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ppgte-dissertação-292-2009 precarização trabalho de telemarketing, Trabalhos de Administração Empresarial

um estudo sobre precarização do trabalho em call center terceirizado

Tipologia: Trabalhos

2012

Compartilhado em 10/08/2012

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
TELEMARKETING, TECNOLOGIA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO.
PABLO SERGIO MERELES RUIZ DIAZ
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Tecnolo-
gia. Programa de Pós-Graduação em Tecnolo-
gia. Universidade Federal Tecnológica do Pa-
raná.
Orientadora: Profa. Dra. Noela Invernizzi.
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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA

TELEMARKETING, TECNOLOGIA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO.

PABLO SERGIO MERELES RUIZ DIAZ

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Tecnolo- gia. Programa de Pós-Graduação em Tecnolo- gia. Universidade Federal Tecnológica do Pa- raná.

Orientadora: Profa. Dra. Noela Invernizzi.

CURITIBA

A todos os que se dedicam ao ensino Aos meus pais pela luta contínua e exemplo de vida; À minha esposa Soraya pela compreensão e apoio; À minha Filha Cleo, pela inspiração eterna;

RESUMO

Esta dissertação procurou investigar as condições de trabalho em uma central de aten- dimento telefônico ligada a um banco público. A unidade em foco é terceirizada e seus em- pregados exercem mesmas tarefas que funcionários concursados. A unidade de teleatendimen- to possui alto grau de informatização e combina características de organização taylorista- fordista com gerenciamento toyotista, apresentando especificidades decorrentes da utilização de mão-de-obra num contexto marcado pela flexibilização nas formas contratação e conse- qüente redução de direitos laborais de terceirizados em relação aos funcionários efetivos do banco. O objetivo geral foi o de questionar suposta neutralidade da tecnologia quando media- dora da relação capital x trabalho. Por ser uma pesquisa qualitativa, partimos de bibliografia que nos auxiliasse na comprovação dessa hipótese, a de que a tecnologia foi apropriada pelo capital e a este serve na medida em que permite a intensificação do ritmo de trabalho, aumen- to no controle dos resultados e a conseqüente aceleração no ritmo de acumulação. Os argu- mentos de que a ciência pouparia o ser humano do esforço físico desnecessário e o libertaria para desenvolver atividades ligadas ao intelecto se verificou em parte, sem, no entanto, dimi- nuir o grau de exploração sobre o trabalhador, verificado pela precarização crescente nas for- mas de contratação, gerando um novo mundo do trabalho. Questionários mistos foram utiliza- dos junto a trabalhadoras da empresa terceirizada, no intuito de identificar o perfil socioeco- nômico, o histórico profissional, as condições de trabalho e qual a percepção como classe trabalhadora. Identificamos que o grau de controle e o ritmo de trabalho se constituem em formas de intensificação na exploração, propiciada pela combinação de técnicas gerenciais da era fordista e pela utilização de sistemas de controle baseados na informática, constituindo o aparato tecnológico, uma dimensão do capital.

Palavras-chave: Tecnologia, neutralidade, precarização.

ABSTRACT

This thesis sought to investigate the working conditions in a call center subordinated to a public bank. The unit focus is outsourced and their employees performing the same tasks that the functionalism. The telemarketing unit has a high degree of computerization and com- bines features of Taylorist-Fordist organization with management toyotist, with specifics from the use of skilled labor in a context of flexible employment forms and consequent reduction of labor rights in respect of outsourced the permanent employees of the bank. The overall objec- tive was to question the supposed neutrality of technology as mediator between capital and labor. As a qualitative research, we start from literature that helped us to prove this hypothe- sis, that the technology was appropriated by capital and this serves as it allows to accelerate the cadence of work, increased control of the results and the consequent acceleration in rate of accumulation. The arguments that science would save human beings from unnecessary physical effort to liberate and develop activities related to the intellect occurred in part, with- out, however, reduce the degree of exploitation of the employee, checked by the growing in- security in hiring, creating a new world of work. Questionnaires were used mixed with the working of the outsourced enterprise, aiming to identify the socioeconomic, occupational his- tory, working conditions and the perception as working class. We found that the degree of control and pace of work is on ways of increasing the exploration, provided by the combina- tion of management techniques Fordist era and the use of control systems based on computer and is the technological apparatus, a dimension of capital. C

