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TA PAstane a Folhas Dev e saberes da docência. In: PIMENTA (org.) 99, p.15-34. (Pasta) de professores: identidade Prof” Maria Isabel de Almeida (2º sem/2002) Saberes pedagógicos e atividade docente. S. Paulo, Cortez. 19º Curso de Didática - ão 14. PIMENTA, Selma G. Formaçi Saberes pedagógicos e atividade docente Selma Garrido Pimenta (Organização) Sumário Apresentação da Coleção ......cccitserereeeeerenes % PrefáCiO: cu acsuns esmo somas eres e mo nerimaco brita dê 9 1. Professor: formação, identidade e trabalho docente Formação de professores: identidade e saberes da docência Selma Garrido Pimenta ......cccccscsesestrmanentes 15 Trabalho docente: autonomia didática e construção do saber pedagógico Sandra Azzi ....ceceeserererererencerenereavaness 35 1. Emancipação e construção do sujeito Concepções pedagógicas e emancipação humana: um estudo crítico Regina Maria G. Pereira Lopes .....cecesesteeemess 61 Juventude, escola e sociabilidade Maria Ornélia da Silveira Marques ....ccceteneeees 83 Educação e solidariedade: a pedagogia jesuítica hoje Luiz Fernando Klein ....cccccccsererenerenenenees 121 MI. Caráter público da educação Os conceitos de público e privado e suas implicações na organização escolar Marlene O. L. Faleiro ....cccctstsereereneeneraees 151 pe Formação de professores: identidade e saberes da docência SELMA GARRIDO PIMENTA? Para que professores numa sociedade que, de há muito, superou não apenas a importância destes na formação das crianças e dos jovens, mas também é muito mais ágil e eficaz em trabalhar as informações? E, então, para que formar pro- fessores? Contrapondo-me a essa corrente de desvalorização profissional do professor e às concepções que o consideram como simples técnico reprodutor de conhecimentos e/ou monitor de programas pré-elaborados, tenho investido na formação de professores, entendendo que na sociedade contemporânea cada vez mais se torna necessário o seu trabalho enquanto mediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, para o que concorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares. O que, me parece, impõe a necessidade de repensar a formação de professores. Repensar a formação inicial e contínua, a partir da análise das práticas pedagógicas e docentes, tem se revelado uma das demandas importantes dos anos 90 (Cunha, 1989; Zeichner, 1993; Perrenoud, 1994; Pimenta, 1994; André, 1994; Garcia, 1994; Benedito et al. 1995). Suportando essa perspectiva está o entendimento de que as teorias da reprodução, que nos anos 70-80 tanto colaboraram para explicar o fr so escolar, de- * Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), monstrando sua produção enquanto reprodução das desigualdades sociais, não são suficientes para a compreensão das mediações pelas quais se opera a produção das desigualdades nas práticas pedagógica e docente que ocorrem nas organizações escolares. Mediações essas representadas nas ações dos docentes, dos alunos, dos pais; decorrentes do funcionamento das organizações escolares, das políticas curriculares e dos sistemas de ensino e das inovações educativas. Pesquisas recentes têm se voltado à análise da prática docente, indagando-se por que, nas práticas pedagógicas e nas organizações escolares, se praticam teorias outras que não necessariamente aquelas produzidas pelas recentes investigações das ciências da educação. (Becker, 1995) Em decorrência, têm colocado em foco a formação dos professores — a inicial e a contínua. Em relação à formação inicial, pesquisas (Piconez, 1991; Pimenta, 1994; Leite, 1995) têm demonstrado que os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma nova iden- tidade do profissional docente. No que se refere à formação contínua, a prática mais frequente tem sido a de realizar cursos de suplência e/ou atualização dos conteúdos de ensino. Esses programas têm se mostrado pouco eficientes para alterar a prática docente e, consequentemente, as situações de fracasso escolar, por não tomarem a prática docente e pedagógica escolar nos seus contextos. Ao não as colocar como o ponto de partida e o de chegada da formação, acabam por, tão-somente, ilustrar individualmente o professor, não lhe possibilitando articular e traduzir os novos saberes em novas práticas (Fusari, 1988). É nesse contexto que as pesquisas sobre a prática estão anunciando novos caminhos para a formação docente. Um deles refere-se à discussão sobre a identidade profissional do professor, tendo como um de seus aspectos a questão dos saberes que configuram a docência (Houssaye, 1995; Pimenta, 1996a). 