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Origens - e-evolução - das - idéias - da - física, Notas de estudo de Física

Origens - e-evolução - das - idéias - da - física

Tipologia: Notas de estudo

2017
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Compartilhado em 29/05/2017

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Baixe Origens - e-evolução - das - idéias - da - física e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity!

Origens e evolução das idéias da física

José Fernando M. Rocha

(org.)

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

ROCHA, JFM., org. Origens e evolução das idéias da física [online]. Salvador: EDUFBA, 2002. ISBN 978-85-232-0878-3. Available from SciELO Books http://books.scielo.org.

IDÉIAS DA FÍSICA

Mecânica Roberto I. Leon Ponczek

Termodinâmica Suani T. Rubim de Pinho

Mecânica Estatística Roberto F. Silva Andrade

Eletromagnetismo e Ótica José Fernando M. Rocha

Teoria da Relatividade Olival Freire Júnior

Física Quântica Aurino Ribeiro Filho

EDUFBA

Salvador - 2011

©2011 by autores Direitos para esta edição, cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o depósito legal. Reimpressão

Capa e projeto gráfico ALANA CARVALHO GABRIELA NASCIMENTO

Editoração eletrônica ALANA CARVALHO

Revisão OS AUTORES

As imagens contidas nesse livro são de inteira responsabilidade dos autores.

Ficha catalográfica PERCIVAL SOUSA DE JESUS

Origens e evolução das idéias da física [livro eletrônico] / José Fernando M. Rocha (Org.). - Salvador: EDUFBA, 2011.

5253 Kb ; ePUB ; il.

ISBN 978-85-232-0878-

  1. Física - História 2. Filosofia I. Rocha, José Fernando M. II. Título.

CDU: 530.1:140.

EDUFBA

Rua Augusto Viana, 37 - Canela 40110-060 Salvador Bahia Tel/Fax: (71) 331 9799 edufba@ufba.br

A Benedito Leopoldo Pepe

um trabalho interdepartamental, de qualidade.

Benedito Leopoldo Pepe.

Prof. Decano do Instituto de Física da UFBA

Apresentação

A idéia de escrever este livro surgiu a partir da necessidade de apresentar tópicos de evolução dos conceitos da Física a alunos dos cursos da área de ciências exatas. A constatação da inexistência de um texto apropriado ao público mais jovem, e que discorresse sobre o mencionado assunto, fez com que se incluísse no programa do I Encontro de Ensino de Física da Bahia, realizado em dezembro de 1990, uma série de palestras sobre diferentes tópicos da Física, quando foram convidados alguns dos autores deste trabalho para proferi-las.

Ainda no início da década de 90, em virtude do grande interesse local despertado pelas discussões filosóficas e históricas no âmbito das ciências, e em particular da Física, foram instituidos pelo então Diretor do Instituto de Física da UFBA (IFUFBA), Prof. Dr. Dionicarlos Soares de Vasconcelos, e coordenados pelos Profs. Benedito Pepe e Roberto Leon Ponczek, os "Seminários sobre a História e Filosofia da Física", nos quais, quinzenalmente, eram apresentadas palestras sobre o tema em questão, a cargo dos autores do presente livro e de diversos outros convidados, influenciando a concepção dos capítulos que compõem o presente trabalho. Em paralelo, foram também surgindo críticas e contribuições que indicaram a presente forma como a mais adequada ao ensino introdutório das noções de Física associadas às suas origens, de forma que estudantes da área de ciências exatas pudessem adquirir uma visão mais crítica e humanística das disciplinas que são ensinadas nos cursos básicos de Física. Este texto mostra ser útil também a professores do ensino médio e a estudantes que pretendam ingressar na Universidade, de modo que possam fazê-lo já tendo uma visão preliminar da evolução das idéias científicas, e até mesmo para pessoas de outras áreas que se interessam pela evolução do conhecimento científico.

Em vista da pouca tradição, entre nós, de se escrever textos didáticos e, consequentemente, da falta de uma infra-estrutura permanente que nos servisse de apoio, é interessante enfatizar aqui a colaboração recebida da Administração do Instituto de Física, através do Prof. Dr. Manuel Blanco Martinez, ex-chefe do Departamento de Física do Estado Sólido e ex-diretor do Instituto de Física, que, entendendo o alcance social deste trabalho, criou as condições necessárias à finalização do mesmo. Somos gratos também a Srta. Alana Carvalho pelo trabalho gráfico.