Keywords: Technology, Neutrality, Precariouness.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABT – Associação Brasileira de Telemarketing

BB – Banco do Brasil

BNDES – Banco Nacional de desenvolvimento Econômico e Social

BRB – Banco Regional de Brasília

CA – Central de Atendimento

CAD – Computer Aided Designer

CAM – Computer Aided Manufacturing

CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CCQ – Círculo de Controle de Qualidade

CCP – Comissões de Conciliação Prévia

CEF – Caixa Econômica Federal

CESEC – Centro de Comunicação e Serviços

CLP – Controladores Lógicos Programáveis

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNC – Comando Numérico Computadorizado

CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

COPOM – Conselho de Política Monetária

CTI – Computer Telephony Integration

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos socioeconômicos

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EUA – Estados Unidos da América

FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

FMI – Fundo Monetário Internacional

HSBC – Hongkong and Shangai Banking Corporation

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PA – Posto de Atendimento

PAB – Posto de atendimento Bancário

PFL – Partido da Frente Liberal

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação ao Sistema Financeiro

PROES – Programa de Estímulo à Redução do Setor Público Estadual na atividade Bancária

PUC – Pontifícia Universidade Católica

RAIS – Relação anual de Informações Sociais

SAC – Serviço de atendimento ao Cliente

SERASA – Centralização dos Serviços Bancários S.A.

TMA – Tempo Médio de atendimento

URA – Unidade de Resposta Audível

INTRODUÇÃO

O teleatendimento é um setor que se expandiu nos últimos anos impulsionado por novas demandas mercadológicas, reformulação organizacional e inovações tecnológicas, abrindo vagas e se constituindo em potencial empregador. O objeto desta pesquisa é investigação de Central de Atendimento (CA) ligada a um banco público e as condições de trabalho ali presentes, suas especificidades decorrentes da combinação nova forma de alocação de mão-de-obra num contexto marcado pela flexibilização nas formas contratação e conseqüente redução de direitos laborais. A hipótese central desta pesquisa é a de que os avanços tecnológicos não são dotados de neutralidade, representando uma dimensão do capital e, portanto, se configuram em artifícios de intensificação e precarização do trabalho, atendendo por outro lado, objetivos de aumento da produtividade, lucratividade e rentabilidade empresarial. A utilização da telemática proporcionou novas formas de realização de tarefas, diluindo a rigidez conceitual de tempo e espaço, acelerando o ritmo do trabalho e agilizando transações, integrando virtualmente unidades produtivas e reformulando as formas e conteúdos do trabalho. Antunes (2007) chama atenção sobre a nova morfologia do trabalho, caracterizada pela retração do operariado fordista e a ampliação de um proletariado sob a lógica toyotista, flexibilizada, decorrente da nova organização sociotécnica do mundo do trabalho, cujo coletivo é denominado cyberproletariado^1_._ A transição do regime de acumulação fordista para um flexível ocorreu em face das necessidades inerentes ao capital na sua constante busca de aceleração do ritmo de valoração, revolucionando constantemente suas formas de organização, destruindo-as ou aplicando rearranjos compatíveis à sua lógica dinâmica. A Central de Atendimento do banco estatal é uma unidade de atendimento telefônico de suporte à rede de agências. Trata-se de uma estrutura recente dentro do conglomerado do banco, apresentando novidades tanto na automação de tarefas como nas novas relações de trabalho que engendra, implantado novos equipamentos, softwares e formas de gestão, combinando novos ferramentais tecnológicos a serviço da “eficiência de gestão”. Se há modificação nas formas de organização dos processos de trabalho, há também nas formas de submissão do trabalho ao capital, influenciando a possibilidade de mobilização real do trabalhador. Como indagou Marx, seriam a ciência

