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PAULISTA DE ENFERMAGEM ARTIGO ORIGINAL PREPARO DO ENFERMEIRO BRASILEIRO PARA A ASSISTÊNCIA PRIMÁRIA DE SAÚDE* (Preparing murses for primary health care) Maria Jacyra de Campos Nogueira! * Trabalho apresentado no I Encontro de Atenção Primária à Saúde da Amazônia. Santarém, 6 a 9 de outubro de 1987. 1. Professora Titular pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. RESUMO Este estudo analisa os currículos de Enfermagem brasileiros sob o enfoque do conceito holístico de saúde e de acordo com as tendências do ensino de Enfermagem na Améri- ca Latina. ABSTRACT This study analyses the Brazilian nursing curriculum focusing on the holistic health concept in according with nursing educational tendencies in Latin America. INTRODUÇÃO Para a implementação da estratégia de assistência primária de saúde, há a necessidade, antes de mais nada, de que ocorra o desenvolvimento dos sistemas de saúde e dos recursos de pessoal necessários, de forma integrada e adequada. A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica os princípios básicos para essa integração, como segue: — Necessidade de serem levados em consideração, hierarquicamente, os seguintes fins: a satisfação das necessidades da população, em sua totalidade; o de- senvolvimento dos sistemas de saúde para a satisfa- ção dessas necessidades; e, por fim, os recursos de pessoal de saúde para atender ao desenvolvimento desses sistemas; — Necessidade de que cada nível do sistema este- ja a cargo do pessoal de saúde mais adequadamente formado para tal e não do pessoal profissional de ní- vel mais qualificado, embora o apoio necessário aos primeiros deva continuar a ser realizado por pessoal de níveis superiores; Acta Paul, Enf., 13): 53-62, setembro de 1988 — Necessidade de que os três componentes prin- cipais do desenvolvimento de recursos humanos pa- ra a saúde, ou seja, o planejamento, a formação e a gestão estejam integrados entre si e estes, por sua vez, no desenvolvimento dos sistemas de saúdel?. Se fizermos um levantamento da literatura nacio- nal a respeito do tema assistência primária de saúde e recursos humanos necessários, ou se percorrermos este vasto país, visitando serviços onde a estratégia tem sido implantada, verificaremos que, em relação ao passado, houve certo progresso quanto ao tipo de assistência de saúde prestada, que está mais de acordo com as necessidades das comunidades, no que se refere à extensão de cobertura ou, ainda, no que diz respeito à participação da população nos di- versos níveis de atenção dos serviços existentes. Se olharmos, contudo, para a urgência da meta “saúde para todos no ano 2000”, verificaremos que estamos, ainda, muito aquém do desejado e que existem mui- tos problemas impedindo a expansão da estratégia da assistência primária de saúde, à chave para atin- gir tão almejado objetivo. 53 Nos países em desenvolvimento e, em especial na América Latina, a situação e a problemática são semelhantes. Dizem respeito, principalmente, à não- integração dos projetos isolados no sistema oficial e à curta duração dos mesmos; à falta de apoio oficial para a implantação de programas nacionais de assis- tência primária de saúde; às estruturas orgânicas an- tiquadas para tal; à inexistência de planejamento e de participação da comunidade nos programas e à não-utilização realista dos recursos humanos dispo- níveis. Com relação a esses recursos, chama a atenção a ausência de planos globais para o seu aproveitamen- to adequado e de todas as categorias de pessoal de saúde, a formação ineficiente e insuficiente de pes- soal e a ausência de educação contínua no ambiente de trabalho. A introdução crescente do conceito de assistência primária de saúde tem estimulado, nesses últimos anos, a reavaliação de todas as categorias de agentes de saúde, desde os médicos e enfermeiros, até os agentes da comunidade(?, Os estudos a respeito do ensino de profissionais de saúde têm sido importan- tes principalmente para diagnosticar a qualidade dos recursos