).
É nesse contexto, também, que Trotsky passou a defender a militarização do trabalho e dos sindicatos, colocando isso em prática no setor ferroviário.
[Em agosto de 1920] Concederam-se a Trotsky, Co missário dos Transportes, vastos poderes de emergência para experimentar as suas teorias sobre “militarização do trabalho”. Co meçou por colocar os maquinistas e pessoal das reparações sob a lei marcial. Quando o sindicato dos ferroviários protestou, ele demit iu pura e simp lesmente os seus dirigentes e, com o apoio completo e total e a aprovação da chefia do Partido , “nomeou outros, dispostos a sujeitarem-se. Repetiu o processo noutros sindicatos e trabalhadores dos transportes” (BRINTON, 1975, p. 162, grifos do autor).
Havia a esperança de que essas atitudes controladoras deixariam de existir com o fim da guerra civil – o que não ocorreu. Diante disso, começaram a surgir dissidências dentro do Partido Bolchevique, com a criação de grupos como a Verdade Operária , liderado por
Bogdanov; a Oposição Operária , cujo maior expoente era Alexandra Kollontai; dentre outros. Estes apontavam como as práticas bolcheviques estavam transformando a Rússia em um capitalismo de Estado. No entanto, essas divergências expressas pelos dissidentes não se manifestaram apenas no plano teórico, como também nas reivindicações dos trabalhadores. É nesse contexto que surgem greves em alguns pontos do território russo, principalmente devido à escassez de alimentos e à disciplinarização do trabalho (resultados da guerra civil).
Por u ma torrente de decretos, o governo soviético tentou tornar plausível aos operários que era necessário, no interesse da nação, introduzir nas fábricas a mesma disciplina absoluta aplicada no exército, mas os trabalhadores não puderam aceitar tal visão das coisas. Foi assim que co meçou em 1920 u m enorme movimento de greves que se apoderou de quase todos os centros industriais do país, dirigido em primeiro lugar e, por assim dizer, quase exclusivamente, contra essa militarização do trabalho (ROCKER, 2007, p. 108).
Influenciados principalmente pelas greves ocorridas em Petrogrado no ano de 1921, os trabalhadores de Kronstadt começam a entrar em ação, organizando uma insurreição que reivindicava o poder aos sovietes e rejeitava a centralização do poder empreendida pelo Partido Bolchevique.
A Revolta de Kronstadt (1921)
Kronstadt era, ao mesmo tempo, um porto militar, uma cidade e uma fortaleza, com uma localização bastante estratégica e muito próxima de Petrogrado. Os marinheiros desta cidade eram bastante prestigiados não apenas pela população como também, até então, pelos próprios bolcheviques, já que tiveram um papel extremamente relevante em 1917. Inclusive eles foram caracterizados como a “espinha dorsal” da revolução. Mas outra característica importante dos kronstandtinos era que, desde 1917, eles defendiam veemente o princípio de autonomia dos sovietes, ainda que não rejeitassem a existência de um governo central, devido à sua importância militar e de transporte de alimentos para cidades importantes, co mo Petrogrado. Por esse motivo os marinheiros de Kronstadt se tornaram tão “conscientes” da modificação dos sovietes após a tomada do poder dos bolcheviques, desencadeando uma revolta em 1921.
Mantendo um contato permanente co m Pet rogrado ao longo de todo o ano crucial de 1917, os marinheiros de Kronstadt participam ativamente dos motins que se desenrolam em 3, 4 e 5 de julho. Assim, em 4 de julho, cerca de 12 mil operários, operárias, marinheiros e soldados deixam Kronstadt de madrugada, desembarcam nas margens do Neva e colocam-se em marcha em direção ao Palácio Táurida, onde
presos políticos (trabalhadores, socialistas e anarquistas). Vejamos abaixo algumas das resoluções que explicitam essas questões colocadas^3.
Depois de ter ouvido o relatório dos representantes enviados a Petrogrado pela Assembleia Geral das Equipagens para examinar a situação, os marinheiros decidem: considerando que os sovietes atuais não exprimem a vontade dos operários e camponeses,
Nesse sentido, a principal reivindicação dos trabalhadores de Kronstadt é a de que os conselhos operários retornem às suas características originais. Essa forma organizacional, na perspectiva dos revoltosos, deve exprimir as vontades da “base” a partir de um sistema de elegibilidade revogável em que haja a participação real da população. Enfatiza-se a necessidade dos próprios operários serem responsáveis pela designação de cargos. Em suma, os marinheiros rejeitam as imposições de um partido único em detrimento da participação direta dos trabalhadores, considerando o partido como um empecilho para o desenvolvimento dos sovietes. No lugar, há a defesa de uma sociedade auto gerida, onde não haja um poder central único e irrevogável que submeta a população aos seus mandos. Esse seria o modo como os conselhos operários deveriam funcionar de acordo com os kronstandtinos. Essa concepção não está presente apenas nas resoluções apresentadas, mas
(^3) As resoluções aprovadas na assembleia de 1º de março foram publicadas na primeira edição do jornal dos marinheiros, denominada Kronstadt Izvestiia. Citamos algu mas passagens desses jornais a partir da tradução para o português presente no livro A revolta de Kronstadt , de Henri Arvon (1984), onde há a reprodução de alguns trechos. Também consultamos os documentos completos que estão transcritos e traduzidos para a língua inglesa, disponíveis no seguinte site: <https://libcom.org/lib rary/kronstadt-izvestia>.
também em relatos pessoais de participantes deste evento (PETRITCHENKO, 2011) e em outros números do Kronstadt Izvestiia , como na seguinte citação:
Nós derrubamos o Soviete comunista, proclamam os marinheiros de Kronstadt. Dentro de alguns dias nosso Comitê Revolucionário Provisório procederá às eleições do novo Soviete, o qual, eleito liv remente, refletirá a vontade de toda a pop ulação trabalhadora e da guarnição, e não a de u m punhado de loucos “comunistas”. Nossa causa é justa. Somos pelo poder dos Sovietes e não dos partidos. Somos pela eleição livre dos representantes das massas trabalhadoras. Os sovietes falsificados, monopolizados e manipulados pelo partido comunista sempre foram surdos às nossas necessidades e exigências; a única resposta que recebemos foi a bala assassina (KRONSTADT IZVESTIIA, n. 4, 1921 apud ARVON, 1984, p. 43).
É interessante perceber como a palavra “co munista” ganhou um sentido pejorativo, como algo oposto aos interesses dos trabalhadores. Isso porque, de acordo com os revoltosos, os bolcheviques (comunistas) passaram a defender interesses próprios (de manutenção do poder) e não dos trabalhadores e sua emancipação. Assim, na concepção dos kronstadtinos, os sovietes nas mãos dos bolcheviques se tornaram “falsificados”, algo existente apenas no discurso. Por isso Brinton (1975) defende que os bolcheviques esvaziaram os sovietes. No decorrer da insurreição, que teve curta duração (por volta de quinze dias), a rejeição aos bolcheviques se tornou cada vez maior. Isso porque o Partido começou a disseminar informações falsas sobre os revoltosos, acusando-os de contrarrevolucionários liderados por estrangeiros e generais do Exército Branco. Tais informações foram contestadas e refutadas não apenas pelos próprios marinheiros, como também pelos estudiosos do fato histórico (ARVON, 1984; BERKMAN, 2011; GOLDMAN, 2011; ISIDINE, 2017; METT, 1967; ROCKER, 2007; PETRITCHENKO, 2011). Por isso os kronstandtinos denunciaram os bolcheviques como aqueles que fingiram defender os trabalhadores. Isso, novamente, está explicitado em seu jornal:
Tornou-se cada vez mais claro, e hoje torna-se evidente, que o partido comunista não é, como fingiu ser, o defensor dos trabalhadores. Os interesses da classe operária lhe são estranhos. Depois de haver conquistado o poder, há apenas uma preocupação: não perdê-lo. Também considera que todos os meios são válidos: difamação, ment ira, violência, assassinato, vingança sobre as famílias dos rebeldes. Mas a paciência dos trabalhadores martirizados está no fim. O país ilu mina-se aqui e ali co m o incêndio das rebeliões na luta contra a opressão e a violência. As greves operárias se multiplicam (KRONSTADT IZVESTIIA, n. 6, 1921 apud ARVON, 1984, p. 50).
Enfim, em resposta a esse conflito, os trabalhadores de Kronstadt foram massacrados pelo Exército Vermelho, cujo líder era Trotsky. Na época, alguns anarquistas, como Emma Goldman e Alexander Berkman, tentaram negociar com os bolcheviques para que não
possibilitariam o crescimento soviético. Por isso os sovietes são vistos apenas como instrumentos controlados pelo poder partidário. Em relação a Trotsky, o assunto de Kronstadt volta-se principalmente para a discussão sobre a repressão, já que ele era o principal dirigente do Exército Vermelho. Seus textos sobre o assunto datam de 1938 e, resumidamente, reproduzem as justificativas e argumentos de Lênin. Ou seja, atribui-se aos kronstandtinos o caráter de contrarrevolucionários e pequeno- burgueses e isso justificaria a repressão realizada sob eles. Trotsky também justifica essa questão enfatizando que grande parte de seus integrantes eram camponeses que não tiveram apoio dos operários de Petrogrado e, portanto, era uma revolta oposta ao proletariado 4. Tais argumentos estão resumidos no seguinte fragmento.
Solamente una persona completamente superficial puede ver en las bandas de Majno o en la revuelta de Kronstadt una lucha entre los principios abstractos del anarquismo y el “socialis mo de estado”. En realidad, estos movimientos eran convulsiones de la pequeña burguesía campesina que deseaba, por supuesto, liberarse del capital, pero que, al mis mo tiempo, no aceptaba subordinarse a la dictadura del proletariado. La pequeña burguesía no sabe concretamente lo que quiere y en virtud de su posición no puede saberlo. Esa es la razón por la cual cubrió tan fácilmente sus peticiones y esperanzas, ya con la bandera anarquista, ya con la populista, ya simplemente con la “verde”. Oponiéndose al proletariado, trató, bajo todas estas banderas, de retroceder la rueda de la revolución (TROTSKY, 1938).