(^1) Termo originalmente cunhado por Ursula Huws para qualificar o novo coletivo trabalhador no regime de acumulação flexível - O trabalhador virtual num mundo real;

e seu produto mais visível e propagandeado, a tecnologia, um vetor para a intensificação da exploração crescente do trabalhador? A grande preocupação está em forjar uma ferramenta conceitual que ao mesmo tempo interprete as nuances que envolvem a relação contemporânea entre o capital e trabalho, que na prática, vem favorecendo a lógica de aumento do ritmo de acumulação e a perda de direitos por parte do trabalhador e de suas entidades representativas de massa, sejam sindicatos, sejam os partidos políticos que outrora lhes serviram de plataforma de avanços na esfera social, econômica, política e de direitos fundamentais. A conseqüência direta na CA diz respeito às particularidades que envolvem a segmentação entre trabalhadores efetivos e terceirizados, pois os primeiros são concursados, cujas prerrogativas são mais significativas em relação aos não-efetivos, havendo uma hierarquização no tratamento dispensado, nos direitos e deveres de cada modalidade de contratado, mas não das ocupações. Portanto, a estrutura comporta trabalhadores que exercem na sua grande proporção, as mesmas funções, mas com remunerações distintas. As condições de trabalho também são diferenciadas. O que há de mito ou realidade sobre o emprego do conceito de tecnologia? Até onde vai sua eficácia como salvaguarda do capital para intensificar o ritmo de trabalho, de precarizá-lo e, até onde o fetichismo transforma a realidade objetiva em mito, aumentando a sensação de impotência e de inércia por parte do trabalhador? A transformação de trabalho vivo em trabalho morto, a automação, a desmaterialização dos processos e a transformação de movimentos humanos em pulsos eletrônicos booleanos^2 , a racionalização, enfim, o ferramental que permite à máquina a absorção dos saberes humanos e de suas habilidades é fundamental para a transformação do mundo do trabalho. A tecnologia, portanto, é a questão central, acessória ou complementar? É possível através dela, como variável da relação capital x trabalho, compreender o cenário de precarização convivendo lado a lado com ocupação qualificada e melhor remunerada? O novo paradigma sociotécnico tem como características marcantes a terciarização e terceirização. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a terciarização é o processo de crescimento do peso econômico do setor responsável pelos serviços em geral, o que Pochmann (2001)

(^2) Característico da Álgebra Booleana, conjunto de estruturas algébricas utilizada na ciência da computação e que capturam fluxos sistêmicos diversos, inclusive do trabalho, transformando-os em comandos eletrônicos de programação de informática.

provocando uma reestruturação produtiva^4 e a compressão física e temporal do espaço de valorização do capital num mercado mundial marcado pela intensificação do comércio e tanto entre países como intra-fronteiras (HARVEY, 1989). As empresas reposicionaram-se no mercado, agora dentro de uma concorrência que não era mais local, mas global, adaptando suas estruturas comerciais às novas exigências de um mercado integrado e mais competitivo, concorrido, instável. O ciclo de marketing evoluiu e agregou mais etapas, deslocando-se da transação comercial pura e simples para o relacionamento com o cliente, o que demandou um atendimento que vai desde a promoção dos produtos e serviços até o pós-vendas. O teleatendimento surge como ferramenta estratégica de competição comercial, possibilitando a compressão do tempo e do espaço permitida por sua base telemática. Eric Hobsbawm (1996) toma como exemplo um operador de caixa de supermercado e menciona o quão simples é sua tarefa, possibilitada pela construção técnica anterior, distante e hierarquizada, resultante da apropriação do saber em outra esfera de decisão e implementação, nos círculos gerenciais superiores, possibilitados pelos investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), cada vez mais demandantes de altas somas de capital, favorecendo a quem tem poder de concentrar valor, riqueza. Nesta pequena metáfora, o autor resume o poder de transformação do ato de trabalhar em uma operação automática, distante, simplificada, racionalizada, que não demanda apurada especialização, apenas conhecimentos básicos em informática e alfabetização suficiente para conduzir mecanicamente suas tarefas. Resume em muito a desproporção de poder entre o capital e o trabalho e, ao aprofundar a análise, depara-se com outras dimensões que vão além da variável tecnológica, a começar pelo processo histórico, o processo dialético e histórico, o materialismo histórico. O discurso dominante reforça e justifica a imposição de uma dinâmica que dita o funcionamento de uma sociedade dentro de padrões da globalização. A reestruturação produtiva é antes uma imposição revestida de “necessidade de sobrevivência” perante a nova realidade concorrencial capitalista na economia globalizada, sob o comando de grandes estruturas econômicas cartelizadas e oligopolizadas. As novas demandas de acumulação reformularam as práticas produtivas

(^4) Envolve a flexibilização da organização inter-firmas, adoção de tecnologias flexíveis que possibilitem a adequação da produção às variações da demanda e flexibilização da organização do trabalho, no sentido de otimizar a mão-de-obra

e de relação com o trabalhador, técnicas de comunicação e de gerenciamento do “capital humano”. A Central de Atendimento ligada ao banco, além servir de exemplo de precarização e desigualdade nas relações de trabalho, é um reflexo do momento histórico da balança de poder que pende para um “novo” capitalismo volatilizado. É também um desafio para o entendimento, a compreensão destas novas relações sociais e seus reflexos no ambiente laboral, seu papel na produção de um trabalhador docilizado, ainda que consciente da sua condição de exploração. O capítulo 1 trata a dinâmica de transformação no mundo do trabalho a partir da reformulação da base produtiva em função das novas demandas capitalistas e a ascensão da acumulação flexível, apoiada em novas técnicas gerenciais e inovações tecnológicas, contextualizadas como dimensão do capital. No capítulo 2, abordaremos o Sistema Financeiro Internacional e sua transformação em tempos de mundialização do capital, os reflexos no setor bancário nacional e sua adaptação ao novo modelo exógeno. A reformulação do banco público como conseqüência da nova dinâmica concorrencial do setor financeiro, as mudanças estruturais e de filosofia neste banco estatal, alterando não somente sua relação com o público, mas com o funcionalismo, possibilitadas também pela combinação de novas técnicas gerenciais e intensificação da automação. No que toca à sua reestruturação, o esclarecimento de como adotou políticas de terceirização, precarização na contratação de estagiários, temporários e empresas terceirizadas, da qual a estrutura de telemarketing é uma delas, seguindo as premissas de “modernização” e racionalização das empresas. O capítulo 3 trata do setor de tele-atendimento, sua gênese, caracterização e funções no quadro atual do capitalismo concorrencial. São utilizados dados de pesquisas que tratam do perfil do trabalhador, da situação ocupacional no que diz respeito às condições de trabalho e as dificuldades encontradas pela classe. Ainda neste capítulo, será efetuada comparação entre os dados nacionais e os encontrados na CA.

Coleta e Análise de dados

A metodologia utilizada nesta pesquisa é documental, utilizando bibliografia especializada que fornece elementos para a compreensão do estágio atual do mundo do trabalho num contexto de reestruturação produtiva e transição da acumulação taylorista-

CAPITULO 1 – REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Neste capítulo trataremos da reestruturação produtiva como processo de reorganização da acumulação capitalista, revigorando-a por meio de novas combinações tecnológicas e organizacionais no processo produtivo. Utilizaremos como referencia principal a análise de Harvey (2008), que analisa a passagem do modelo de acumulação rígida, característico do modo de acumulação do pós-guerra, para o modelo de acumulação flexível que se desenvolve a partir da crise do anterior, e suas implicações nas estruturas de poder político e social, reformulando o papel do Estado pós-guerra e ampliando o campo espacial capitalista. Problematizamos a utilização da tecnologia e da ciência como extensão do capital, permitindo a este ampliar o poder sobre o processo produtivo, o domínio pela cristalização do saber no capital valorizado, promovendo a subsunção tanto formal como real do trabalhador, alterando as correlações de força entre capital e trabalho. Dessa forma, adotamos aqui uma perspectiva desmistificadora da neutralidade da ciência e da tecnologia. Na primeira seção deste capítulo abordamos o declínio do longo período virtuoso de acumulação fordista nos anos 1970 e a emergência do chamado Toyotismo, num novo contexto de acumulação de capital. Na segunda seção tratamos das novas tecnologias incorporadas ao processo produtivo e as novas condições do trabalho assalariado. As novas técnicas gerenciais, com seu apelo para o envolvimento subjetivo do trabalhador com as metas da empresa, são analisadas na terceira seção. Encerramos o capítulo com uma síntese do mesmo.

1.1. O declínio do modelo de acumulação fordista e a ascensão do toyotismo

O ciclo virtuoso do capitalismo iniciado após a II Guerra Mundial e que perdurou aproximadamente até meados da década de 1970, começou a apresentar sinais de saturação a partir do final da década de 1960. Contribuíram para essa crise vários fatores situados no próprio coração do sistema produtivo e fatores de ordem mais geral ou conjuntural que afetaram a economia. Entre os primeiros, CORIAT (1990) ressalta o esgotamento técnico e social do taylorismo-fordismo. Segundo o autor, o sistema passou por uma crise de eficácia devido a um esgotamento técnico da trajetória tecnológica-organizacional que o

sustentava. O excessivo parcelamento do trabalho levou a um aumento relativo dos tempos mortos (improdutivos) na produção devido aos tempos crescentes de transferência do produto entre as intervenções dos operários ao longo da cadeia de montagem. Surgiram, também, dificuldades crescentes para equilibrar as cadeias de montagem, isto é para administrar e coordenar um conjunto de postos de trabalho separados minimizando, ao mesmo tempo a força de trabalho necessária e maximizando o tempo de ocupação de cada trabalhador. Como resultado, surgiram vulnerabilidades inesperadas na chamada organização científica do trabalho que levaram a aumentar os custos de produção questionando a sua eficácia para valorizar o capital (CORIAT, 1990, P. 135-136). O autor também ressalta as causas sociais da crise fordista, ou crise de legitimidade. O questionamento ao trabalho alienante nas linhas de montagem esteve no centro do conflito e das reivindicações dos movimentos sociais de 1968. As sublevações do “operário-massa” fordista eclodiram em vários países, ao tempo que surgiram formas de resistência espontâneas como a alta rotatividade pelo abandono do trabalho, o absenteísmo e as falhas na qualidade da produção. Mais trabalhadores se fazem necessários para manter funcionando as linhas de montagem, e trabalhadores adicionais para fazer reparos a produtos com defeitos começaram a ser contratados, aumentando os custos de produção (CORIAT, 1990, p. 125-126). Por outro lado, outros fatores conjunturais de ordem política, energética e financeira contribuíram a acelerar a crise, tais como o aumento dos gastos da guerra do Vietnam, o rompimento unilateral dos EUA com o acordo de Breton Woods e o fim do lastro de emissões dólar-ouro, além do aumento do preço do barril de petróleo em seis vezes, resultando num quadro de estagflação, inflação combinada com estagnação no crescimento do PIB das economias da Europa Ocidental e nos EUA. O sistema de acumulação taylorista-fordista então predominante iniciava uma fase de crise e declínio, demandando busca por soluções que recompusessem a capacidade de acumulação das empresas. Eric Hobsbawm definiu os períodos de prosperidade e de regressão econômica como a “era do ouro” e “décadas de crise” do capitalismo no Séc. XX (HOBSBAWN, 1996). O sistema fordista ascendeu como modelo de produção predominante após a crise de 1929, e principalmente ao fim da II Guerra Mundial, quando demonstrou ser útil devido às suas características de produção em massa, racionalização dos processos produtivos e capacidade de atendimento a demandas em larga escala. A democratização