humanos para o setor e estão mencionados como uma das estratégias recomendadas pela Orga- nização Panamericana de Saúde (OPS) para alcançar a “saúde para todos no ano 2000'(9, Objetivando diagnosticar, de um modo geral, a si- tuação do ensino de Enfermagem para a assistência primária de saúde no Brasil, a fim de fornecer subsf- dios para a política de formação de recursos huma- nos nessa área, realizamos um estudo junto aos cur- sos de Enfermagem em nível de graduação de todo o território nacional, segundo listagem fornecida pe- lo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, Brasil (COREn-SP). Foram enviados questionários aos diretores de es- colas de Enfermagem ou coordenadores de 93 cursos existentes no país em 1987. Os questionários conti- nham apenas duas questões abertas, com intuito de não induzir as respostas e para que os respondentes tivessem liberdade de escrever o que quisessem a res- peito do conteúdo do ensino orientado para a assis- tência primária de saúde e para que a análise qualita- tiva, além da quantitativa, pudesse ser feita. As questões colocadas foram as seguintes: O curso de graduação da instituição que V.Sa. dirige prepara enfermeiros para a assistência primária de saúde? Sim Não. Por quê? Como? (descrição sumária do conteúdo teórico-prático ministrado, o número aproximado de horas e o campo de ensino prático ou de estágio utilizado). Os resultados, acrescidos da análise quantitativa e qualitativa, são apresentados a seguir. PREPARO DO ENFERMEIRO BRASILEIRO PARA A ASSISTÊNCIA PRIMÁRIA DE SAÚDE A situação Foram devolvidos 39 dos questionários enviados aos responsáveis por cursos de graduação em Enfer- magem do país em 1987, cerca de 42% do total esti- mado. Dos respondentes, 28 afirmam que os cursos das suas instituições preparavam enfermeiros para a assistência primária de saúde e 11 que não prepara- vam, ou preparavam, com ressalvas. As justificativas dadas para esse preparo e para 0 não-preparo encon- tram-se nas Tabelas 1 e IF. Tabela é — Justificativas para o preparo de enfermeiros para a as- sistência primária de saúde, dadas pelos responsáveis por cursos de graduação em Enfermagem no Brasil, em 1987. Justificativas* NE Porque procura orientar o aluno para & realidade local e para as necessidades da comunidade, estando de acor- do com a política de saúde ou a reforma sanitária ou as tendências mundiais 18 Porque são abordados esses aspectos em algumas dis- ciplinas do currículo e a prática é efetuada em ambulató- rios, creches, centros de saúde ou na comunidade 5 Porque é a base do sistema de saúde 3 Para preparar o enfermeiro para suas funções 3 Porque é o marco conceitual ou a filosofia de ensino da instituição 2 Total , 26 * Referem-se a respostas múltiplas de 19 respondentes que justificaram as afirmativas e que foram agrupadas, pela semelhança, de acordo com o critério do autor do estudo. Tabela | — Justificativas para o não-preparo ou preparo, com ressalvas, de enfermeiros para a assistência primária de saúde, dadas pelos responsáveis por cursos de graduação em Enferma- gem no Brasil, em 1987. Justificativas “ Nº Porque o enfoque do curso é muito assistencial e curati- vo ou muito voltado para a assistência hospitalar 6 Porque o programa curricular é antigo ou ainda não se conseguiu implantar 0 novo 4 Porque é pouco o tempo destinado ao assunto 2 Total 2 Caso o respondente afirmasse que “sim”, seria então solicitado que respondesse à questão seguinte: 54 * Dos sete respondentes que informaram o não-preparo e dos quatro que informaram preparar. mas com ressalvas, dois não justificaram o porquê & dois deram mais de uma justificativa. Acta Paul. Enf., 1/3): 53-62, setembro de 1988 mensional, que afeta todos os aspectos da vida — a saúde, o modo de vida, a qualidade do meio ambien- te, as relações sociais, a economia, a tecnologia e a política. Para CAPRA, a elite intelectual do mundo, principalmente a dos países mais desenvolvidos, tem se mostrado impotente para solucionar os problemas, citando como causas da confusão