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POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL DE BELO HORIZONTE: O Cotidiano de uma Utopia
Tipologia: Notas de estudo
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Compartilhado em 28/09/2011
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Em oferta
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1ª edição
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Secretário Municipal de Saúde de Belo Horizonte
Comissão Organizadora
Coordenação de Saúde Mental
A Saúde Mental na Atenção Básica de Saúde: Uma Parceria com as Equipes de Saúde da Família
Saúde Mental e PSF: Testemunho de Um Trabalho Conjunto
Uma Clínica Possível em Saúde Mental
PSF e Saúde Mental: Compartilhando Histórias
Integração do Programa Saúde da Família com o Programa de Saúde Mental em um Centro de Saúde de Belo Horizonte
A Interface Saúde Mental, Programa de Saúde da Família e Cersam na Área de Abrangência do Centro de Saúde Tupi
Paisagens Humanas, Paisagens Urbanas
4 P OLÍTICA DE SAÚDE M ENTAL DE B ELO HORIZONTE
Uma Corrente Sem Quebra
A Criança e o Adolescente: Experiências da Atenção Básica
Yuri, “Uma Criança Problema?”: Uma Interface entre a Saúde Mental e a Educação
A Experiência da Equipe Complementar de Atenção à Saúde Mental da Criança e do Adolescente: Um Novo Olhar
Intervenção a Tempo e Tempo de Invenções: A Clínica com Bebês e seus Pais na Saúde Mental
Novos Caminhos
Resposta à Crise: A Experiência de Belo Horizonte
Ao Estrangeiro da Razão: Hospitalidade Incondicional
Os Auxiliares de Enfermagem e a Rede de Saúde Mental de Belo Horizonte
A Linha e a Letra
Centros de Convivência: Novos Contornos na Cidade
6 P OLÍTICA DE SAÚDE M ENTAL DE B ELO HORIZONTE
Múltiplas Dobras: População de Rua e Políticas Públicas
Eu Odeio Carnaval! (Mas Amo a Luta Antimanicomial!)
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O Sistema Único de Saúde, audácia reivindicada pela sociedade brasileira no bojo da luta pela democracia, mais que estabelecer um direito, criou uma marca. Desde sua instituição em 1988 (há apenas duas décadas!), a saúde transpõe, em passos firmes e seguidos, o fosso que separa os bens coletivos dos objetos de consumo, ganhando consistência e visibilidade como um dos instrumentos mais potentes na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, ao mesmo tempo em que altera geografias e modos de viver, alcançando existências que a exclusão tornava anônimas e invisíveis. Dores e sofrimentos que a sociedade não via, seja por desconhecimento ou por negligência, ganham rosto, nome e história, tornam-se uma questão pública e enquanto tal interpelam gestores e cidadãos e, mais, exigem solução. Foi assim com os portadores de sofrimento mental, sujeitos que a ciência e a política pública condenaram à não-existência e à humilhante condição de exilado da cidadania. O manicômio, ou melhor, o hospital psiquiátrico, nome “moderno” de um mesmo modo de exclusão, seus muros e interditos, são o real obstáculo ao exercício da cidadania do portador de sofrimento mental, mas sobretudo, o impedimento real para o fluir da vida destas pessoas. A experiência nos autoriza, nos dá liberdade e segurança para afirmar nosso repúdio à exclusão; testemunhamos o antes e o depois de uma condição social; conhecemos o interior e os efeitos de duas práticas, a do hospício e a da rede de serviços substitutivos. É do privilegiado lugar de profissional de saúde, mas também como gestor da política de saúde e de saúde mental que, sem medo de errar, declaramos, fazendo coro com os usuários: hospício para nós, nunca mais! Interessa-nos produzir mais que cuidado em saúde, a ousadia de poder inventar a saúde como uma prática, como um sistema público, que seja capaz de assistir e aliviar a dor dos sujeitos, ajudando-os a descobrir o seu modo de “gastar a vida”, de consumirem-se no combustível que nos move: nosso desejo de viver, de descobrir o singular de nossa condição humana, ao mesmo tempo em que