16 Nos últimos anos tenho desenvolvido o ensino de didática nos cursos de licenciatura e realizado pesquisas sobre formação inicial e contínua de professores. É a partir dessas experiências que exponho algumas reflexões, com o desafio de colaborar para a formação de professores. Nos cursos de formação inicial, tenho utilizado a produção de pesquisas em didática a serviço da reflexão dos alunos e da constituição de suas identidades como professores. Ao mesmo tempo, problematizando-as diante da realidade do ensino nas escolas, procuro desenvolver nos alunos uma atitude investigativa. Nesse contexto, estamos empenhados em ressignificar os processos formativos a partir da reconsideração dos saberes necessários à docência, colocando a prática pedagógica e docente escolar como objeto de análise. Colaborando na construção da identidade do professor — alguns pressupostos Na licenciatura, meus alunos são originários dos diferentes Institutos e Faculdades da USP: Letras, Física, Filosofia, História, Educação Física, Matemática, Ciências Sociais, Artes Plásticas, Química... juntos! O que nos coloca constantemente como desafio trabalhar com suas diferentes linguagens, discursos e representações. Suas descrenças (em relação ao curso, à pro- fissão, às suas escolhas profissionais, à didática). Suas crenças (a uma didática prescritiva e de instrumentalização técnica do fazer docente). Tenho optado por trabalhar com esses alunos juntos, pois no curso são colocados, pela primeira vez, diante da necessidade de se perceberem enquanto professores (futuros) trabalhando coletivamente nas escolas, isto é, pela primeira vez enfrentando o desafio de conviver (falar e ouvir) com linguagens e saberes diferentes daqueles de seus campos específicos. O que me parece essencial para o trabalho interdisciplinar e coletivo nas escolas. Para além da finalidade de conferir uma habilitação legal ao exercício profissional da docência, do curso de formação inicial se espera que forme o professqr. Ou que colabore para 17 Os saberes da docência Os saberes da docência — a experiência Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial, já têm saberes sobre o que é ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida escolar. Experiência que lhes possibilita dizer quais foram os bons professores, quais eram bons em conteúdo mas não em didática, isto é, não sabiam ensinar. Quais pro- fessores foram significativos em suas vidas, isto é, contribuíram para sua formação humana. Também sabem sobre o ser professor por meio da experiência socialmente acumulada, as mudanças históricas da profissão, o exercício profissional em diferentes escolas, a não valorização social e financeira dos professores, as dificuldades de estar diante de turmas de crianças e jovens turbulentos, em escolas precárias; sabem um pouco sobre as representações e os estereótipos que a sociedade tem dos professores, através dos meios de comunicação. Outros alunos já têm atividade docente. Alguns, porque fizeram o magistério no ensino médio; outros, a maioria, porque são professores a título precário? Sabem, mas não se identificam como profes- sores, na medida em que olham o ser professor e a escola do ponto de vista do ser aluno. O desafio, então, posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor. Isto é, de construir a sua identidade de professor. Para o que os saberes da experiência não bastam. Em outro nível, os saberes da experiência são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente, num processo permanente de reflexão sobre sua prática, me- diatizada pela de outrem — seus colegas de trabalho, os textos produzidos por outros educadores. É aí que ganham importância 2. Apesar de a legislação brasileira regulamentar o exercício docente somente aos habilitados, a mesma legislação faculta, em disposições transitórias, o exercício da docência a qualquer cidadão. Some-se a isso que a persistência dos baixos salários e precárias condições de exercício profissional impulsionam os professores habilitados a outros setores de trabalho. 20 na formação de professores os processos de reflexão sobre a própria prática (Schôn, 1990) e do desenvolvimento das habi- lidades de pesquisa da prática (Martins, 1989; Demo, 1990; Laneve, 1993; André, 1994). Os saberes da docência — o conhecimento Os alunos cursam a licenciatura na FE-USP após e/ou ao final de suas respectivas graduações. Alguns, os de Física e Matemática, começam antes, pois fazem parte de um Projeto Experimental de Licenciatura que está se iniciando em parceria com os respectivos Institutos. De modo geral, têm a clareza de que serão professores de... (conhecimentos específicos), e concordam que sem esses saberes dificilmente poderão ensinar (bem). No entanto, poucos já se perguntaram qual o significado que esses conhecimentos têm para si próprios; qual o significado desses conhecimentos na sociedade contemporânea; qual a diferença entre conhecimentos e informações; até que pofito conhecimento é poder; qual o papel do conhecimento no mundo do trabalho; qual a relação entre ciência e produção material; entre ciência e produção existencial; entre ciência e sociedade informática: como se colocam aí os conhecimentos históricos, matemáticos, biológicos, das artes cênicas, plásticas, musicais, das ciências sociais e geográficas, da educação física. Qual a relação entre esses conhecimentos? Para que ensiná-los e que significados têm