as “novas circuns- tâncias” e o “curso dos acontecimentos” e apontan- do inúmeros e diferentes caminhos específicos, sem que haja um consenso e solução. Nenhum deles, con- tudo, identificou o verdadeiro problema subjacente a essa crise de idéias, diz-ele, ou seja, as percepções estreitas e parciais da realidade são inadequadas pa- ra enfrentar problemas que não são isolados, mas sis- têmicos. No campo das ciências da saúde, essa ma- neira de ver a realidade resultou, principalmente, na concepção distorcida da natureza do homem e na visão mecanicista, dicotômica e reducionista do seu organismo e da sua saúde, originada no Renasci- mento e permanecendo até nossos dias. Nas últimas décadast?), entretanto, surge um mo- vimento na área das ciências da saúde, após a con- cepção de saúde ter evoluído com o tempo e com as culturas humanas, baseada no holismo (do grego ho- los, a totalidade), que se contrapõe ao movimento an- terior. Dentre as idéias que fundamentam esse movi- mento, está aquela que considera o universo ou a rea- lidade um conjunto de sistemas, dentro de uma tota- lidade, onde as partes de cada unidade desse conjun- to são dinamicamente independentes mas inter-rela- cionadas com o todo. Por isso, essas partes não po- dem ser entendidas ou examinadas separadamente, fora do contexto geral, o todo, que por sua vez é maior do que a soma das suas partes componentes. Todos os seres vivos podem ser considerados um todo integrado e compostos de acordo com o seu grau de evolução, em outros sistemas, menos ou mais complexos, como o ser humano. O mesmo as- pecto de totalidade existe nos sistemas que interagem com o homem, como por exemplo nos grupos sociais ou nas comunidades, nos sistemas da natureza e em todo o cosmost?. O processo saúde-enfermidade é considerado uma expressão de cada pessoa, sendo o homem, co- imo todo o ser vivo, um sistema que se auto-renova, está sujeito a padrões rítmicos e a outros processos, mas que é também um sistema aberto, em íntima in- teração com o metassistema sociedade e com o ecos- sistema natureza e cosmos, resultando dessa intera- ção o processo individual de saúde-enfermidade(”. A medicina psicossomática alargou os horizontes da saúde humana, conceituando que há interação 56 corpo—mente em todos os níveis de saúde-enfermi- dade; as Ciências Sociais contribuíram no sentido de mostrar as influências do meio social e econômi- co em todo esse processo; a concepção ecológica da saúde valorizou as relações homem-—meio ambiente. Mas a concepção holística vai longe — ela vem resga- tando a natureza espiritual do homem, além de abor- dá-lo, também, física, mental, social e ecologicamen- te, isto é, incorpora os conceitos anteriores mas trans- cende-os de forma mais ampla. No modelo biomédico vigente, o modo de enten- der o processo saúde-enfermidade é diferente. O cor- po é considerado como se fosse uma máquina e a doença como uma avaria dessa máquina, sendo a ta- refa do profissional de saúde o seu conserto. Ao se concentrar em partes menores do corpo, a Medicina e a Tecnologia descobriram coisas maravilhosas sobre o organismo humano que ajudaram a aliviar o des- conforto e o sofrimento, culminando com a invenção de artifícios e substituições de partes avariadas des- sa máquina; mas, por outro lado, perderam de vista o paciente como uma pessoa integrada e em relação com um meio ambiente. No processo de redução da enfermidade, que é algo que leva em conta esses as- pectos, a atenção da medicina ortodoxa desviou-se do paciente como pessoa total, e a doença passou a ser a condição de uma determinada parte do corpo. Em lugar de tratar de pacientes enfermos, então, os médicos e os profissionais de saúde que seguem o modelo biomédico de um modo geral concentram- se no tratamento das doenças do corpo. A cura, por isso, muitas vezes é impossível, pois a enfermidade está aliada a outros fatores, os mais diversos, de or- dem psicológica, social e até espiritual, de acordo com o modelo holístico. Por toda parte, a Enfermagem seguiu, durante muito