Com referência aos autores, todos são docentes lotados nos departamentos do Instituto de Física: o de Geofísica Nuclear, o de Física Geral e o de Física do Estado Sólido; e têm lecionado diferentes disciplinas dos ciclos básico e profissionalizante dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Física.

Finalmente, é bom relembrarmos que este livro é, no fundo, conseqüência de uma crença já implícita no imaginário de muitos docentes do IFUFBA, segundo a qual, para um bom aprendizado de uma disciplina científica, é necessário apresentar, ao lado de seus aspectos fundamentais, alguns dados históricos que influiram no surgimento dos conceitos e idéias nela contidos. No Instituto de Física da UFBA, muitos docentes seguem esta trilha, a exemplo do Prof. Benedito Leopoldo Pepe, professor decano de Evolução da Física, que há muitos anos leciona tal disciplina aos alunos dos cursos de Física e Filosofia, e, por esse motivo, nada mais justo do que os autores do presente texto homenageá-lo nesta pequena contribuição ao estudo da evolução das principais idéias da Física.

Capítulo I - Da Bíblia a Newton: uma visão humanística da

Mecânica

Roberto Leon Ponczek

Gênesis:

No princípio, Deus criou o céu e a terra. E a terra era informe e vazia. E havia trevas sobre a face do abismo; e o espírito de Deus se movia sobre as águas. E disse Deus: "Que seja feita a luz". E a luz se fez.

Lápide de Newton, Abadia de Westminster: A Natureza e as leis da Natureza estavam ocultas na noite. Deus disse: Seja Newton! E tudo fez-se luz!

1. A necessidade de uma história da Física

Grande parte dos textos de Física que foram adotados nas escolas e universidades brasileiras, no pós- guerra, em sua maioria, traduções de textos de autores norte-americanos, apresenta a Física, e em particular a Mecânica, como simples e intuitiva, sendo inventada por Newton, sem maiores dificuldades, e tendo em Galileu uma espécie de coadjuvante esforçado, porém pouco eficiente. Kepler e Copérnico são agraciados com uns poucos parágrafos e Descartes quase nunca é mencionado. Já as idéias de Aristóteles e Ptolomeu são comentadas - quando são - de forma que pareçam tolas ou então reacionárias.

Esses textos, tecnicamente corretos, porém, sob ponto de vista humanístico, extremamente pobres, já formaram várias gerações de físicos, químicos, engenheiros e professores com inegável eficiência e pragmatismo. No entanto, algo de muito precioso se perdeu neste processo de aprendizagem: o sentido de tempo histórico. Nessas últimas décadas, no Brasil, o aprendizado de história da ciência só pôde ser feito por uns poucos abnegados, e de forma praticamente autodidata.

A ciência brota de nossos livros universitários, como que em passes de mágica, induzindo-nos a crer que Newton tirou de sua cartola o conjunto de leis que sintetizaram toda a ciência de milênios. Este abracadabra faz surgir diante dos alunos, pronta e reluzente, a relação F=ma, antes mesmo que a maçã de Newton toque o chão! É uma visão mágica de ciência que nos fez sonhar, durante estas últimas cinco décadas, com os fantásticos gênios e suas descobertas maravilhosas.

Na verdade, esses livros escondiam uma ideologia de guerra-fria, que surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial, que opunha frente a frente super-potências militares e agora, em plena era da globalização, continuam escondendo dos estudantes das áreas científicas o humanismo necessário para a construção de uma sociedade mais justa e menos tecnocrática. O objetivo é mostrar, assim, a ciência como algo neutro, prático, linear, objetivo, desprovido de historicidade. Não é prioritário saber como nascem e evoluem as idéias científicas, mas sim, como aplicá-las de sorte a produzirem efeitos práticos e imediatos. A corrida tecnológica e as frias leis de mercado nutrem, a qualquer preço, esta ideologia até

os presentes dias. Portanto, não nos é revelado como é penoso, lento, sinuoso e, por vezes, violento, o processo de evolução das idéias científicas.