A fábrica da FORD simbolizara uma era, cujo modelo de gestão empresarial fora caracterizado pela rigidez na sua estrutura verticalizada e no processo de trabalho, apresentando deficiências para adaptação às flutuações de um mercado em crise, sendo qualificado como “camisa de força” do capitalismo, abrindo espaço para a discussão sobre um novo paradigma de produção que fosse baseado na flexibilidade. O capitalismo é um sistema coercitivo na medida em que impõe a competição como regra de sobrevivência para as empresas, sendo isto possível pela constante inovação tecnológica e organizacional, de modo a propiciar o constante aumento do trabalho excedente , traduzido pelo aumento da produtividade e lucratividade, em síntese, do aumento no ritmo de acumulação e de extração de mais-valia. Esta constante revolução dos meios de produção representa a negação ou destruição da base anterior e a implantação de uma nova dinâmica que permita a constante valorização do capital. Sob tal raciocínio, se um modelo era tido como rígido outro se mostrava compatível com os imperativos revolucionários do capital: o modelo japonês, ohnista^5 ou toyotismo, que agregou a experiência estadunidense da produção em série às experiências produtivas realizadas por Ohno na Toyota num contexto de produção caracterizada por uma demanda baixa e flexível, adaptando e combinando uma derivação do fordismo desenvolvido e as particularidades históricas e nacionais nipônicas do pós-guerra (CORIAT, 1992), o que fortalece o enunciado de Harvey sobre uma transição e remodelação do regime de acumulação ao invés de ruptura. O toyotismo passa a ser o “momento predominante” do novo complexo de reestruturação produtiva mundializado, passando de referência restrita de seu país de origem, o Japão, para um modelo sistêmico (ALVES, 2005). É necessário fazer um breve resgate histórico da Toyota a partir do fim da II Guerra, pois sua trajetória de ascensão econômica se confunde com a de seu país desde então, sendo possível identificar eventos que foram determinantes para a sua sobrevivência e crescimento, mesmo em condições adversas, emprestando a Darwin o conceito de adaptação da espécie ao meio ambiente, modelando o organismo às especificidades externas. Um diagnóstico elaborado por um banco japonês em 1949, identificava problemas estruturais e os ajustes necessários para o saneamento e salvamento da empresa, dentre os quais a demissão de 2.000 funcionários e que resultou no desligamento efetivo de 1.600. Em 1950, portanto após a reestruturação, a empresa

(^5) Em referência ao engenheiro japonês Taiichi Ohno, considerado como figura principal do modelo toyotista de produção.

recebeu uma grande encomenda do exército dos EUA que estava envolvido na Guerra da Coréia. Significava ao mesmo tempo uma oportunidade para superar as dificuldades financeiras e um desafio, pois, deveria atender ao pedido utilizando recursos limitados: menos mão-de-obra, menos estoques de matérias-primas e insumos e poucos recursos para o capital de giro. A utilização e adaptação de técnicas da indústria têxtil americana (de operação de quatro a cinco máquinas por um operário) e do modelo de controle de estoques visual dos supermercados estadunidenses (aplicada à produção dá origem ao kanban^6 ) auxiliaram consideravelmente para o cumprimento das metas de produção estabelecidas, indicando as premissas que seriam aprimoradas para o modelo toyotista de produção, utilizando efetivo mínimo de mão-de-obra, reformulando o papel do trabalho vivo, intensificando sua utilização e com isso, aumento a taxa de exploração ou de mais-valia (OLIVEIRA, 2004). A estratégia bem sucedida da Toyota frente às dificuldades conjunturais se constituiu no padrão a ser implantado na indústria automobilística nipônica, coordenado pelo governo por meio de incentivos e políticas públicas voltadas para o fortalecimento do setor, inclusive com a criação do MITI – Ministério do Comércio Internacional e Indústria. O Estado contribuiu de maneira fundamental para a reestruturação, crescimento e consolidação do setor automobilístico, intervindo diretamente na dinâmica econômica O modelo ohnista aliava crescimento contínuo da produtividade, a subordinação do trabalhador pela implantação da competição no coletivo do trabalho, desmobilizando movimentos de cunho classista, restringindo o ímpeto contestatório dentro das unidades produtivas por meio do colaboracionismo nos CCQ (Círculos de Controle de Qualidade. O governo japonês (sob ocupação dos EUA), além dos incentivos ao setor automobilístico, interveio diretamente na relação entre patrões e empregados, lançando mão de políticas de eliminação e esvaziamento do sindicalismo classista, como a proscrição do Partido Comunista Japonês em 1950, perseguindo, punindo e até eliminando representantes mais radicais do movimento nas chamadas “purgas vermelhas” (OLIVEIRA, 2004; CORIAT, 1992). Como descreve Oliveira :

A marca repressiva do patronato japonês, que começou a delinear desde o início do século, é afirmada pelas estratégias de ocupação estadunidense – tanto na fase de liberação das formas de organizações sindicais, quanto no período inicial da Guerra Fria (...). Após a greve da Nissan de 1953 – que excluiu o sindicato combativo – o sindicato-empresa começa a se desenvolver e, juntamente com a indústria automobilística, seleciona os

(^6) Significa cartaz em japonês.