na vida das crianças e dos jovens (alunos dos quais serão professores)? Como as escolas trabalham o conhe- cimento? Que resultados conseguem? Que condições existem nas escolas para o trabalho com o conhecimento na sociedade atual? Como o trabalho das escolas com o conhecimento produz o fracasso escolar? Para fundamentar os encaminhamentos dessas indagações, comecemos por explicitar o que entendemos por conhecimento, valendo-nos da colaboração de Edgar Morin (1993). Conheci- mento não se reduz a informação. Esta é um primeiro estágio daquele. Conhecer implica um segundo estágio: o de trabalhar com as informações classificando-as, analisando-as e contex- tualizando-as. O terceiro estágio tem a ver com a inteligência, 21 a consciência ou sabedoria. Inteligência tem a ver com a arte de vincular conhecimento de maneira útil e pertinente, isto é, de produzir novas formas de progresso e desenvolvimento; consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas formas de existência, de humanização. E é nessa trama que se pode entender as relações entre conhecimento e poder. A informação confere vantagens a quem a possui, senão as sociedades não se armariam contra a divulgação de informações, nem as manipulariam. O acesso à informação não se dá igualmente a todos os cidadãos. Então é preciso informar e trabalhar as informações, para se construir a inteligência. Mas a inteligência pode ser cega e isso afeta o poder do conhecimento, uma vez que o poder não é intrínseco àqueles que produzem conhecimento, senão que àqueles que controlam os produtores de conhecimento. Um enorme poder flui do conhecimento, mas não daqueles que o produzem. Portanto, não basta produzir conhecimento, mas é preciso produzir as condições de produção do conhecimento. Ou seja, conhecer significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da vida material, social e existencial da humanidade. Qual a possibilidade de a escola trabalhar o conhecimento? A escola, de formas que variam na sua história, desde há muito trabalha o conhecimento. A velha polêmica de que se ela forma ou informa e a sua reiterada incapacidade diante das mídias tecnológicas na difusão de informações é tema Tecorrente em vários fóruns. A discussão se acentua no presente com a terceira revolução industrial, onde os meios de comu- nicação, com sua velocidade de veicular a informação, deixa mais explícita a inoperância da escola. E dos professores. No entanto, se entendemos que conhecer não se reduz a se informar, que não basta expor-se aos meios de informação para adquiri-las, senão que é preciso operar com as informações na direção de, a partir delas, chegar ao conhecimento, então parece-nos que a escola (e os professores) tem um grande trabalho a realizar com as crianças e os jovens, que é proceder à mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no sentido de possi- bilitar-lhes pelo desenvolvimento da reflexão adquirirem a sa- bedoria necessária à permanente construção do humano. 22 Nesse sentido, estamos entendendo que a educação é um processo de humanização; que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante. Enquanto prática social, é realizada por todas as instituições da sociedade. Enquanto processo sistemático e intencional, ocorre em algumas, dentre as quais se destaca a escola. A educação escolar, por sua vez, está assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos, cuja finalidade é contribuir com o processo de humanização de ambos pelo trabalho coletivo e interdisciplinar destes com o conhecimento, numa perspectiva de inserção social crítica e transformadora. Ou seja, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano, cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode desfrutar, revela-se também uma sociedade con- traditória, desigual, em que grande parte dos seres humanos está à margem dessas conquistas, dos benefícios do processo civilizatório. Assim, educar na escola significa ao mesmo tempo preparar as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual — da sua riqueza e dos seus problemas — para aí atuarem. Isso requer preparação científica, técnica e social. Por isso, a finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e recons- truí-los com sabedoria. O que implica analisá-los, confrontá-los, contextualizá-los. Para isso, há que os articular em totalidades que permitam aos alunos irem construindo a noção de “cidadania - mundial”? 9 Tarefa complexa, pois, a da escola e de seus professores. Discutir a questão dos conhecimentos nos quais são especialistas (história, física, matemática, das línguas, das ciências sociais, das artes...) no contexto da contemporaneidade constitui um segundo passo no processo de construção da identidade dos professores no curso de licenciatura. 3. Parafrascando expressão utilizada por Morin (1993) de que o “desafio do século 21 será gerar uma cidadania mundial”. 23 formados (ou seja, tomar a prática existente como referência para a formação) e refletir-se nela. O futuro profissional não pode constituir seu saber-fazer senão a partir de seu próprio fazer. Não é senão sobre essa base que o saber, enquanto elaboração teórica, se constitui. Freqientando os cursos de formação, os futuros professores poderão adquirir saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falar em saberes pedagógicos. “A especificidade da formação pedagógica, tanto a inicial como a contínua, não é refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que se deve fazer, mas sobre o que se faz”. (Houssaye, 1995:28) Os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas, confrontando-os. E aí que se produzem saberes pedagógicos, na ação. Nos cursos de formação tem se praticado o que o autor chama de “ilusões”: a ilusão do fundamento do saber pedagógico no saber disciplinar — eu sei o assunto, consequentemente, eu sei o fazer da matéria; a ilusão do saber didático — eu sou especialista da compreensão do como fazer saber tal ou tal saber disciplinar, portanto, eu posso deduzir o saber-fazer do saber; a ilusão do saber das ciências do homem — eu sou capaz de compreender como funciona a situação educativa, posso, então, esclarecer o sa- ber-fazer e suas causas; a ilusão do saber pesquisar — eu sei como fazer compreender, por meio-de tal ou tal instrumento qualitativo e quantitativo, por isso eu considero que o fazer-saber é um bom meio de descobrir o saber-fazer, mais ou menos como se a experiência se reduzisse à experimentação; a ilusão do saber-fazer — na minha classe, eu sei como se faz, por isso eu sou qualificado para o fazer-saber. A última ilusão (a dos práticos) não é a dominante entre os cientistas da educação. A estes fica colocada a questão do para que serve seu saber, se não instrumentaliza a prática. Qual o interesse das ciências da educação para as práticas? Os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora. Mas os práticos não os geram só com o saber da prática. As práticas pedagógicas 26 se apresentam nas ciências da educação com estatuto frágil: reduzem-se a objeto de análise das diversas perspectivas (história, psicologia etc.). É preciso conferir-lhes estatuto epistemológico. Admitindo que a prática dos professores é rica em pos- sibilidades para a constituição da teoria, Laneve (1993) preo- cupa-se em como o professor pode construir teoria a partir da prática docente. Aponta, entre outros fatores, o registro siste- mático das experiências, a fim de que se constitua a memória da escola. Memória que, analisada e refletida, contribuirá tanto à elaboração teórica quanto ao revigoramento e o engendrar de novas práticas. Nas práticas docentes estão contidos elementos extrema- mente importantes, como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está configurada teoricamente. A prática de documentação, no entanto, requer que se estabeleçam critérios. Documentar o quê? Não tudo. Documentar as escolhas feitas pelos docentes (o-saber que os professores vão produzindo nas suas práticas), o processo e os resultados. Não se trata de registrar apenas para a escola, individualmente tomada, mas de forma a possibilitar os nexos mais amplos com o sistema. Documentar não apenas as práticas tomadas na sua concreti- cidade imediata, mas buscar a explicitação das teorias que se praticam, a reflexão sobre os encaminhamentos realizados em - termos de résultados conseguidos. A importância da memória/estudo da experiência, segundo Laneve, constitui potencial para elevar a qualidade da prática escolar, assim como para elevar a qualidade da teoria. Esse entendimento implica uma reorientação da pesquisa em didática — tomar o ensino escolar enquanto uma prática social, e nas demais ciências da educação, tomar a educação enquanto prática social para, então, se construir novos saberes pedagógicos: da prática e para a prática (Libâneo, 1996). Os saberes pedagógicos podem colaborar com a prática. Sobretudo se forem mobilizados a partir dos problemas que a 27 prática coloca, entendendo, pois, a dependência da teoria em relação à prática, pois esta lhe é anterior. Essa anterioridade, no entanto, longe de implicar uma contraposição absoluta em relação à teoria, pressupõe uma íntima vinculação com ela. Do que decorre um primeiro aspecto da prática escolar: o estudo e a investigação sistemática por parte dos educadores sobre sua própria prática, com a contribuição da teoria pedagógica (Pimenta, 1996a) Para isso, um curso de formação inicial poderá contribuir não apenas colocando à disposição dos alunos as pesquisas sobre a atividade docente escolar (configurando a pesquisa como princípio cognitivo de compreensão da realidade), mas procurando desenvolver com eles pesquisas da realidade escolar, com o objetivo de instrumentalizá-los para a atitude de pesquisar nas suas atividades docentes. Ou seja, trabalhando a pesquisa como princípio formativo na docência. Então, o conhecer diretamente e/ou por meio de estudos as realidades escolares e os sistemas onde o ensino ocorre, ir às escolas e realizar observações, entrevistas, coletar dados