As leis de Newton são geniais exatamente porque sintetizam, em poucas linhas, milênios de saber acumulado por diversas civilizações, no entanto, passa-se nas salas de aula uma errônea idéia de sua simplicidade. Estudantes e até mesmo professores podem, equivocadamente, pensar que os conceitos de massa, inércia e de força são simples, naturais e intuitivos, quando isto não é verdadeiro, sendo, pelo contrário, extremamente complexos e objeto de discussões até os presentes dias. Até o século XVII não se fazia uma clara distinção entre a inércia e a força (vis inaertiae e vis viva), e vários aspectos destes conceitos só começaram a ser compreendidos em sua plenitude depois do advento da Teoria da Relatividade. Por sinal, as idéias newtonianas são extremamente difíceis de se compreender, em toda a sua extensão, sendo a visão de mundo aristotélica bem mais intuitiva.

Einstein ficou impressionado com a quantidade de conceitos newtonianos que, só neste século, foram devidamente aprofundados. A própria relação F=ma, que se ensina nos colégios e universidades com tanta naturalidade, está, na verdade, envolta por ambigüidades. Será de fato uma equação interligando membros bem definidos a priori? Ou será uma definição de massa inercial? Ou de força? Ou de ambas? Ou ainda uma definição de referenciais privilegiados, ditos inerciais? Na verdade, esta equação esconde dentro de si, na sua forma diferencial, F=dp/dt, toda doutrina determinista que dominará a ciência até o começo do século XX. E a primeira lei, chamada de lei de inércia, será apenas um caso particular de F=ma quando a=0? Teria Newton mantido no seu grandioso Principia uma lei que, na verdade, não é lei, mas um mero corolário? Na realidade, tudo é muito complexo em Newton!

Somente de algumas décadas para cá é que se começou a fazer um estudo mais profundo sobre as idéias e a personalidade deste grande sábio inglês. Sabe-se, com segurança, que foi um teólogo místico e, dizem alguns de seus biógrafos, que era versado em Hermetismo e Alquimia, sendo a Física uma "obra de juventude". Alguns historiadores chegam a supor que Descartes tinha todos os recursos para construir a Mecânica, não o fazendo por ser excessivamente racional. Newton, um religioso, é que foi capaz de edificá-la!

Toda a historicidade contida no pensamento newtoniano fica muito clara quando ele próprio, em seu discurso de posse na Royal Society, afirmou em alto e bom tom:

Se longe enxerguei é porque estive apoiado em ombros de gigantes.

Quem são esses homens a quem Sir Isaac Newton se referiu com tamanha admiração? Sem dúvida, são muitos e formam uma alta pirâmide de conhecimentos que o sábio inglês teve o privilégio e a competência de galgar até chegar ao topo. Descartes, Galileu, Da Vinci, Kepler, Copérnico, Giordono Bruno, Bacon, Tomás de Aquino, Maimonides, Averois, Ptolomeu, Arquimedes, Aristarco de Samos, Demócrito, Leucipo, Apolônio, Parmênides, Heráclito, Empédocles, Eudóxio, Eratóstenes, Euclides, Aristóteles, Platão, Sócrates, Pitágoras, Thales, Anaximandro e Anaximenes são apenas alguns destes gigantes que emprestaram os seus ombros para que Newton pudesse tão longe enxergar.

Procuraremos mostrar como o pensamento pode caminhar em espirais de forma que idéias novas e revolucionárias podem conter, mesmo que inconscientemente, idéias antigas e mitos primordiais, há muito abandonados, pertencentes até mesmo a outras culturas. Por outro lado, a história do pensamento registra muitos exemplos de entrelaçamento de atividades que hoje nos podem parecer como pertencentes a domínios completamente distintos, como a ciência e a arte. Ao longo do texto, daremos ênfase onde isto

quando combinada com a atmosfera a-histórica dos escritos científicos (...) causa a impressão de que a ciência alcançou seu estado atual através de uma série de descobertas e invenções individuais, as quais, reunidas, constituem a coleção moderna dos conhecimentos técnicos.