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Estamos em festa! Orgulhosas, estamos comemorando os 15 anos da Política de Saúde Mental de Belo Horizonte (1993-2008), e foi pensando nessa conquista, tão cara para nós, que aceitamos o convite da Coordenação de Saúde Mental para participar da Comissão Editorial deste livro. Constituímos um coletivo, formado por pessoas de diferentes dispositivos da Saúde Mental de Belo Horizonte: trabalhadores e gestores, dos Centros de Convivência, CERSAMs, Centros de Saúde e nível central. Cada um desses locais e cada uma de nós, em conjunto com os demais que se encontram no espaço da cidade, formam a rede de serviços e ações que nos permitem dispensar o recurso ao hospital psiquiátrico e garantir aos nossos usuários, tão orgulhosos quanto nós, o direito à liberdade e cidadania. Os atores dessa Política têm construído, ao longo dos anos, a possibilidade concreta de inserção da loucura no território de Belo Horizonte. Sabemos dos desafios que se apresentam e das conquistas alcançadas. Gostaríamos, aqui, de parabenizar a todos, profissionais, gestores, usuários, familiares e parceiros, que transformaram em realidade o que há tão pouco tempo era apenas sonho. Este livro, assim como a nossa Política, é o testemunho de um trabalho feito por muitos, e reúne depoimentos de seus protagonistas, assim como as produções artísticas dos usuários e suas falas, refletindo a pluralidade baseada em uma mesma orientação ética. Os textos apresentados trazem na sua estrutura as diretrizes e o percurso que a este projeto são inerentes, divididos em quatro eixos: Construindo Caminhos em Rede - Traz a fértil e bela experiência dos profissionais de Saúde Mental dos Centros de Saúde e os do Programa Saúde da Família, numa parceria que muito tem ensinado e potencializado o cuidado a nosso usuário. Acolhendo o que Transborda - Vem nos apresentar a face da urgência e da crise e seus ousados locais de acolhimento, tão necessários para fazer frente
“A liberdade é só presente, não promete pro futuro não comete ter saudade” Tom Zé
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aos hospitais psiquiátricos. Belo Horizonte tem de fato cumprido sua missão de substituir os manicômios e isso só é possível porque, estrategicamente, incluiu o atendimento à crise como sua prioridade política. Estendendo a rede - Reflete toda a riqueza dos dispositivos que possibilitam o encontro dos usuários com a arte, com o trabalho cooperado, com o habitar/morar, enquanto direitos inalienáveis do cidadão e dos espaços de planejamento e reflexão tão importantes na realização de nosso trabalho. Conquistando a Cidade - Traz o depoimento e posição de nossos diversos parceiros, artífices de uma Belo Horizonte sem manicômios, e faz um registro do vigor da intersetorialidade da Política de Saúde Mental com os vários segmentos da sociedade. Por fim, muitas e gratas foram as surpresas com os trabalhos recebidos, mas nem todos puderam ser contemplados. Agradecemos a todos aqueles que, em suas generosas contribuições, responderam ao convite. Essa edição revela a construção de uma Política sólida, consistente, corajosa, que aceita os preceitos e desafios da Reforma Psiquiátrica, construindo verdadeiramente “Uma Sociedade sem Manicômios”. Convidamos você, leitor, a mergulhar em meio à beleza das cores, à leveza dos poemas e na profundidade dos textos. Comissão Organizadora Kelly Nilo Psicóloga do Cersam Barreiro e Centro de Saúde Lindéia. Maria Auxiliadora Barros Morais Psicóloga do Cersam Noroeste e Centro de Saúde Jardim Montanhês. Maria Betânia de Lima Guimarães Terapeuta Ocupacional. Gerente do Centro de Convivência Providência. Maria Eliza Vasconcelos Farmacêutica. Gerente do Centro de Convivência Carlos Prates. Maria Tereza Granha Nogueira Psicóloga do Cersam Venda Nova e membro da Coordenação de Saúde Mental. Miriam Nadim Abou-Yd Psiquiatra, Psicóloga, Coordenadora de Saúde Mental.
