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Observações sobre o amor transferencial, Transcrições de Psicanálise

OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) (1915 [1914])

Tipologia: Transcrições

2020

Compartilhado em 10/06/2020

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OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (NOVAS
RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) (1915
[1914])
NOTA DO EDITOR INGLÊS
BEMERKUNGEN ÜBER DIE ÜBERTRAGUNGSLIEBE
(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1915 Int. Z. Psychoanl., 3, (1), 1-11.
1918 S. D. S. N., 4, 453-69. (1922, 2ª ed.)
1924 Technik und Metapsychol. 120-35.
1925 G. S., 6, 120-35.
1931 Neurosenlehre und Technik, 385-96.
1946 G. W., 10, 306-21.
(b) TRADUÇÃO INGLESA:
‘Further Recommendations in the Technique of Psycho-Analysis: Observations on
Transference-Love’
1924 C.P., 2, 377-91. (Trad. de Joan Riviere.)
A presente traducão inglesa, com o título alterado, é versão modificada da publicada
em 1924.
Quando este artigo foi publicado pela primeira vez (em começos de 1915), seu título
era: ‘Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse (III): Bemerkungen über die
Übertragungsliebe.’ O título da versão inglesa de 1924, tal como fornecido acima, é tradução
disto. As edições alemãs, de 1924 em diante, adotaram o título mais curto.
O Dr. Erneste Jones nos conta (1955, 266) que Freud considerava este o melhor da
presente série de trabalhos técnicos. Uma carta escrita por Freud a Ferenczi, em 13 de
dezembro de 1931, com respeito às inovações técnicas introduzidas pelo último, constitui
interessante pós-escrito a este artigo. Ela foi publicada pelo Dr. Jones quase no final do
Capítulo IV de seu terceiro volume da biografia de Freud (1957, 174 e segs.)
OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (NOVAS
RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III)
Todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, de início, pelas
dificuldades que lhe estão reservadas quando vier a interpretar as associações do paciente e
lidar com a reprodução do reprimido. Quando chega a ocasião, contudo, logo aprende a
encarar estas dificuldades como insignificantes e, ao invés, fica convencido de que as únicas
dificuldades realmente sérias que tem de enfrentar residem no manejo da transferência.
Entre as situações que surgem a este respeito, selecionarei uma que é muito
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OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (NOVAS

RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) (

[1914])

NOTA DO EDITOR INGLÊS

BEMERKUNGEN ÜBER DIE ÜBERTRAGUNGSLIEBE

( a ) EDIÇÕES ALEMÃS: 1915 Int. Z. Psychoanl ., 3, (1), 1-11. 1918 S. D. S. N ., 4, 453-69. (1922, 2ª ed.) 1924 Technik und Metapsychol. 120-35. 1925 G. S ., 6, 120-35. 1931 Neurosenlehre und Technik , 385-96. 1946 G. W ., 10, 306-21. ( b ) TRADUÇÃO INGLESA: ‘Further Recommendations in the Technique of Psycho-Analysis: Observations on Transference-Love’ 1924 C.P ., 2, 377-91. (Trad. de Joan Riviere.) A presente traducão inglesa, com o título alterado, é versão modificada da publicada em 1924. Quando este artigo foi publicado pela primeira vez (em começos de 1915), seu título era: ‘Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse (III): Bemerkungen über die Übertragungsliebe.’ O título da versão inglesa de 1924, tal como fornecido acima, é tradução disto. As edições alemãs, de 1924 em diante, adotaram o título mais curto. O Dr. Erneste Jones nos conta (1955, 266) que Freud considerava este o melhor da presente série de trabalhos técnicos. Uma carta escrita por Freud a Ferenczi, em 13 de dezembro de 1931, com respeito às inovações técnicas introduzidas pelo último, constitui interessante pós-escrito a este artigo. Ela foi publicada pelo Dr. Jones quase no final do Capítulo IV de seu terceiro volume da biografia de Freud (1957, 174 e segs.) OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) Todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, de início, pelas dificuldades que lhe estão reservadas quando vier a interpretar as associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido. Quando chega a ocasião, contudo, logo aprende a encarar estas dificuldades como insignificantes e, ao invés, fica convencido de que as únicas dificuldades realmente sérias que tem de enfrentar residem no manejo da transferência. Entre as situações que surgem a este respeito, selecionarei uma que é muito