sobre determinados temas abordados nos cursos, problematizar, propor e desenvolver projetos nas escolas; conferir os dizeres de autores e da mídia, as representações e os saberes que têm sobre a escola, o ensino, os alunos, os professores, nas escolas reais; começar a olhar, ver e analisar as escolas existentes com olhos não mais de alunos, mas de futuros professores, é um terceiro passo que temos realizado na tentativa de colaborar com a construção da identidade dos professores. Refletir na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação — uma proposta metodológica para uma identidade necessária de professor Configurando-se como uma articulação possível entre pes- quisa e política de formação, as novas tendências investigativas sobre formação de professores valorizam o que denominam o professor reflexivo (Schón, 1990; Alarcão, 1996). Opondo-se à racionalidade técnica que marcou o trabalho e a formação 28 de professores, entende-o como um intelectual em processo contínuo de formação. Enquanto tal, pensar sua formação significa pensá-la como um contintum de formação inicial e contínua. Entende, também, que a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidia- namente vivenciadas nos contextos escolares. É nesse confronto e num processo coletivo de troca de experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes como praticum, ou seja, aquele que constantemente reflete na e sobre a prática. Deslocando o debate sobre formação de professores de uma perspectiva excessivamente centrada nos aspectos cur- riculares e disciplinares para uma perspectiva centrada no terreno profissional, Nóvoa (1992) evoca o percurso histórico da for- mação da profissão docente para pensar a formação de pro- fessores. Opondo-se à racionalidade técnica do trabalho dos professores compreendidos como funcionários (ora da Igreja, ora do Estado), mero aplicadores de valores, normas, diretrizes e decisões político-curriculares, aponta para a importância do triplo movimento sugerido por Schón, da reflexão na ação, da reflexão sobre a ação e da reflexão sobre a reflexão na ação, enquanto constituinte do professor compreendido como profis- sional autônomo (relativamente autônomo). Utilizando-se das colaborações de vários autores em suas investigações em diferentes países, Nóvoa propõe a formação numa perspectiva que denomina crítico-reflexiva, que “forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de formação autoparticipada (1992:25).- Daí considerar três processos na formação docente: produzir a vida do professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente (desenvolvimento profissional), produzir a escola (desenvolvimento organizacional). Produzir a vida do professor implica valorizar, como conteúdos de sua formação, seu trabalho crítico-reflexivo sobre as práticas que realiza e sobre suas experiências compartilhadas. Nesse sentido, entende que a teoria fornece pistas e chaves de leitura, mas o que o adulto retém está ligado a sua experiência. Mas isso não significa ficar ao nível dos saberes individuais. 29 As reflexões sistematizadas nesse texto apresentam um caráter inconcluso, uma vez que a pesquisa encontra-se em processo. Acompanhando, com a utilização de observações, entrevistas e discussões em grupos a prática de professores, que foram alunos de nossos cursos, em escolas públicas, esperamos consolidar novos saberes sobre os processos iden- titários e de construção de saberes por professores em suas práticas. E, nesse sentido, colaborar para as decisões sobre cursos de formação de professores e a valorização da docência enquanto mediação para a superação do fracasso escolar. Referências bibliográficas ALARCÃO, Isabel. Reflexão crítica sobre o pensamento de Donald Schôn e os programas de formação de professores. In: (org.) Formação reflexiva de professores — estratégias de supervisão. Porto, Porto, 1996. ANDRÉ, Marli. O papel da pesquisa na articulação entre saber e prática docente. 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Uma disciplina que vem estudando esse processo é a Didática, com a qual venho trabalhando, juntamente com a Avaliação do processo de ensino-aprendizagem. A experiência de um professor de Didática reveste-se de uma característica singular: o exercício da docência ao mesmo tempo em que se fala sobre ela, refletindo sobre o ensino com sujeitos que possuem vivência escolar quer como alunos, quer como profes- sores. Essa reflexão, acompanhada da ação, é, simultaneamente, contraditória e propulsora de questionamentos necessários a um desenvolvimento teórico-metodológico do fazer pedagógico. * Este artigo faz parte de reflexões desenvolvidas na tese de doutoramento Da autonomia negada à autonomia possível. Trabalho docente na escola pública capitalista: um estudo a partir da sala de aula, defendida pela autora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), em 1994, sob a orientação da Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta. ** Profa. Dra. aposentada da FAE-UFMG. 35