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de processos que contribuem para a construção de novos modos de viver, de cuidar e se relacionar com o corpo, com o outro e com a cidade. Um processo de transformação que afeta a existência dos sujeitos e altera a geografia do lugar em que estes vivem. A capacidade transformadora de uma política de saúde encontra na Saúde Mental, talvez, sua maior evidência, na medida em que esta, quando levada a sério, quando tomada em sua radicalidade, é capaz de mudar o cenário e subverter o traçado único pela pluralidade de caminhos, cuidando, porém, de não confundir pluralidade com ecletismo. Não se trata, para esta política, de associar caminhos de orientações distintas; nem tampouco se admite a conjugação de rotas opostas, mas de acolher e oferecer percursos que conduzam sempre à inclusão de todos. Numa publicação anterior que registra um momento da história de construção do SUS-BH: “Sistema Único de Saúde, Reescrevendo o Público” encontra-se a afirmação das intenções da Política de Saúde Mental de Belo Horizonte: substituir o hospital psiquiátrico e incluir na cidade o portador de sofrimento mental. O artigo “A cidade e a Loucura – Entrelaces” registra as concepções e os princípios que fundamentam a política e orientam os serviços, as expectativas para o futuro que o aguardava, além de testemunhar o esforço e a valorização dada ao trabalho de reflexão e sistematização de um conhecimento originado pela prática. Um marco, cuja clareza contribui na elucidação de dúvidas e na formulação de novas propostas. Em quinze anos de percurso, a Política de Saúde Mental de Belo Horizonte, em meio a avanços e recuos, vem construindo uma das mais ousadas experiências de Reforma Psiquiátrica no país, ao articular dois objetivos estratégicos: a implantação de uma rede de serviços substitutiva e a desativação de leitos psiquiátricos, metas que possibilitaram, no decorrer destes anos, o fechamento expressivo de 1.600 leitos e de dois hospitais psiquiátricos. Igualmente expressiva é sua rede: são sete Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM), todos funcionando 24 horas (CAPS III), nove Centros de Convivência, 58 Equipes de Saúde Mental nos Centros de Saúde, dez Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), um Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturna, a Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários e nove Equipes Complementares de Atenção à Criança e ao Adolescente. Estes dispositivos contam com a parceria de dois importantes recursos da Rede de Saúde que são o SAMU e as Equipes de Saúde da Família, num total de 508 em toda a cidade. Passarão, em breve, a integrar a rede e suprimir duas de suas deficiências, o CERSAM-ad (para os usuários de álcool e outras drogas) e o CERSAMi (para a clientela infanto-juvenil). Duas novas dezenas de Serviços Residenciais Terapêuticos serão criados como medida imprescindível ao fechamento de mais um hospital psiquiátrico: a Clínica Nossa Senhora de Lourdes. A rede de atenção à criança e ao adolescente
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também será ampliada, com a expansão do “Arte da Saúde” para todas as regionais, respondendo de forma criativa e inclusiva às demandas e embaraços dos “pequenos sujeitos”. A continuidade de um percurso contribui, sem dúvida, para seu avanço. Ainda assim, seria ingênuo pensar e afirmar que o mesmo ocorreu sempre em condições iguais ou favoráveis. Recuos e avanços fazem parte de todo processo histórico e não foi diferente com a Política de Saúde Mental de Belo Horizonte. Ao primeiro momento de impulso e introdução desta política, sucederam-se outros, onde a construção prosseguia, apontando contudo para uma direção distinta da que lhe deu origem. Um terceiro tempo então se fez necessário. Uma escanção, um intervalo de tempo para refletir e construir saídas: assim foi o início do ano de 2003, momento do debate e construção de estratégias necessárias para retomar princípios, avaliar a prática, recompor serviços e equipes, e criar novos dispositivos de modo a possibilitar a superação de impasses e dificuldades experimentadas pelos trabalhadores e usuários no cotidiano da experiência. Várias intervenções foram propostas e a maioria foi plenamente realizada. Das mais sutis – a reformulação do modo de funcionamento dos SRTs, por exemplo, às mais evidentes, como a implantação do Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturna e da Hospitalidade Noturna ou a criação de uma Política de Inclusão Produtiva, a Incubadora, um único propósito: a reafirmação da ética antimanicomial como diretriz da política e a articulação do trabalho em rede. Rede – como conceito e materialidade – tece e possibilita um acontecimento novo na cultura, que é a inclusão da loucura na cidade e na cidadania. Na sustentação desta idéia e desta prática destaca-se, viva e nitidamente, o desejo decidido daqueles que emprestam seus corpos para substituir os muros e as grades e inventam novos modos de cuidar: os trabalhadores de Saúde Mental, sujeitos que se fazem endereço e referenciam os novos percursos dos portadores de sofrimento mental. Causados pelo desejo de fazer diferente, perseguem em sua prática a construção da utopia de uma sociedade sem manicômios. Ao seu lado, e como novos parceiros da loucura, encontram-se os ACS (Agentes Comunitários de Saúde), autorizados pela política, bem como pelo desejo de cada um, a participar da experiência de cuidado com a loucura na cidade; assim como os auxiliares de enfermagem que abdicam da condição de executores da ordem e agentes do silenciamento, passando a ocupar um novo lugar, de onde podem dizer da ruidosa alegria do trânsito entre os loucos e do protagonismo que sustentam no cotidiano dos CERSAMs e Centros de Saúde. Encontram-se ainda os cuidadores dos SRTs, os médicos generalistas e enfermeiros das Equipes de Saúde da Família e o SAMU, sujeitos até há pouco, estranhos à Saúde Mental, hoje dialogam com os ditos loucos, com a política e a cidade. Os supervisores
I NTRODUÇÃO
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CONSTRUINDO CAMINHOS EM REDE
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O QUE PASSA NA MINHA CABEÇA?