O ensino de ciência na maioria das universidades brasileiras, e por indução não temos receio de generalizar esta observação para universidades de outros países, limita-se assim à leitura, por parte dos estudantes, de livros-texto especialmente preparados para adestrá-los em problemas normais e corriqueiros das teorias aceitas, até aquele momento, como corretas representações da natureza. Até na pós-graduação, e em muitos casos até a sua conclusão, é muito raro que um estudante seja incentivado por seus professores e orientadores a ler textos originais dos grandes pensadores (as chamadas fontes primárias) ou livros de história ou filosofia da ciência. Este procedimento pedagógico, levado aos últimos estágios da formação de um cientista, faz com que este adquirira um conhecimento parcial da ciência, sendo levado a acreditar, erroneamente, que no passado a evolução do pensamento ocorreu de forma linear até chegar, sem traumas, às idéias e práticas científicas em vigor, e que no presente estas mesmas práticas sejam as únicas possíveis e imagináveis. Criam-se assim, no seio das academias, técnico-cientistas altamente competentes para a resolução de problemas da ciência em vigor mas que, por outro lado, em momentos de crise, serão pouco capazes de questionar criticamente uma ciência a qual se habituaram a perceber como eterna, além de que incapazes, se necessário, de buscar soluções heterodoxas. Para que perder tempo lendo as obras originais de Copérnico, Kepler, Newton, De Broglie ou Einstein se os textos as resumem de forma a tornarem-nas úteis para a prática científica? Para que ler Platão, Aristóteles, Descartes, Spinoza ou Kant se suas elucubrações filosóficas pouco têm de útil para a resolução de problemas atuais ou para a consolidação das teorias vigentes? São exatamente essas lacunas de ordem cultural que urge preencher, pois enquanto artistas e escritores veneram seus museus e bibliotecas, buscando nestes a inspiração para novas criações, grande parte das comunidades científicas vêem o passado como algo arcaico e desconexo de sua prática ou ainda como tão óbvio e trivial que leva inevitavelmente às suas práticas e teorias.

Recuaremos, pois, no tempo, de forma a mostrar que as idéias científicas, as artes, as ideologias políticas, as invenções, as necessidades materiais, e até mitos e religiões, caminham juntos, entrelaçados num fluxo, por vezes lento, por vezes cíclico, ora abrupto, chamado história.

2. O que significa Mecânica?

O primeiro passo para uma investigação histórica sobre qualquer assunto é saber bem o seu significado, bem como a etimologia do termo. Consultando alguns dicionários, obtivemos algumas definições:

Etimologia: mecânica vem do grego mechaniké, "arte de construir uma máquina" que, traduzido para o latim, fica mechanica.

  • Mecânica é a ciência que investiga os movimentos e as forças que os produzem.
  • O conjunto das leis de movimento.
  • Obra, atividade ou teoria que trata de tal ciência.
  • Atividade relacionada com máquinas, motores e mecanismos.
  • Estudo das forças e de seus efeitos.
  • Ciência que estuda as forças, as leis de equilíbrio e do movimento e a teoria da ação das máquinas.
  • Mecânica clássica é a que se baseia nas leis de Newton, Mecânica newtoniana.

Dessas várias definições, podemos concluir que o termo originalmente significava técnica e teoria de construção e descrição das máquinas, sofrendo uma evolução conceituai, passando a significar teoria do movimento dos corpos e das forças que o produzem. Mecânica clássica significa a teoria ou conjunto de leis do movimento proposta por Isaac Newton que, curiosamente, preferiu chamá-la de Filosofia Natural, pois que não gostava do termo. A obra capital que edifica os fundamentos da Mecânica foi por ele denominada Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. Já Galileu, em uma de suas obras mais importantes, Duas Novas Ciências, utiliza o termo mecânica no nome completo da obra: Discursos Referentes a Duas Novas Ciências a Respeito da Mecânica e dos Movimentos Locais.

Após Galileu e, principalmente, Newton, o termo, pois, deve ser entendido como o estudo do movimento e de suas causas, através de relações matemáticas precisas. É de posse deste conceito que mergulharemos no tempo, para buscar as suas origens históricas.

3. A Física, a Mecânica e a sociedade

Faremos nesta seção um resumo dos principais acontecimentos científicos ocorridos desde a Antigüidade até à época de Newton, buscando, sempre que possível, encontrar uma relação entre as descobertas científicas e as necessidades materiais ou sociais que as motivaram. Entre parênteses estão as seções em que o tema será abordado com maior profundidade.

A Física, e em particular a Mecânica, como observação, descrição e previsão do movimento, tem a sua origem histórica situada em tempos bem remotos, praticamente se confundindo nos seus primórdios com várias outras atividades científicas e técnicas precursoras como a Astronomia, a Geometria, a Cosmologia e as Engenharias de máquinas e das construções. A História da Mecânica é, assim, muito extensa. O ciclo mecânico, começado nesses tempos imemoriais, só se encerrou no começo do século XIX, quando se chegou a uma formulação matemática bastante sofisticada da Mecânica newtoniana, a chamada Mecânica Analítica. Além de muito longa, a História da Mecânica se entrelaça fortemente com atividades extra-científicas e sociais, como o comércio, as guerras, a mitologia e a religião. É impossível, pois, falar-se de uma "Mecânica ou Física Pura", isto é, isolada da sociedade vista como um todo.