nitidamente definida; e selecioná-la-ei, em parte, porque ocorre muito amiúde e é tão importante em seus aspectos reais e em parte devido ao seu interesse teórico. O que tenho em mente é o caso em que uma paciente demonstra, mediante indicações inequívocas, ou declara abertamente, que se enamorou, como qualquer outra mulher mortal poderia fazê-lo, do médico que a está analisando. Esta situação tem seus aspectos aflitivos e cômicos, bem como os sérios. Ela é também determinada por tantos e tão complicados fatores, é tão inevitável e tão difícil de esclarecer, que uma discussão sobre o assunto, para atender a uma necessidade vital da técnica analítica, já há muito se fazia necessária. Mas visto que nós, que rimos das fraquezas de outras pessoas, nem sempre estamos livres delas, até agora não estivemos precisamente apressados em cumprir esta tarefa. Deparamos constantemente com a obrigação à discrição profissional - discrição que não se pode dispensar na vida real, mas que é inútil em nossa ciência. Na medida em que as publicações psicanalíticas também fazem parte da vida real, temos aqui uma contradição insolúvel. Recentemente desprezei esta questão da discrição a certa altura, e demonstrei como esta mesma situação transferencial retardou o desenvolvimento da terapia psicanalítica durante sua primeira década. Para um leigo instruído (a pessoa civilizada ideal, em relação à psicanálise), as coisas que se relacionam com o amor são incomensuráveis; acham-se, por assim dizer, escritas numa página especial em que nenhum outro texto é tolerado. Se uma paciente enamorou-se de seu médico, parece a tal leigo que são possíveis apenas dois desfechos. Um, que acontece de modo comparativamente raro, é que todas as circunstâncias permitam uma união legal e permanente entre eles; o outro, mais freqüente, é que médico e paciente se separem e abandonem o trabalho que começaram e que deveria levar ao restabelecimento dela, como se houvesse sido interrompido por algum fenômeno elementar. Há, sem dúvida, um terceiro desfecho concebível, que até mesmo parece compatível com a continuação do tratamento. É que eles iniciam um relacionamento amoroso ilícito e que não se destina a durar para sempre. Mas esse caminho é impossível por causa da moralidade convencional e dos padrões profissionais. Não obstante, o nosso leigo implorará ao analista que lhe assegure, tão inequivocamente quanto possível, que esta terceira alternativa se acha excluída. É claro que um psicanalista tem de encarar as coisas de um ponto de vista diferente. Tomemos o caso do segundo desfecho da situação que estamos considerando. Após a paciente ter-se enamorado de seu médico, eles se separam; o tratamento é abandonado. Mas logo o estado da paciente obriga-a a fazer uma segunda tentativa de análise, com outro médico. O que acontece a seguir é que ela sente se ter enamorado deste segundo médico também; e, se romper com ele e recomeçar outra vez, o mesmo acontecerá com o terceiro médico, e assim por diante. Este fenômeno, que ocorre constantemente e que é, como sabemos, um dos fundamentos da teoria psicanalítica, pode ser avaliado a partir de dois pontos de vista, o do médico e o da paciente que dele necessita. Para o médico, o fenômeno significa um esclarecimento valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma contratransferência que pode estar presente em sua própria mente. Ele deve reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído aos encantos de sua própria pessoa; de maneira que não tem nenhum motivo para orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria chamada fora da análise. E é sempre bom lembrar-se disto. Para a paciente, contudo, há duas alternativas: abandonar o tratamento psicanalítico ou aceitar enamorar-se de seu médico como um destino inelutável.

complicam ainda mais as coisas - dos quais, alguns acham-se vinculados ao enamoramento e outros são expressões específicas da resistência. Do primeiro tipo são os esforços da paciente em certificar-se de sua irresistibilidade, em destruir a autoridade do médico rebaixando-o ao nível de amante e em conquistar todas as outras vantagens prometidas, que são incidentais à satisfação do amor. Com referência à resistência, podemos suspeitar que, ocasionalmente, ela faz uso de uma declaração de amor da paciente como meio de colocar à prova a severidade do analista, de maneira que, se ele mostra sinais de complacência, pode esperar se chamado à ordem por isso. Acima de tudo, porém, fica-se com a impressão de que a resistência está agindo como um agent provocateur ; ela intensifica o estado amoroso da paciente e exagera sua disposição à rendição sexual, a fim de justificar ainda mais enfaticamente o funcionamento da repressão, ao apontar os perigos de tal licenciosidade. Todos estes motivos acessórios, que em casos mais simples podem não se achar presente, foram, como sabemos, encarados por Adler como parte essencial de todo o processo. Mas como deve o analista comportar-se, a fim de não fracassar nessa situação, se estiver persuadido de que o tratamento deve ser levado avante, apesar desta transferência erótica, e que deve enfrentá-la com calma? Ser-me-ia fácil enfatizar os padrões universalmente aceitos de moralidade e insistir que o analista nunca deve, em quaisquer circunstâncias aceitar ou retribuir os ternos sentimentos que lhe são oferecidos; que, ao invés disso, deve ponderar que chegou sua vez de apresentar à mulher que o ama as exigências da moralidade social e a necessidade de renúncia, conseguir fazê-las abandonar seus desejos e, havendo dominado o lado animal do seu eu ( self ), prosseguir com o trabalho da análise. Não atenderei, contudo, a estas expectativas - nem a primeira nem a segunda delas. A primeira, porque não estou escrevendo para pacientes, mas sim para médicos que têm sérias dificuldades com que lutar, e também porque, neste caso, posso remontar a prescrição moral à sua fonte, ou seja, a conveniência. Encontro-me, nesta ocasião, na feliz posição de poder substituir o impedimento moral por considerações de técnica analítica, sem qualquer alteração no resultado. Ainda mais decididamente, contudo, recuso-me a atender à segunda das expectativas que mencionei. Instigar a paciente a suprimir, renunciar ou sublimar seus instintos, no momento em que ela admitiu sua transferência erótica, seria, não uma maneira analítica de lidar com eles, mas uma maneira insensata. Seria exatamente como se, após invocar um espírito dos infernos, mediante astutos encantamentos, devêssemos mandá-lo de volta para baixo, sem lhe haver feito uma única pergunta. Ter-se-ia trazido o reprimido à consciência, apenas para reprimi-lo mais uma vez, um susto. Não devemos iludir-nos sobre o êxito de qualquer procedimento desse tipo. Como sabemos, as paixões pouco são afetadas por discursos sublimes. A paciente sentirá apenas humilhação e não deixará de vingar-se por ela. Tampouco posso eu advogar um caminho intermediário, que a certas pessoas se recomendaria como especialmente engenhoso. Consistiria em declarar que se retribuem os amorosos sentimentos da paciente, mas, ao mesmo tempo, em evitar qualquer complementação física desta afeição, até que se possa orientar o relacionamento para canais mais calmos e elevá-lo a um nível mais alto. Minha objeção a este expediente é que o tratamento analítico se baseia na sinceridade, e neste fato reside grande parte de seu efeito educativo e de seu valor ético. É perigoso desviar-se deste fundamento. Todo aquele que se tenha embebido na técnica analítica não mais será capaz de fazer uso das mentiras e

fingimentos que um médico normalmente acha inevitáveis; e se, com a melhor das intenções, tentar fazê-lo, é muito provável que se traia. Visto exigirmos estrita sinceridade de nossos pacientes, colocamos em perigo toda a nossa autoridade, se nos deixarmos ser por eles apanhados num desvio da verdade. Além disso, a experiência de se deixar levar um pouco por sentimentos ternos em relação à paciente não é inteiramente sem perigo. Nosso controle sobre nós mesmos não é tão completo que não possamos subitamente, um dia, ir mais além do que havíamos pretendido. Em minha opinião, portanto, não devemos abandonar a neutralidade para com a paciente, que adquirimos por manter controlada a contratransferência. Já deixei claro que a técnica analítica exige do médico que ele negue à paciente que anseia por amor a satisfação que ela exige. O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência. Com isto não quero significar apenas a abstinência física, nem a privação de tudo o que a paciente deseja, pois talvez nenhuma pessoa enferma pudesse tolerar isto. Em vez disso, fixarei como princípio fundamental que se deve permitir que a necessidade e anseio da paciente nela persistam, a fim de poderem servir de forças que a incitem a trabalhar e efetuar mudanças, e que devemos cuidar de apaziguar estas forças por meio de substitutos. O que poderíamos oferecer nunca seria mais que um substituto, pois a condição da paciente é tal que, até que suas repressões sejam removidas, ela é incapaz de alcançar satisfação real. Admitamos que este princípio fundamental de o tratamento ser levado a cabo na abstinência estenda-se muito além do caso isolado que estamos aqui considerando, e que ele necessite ser completamente debatido, a fim de podermos definir os limites de sua possível aplicação. Todavia, abordaremos agora este assunto, mas manter-nos-emos tão próximos quanto possível da situação de que partimos. O que aconteceria se o médico se comportasse diferentemente e, supondo que ambas as partes fossem livres, se aproveitasse dessa liberdade para retribuir o amor da paciente e acalmar sua necessidade de afeição? Se ele houvesse sido guiado pelo cálculo de que esta concordância de sua parte lhe garantiria o domínio sobre a paciente e assim capacitá-lo-ia a influenciá-la a realizar as tarefas exigidas pelo tratamento e, dessa maneira, liberar-se permanentemente de sua neurose, então a experiência inevitavelmente mostrar-lhe-ia que seu cálculo estava errado. A paciente alcançaria o objetivo dela , mas ele nunca alcançaria o seu. O que aconteceria ao médico e à paciente seria apenas o que aconteceu, segundo a divertida anedota, ao pastor e ao corretor de seguros. O corretor de seguros, livre pensador, estava à morte e seus parentes insistiram em trazer um homem de deus para convertê-lo antes de morrer. A entrevista durou tanto tempo que aqueles que esperavam do lado de fora começaram a ter esperanças. Por fim, a porta do quarto do doente se abriu. O livre pensador não havia sido convertido, mas o pastor foi embora com um seguro. Se os avanços da paciente fossem retribuídos, isso constituiria grande triunfo para ela, mas uma derrota completa para o tratamento. Ela teria alcançado sucesso naquilo por que todos os pacientes lutam na análise - teria tido êxito em atuar ( acting out ), em repetir na vida real o que deveria apenas ter lembrado, reproduzido como material psíquico e mantido dentro da esfera dos eventos psíquicos. No curso ulterior do relacionamento amoroso, ela expressaria todas as inibições e reações patológicas de sua vida erótica, sem que houvesse qualquer possibilidade de corrigi-las; e o episódio penoso terminaria em remorso e num grande fortalecimento de sua propensão à repressão. O relacionamento amoroso, em verdade, destrói a suscetibilidade da paciente à influência do tratamento analítico. Uma combinação dos dois

que ele não exibe uma só característica nova que se origine da situação atual, mas compõe-se inteiramente de repetições e cópias de reações anteriores, inclusive infantis. Prometemos provar isso mediante uma análise pormenorizada do comportamento da paciente no amor. Se se acrescenta a dose necessária de paciência a estes argumentos, é geralmente possível superar a difícil situação e continuar o trabalho com um amor que foi moderado ou transformado; o trabalho visa então a desvendar a escolha objetal infantil da paciente e as fantasias tecidas ao redor dela. Todavia, gostaria agora de examinar estes argumentos com olhos críticos e levantar a questão de saber se, apresentando-os à paciente, estamos realmente dizendo a verdade, ou se não nos estamos valendo, em nosso desespero, de ocultamentos e deturpações. Em outras palavras: podemos verdadeiramente dizer que o estado de enamoramento que se manifesta no tratamento analítico não é real? Acho que dissemos à paciente a verdade, mas não toda a verdade, sem atentar para as conseqüências. Dos nossos dois argumentos, o primeiro é o mais forte. O papel desempenhado pela resistência no amor transferencial é inquestionável e muito considerável. Entretanto, a resistência, afinal de contas, não cria esse amor; encontra-o pronto, à mão, faz uso dele e agrava suas manifestações. Tampouco a genuinidade do fenômeno deixa de ser provada pela resistência. O segundo argumento é muito mais débil. É verdade que o amor consiste em novas adições de antigas características e que ele repete reações infantis. Mas este é o caráter essencial de todo estado amoroso. Não existe estado deste tipo que não reproduza protótipos infantis. É precisamente desta determinação infantil que ele recebe seu caráter compulsivo, beirando, como o faz, o patológico. O amor transferencial possui talvez um grau menor de liberdade do que o amor que aparece na vida comum e é chamado de normal; ele exibe sua dependência do padrão infantil mais claramente e é menos adaptável e capaz de modificação; mas isso é tudo, e não o que é essencial. Por que outros sinais pode a genuinidade de um amor ser reconhecida? Por sua eficácia, sua utilidade em alcançar o objetivo do amor? A esse respeito, o amor transferencial não parece ficar devendo nada a ninguém; tem-se a impressão de que se poderia obter dele qualquer coisa. Resumamos, portanto. Não temos o direito de contestar que o estado amoroso que faz seu aparecimento no decurso do tratamento analítico tenha o caráter de um amor ‘genuíno’. Se parece tão desprovido de normalidade, isto é suficientemente explicado pelo fato de que estar enamorado na vida comum, fora da análise, é também mais semelhante aos fenômenos mentais anormais que aos normais. Não obstante, o amor transferencial caracteriza-se por certos aspectos que lhe asseguram posição especial. Em primeiro lugar, é provocado pela situação analítica; em segundo, é grandemente intensificado pela resistência, que domina a situação; e, em terceiro, falta-lhe em alto grau consideração pela realidade, é menos sensato, menos interessado nas conseqüências e mais ego em sua avaliação da pessoa amada do que estamos preparados para admitir no caso do amor normal. Não devemos esquecer, contudo, que esses afastamentos da norma constituem precisamente aquilo que é essencial a respeito de estar enamorado. Quanto à linha de ação do analista, é a primeira destas três características do amor transferencial que constitui o fator decisivo. Ele evocou este amor, ao instituir o tratamento analítico a fim de curar a neurose. Para ele, trata-se de conseqüência inevitável de uma situação médica, tal como a exposição do corpo de um paciente ou a comunicação de um

segredo vital. É-lhe, portanto, evidente que não deve tirar qualquer vantagem pessoal disso. A disposição da paciente não faz diferença; simplesmente lança toda a responsabilidade sobre o próprio analista. Na verdade, como ele deve saber, a paciente não se preparara para nenhum outro mecanismo de cura. Após todas as dificuldades haverem sido triunfantemente superadas, ela muitas vezes confessará ter tido uma fantasia antecipatória na ocasião em que começou o tratamento, no sentido de que, se se comportasse bem, seria recompensada no final pela afeição do médico. Para o médico, motivos éticos unem-se aos técnicos para impedi-lo de dar à paciente seu amor. O objetivo que tem de manter em vista é que a essa mulher, cuja capacidade de amor acha-se prejudicada por fixações infantis, deve adquirir pleno controle de uma função que lhe é de tão inestimável importância; que ela não deve, porém, dissipá-lo no tratamento, mas mantê-la pronta para o momento em que, após o tratamento, as exigências da vida real se fazem sentir. Ele não deve encenar a situação de uma corrida de cães em que o prêmio deveria ser uma guirlanda de salsichas, mas que algum humorista estragou ao atirar uma salsicha na pista. O resultado foi, naturalmente, que os cães se atiraram sobre ela e esqueceram tudo sobre a corrida e sobre a guirlanda que os atraía à vitória muito distante. Não quero dizer que é sempre fácil ao médico se manter dentro dos limites prescritos pela ética e pela técnica. Aqueles que ainda são jovens e não estão ligados por fortes laços podem, em particular, achá-lo tarefa árdua. O amor sexual é indubitavelmente uma das principais coisas da vida, e a união da satisfação mental e física no gozo do amor constitui um de seus pontos culminantes. À parte alguns excêntricos fanáticos, todos sabem disso e conduzem sua vida dessa maneira; só a ciência é refinada demais para admiti-lo. Por outro lado, quando uma mulher solicita amor, rejeitá-la e recusá-la constitui papel penoso para um homem desempenhar; e, apesar da neurose e da resistência, existe um fascínio incomparável numa mulher de elevados princípios que confessa sua paixão. Não são os desejos cruamente sensuais da paciente que constituem a tentação. É mais provável que estes repugnem, e encará-los como fenômeno natural exigirá toda a tolerância do médico. São, talvez, os desejos de mulher mais sutis e inibidos em seu propósito que trazem consigo o perigo de fazer um homem esquecer sua técnica e sua missão médica no interesse de uma bela experiência. E no entanto é inteiramente impossível para o analista ceder. Por mais alto que possa prezar o amor, tem de prezar ainda mais a oportunidade de ajudar sua paciente a passar por um estádio decisivo de sua vida. Ela tem de aprender com ele a superar o princípio do prazer, e abandonar uma satisfação que se acha à mão, mas que socialmente não é aceitável, em favor de outra mais distante, talvez inteiramente incerta, mas que é psicológica e socialmente irrepreensível. Para conseguir esta superação, ela tem de ser conduzida através do período primevo de seu desenvolvimento mental e, nesse caminho, tem de adquirir a parte adicional de liberdade mental que distingue a atividade mental consciente - no sentido sistemático - da inconsciente. O psicoterapeuta analítico tem, assim, uma batalha tríplice a travar - em sua própria mente, contra as forças que procuram arrastá-lo para abaixo do nível analítico; fora da análise, contra opositores que discutem a importância que ele dá às forças instintuais sexuais e impedem-nos de fazer uso delas em sua técnica científica; e, dentro da análise, contra as pacientes, que a princípio comportam-se como opositores, mas, posteriormente, revelam a supervalorização da vida sexual que as domina e tentam torná-lo cativo de sua paixão socialmente indomada.