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J.-d. Nasio discute a natureza do inconsciente e sua influência na repetição de erros e traumas em nossas vidas. O autor argumenta que o inconsciente é uma força vital e irresistível que nos leva a repetir atos e sentimentos, tanto saudáveis quanto patológicos. Ao longo do livro, ele explora o conceito de repetição, introduzindo-o através de um instantâneo clínico e distingui-o em repetição sadia e repetição patológica.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Tradução: André Telles
9 Neste livro, eu gostaria de mostrar como a minha experiência de psicanalista me levou a concluir que o inconsciente é a repetição. Normalmente, dizemos que o inconsciente se manifesta através de lapsos, atos falhos ou sonhos. Embora isso seja verdade, o in- consciente é muito mais vital e íntimo. O que é o inconsciente? Sem negar que o inconsciente é uma estrutura organizada como uma linguagem, prefiro considerá-lo aqui uma pulsão, uma força propulsora. O inconsciente é a força soberana que nos impele a escolher a mulher ou o homem com quem compartilhamos nossas vidas. Ao contrário da opinião geral, a escolha de nosso parceiro é menos o resultado de uma decisão raciocinada do que a crista- lização de um comprometimento amoroso cuja causa ignoramos. Mas o inconsciente é igualmente a força que nos leva a escolher a profissão que exercemos e que nos confere uma identidade so- cial; ou mesmo a força que nos leva a escolher a cidade ou a casa onde moramos. Não obstante, todas essas escolhas, que julgamos deliberadas ou fortuitas, impõem-se a nós sem que saibamos efe- tivamente por quê. Contudo, para além dessa constatação, a expe- riência clínica me ensinou que existe outro poder do inconsciente, mais irresistível e misterioso ainda, ao qual eu gostaria de dedicar este livro: é seu poder de nos compelir a repetir. Nossa vida pulsa no ritmo da repetição que o inconsciente estimula. Acima de tudo, o inconsciente é a força que nos leva a reproduzir ativamente , desde a mais tenra infância, o mesmo tipo de afeição amorosa e o mesmo tipo de separação dolorosa que escalonam inevitavel- mente nossa vida afetiva – e então a repetição é uma repetição
13 Um tempo atrás recebo pela primeira vez uma jovem advogada chamada Raquel. Raquel vive sozinha e sofre periodicamente de inexplicáveis acessos de um sofrimento inconsolável. Não sabe o que a deixa triste. Pouco a pouco, ao longo da entrevista, ela se detém sobre suas crises de lágrimas imotivadas, sua impotência em superá-las e seu medo de ver seu mal-estar instalar-se defi- nitivamente. Enquanto Raquel fala, tenho duas ideias na cabeça. Neste ponto, devo dizer que, no momento em que um analista escuta seu paciente, ele precisa ter ideias na cabeça. Não concordo com a afirmação segundo a qual o analista deve escutar seus pa- cientes desprovido de qualquer ideia a priori. Não! É desejável que, durante a entrevista, o terapeuta se desdobre mentalmente: enquanto escuta o que o paciente diz, ele pondera interrogações, hipóteses e suposições, em suma, um conjunto de preconcepções úteis oriundas de sua formação e sua prática, preconcepções que eu qualifico como “fecundas”. Tudo que emana do paciente, sua presença verbal e não verbal, passa pelo filtro do saber teórico e da intuição do terapeuta, crivo necessário para já deduzir as grandes linhas da problemática clínica daquele que o consulta. Logo, escutando Raquel, tenho duas ideias na cabeça relativas à repetição. Em primeiro lugar, conhecer o momento e o contexto nos quais surgiu a primeira crise na idade adulta e, mais que isso, a manifestação inaugural de tristeza mais remota em sua in- fância. Há sempre uma primeira vez em que o sintoma aparece, e essa aparição inicial é decisiva para compreender a causa do sofrimento. Tudo se joga no primeiro minuto porque é então que
Um instantâneo clínico 15 em que direção orientar seu tratamento. Quanto à importância que atribuo ao sintoma, acrescento que posso trabalhar com um paciente durante meses e meses me interessando mais pela his- tória de seu sintoma do que por sua história familiar. A verdade de um sujeito, quer dizer, o que o define intimamente, é mais o seu sintoma recorrente do que o seu romance familiar. Há mais inconsciente num sintoma do que na recordação de um episódio familiar marcante. O que pretendo dizer com isso? Que o sintoma é a verdade do sujeito, a manifestação involuntária que o indivi- dualiza e significa tal como ele é no mais fundo de si mesmo. Mas voltemos a Raquel. A outra ideia presente em minha es- cuta é conhecer os menores detalhes, todos os detalhes de suas crises de tristeza: “Em que ocasião? Em que momento do dia? No trabalho ou em casa? E se for em casa, em qual cômodo? Estando sozinha, na presença de alguém ou pensando em alguém? Em que atitude corporal ela se encontra quando se sente triste?”, e muitas outras particularidades aparentemente insignificantes cujo conhecimento permitirá, como diz Freud, “observar o incons- ciente” da paciente. Estou convencido de que esses pequenos indí- cios terminarão por me revelar o inconsciente de Raquel. De que maneira? O conhecimento dos detalhes da cena do sintoma me permitirá projetar-me mentalmente, imaginariamente, no mundo interior de Raquel quando ela se sente invadida pela tristeza. É muito importante que eu me faça entender sobre o que signi- fica “projetar-me mentalmente”. O conhecimento dos detalhes da cena do sintoma é menos para me informar do que para me impregnar da maneira como a paciente vive física e emocional- mente seu sofrimento. É então que, imerso na cena do sintoma, poderei me colocar em seu lugar, sentir o que ela sente e pensar com seu pensamento. Entretanto, eu gostaria de ir mais longe. Eu gostaria de me identificar não só com a pessoa real e atual de Raquel triste, mas, mais que isso, me identificar, se possível, com
16 Por que repetimos os mesmos erros outra Raquel, uma Raquel virtual, imaginária, fantasística, uma Raquel menininha ou mesmo bebê, recriada em minha mente de analista como sendo uma criança abandonada e desamparada. Em outros termos, tento primeiramente sentir o que Raquel sente conscientemente , verificando se é possível – seja nas entrevistas preliminares, seja, mais tarde, no tratamento – sentir igualmente a suposta emoção que sentiria a pequena Raquel fantasística que eu forjo e de que Raquel adulta não tem consciência. Formulemos de outra maneira. Raquel adulta teria sentido, criança, uma emoção hoje inconsciente que eu, analista, gostaria de experimentar.