tempo, mais esse marco conceitual. Hoje, po- rém, há em todo o mundo enfermeiros engajados no movimento holístico de saúde, e inúmeras teorias de enfermagem modernas são consideradas como ten- do uma abordagem holística. O documento da OPS A tomada de posição da enfer- magem como resposta à problemática da atenção em saúde na América Latina03), após o diagnóstico da situação da Enfermagem na região, sugere, entre outras estra- tégias, a modificação do conceito a respeito do pro- cesso saúde-enfermidade e do significado de assistên- cia de Enfermagem, acrescida de outras inovações no campo do ensino e da pesquisa na área. Dentre Os aspectos educacionais para o novo papel, na Amé- rica Latina, está o preparo do pessoal docente e a re- visão e modificação dos currículos atuais. Acta Paul. Enf. H3): 53-62, setêmbro de 1988 Alguns dos currículos estudados têm, de acordo com as informações recebidas, aspectos que pode- mos considerar subsídios para uma visão mais ampla do homem e do processo saúde-enfermidade. Como exemplo, transcrevemos fragmentos de conteúdos programáticos dos currículos de algumas escolas de Enfermagem como segue: “O homem como sistema. Meio ambiente. Interação hu- mana. Características bio-psico-sócio-espirituais do ser humano. Teorias de Enfermagem. Necessidades huma- nas básicas”. A concepção acerca do processo saúde-enfermida- de afetou, de perto, a idéia de assistência à saúde que, segundo a OMSO), evoluiu em três eras distin- tas nos dois últimos séculos: a era da assistência in- dividual, a da assistência comunitária e a da atual saúde para toda a população. A era da assistência individual compreende o pe- ríodo que vai da última parte do século XIX até a Se- gunda Guerra Mundial, quando a preocupação era a medicina curativa e o sistema relativamente não-es- truturado de recursos humanos para a saúde estava concentrado nos médicos; a medicina curativa e indi- vidual imperava, e os enfermeiros e o pessoal auxi- liar eram formados para assistirem os médicos. Depois da Segunda Guerra Mundial, começou- se a pensar nas influências dos fatores sociais na saú- de, na medicina preventiva e na extensão dos servi- ços sanitários para a obtenção de maior cobertura po- pulacional. Embora nas escolas de Medicina ainda se desse grande ênfase à medicina curativa, iniciou- se o estudo da medicina preventiva, da epidemiolo- gia e dos fatores sociais que influenciavam a saúde. Com relação à assistência à saúde, ela descentralizou- se um pouco do médico pará os enfermeiros e para o pessoal auxiliar, tanto na área hospitalar como na rede de centros de saúde que começara a se expandir. A era seguinte iniciou-se principalmente nos anos 70, com objetivos e meios qualitativamente diferen- tes para a assistência à saúde da população, princi- palmente devido às idéias sobre assistência sanitária essencial, eficiência e eficácia dos serviços prestados, assistência primária de saúde, participação da comu- nidade e cooperação intersetorial, que requereram um sistema hierarquizado de serviços e adequação da formação de recursos humanos para alcançar a meta “saúde para todos no ano 2000”, havendo gran- des mudanças na orientação dada à sua formação e redistribuição nos diferentes níveis dos serviços de saúde. Apesar de estarmos no contexto dessa últi- ma fase e, pelas informações deste estudo, cientes de que está havendo uma tentativa de mudança nes- Acta Paul. Enf., H3): 53-62, setembro de 1988 se sentido, nos currículos de Enfermagem, muita coisa ainda necessita ser modificada. Uma delas é o enfoque de Medicina ainda dado no ensino de Enfer- magem. No Brasil, observa-se, na prática, que a maior par- cela da carga horária de ensino dos cursos de gradua- ção em Enfermagem é reservada para disciplinas cujo conteúdo é muito semelhante — a não ser, às vezes, pelo seu caráter superficial e resumido — ao conteú- do das matérias lecionadas nos cursos de Medicina. Essas distiplinas, que de acordo com a legislação do ensino de Enfermagem vigente denominam-se 'En- fermagem