Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

O riso frouxo do homem insignificante, Manuais, Projetos, Pesquisas de História do Direito

LIVRO DE CARLOS MOTTA

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 25/05/2010

Kaka88
Kaka88 🇧🇷

4.5

(262)

397 documentos

1 / 117

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe O riso frouxo do homem insignificante e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para História do Direito, somente na Docsity!

Este pequeno exercício de prosa é dedicado aos meus amigos passados, presentes e futuros.

As lembranças forjam risos, reflexões, algumas tristezas e - sempre - a esperança de eu vir a ser, um dia, uma boa pessoa.

Nessa difícil empreitada agradeço especialmente à Liliana, mais que minha mulher, minha inseparável companheira.

Espero que se divirtam com o fruto da minha imaginação.

Carlos Motta

PS.: a capa é da Liliana, claro.

Algumas frases necessárias

Não era baixo nem alto. Nem gordo nem magro. Não ganhava bem nem mal. Classe média, sustentava a família - mulher e filho - morando num apartamento de dois quartos, 55 metros quadrados, num bairro da periferia, comprado com a ajuda do sogro e do dinheiro do FGTS.

Almoçava fora de casa, ia ao trabalho no Palio 99 que levava uma vez por ano ao mecânico - de confiança - perto da padaria. Voltava só depois das 8 horas da noite. Comia alguma coisa que a mulher tinha feito no almoço, via o Jornal Nacional, lia a Folha, que comprava religiosamente na banca perto do emprego.

Dormia um sono agitado, tinha a pressão alta, mas não consultava nenhum médico. Preferia o remédio que o farmacêutico lhe vendia, com a garantia de que era um lançamento, tiro e queda e tal. Consultava a bula e fingia sacar tudo aquilo que as letrinhas prometiam e advertiam.

O homem insignificante

O dia em que voltou para casa com o coração disparado, quase na boca, a adrenalina solta no corpo cansado, começou com nuvens e terminou com chuva.

E foi a chuva a responsável por tudo.

Se o asfalto da rua do posto de gasolina onde, por R$ 60 mensais guardava seu Palio, estivesse seco,

talvez, muito provavelmente, com certeza absoluta,

aquele Gol verde tivesse parado apenas poucos metros depois de ter as rodas travadas pela ação instintiva do seu motorista que meteu o pé no freio quando o moleque largou a mão gorducha da mãe e correu desembestado sabe-se-lá-para-que-direção apenas que era para onde não deveria ir ou seja:

o meio da rua com o asfalto molhado e escorregadio.

A buzina estridente fez com que virasse a cabeça para a esquerda e fosse atingido de frente por pingos d’água agressivos e gelados. Aí, nesse instante, seu

os talheres gastos, o prato lascado, a comida insossa, as notícias velhas da televisão e do jornal

e até mesmo o beijo mecânico de sua mulher murcha e sem graça e a indiferença ingênua de seu filho raquítico e pálido teriam um gosto único e especial.

Porque naquela noite ele não era o homem insignificante que acostumara toda a sua vida a ser.

  • Olha só este disco. Dancei muito com essa música. Deixa ver, em 78, 79...
  • E este livro, então... Leitura obrigatória no ginásio. Ninguém conhece mais hoje em dia.

Feito criança, percorria as estantes do sebo. As mãos já estavam pretas da sujeira das capas dos livros e discos. Mas os olhos cada vez mais brilhantes. Ao seu lado, o filho tentava se distrair num joguinho de gameboy.

  • Pai, vamos embora, tô com vontade de fazer cocô.
  • Já vai, já vai. Meu Deus, não acredito... Dei este LP de presente para sua mãe, quando a gente namorava. Que saudade! Você precisava ver, eu tinha um cabelo que vinha até aqui, ó...

O menino torceu o pescoço, passou a mão direita pela cabeça, olhou o pai de baixo para cima.

  • Puxa como você é velho!

O passeio terminou num McDonald‘s que ficava numa praça desolada e suja, ao lado de uma avenida barulhenta e perigosa.

No sebo

preferiu que a vidente Nádia lesse as cartas. Não sabia direito o que era tarô e achava búzios coisa de umbanda. O pastor de sua igreja falava sempre que essa gente não prestava.

Contente em ter sua primeira cliente do dia, a vidente Nádia prometeu a si mesma caprichar na leitura. Simpatizou com a moça morena, de olhos verdes e tímida, e improvisou um futuro belo, tranqüilo, sem nuvens e de um azul profundo para ela.

Quando terminou o serviço, a vidente Nádia pegou novamente a revista Caras da semana passada e voltou a ver as fotos da casa de praia de 400 metros quadrados do seu galã preferido, graças a Deus solteiro novamente.

Já Celinha hesitava entre passar os restantes 20 minutos para a sessão de cinema procurando uma blusa que combinasse com a calça comprada à prestação na semana passada ou chupando um sorvete. Acabou se entretendo com a criançada que patinava na pista de gelo montada no espaço onde antes ficavam as máquinas de fliperama. Se tivesse coragem, bem que gostaria de experimentar. Mas era

envergonhada. Se levasse um tombo, todo mundo iria rir e ela, corar feito um pimentão.

Ao se virar para finalmente pegar a fila do cinema - puxa, como o tempo passa rápido -, Celinha levou um susto: três rapazes, a poucos metros dela, a olhavam, rindo. Ela fez que não viu, baixou os olhos e apressou o passo. Mas ouviu um deles falar: “Bonitinha, uma gracinha...”