A Astronomia, a Geometria, a Cosmologia e as Engenharias de máquinas e das construções surgiram com a necessidade que as diversas civilizações tinham de resolver seus problemas materiais concretos. Embora existam exceções, via de regra, na Antigüidade, as grandes idéias surgiram para resolver determinados problemas de ordem prática. Enumeraremos alguns desses exemplos.

A escrita surge provavelmente na Suméria, mais precisamente no colar de pequenas aldeias que margeavam o rio Eufrates, numa região chamada de Mesopotâmia (entre rios), pois não muito distante de lá, corre ao leste o rio Tigre, criando entre eles a região denominada de Crescente Fértil, berço da civilização ocidental. O homem ao deixar de ser nômade para se fixar nessas terras começou a semear e

pois, trocas comerciais são regidas, principalmente, pela questão do peso e volume das mercadorias. É a Economia, também, geradora da necessidade de conhecimento da Álgebra e das funções transcendentais. Na Babilônia, já se utilizavam as exponenciais para o cálculo de juros compostos.(vide 4.3)

A necessidade de contagem e enumeração de objetos dá origem à Aritmética, cujo aperfeiçoamento leva ao conceito de números fracionários. A descoberta da raiz quadrada de 2, como hipotenusa de um triângulo de catetos iguais, atribuída a Pitágoras, constitui-se numa das grandes revoluções científicas da Antigüidade, dando origem ao conceito das grandezas irracionais ou incomensuráveis, de grande importância para o desenvolvimento das Ciências Exatas e, em particular, da Mecânica (vide 5.1).

As guerras e a necessidade de defesa geram os estudos de balística. A necessidade de aferir a pureza dos metais preciosos leva Arquimedes a descobrir a lei de empuxo, base da Hidrostática (vide 5.9).

As observações astronômicas, cada vez mais cuidadosas, levam, por sua vez, à necessidade de uma Geometria cada vez mais elaborada. A Escola Pitagórica realiza assim a grande síntese dos conhecimentos geométricos do Oriente Médio (hebreus, assírios, caldeus, babilônios, dentre outros povos). Os estudos pitagóricos são grandemente aprofundados na Academia de Platão e no Liceu de Aristóteles, seguramente as duas primeiras universidades do ocidente. Nesses dois centros de pesquisa e, posteriormente, na cidade de Alexandria (norte do Egito), para onde se deslocaria a cultura grega, construiu-se a mais completa doutrina de pensamento da Antigidade: o sistema aristotélico-euclideano- ptolomaico, que reinará, absoluto, acima de qualquer suspeita, por mais de um milênio (vide 5.6).

Aristóteles, seguramente o maior pensador da Antigüidade, além de filósofo, biólogo, astrônomo, cria as primeiras leis da Mecânica, baseadas na intuição do dia-a-dia: corpos mais pesados vão para baixo, corpos mais leves para cima, e os movimentos horizontais necessitam de forças para serem produzidos e/ou mantidos (vide 5.7).

Euclides, que viveu em Alexandria cerca de três séculos a.C., produz Os Elementos , o mais completo tratado de Geometria jamais escrito, baseado no método axiomático-dedutivo no qual, com base em certos axiomas e postulados, os teoremas são demonstrados em ordem crescente de dificuldade: os mais complexos recaem nos mais simples, anteriormente demonstrados. Euclides cria também o método de redução ao absurdo , no qual considera falso algo que deseja demonstrar ser verdadeiro, chegando a contradições insustentáveis. Demostra assim que o que foi considerado anteriormente como falso deve ser necessariamente verdadeiro. Essa obra monumental, escrita em treze volumes, influenciou o pensamento ocidental quase tanto quanto a Bíblia, sendo o único sustentáculo matemático conhecido até a época de Kepler e Galileu. No século XVII, um filósofo do porte de Spinoza chegou a escrever A Ética, considerado um dos mais importantes tratados filosóficos de todos os tempos, na forma euclideana de axiomas básicos, corolários e reduções ao absurdo.