Uma garrafa rotulada Um baseado da pesada Uma pedra bem fumada Uma carreira esticada Uma agulha afiada Uma loucura inconformada Uma cuca embaraçada Uma mulher linda, nua, desejada Um sexo sem freada Não O que passa na minha cabeça é você, divindade
Ronaldo Xavier da Cruz Centro de Convivência Carlos Prates.
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Básica não é uma novidade. Em julho de 1985 (antes da municipalização dos serviços de saúde, ocorrida em 1991), equipes compostas por um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social foram lotadas em alguns Centros de Saúde de Belo Horizonte, para o atendimento de portadores de sofrimento mental e egressos de hospitais psiquiátricos. Nesta época, além da preocupação que havia com a qualidade da assistência nos hospitais psiquiátricos públicos, as políticas municipais e estaduais de Saúde Mental preconizavam a ampliação do atendimento na Rede Básica com o intuito de evitar a expansão da Rede Privada, que detinha a maior parte dos leitos psiquiátricos, custeados pelos cofres públicos. Entretanto, as avaliações que se fizeram dessa primeira tentativa de enfrentar os problemas decorrentes da hospitalização psiquiátrica, após alguns anos de sua implementação, mostraram que a ampliação da Rede ambulatorial para o atendimento em Saúde Mental não causou qualquer impacto sobre o número de internações. As equipes dos Centros de Saúde não assumiam de maneira significativa o atendimento à clientela psiquiátrica, que apresentava risco de entrar no circuito da hospitalização e, ao mesmo tempo, criavam uma nova clientela que se estendia desde as crianças com problemas escolares e mulheres infelizes pelas precárias condições de vida, aos pacientes com graves problemas sociais, entre outros.^1 Uma forte associação entre enfermidade, médico e hospital era reforçada pela precariedade da oferta de serviços isolados da Rede Básica e pela falta de um planejamento de ações específicas para os egressos, tornando a referência hospitalar mais segura para o paciente. 2
(^1) No Centro de Saúde Alcides Lins, tivemos a oportunidade de fazer essa pesquisa para um trabalho final da
disciplina “Planejamento e Elaboração de Programas”, ministrada no curso de “Saúde Mental em Saúde Pública”, realizado pela Escola de Saúde de Minas Gerais (ESMIG), nos anos de 1986 e 1987. A partir do levantamento de 281 cadastros (de pacientes atendidos no período de julho de 1985, quando chegamos no Centro de Saúde, até dezembro de 1987, época da realização da pesquisa), verificamos que dos 18% dos atendimentos do posto eram feitos pela equipe de Saúde Mental, dos quais, 11,4% eram crianças encaminhadas das escolas e 68% eram mulheres incluídas numa faixa etária de 23 a 60 anos, neuróticas e poliqueixosas, com problemas sociais acentuados (baixa renda, pouca perspectiva de vida, baixa escolaridade, sem um espaço para trocas culturais e sem iniciativa para criá-los). No que concernia à prioridade do Programa, verificamos que dos 281 cadastros, 16% eram psicóticos, 24,9% eram egressos, sendo que apenas 11,7% chegaram encaminhados dos hospitais psiquiátricos. (^2) Em uma pesquisa realizada nos meses de julho/92 a janeiro/93 sobre os pacientes do Distrito Sanitário
Nordeste que chegavam nas urgências dos hospitais psiquiáticos públicos de Belo Horizonte, verificou-se que 63% dos que chegavam ao Instituto Raul Soares e 73,2% daqueles que chegavam ao Hospital Galba Veloso não estavam em tratamento ambulatorial. Os dados mostraram também que dentre os encaminhamentos feitos pela equipe desses hospitais, após a conduta tomada no ambulatório de urgência ou a internação, o mais comum era o encaminhamento para o ambulatório do próprio hospital. Apenas 4,7% no IRS e 7% no HGV eram encaminhados aos Centros de Saúde do Distrito, o que demonstrava a falta de integração desses serviços (Cf.