Deu a entrada para o bilheteiro e olhou rapidamente para trás. O rapaz mais alto dos três, um mulato vestindo uma camiseta cinza com a frase “In God We Trust” escrita em vermelho, estava na bilheteria.

Ela então se lembrou das palavras da vidente Nádia quando virou o valete de ouros e abriu um sorriso que deixava à mostra dentes amarelecidos de nicotina: “Menina, essa é uma carta muito boa, que significa reflexão, novidade e amor.”

Não tinha entendido na hora o sentido daquilo, mas ao ver o jovem galanteador entrar na sala meio escura apressado e olhando para os lados, como se estivesse à procura de alguém, soube imediatamente que seu destino estava traçado havia muito tempo e seria

Quando pisou na bola pela primeira vez, mandou à patroa rosas vermelhas. Foi perdoado, mas teve de prometer andar na linha.

Na segunda vez, escolheu um arranjo de gérberas. Custou uma nota, porém valeu a pena: o caso ficou por isso mesmo, nem promessa fez.

Na terceira, juntou um cartão com versos mancos às anêmolas que comprou para o amor de sua vida. Escorreram lágrimas daquele rosto ingênuo.

Houve uma vez mais, apenas uma.

Achou que se livrava fácil com um buquezinho de pobres margaridas.

Acabou tendo de se consolar do adeus inesperado mastigando os chocolates doces demais que havia guardado para tal eventualidade.

Chocolate doce demais

Depois de notar que os cabelos negros de sua mulher estavam mais bonitos com o tom prateado que haviam adquirido nos últimos anos, tomou a decisão de não procurar mais saber, diariamentente, na frente do espelho, com os olhos míopes arregalados, se a barba estava ficando mais branca.

Percebeu que essas mudanças não eram apenas exteriores.

Sentia o coração leve, a alma solta, o espírito em paz.

E, assim, abandonou definitivamente qualquer esperança de se tornar eternamente jovem.

A fonte da juventude 1

Maltratava seu corpo com a tortura da sede e da fome.

Corria. Parava. Subia. Descia.

Se fosse preciso calaria as injustiças do mundo com sua voz embargada de emoção e fúria.

Mas nunca faria nada que pusesse em risco sua tranqüila e segura concordância com tudo.

Num certo dia de sol, depois de se mover solto e leve pela praça que separava sua casa da estação do metrô, foi subitamente abordado por dois pivetes que

primeiro deram um murro no seu estômago, depois chutaram suas costelas quando estava no chão

e, por fim, saíram rindo como se nada tivesse acontecido, levando sua carteira com 150 mangos, cartões de crédito e débito, documentos e outras coisas de menor importância.

Foi aí que quis rir, mas apenas chorou.

O quarteto sempre havia se dado bem. Até o dia em que o segundo violino esticou a corda demais - o primeiro violino achou aquilo um insulto.

A viola se incomodou e entrou na discussão: reclamou uma autoridade que foi contestada pelo grave violoncelo.

No meio da sonata o pau quebrou feio.

E não houve Brahms que desse jeito nem Beethoven que consertasse o estrago ou Mozart que restabelecesse a ordem.

A paz chegou apenas quando baixou um Pixinguinha com seu jeito manso de insinuar a melodia e sua maestria em prever o tempo certo para qualquer compasso.

Ou seja, o recital teve um fim imprevisto, mas satisfatório.

E todos voltaram felizes para casa.

Menos o piano, que permaneceu mudo.

Quarteto de cordas

Foi a última garfada do almoço. Estava cheio e se preparava para tomar o resto de chope quando sentiu um tapa nas costas. Virou-se e deu de cara com um estranho, barbado, óculos escuros, camiseta preta, jeans e tênis velhos.

  • Mário, meu velho amigo Mário, é você mesmo, não?
  • disse o estranho.
  • Isso, claro, sou, mas, você é o...o...
  • Será que mudei tanto? Não se lembra mais dos amigos. Sou o Sérgio, o Serginho, seu vizinho da Rua Estreita.
  • Serginho... mas é claro! Quanto tempo, você de barba... Quando foi a última vez que nos encontramos? Deixa me lembrar... Foi no alistamento do exército, tenho certeza!
  • Isso mesmo. Eu servi, você não. E depois perdemos o contato. Mas eu reconheci você na hora. Só está um pouco mais gordo.
  • Também, pudera. Nos vimos já faz uns 15 anos. Mas sente aí e me conte o que você anda fazendo.
  • Ah, uma coisinha e outra. Sabe, eu parei de estudar

Amigo de infância

logo depois que terminei o segundo grau. Precisei trabalhar depois que papai morreu.

  • É eu soube. Uma pena. Ele era um cara legal.
  • E aí eu fui fazendo uma coisa e depois outra e fui me virando. Mas nem precisa me falar de você que eu sei que você hoje é um advogado de primeira, casou e tem três filhos...
  • Pôxa, você está bem informado...
  • É, leio jornal, converso com as pessoas, sabe, eu circulo muito.
  • E você, casou? Tem filhos?
  • É, fiquei um tempo com uma, um tempo com outra. Mulher é complicado, filho, então, nem fala.
  • Mas agora você está mais tranqüilo, mais assentado, não é?
  • Estou e não estou. Depende das circunstâncias.
  • Mas tirando a barba, você não mudou nada, Serginho. Está até mais magro.
  • Deixei crescer faz uns três meses, sabe, para mudar um pouco o visual, estava meio cansado do look