Ptolomeu, que viveu também em Alexandria, nascido por volta do ano 100 d.C., foi o maior astrônomo da Antigüidade. Na sua grande obra, o Almagest , criou um modelo teórico realmente surpreendente, descrevendo os complexos movimentos dos planetas, usando apenas a superposição de movimentos circulares com diversos raios e centros. O importante para ele era manter a Terra como centro do universo e o círculo como figura mais perfeita. A sua teoria geocêntrica só caiu com Copérnico, mais de um milênio depois (vide 5.11).

O tripé teórico constituído pela Física aristotélica, a Astronomia geocêntrica de Ptolomeu e a Geometria euclideana, era praticamente toda a ciência conhecida até o Renascimento. Entretanto, desde o início da

era cristã, o saber grego foi aos poucos sendo esquecido na Europa, principalmente a partir do Concílio de Nicéia, e substituído por um Cristianismo dogmático. O mais importante pensador do início da Idade Média foi Santo Agostinho (354-430 d.C.), que viveu numa época em que o Cristianismo se consolidava como religião oficial do Império Romano. Na sua mais importante obra, Confissões , ele tenta conciliar o Gênesis bíblico com o pensamento platônico.

Muitos séculos depois, porém ainda na Idade Média, foram feitas outras tentativas de conciliar a ciência grega ao monoteísmo bíblico e muçulmano: filósofos árabes e judeus, notadamente Averrois (Ibn Ruchd, em árabe), Alpetragius (Al Bitruji), Geber (Jabir Ibn Aflah) e Maimonides (Moshé ben Maimon), que viveram na Península Ibérica, por volta do ano 1000 d.C. (motivo pelo qual os nomes dos principais filósofos árabes e judeus foram latinizados para facilitar a pronúncia e a referência nos meios cristãos ocidentais), tentaram incorporar o saber grego (o mencionado tripé Aristóteles-Euclides-Ptolomeu) ao Islamismo e à Torá (Bíblia judaica).

No século XIII, o aristotelismo ressurgia na Europa com grande força, e Tomás de Aquino (1225-1274), talvez o mais importante pensador cristão medieval, tentou conciliá-lo com os dogmas do Cristianismo, criando um sistema chamado de escolástica que foi incorporado pela Igreja Católica medieval e alçado à condição de verdade absoluta: contestá-lo publicamente seria selar, em muitas vezes, a própria sentença de morte (vide 7, 8 e 9).

A navegação, os descobrimentos de novos continentes, as trocas de mercadorias, a criação de bancos, a circulação de bens e dinheiro geram o surgimento de uma nova classe social: a burguesia, que se opõe, naturalmente, ao poder dos príncipes e reis medievais, bem como aos dos cardeais da Igreja. É o Renascimento, que se inicia historicamente em 1453, com a reconquista da cidade de Constantinopla (atual Istambul), pelos turcos otomanos, obrigando os europeus a buscar caminhos marítimos para a rota do Oriente, onde iam adquirir iguarias como pimenta, gengibre, cravo, necessários para a conservação de alimentos (vide 6).

O pensamento ocidental sofre, a partir daí, profundas e rápidas transformações em todos os campos: científico, filosófico, religioso, moral e social. Um após outro, caem os dogmas medievais, iniciando-se uma grande revolução científica somente comparada à do século XX. Vejamos os seus principais artífices:

Copérnico (1473-1543), um monge polonês, propõe, na obra Das Revoluções dos Corpos Celestes , o sistema heliocêntrico, em que todos os planetas descrevem órbitas circulares concêntricas em torno do Sol. É uma descrição matematicamente muito mais simples do que a complicada engenhoca de Ptolomeu com seus epiciclos, eqüantes e deferentes (vide 5.8 e 6). Este modelo simples tem, no entanto, profundas implicações filosóficas e religiosas, tirando a Terra e o homem do centro do universo, catapultando-os para um ponto qualquer do espaço.

Kepler (1571-1630), após exaustiva análise de dados colhidos pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahé (1546-1601), aprimora o sistema copernicano, concluindo que as trajetórias dos planetas sequer eram circulares, mas sim elípticas, derrubando outro dogma, caríssimo dos gregos e da Igreja: os astros, como criaturas perfeitas do universo, deveriam se mover em movimento circular uniforme, pois o círculo era uma figura sacralizada. Além do mais, Kepler descobriu que o movimento não era uniforme e variava de acordo com a distância do planeta ao Sol. O próprio astrônomo alemão, um homem místico, ficou estarrecido com suas descobertas, tentando resgatar algo da harmoniosa música das esferas. Tanto fez que acabou descobrindo que as relações das velocidades, em certos pontos das trajetórias dos planetas,

Gráfico 1

O primeiro, mais abaixo, é o eixo dos tempos, em que são listados, evidentemente em ordem temporal, os eventos mais marcantes da história da humanidade.