Dessa maneira, assim como Lênin, Trotsky não concebe a existência dos sovietes como algo autônomo, mas somente a partir do controle partidário. E tudo que se desvirtua do partido, torna-se, automaticamente, pequeno-burguês, contrarrevolucionário etc. Essas ideias em comum provém da concepção de vanguarda desenvolvida por Lênin (1986) em Que fazer?. Neste livro, há o desenvolvimento da ideia (já presente em Kautsky) de que os intelectuais e líderes do Partido possuíam a função de “implementar” a consciência revolucionária nos operários. Estes, no máximo, conseguiam chegar a uma consciência trade- unista. Assim na própria base teórica bolchevique já há uma predeterminação para a rejeição e embate de estruturas auto-organizativas. Nesta concepção, os operários precisam, necessariamente, de uma direção partidária. Já se parte do pressuposto de que estes trabalhadores não conseguem se auto-organizar para construir uma nova sociedade, verdadeiramente emancipada. Dessa maneira o Partido Bolchevique conseguiu também
(^4) Gold man (2011) realiza u m contraponto interessante a esse argumento de Trotsky. A autora aponta que dificilmente os operários de Petrogrado se aliariam a Kronstadt devido à repressão realizada sob eles, além da questão da difamação realizada desde o início da revolta de Kronstadt que criou uma imagem pejorativa desses revoltosos.
justificar o seu poder controlador e a repressão empreendida. Assim, inevitavelmente, haveria um conflito em torno do significado dos sovietes em relação às concepções dos kronstadtinos.
Considerações finais
No prefácio à edição inglesa do livro The Kronstadt Comune , de Ida Mett, Maurice Brinton (1967) realiza uma reflexão bastante interessante sobre por que esse acontecimento histórico deve ser relembrado e debatido ainda na atualidade. Ele aponta que não devemos constituir uma idealização do passado, com uma visão idílica da experiência de Kronstadt, mas sim refletir criticamente sobre como esse acontecimento foi ofuscado. Brinton aponta que muitos acontecimentos históricos socialistas foram apagados e isso está relacionado a uma visão burguesa da história. Ou seja, aquela história que valoriza a ação dos grandes líderes e não dos trabalhadores. Segundo este autor, isto se aplica à própria história soviética, já que se dá maior atenção aos grandes líderes dos partidos políticos. Assim, é importante resgatar a história de Kronstadt não para exaltá- la de maneira fantasiosa com uma visão nostálgica, mas sim para valorizar a capacidade de ação das massas trabalhadoras como agentes da história.
What passes as socialist history is often only a mirror image of bourgeois historiography, a percolation into the ranks of the working class movement of typically bourgeois methods of thinking. In the world of this type of “historian” leaders of genius replace the kings and queens of the bourgeois world. Famous congresses, splits or controversies, the rise and fall of political parties or un ions, the emergence or degeneration of this or that leadership replace the internecine battles of the rulers of the past. The masses never appear independently on the historical stage, making their o wn history (BRINTON, 1967).
Por esse motivo o assunto abordado no presente trabalho se torna relevante. A partir da análise do significado dos sovietes, explicitamos como desde os princípios da constituição da União Soviética houve conflitos físicos e ideológicos entre o Partido Comunista e parte população trabalhadora (tanto operários como camponeses), e como elas agiram em relação a isso. Estes conflitos envolviam discussões importantíssimas já que estamos nos referindo a um ideal revolucionário que, necessariamente, deve ser radical , no sentido tomar as coisas pela raiz, como defendido por Marx (1977). Assim, é fundamental que haja uma reflexão sobre o que é de fato o socialismo, abordando a discussão sobre meios e fins, as relações entre partido e trabalhadores, e assim por diante.
______. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. In: Temas de Ciências Humanas. São Paulo: Grijalbo, vol. 2, 1977. p. 1-14.
METT, Ida. The Kronstadt Comune. Solidarity, 1967. Disponível em: <https://theanarchistlibrary.org/library/ida- mett-the-kronstadt-commune>. Acesso em: 10 out.
PANNEKOEK, Anton. Partidos, sindicatos e conselhos operários. Rio de Janeiro: Rizoma,
PETRITCHENKO, Stepan. A verdade sobre Kronstandt. In: BERKMAN, Alexander & GOLDMAN, Emma. Kronstadt. Piracicaba: Ateneu Diego Giménez, 2011.
ROCKER. Os sovietes traídos pelos bolcheviques. São Paulo: Hedra, 2007.
TRAGTENBERG, Maurício. A Revolução Russa. São Paulo: Unesp, 2007.
TROTSKY, Leon. Alarma por Kronstadt. 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/espanol/trotsky/ceip/escritos/libro5/T09V138.htm. Acesso em: 10 fev. 2018.