Médica”, “Cirúrgica”, “Obstétrica”, “Pe- diátrica” ou “Psiquiátrica”, ainda são, em algumas escolas, ensinadas com o auxílio dos médicos, sen- do o enfoque, portanto, o da Medicina. Devido a es- ses fatos, os enfermeiros continuam a ser preparados, em muitos cursos, somente para completar a ativida- de exercida pelo médico, exclusivamente curativa e centrada no hospital. A OPS(3) refere que, atualmente, essa é uma atitu- de e uma interpretação inequívoca sobre o componen- te clínico da assistência de enfermagem, ao limitar sua conotação a uma mera simplificação da atenção médica. As intervenções de enfermagem têm, sem dúvida, um componente da Medicina que é efetivo e necessário na assistência à saúde. Ao exercer, po- rém, apenas o papel complementar ou de delegação, a Enfermagem acaba não estendendo a sua atuação ao nível de promoção e proteção da saúde da comu- nidade. A nova doutrina da assistência primária de saú- de requererá enfermeiros!$: 12) capazes não só de enfa- tizar os aspectos de recuperação da saúde mas tam- bém os de promoção, proteção e reabilitação e focali- zar O ser humano bio-psico-sócio-espiritualmente, co- mo um sistema individual aberto, em íntima intera- ção com o sistema. social e com o da natureza e do cosmos; um profissional que desenvolverá suas ativi- dades centralizadas nas necessidades humanas bási- cas, tendo como unidade de trabalho o indivíduo, a família e a comunidade, e orientará o potencial des- tes para a participação ativa e consciente na resolu- ção de seus próprios problemas, com vistas ao seu desenvolvimento integral. Respeitando os direitos, valores e decisões dos indivíduos, família e comuni- dade, também os apoiará, compartilhando com eles os conhecimentos e a tecnologia para que, com os agentes da medicina tradicional, possa incrementar quantitativa e qualitativamente a sua capacidade de resolver os seus problemas de saúde e outros. No cuidado direto ao indivíduo, à família e à comunida- 57 de”; “cuidados a clientes hospitalizados”; “cuidados a pessoas em processo de reabilitação"; “Enfermagem em microrregião de saúde""; “o profissional de Enferma- gemea saúde pública”; “o profissional de Enfermagem e a obstetrícia"; “o profissional de Enfermagem e a as- sistência domiciliar”. Com relação à carga horária relativa ao ensino que prepara enfermeiros para a assistência primária de saúde, nem todos os cursos enviaram a quantida- de de horas mas apenas qual ou quais disciplinas do currículo eram as responsáveis. Quanto a isso, as informações são as seguintes: em cerca de 45% dos cursos, a responsabilidade tem sido das discipli- nas “Saúde da Comunidade” ou “Enfermagem de Saúde Pública”; em 55%, a responsabilidade não só é dessas disciplinas como também de outras. Entre as disciplinas cujo conteúdo está sendo orientado pa- ra a assistência primária de saúde, estão as de “En- fermagem Obstétrica”, “Pediátrica”, “em Doenças Transmissíveis”, “Didática” e “Nutrição” aplicadas à Enfermagem, “Administração de Serviços de En- fermagem””, “Higiene e Educação para a Saúde” e “Epidemiologia”. Somente um curso, dos 28 que preparam para a assistência primária de saúde, infor- mou que “Enfermagem Psiquiátrica” tinha o seu en- foque voltado para a comunidade. Nos cursos onde a responsabilidade é das discipli- nas de “Saúde Pública”, a carga horária teórica e prática varia muito. No tronco profissional comum, vai de 70 até 395 horas, excluindo-se as horas dadas na Habilitação em Enfermagem de Saúde Pública, não-obrigatória e, portanto, não ministrada em vá- rias instituições, o que leva a crer que a carga horária, em alguns cursos, parece ser demasiado reduzida pa- ra preparar enfermeiros para o trabalho na comunida- de e para a assistência primária de saúde. Uma das principais características da visão holísti- ca na área da saúde refere-se à utilização de conheci- mentos e de tecnologia não-médica, não-ortodoxa ou não-convencional e à possibilidade da escolha de diferentes e variadas formas alternativas de terapias para o cuidado com a saúde. Essas práticas