O segundo eixo - de baixo para cima - é o das filosofias e religiões, em que estão representados os fatos de maior relevância nestas áreas.

O terceiro, quarto e quinto eixos são os da Matemática, Astronomia e Física, que até o Renascimento seguiam paralelamente, sem pontos em comum. A partir daí, estas ciências começaram a convergir tematicamente até que, em 1642 (data simbolicamente escolhida como a da morte de Galileu e nascimento de Newton), interceptaram-se formando uma única atividade: a Mecânica clássica que, com algumas elaborações matemáticas mais sofisticadas, introduzidas no século XVIII, evolui ganhando o nome de Mecânica Analítica.

No século XIX, mais duas grandes sínteses são produzidas. A síntese maxwelliana funde Eletricidade, Magnetismo e Óptica, em apenas quatro equações, escritas com derivadas parciais. A Termodinâmica, que estuda o calor, funde-se, por outro lado, à teoria cinética dos gases, através do cálculo de probabilidades, gerando a Mecânica Estatística, numa grande síntese que tem Boltzmann, novamente

Maxwell, Gibbs, Clausius, Carnot e Helmholtz, entre outros, como seus grandes idealizadores.

No século XX, ocorrem novas e radicais revoluções científicas que acabam por destronar a Mecânica clássica de sua privilegiada posição. A Relatividade Restrita e a Geral vêm para subverter as leis de movimento e a lei de gravitação de Newton, respectivamente, e a Mecânica Quântica vêm para desmantelar, por completo, todo o determinismo cartesiano- newtoniano-laplaceano, introduzindo no pensamento científico ocidental idéias de incerteza, dualidade e probabilidade. É o fim de um império científico de mais de dois séculos de existência. Finalmente, o Eletromagnetismo funde-se à Relatividade Restrita e à Mecânica Quântica, numa espetacular síntese chamada de Teoria Quântica dos Campos, na qual somente o campo gravitacional não foi ainda incorporado. O gráfico 2 é um resumo simplificado do gráfico anterior, contendo os marcos significativos da evolução da ciência.

Gráfico 2

4. A Mecânica e o cosmos segundo os povos antigos

Abordaremos, nesta seção, com mais detalhes que na seção anterior, as principais descrições mitológicas, filosóficas e científicas dadas pelos povos antigos. Neste longo período da história da humanidade, que vai aproximadamente de 3000 a.C. a 100 d.C., portanto mais de três milênios, não se podia falar numa Mecânica ou Física propriamente dita, mas apenas em atividades afins, como a Cosmogonia (descrições e interpretações mitológicas acerca da origem do universo), a Astronomia, a Geometria e a técnica de utilização das máquinas simples.

4.1. Os mitos de Criação do Universo: Estrutura e Arquétipos

As primeiras concepções sobre a criação do universo, de suas leis e de suas criaturas eram de natureza mítica ou religiosa. Somente a partir do século V, com os primeiros filósofos gregos, chamados de présocráticos, a visão mítica e cosmogônica foi sendo substituída pelo pensamento filosófico que evoluiu, por sua vez, para uma abordagem científica da realidade: a cosmogonia e a mitologia dos povos antigos foram assim as idéias embrionárias que, lentamente, ao longo de milênios, evoluíram para dar origem à Cosmologia, à Mecânica e à Física. Não teríamos receio em afirmar que os mitos de criação do universo, os chamados mitos cosmogônicos, podem ser considerados a Física de nossos antepassados. Mas, afinal, o que vem a ser um mito cosmogônico? São histórias que nossos ancestrais transmitiam de geração a geração e que descrevem como o universo foi criado por uma ou mais entidades sobrenaturais, as chamadas divindades. Essas histórias fazem parte da tradição oral dos povos e visam sempre reafirmar os seus valores morais , religiosos ou éticos. Todas as civilizações antigas tinham um ou mais mitos de criação para responder basicamente às seguintes questões: