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O princípio da boa fé
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
O princípio da boa-fé objetiva no Novo Código Civil
Renata Domingues Barbosa Balbino
Podemos, então, definir boa-fé como um "princípio geral de Direito, segundo o qual todos
devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres
secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não
previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização
das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença" (Ruy Rosado
de Aguiar).
Cláudia Lima Marques define bem boa-fé objetiva: "Significa uma atuação refletida, uma
atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus
interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso,
sem causar lesão ou vantagens excessivas, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o
cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes".
Apesar de não existir no ordenamento jurídico vigente uma regra geral escrita sobre boa-fé, a
doutrina e a jurisprudência reconhecem a sua existência e a sua incidência como meio de
interpretação dos negócios jurídicos, como elemento de criação de deveres contratuais
secundários e, por fim, como elemento de integração do Direito.
Vejamos.
O princípio da boa-fé objetiva pode ser considerado como um elemento a mais na interpretação
dos negócios jurídicos. Havendo divergência sobre o conteúdo das cláusulas contratuais, e
havendo necessidade de recorrer-se à interpretação como solução da divergência, a
interpretação segundo a boa-fé objetiva terá um papel importante.
"Diante de duas interpretações possíveis para uma mesma estipulação contratual, deve o
intérprete privilegiar, como determina o art. 85 do CC, aquela que estiver mais de acordo com a
verdadeira intenção das partes. A interpretação que deve prevalecer, no entanto, é aquela que
exprima a intenção das partes, que esteja de acordo com a exigência de atuação segundo a boa-
fé" (grifo nosso).
Nesse sentido, vejamos alguns exemplos - tomados de Régis Fichtner Pereira: o juiz poderá
temperar o rigor em algumas hipóteses, como quando a prestação devida ao credor for impossível
de ser executada apenas em relação a uma pequena parte, ou quando o vício da coisa vendida
for insignificante, ou quando for oposta a exceção de descumprimento do contrato por falta de
cumprimento da prestação contrária em parcela insignificante.
A boa-fé como função interpretativa está no novo Código Civil, tanto no art. 113, que assim
dispõe: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração", como no já citado art. 422.
Segundo o Prof. Antônio Junqueira de Azevedo, em palestra brilhante sobre o novo direito
contratual e a Constituição, o contrato não produz somente os deveres que foram convencionados
entre as partes, mas cria deveres que decorrem implicitamente dele.
Esses deveres são chamados de deveres anexos ou secundários. São deveres não
expressamente referidos no contrato, e além daqueles deveres expressos, mas que obrigam as
partes.
Esses deveres criam para as partes um padrão de comportamento a ser cumprido, de acordo
com as exigências da boa-fé, ou seja, de acordo com a lealdade e a honestidade que devem estar
presentes numa relação contratual.
Os principais deveres secundários são o dever de informação, dever de oportunidade de
conhecimento do conteúdo do contrato, dever de cooperação, dever de sigilo, dever de cuidado,
dever de prestar contas, dever de proteção.
O primeiro e mais conhecido dever anexo é o dever de informar. Ele veio previsto no Código de
Defesa do Consumidor, nos arts. 30, 31, 34, 48 etc., e hoje é aplicado em todos os contratos, não
só naqueles que envolvem relações de consumo.
Exemplificando, diz o art. 31 do CDC: "A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas
características, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre
outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores".
Outro dever anexo importante é o dever de cooperar. "Cooperar é agir com lealdade e não
obstruir ou impedir". É colaborar durante a execução do contrato, não criando mecanismos que
impeçam o seu fiel cumprimento.
Assim, se o devedor precisa adimplir sua obrigação e o credor dificulta o pagamento do
devedor, ao determinar, por exemplo, que este só pode ser executado em local especial ou em
horas difíceis, descumpre seu dever de conduta, agindo desconforme a boa-fé.
Podemos destacar, também, o dever de cuidado, que tem por fim preservar os contratantes de
danos à sua integridade pessoal, ou à integridade de seu patrimônio.
Assim, trazendo para ilustrar um exemplo de Cláudia Lima Marques, num contrato de
transporte de passageiro e de sua bagagem (por meio de avião, ônibus, carro ou táxi), o
Na fase pré-contratual, das tratativas ou negociações preliminares, onde ainda não há contrato, já existe algo que vincula as pessoas interessadas, como deveres que uma parte precisa ter como correção de comportamento em relação à outra.
A maioria dos negócios jurídicos é precedida de negociações, entendimentos, chamadas tratativas, nas quais se discute a melhor forma de contratar.
Iniciadas as tratativas, delas pode advir ruptura e, da ruptura, responsabilidade civil pré- contratual.
Diversos autores cuidaram do tema.
Segundo Orlando Gomes, "se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas e sem qualquer motivo põe termo às negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que sofreu".
A jurisprudência já cuidou de hipótese de responsabilidade pela ruptura das tratativas, em inúmeros casos, sendo o mais famoso o "caso dos tomates", ocorrido no Rio Grande do Sul.
Os fatos são os seguintes: um agricultor do município de Canguçu, na zona sul do Estado do Rio Grande do Sul, costumava plantar tomates, cujas sementes lhe eram entregues pela Cica (Companhia Industrial de Conservas Alimentícias), a qual, na época oportuna, adquiria a produção para posterior industrialização. Na safra de 1987/1988, a Cica deixou de adquirir o produto, tendo o agricultor, como de praxe, realizado a plantação. Aí o agricultor pleiteou indenização pelos danos sofridos com a perda da produção, uma vez que não teve a quem vender o produto.
O processo foi ao Tribunal, sendo relator Ruy Rosado de Aguiar Júnior (hoje Ministro do STJ), que proferiu o seguinte voto:
"Tanto basta para demonstrar que a ré, após incentivar os produtores a plantar a safra de tomate - instando-os a realizar despesas e envidar esforços para plantio, ao mesmo tempo em que perdiam a oportunidade de fazer o cultivo de outro produto -, simplesmente desistiu da industrialização do tomate, atendendo aos seus exclusivos interesses, no que agiu dentro do seu poder decisório. Deve, no entanto, indenizar aqueles que lealmente confiaram no seu procedimento anterior e sofreram o prejuízo. (...) Confiaram eles lealmente na palavra dada, na repetição do que acontecera em anos anteriores...".
Assim, o Tribunal do Rio Grande do Sul reconheceu que a Cica havia criado expectativas nos possíveis contratantes, pecando contra a boa-fé ao se recusar a comprar a safra dos tomates, ocasionando prejuízo aos pequenos agricultores, que se tinham baseado na confiança despertada antes do contrato, na fase pré-contratual.
O princípio da boa-fé também incide na fase de execução e conclusão dos contratos. Na fase pós-contratual, ainda há a possibilidade de exigir boa-fé dos contratantes, pois os deveres anexos, como os de colaboração e informação, ainda vigoram.
Acompanhemos o seguinte exemplo, relatado pelo Des. Ênio Santarelli Zuliani, da 3.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, que constitui um caso de aplicação do princípio da boa-fé:
As autoras da ação adquiriram das rés todas as quotas da sociedade familiar que estas fundaram para exploração comercial de uma escola de educação infantil, em Campinas, em imóvel de propriedade de Cláudio (pai das rés - circunstância esta desconhecida pelas autoras).
O negócio foi fechado em 26.04.1996, por intermédio de instrumento particular que trouxe a seguinte cláusula (oitava), garantindo às autoras a possibilidade de manterem a escola no local em que já funcionava: "As vendedoras prometem ceder em locação comercial, na forma de
instrumento específico a ser elaborado após a assinatura deste instrumento, às compradoras, o imóvel descrito conforme Alvará de Uso de n. 00619/95, expedido pela Prefeitura Municipal de Campinas em 17.04.1996".
Em seguida, acordaram (cláusula nona - disposições diversas): "As partes concordam que é de interesse mútuo e recíproco o adimplemento das respectivas obrigações previstas neste instrumento e declaram que envidarão os seus melhores esforços para
praticar tempestivamente todos os atos cuja responsabilidade lhes caiba em decorrência do presente, de modo a tornar possível o total cumprimento deste contrato".
"Portanto, o assunto `locação' do prédio integra o contexto da causa do contrato de transferência total das quotas da sociedade educacional."
O imóvel que servia de escola pertencia ao pai das antigas sócias-vendedoras e, em 1.º. 06.1996, ele assinou um novo contrato de locação com as autoras, com prazo de dois anos, mediante aluguel mensal.
O lance mais importante, no entanto, estava por eclodir para encerrar precocemente o negócio celebrado. Cinco meses depois de renovada a locação, o pai das rés e locador das autoras providenciou uma notificação, materializando seu propósito irretratável de vender o imóvel.
A partir daí e da publicidade da venda iminente do imóvel, ocorrida em reunião com os responsáveis dos alunos, desencadeou-se a derrocada comercial, operando-se uma saída gradativa dos clientes até inviabilizar-se completamente a atividade.
"Não é preciso consultar investidores da área educacional para concluir que o primeiro requisito ou estratégia de êxito comercial para uma escola infantil em bairro residencial é a identificação do imóvel que vai servir de prédio escolar. Escolas de recreação educam as crianças e são escolhidas pela excelência dos serviços e, principalmente, pela facilidade de acesso dos pais, um item fundamental para a família sobrecarregada com compromissos de trabalho e de transportes em trânsito complicado e perigoso."
Em razão desse acontecimento, ocorreu o fechamento da escola e as autoras desejam receber, em devolução, a importância que pagaram, considerando que o fato consagra a deslealdade das vendedoras pelo rompimento do pacto de confiança solenizado na cláusula nona do contrato.
E, segundo o relator, "isso se deu exatamente porque omitiram de forma dolosa (art. 94 do CC de 1916), tanto na fase das negociações preliminares como quando da celebração do contrato, o fato indiscutível de que o locador venderia (como vendeu), com brevidade, o imóvel".
Como se vê, a argumentação do relator remete à idéia de boa-fé, uma vez que o comportamento das rés configura a violação dos deveres de lealdade e probidade entre os contratantes.
Outra hipótese que me afigura elucidativa do referido princípio é o caso da Contubel Materiais de Construção Ltda. (massa falida) contra Tubos e Conexões Tigre Ltda., EI 79.589-4/8-02, rel. Des. José Osório de Azevedo Júnior:
"Responsabilidade contratual. Redução abrupta de preço. Surpresa e prejuízo para o revendedor. Ação indenizatória procedente. Condenação em dano emergente e lucro cessante. Apelação provida. Voto vencido. Embargos infringentes. Recebimento em parte, afastados os lucros cessantes.