podem vir de várias fontes: técnicas médicas utilizadas em problemas para os quais elas não haviam sido suficien- temente utilizadas; novos métodos para problemas antigos; métodos oriundos da medicina tradicional ou, ainda, de outros sistemas terapêuticos), O uso de terapias alternativas oriundas da medi- cina tradicional faz parte da estratégia da assistência primária de saúde, pois para o atendimento das ne- cessidades básicas de saúde das comunidades é pre- ciso, também, preservar e ajustar aquelas atividades Acta Paul. Enf., H3): 53-62, setembro de 1988 que, por tradição, vêm sendo desenvolvidas no siste- ma comunitário tradicional(D, Alguns enfermeiros, em todo o mundo, já estão incorporando à sua prática o uso de terapias alterna- tivas e realizando pesquisas no sentido de testar a sua experiência e aceitação. No país, essas terapias estão sendo muito pouco usadas, pois o modelo bio- médico ortodoxo, seguido por grande parte da Enfer- magem brasileira, não as aceita. Os enfermeiros que pretendem incorporá-las têm encontrado muitas difi- culdades, pois não existem locais ou pessoas suficien- temente preparadas para transmitir esses conhecimen- tos. A aprendizagem tem sido através de literatura estrangeira ou por meio de cursos avulsos, muitas ve- zes ministrados por pessoal leigo, alguns com algum conhecimento trazido de seus países de origem, ou- tros autodidatas. Ainda não existe legislação específi ca a respeito do uso e das pessoas que poderão utili- zar essas práticas, embora a 8º Conferência Nacional de Saúdei? tenha recomendado, no “Tema 2 — Re- formulação do Sistema Nacional de Saúde”, a “intro- dução de práticas alternativas de assistência à saúde, possibilitando ao usuário o direito democrático de es- colher a terapêutica preferida”. De um modo geral, os conhecimentos sobre tera- pias alternativas não são abordados na graduação em Enfermagem em nosso país, e os enfermeiros saem muito despreparados para trabalhar junto à po- pulação que as usa largamente. A Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e a Associação Brasileira de Enfermagem, Se- ção de São Paulo, respectivamente em 1984 e 1986 realizaram, sob a coordenação da autora deste estu- do, dois cursos de extensão universitária sobre tera- pias alternativas em Enfermagem, visando a orientar os enfermeiros para as vantagens, os princípios ge- rais e os cuidados com o uso de algumas delas. São muitas as vantagens da utilização de terapias alternativas na assistência de enfermagem: elas geral- mente não provocam fenômenos iatrogênicos, dispen- sam poucos recursos econômicos e, de modo geral, são bem aceitas pela população. A vantagem princi- pal, todavia, está na abordagem holística do ser hu- mano propiciada por algumas, que utilizam as ener- gias mais sutis do organismo humano, propiciando a interação corpo—mente-—espírito no processo saú- de-enfermidade. Caberá aos cursos de Enfermagem preparar ade- quadamente o enfermeiro para que ele possa, em pri- meiro lugar, avaliar as práticas que já vêm sendo uti- lizadas pela população de sua região; depois, efetuar pesquisas com o objetivo de incorporá-las ao cuida- 59 do de enfermagem; e, em seguida, orientar a popula- ção sobre o seu uso, indicando quais as eficazes e quais as prejudiciais. Com relação âquelas práticas para as quais já existem estudos científicos, os cursos de Enfermagem podem incorporá-las ao currículo de graduação, como disciplinas optativas ou em cur- sos de extensão ou especialização após a graduação, desde que utilizem pessoal docente altamente qualifi- cado para tal, Infelizmente, como essas terapias estão na moda em nosso país, elas têm sido utilizadas por pessoas inescrupulosas. Algumas, interessadas em explorar a população, arrancando-lhes dinheiro com falsas pro- messas de curas milagrosas; outras, usando-as e pro- movendo o seu uso apenas com fins demagógicos, fa- zendo a população acreditar que, ao se fazer a inte- gração das práticas alternativas populares no siste- ma oficial, está se substituindo a “cultura das elites” pela “cultura popular”. Dos 38 cursos que fizeram parte deste estudo, em apenas três os informantes disseram que as práti- cas alternativas eram ensinadas como fazendo parte do preparo do enfermeiro para a assistência primária de saúde. O conteúdo desses programas é o seguinte: “Rcnologia alternativa na promoção, proteção e recupe- ração da saúde”; “alimentação natural e ervas medici- nais” ou “práticas alternativas de saúde”; ou ainda, “utilização de tecnologia apropriada envolvendo práti- cas terapêuticas caseiras, comuns na região”, Em nosso país, em que pesem as diferentes refor- mas no sistema de saúde, a assistência à população ainda é fragmentada e não-acessível a todos. Os en- fermeiros, como todo o pessoal de saúde, são prepa- rados através de estágios nos serviços de saúde da co- munidade que seguem o modelo geral, saindo com uma idéia fragmentada da assistência sanitária e inse- guros em relação ao cuidado direto à população em nível comunitário. Ainda são poucas e isoladas as ex- periências de integração docente-assistencial que en- focam a assistência primária de saúde. Neste estudo, alguns cursos ainda continuam a proporcionar aos estudantes apenas a observação de alguns serviços da comunidade, reforçando assim a idéia da fragmentação e não lhes dando confiança para atuar diretamente. Outros cursos já estão prepa- rando o enfermeiro para uma visão mais ampla do fe- nômeno saúde-enfermidade, levando os estudantes a trabalharem diretamente com indivíduos, famílias e grupos da comunidade e dando-lhes mais seguran- ça para atuar no cuidado direto à população, prepa- rando-a para o autocuidado. 60 As principais estratégias utilizadas para esse pre- paro mais realístico são: — Atuação junto aos serviços de saúde pública, como centros de saúde e outros, e não apenas em hospitais; — Atuação educativa junto a grupos de comuni- dade; — Atuação em comunidades carentes ou institui- ções várias da comunidade, tais como asilos, creches e escolas; — Atuação através de serviços assistenciais mode- los, sob responsabilidade da instituição de ensino; — Atuação em microrregiões de saúde, em vários níveis, através de projetos de integração docente-as- sistencial. A proposta De acordo com especialistas mundiais em forma- ção de recursos humanos para a saúde, em especial de enfermeiros e com vistas à assistência primária de saúde, os currículos de Enfermagem na América Latina deveriam ser orientados para os problemas de saúde que a região enfrenta, para os novos con- ceitos relativos ao fenômeno saúde-enfermidade e em relação às tendências de prestação de serviços de saúde nesses paísesO-1? 13-15), Com base nas idéias e nos conteúdos dos currícu- los apresentados neste estudo, cujos informantes re- feriam que os mesmos estão se preocupando em for- mar enfermeiros para a assistência primária de saú- de, são apresentados, adiante, alguns enfoques con- siderados inovadores, e que poderão subsidiar currí- culos de diferentes instituições de ensino de Enferma- gem no país. CONCLUSÕES Este estudo leva à conclusão de que muitos currí- culos de Enfermagem estão preparando enfermeiros para atuar não só no âmbito hospitalar mas também na comunidade, ministrando disciplinas e estratégias adequadas. Poucos cursos, contudo, incluem visões inovadoras com relação ao processo saúde-enfermida- de, não escapando da abordagem feita pelo modelo biomédico convencional, adotado de longa data pe- la Enfermagem brasileira. Quanto às estratégias usa- das, o conteúdo destinado a preparar para a assistên- cia primária de saúde é ministrado, na maioria das vezes, pelas disciplinas “Enfermagem de Saúde Pú- blica””, “Enfermagem Comunitária” ou “Saúde da Comunidade”, de forma isolada. Em alguns currícu- Acta Paul. Enf., 13): 53-62, setembro de 1988 nm a a e » - BRASIL: Ministério da Saúde/FSESP. Enfermagem, legislação e assuntos correlatos. Rio de Janeiro, FSESP, 1974. Vol. 3. ——— — : Ministério da Saúde. 82 Conferência Nacional de Saúde. Anais. 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