A S AÚDE M ENTAL NA ATENÇÃO B ÁSICA DE SAÚDE 19
Nos últimos quinze anos, as ações das equipes de Saúde Mental dos Centros de Saúde deixaram de ser concebidas como táticas isoladas de enfrentamento das práticas segregadoras da loucura e o fato de estarem inseridas numa Rede fez retornar questões sobre o processo de trabalho dessas equipes. A priorização do atendimento ao portador de sofrimento mental grave e persistente, o planejamento de ações específicas para os egressos, a integração com os outros equipamentos da Rede, a sustentação da clínica, enfim. Essas e outras questões passaram a ser trabalhadas nas reuniões distritais e, posteriormente, nas supervisões clínicas, para que o Projeto assumido pela Secretaria Municipal de Saúde pudesse ser sustentado.
AS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA ENTRAM EM CENA A implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) em fevereiro de 2002, imprimiu uma nova dinâmica no trabalho das Equipes de Saúde Mental. No segundo semestre de 2002 foram formados colegiados, fóruns e oficinas de discussão, incluindo trabalhadores desde o nível central até a ponta, para pensar um processo de trabalho das equipes de Saúde Mental, tendo em vista a integração/interface com as equipes de Saúde da Família. No Distrito Sanitário Nordeste de Belo Horizonte, as primeiras reuniões entre as Equipes de Saúde Mental (ESM) e de Saúde da Família (ESF) aconteceram em dezembro de 2002, promovidas pela ESM do Centro de Saúde Alcides Lins,^3 em sua microrregião. Pôde-se constatar que questões partiam de ambos os lados. A Equipe de Saúde Mental, por um lado, temia que o modelo assistencial do Programa de Saúde da Família, centrado na lógica da vigilância à saúde e da qualidade de vida, levasse a um aumento da demanda de uma clientela não priorizada pelo Projeto, reforçando essa indefinição. 4 Já as Equipes de Saúde da Família, por outro lado, achavam-se despreparadas para o atendimento dos portadores de sofrimento mental. Diante dessa situação verificou-se a necessidade de incrementar discussões sobre como promover a integração do Projeto de
GRECO, M. G. Aplicação de um método de planejamento local para a inclusão da clientela psiquiátrica nas prioridades de Atenção á saúde no Distrito Sanitário Nordeste de Belo Horizonte. 1994. Monografia (Curso e Especialização em Saúde Mental) Belo Horizonte: ESMIG. (^3) Desde a implantação das Equipes de Saúde da Família, no primeiro semestre de 2002, a Equipe de Saúde
Mental do CS Alcides Lins referencia 15 Equipes em sua microrregião: cinco no CS Alcides Lins, quatro no CS Gentil Gomes, três no CS Cidade Ozanan e três no CS Cachoeirinha. (^4) Pelo fato de estarem num equipamento que é a porta de entrada do sistema de saúde que, por sua vez, recebe as
diferentes demandas em estado bruto, o estabelecimento de prioridades no atendimento pelas Equipes de Saúde Mental das Unidades Básicas sempre implicou um cuidadoso trabalho de escuta. Sendo assim, dizer que a prioridade dessas equipes consiste no atendimento de psicóticos, egressos e neuróticos graves não é suficiente, sobretudo quando sabemos o tamanho da brecha que se abre sob o rótulo de “neuróticos graves”.